domingo, 28 de agosto de 2016

'QUEM SE HUMILHA SERÁ ELEVADO'

Páginas do Evangelho - Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum 


Humildade e mansidão são os frutos da fé para deleite de abundantes graças de Deus para aquele que vive a generosidade despojada dos que seguem a Jesus: 'Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Na parábola do Evangelho deste domingo, estas virtudes essenciais da graça são manifestas na transposição dos primeiros e dos últimos lugares de um grande banquete. 

Diante do Filho de Deus vivo, os escribas e fariseus se preocuparam primeiro em ocupar lugares de honra à mesa. Eles observavam Jesus, eles tinham curiosidade, interesse e empenho em questionar Jesus por qualquer uma de suas palavras ou ações, mas não percebiam a própria insensatez e vaidade de suas ações primeiras: a busca desenfreada por ocupar os primeiros lugares, a vanglória de usufruir com pompas uma posição destacada na mesa de jantar, a jactância de se apropriar sem rodeios das melhores posições para exercerem, com maior júbilo e sem reservas, o desmedido orgulho de suas escolhas humanas.

Eis que Jesus os conclama a viver a humildade da vida em Deus, sem buscar os privilégios e os prestígios efêmeros do mundo: 'Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar... Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar' (Lc 14, 8, 10). Como convivas do banquete, seremos provedores de honra ou da vergonha, dependendo da medida de nossa humildade ou da desdita de nosso orgulho: 'Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado' (Lc 14, 11).

E a humildade não pode prescindir do despojamento, da generosidade desinteressada, da mansidão. A mão que estende a dádiva não se curva à retribuição; a ação de oferta não se compraz da gratidão; a semente que gerou fruto não impõe recompensa alguma. Oferece o 'banquete' de seus dons e talentos aos pobres, e aleijados, e coxos, e cegos...'porque eles não te podem retribuir' (Lc 14, 14). Assim, sem a gratidão e os louvores humanos, o homem sábio ajunta tesouros e a recompensa eterna na ressurreição dos justos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O PAI NOSSO DE SÃO CIRILO DE JERUSALÉM

Pai nosso, que estás nos céus. Ó incomensurável benignidade de Deus! Aos que o tinham abandonado e jaziam em extremos males, é concedido o perdão dos males e a participação da graça, a ponto de ser invocado como Pai. Pai nosso que estás nos céus. Os céus poderiam bem ser os que portam a imagem do celestial, nos quais Deus habita e vive.

Santificado seja teu nome. Santo é por natureza o nome de Deus, quer o digamos ou não. Mas uma vez que naqueles que pecam por vezes é profanado, segundo o que se diz: Por vós meu nome é continuamente blasfemado entre as nações, oramos que em nós o nome de Deus seja santificado. Não que por não ser santo chegue a sê-lo, mas porque em nós ele se torna santo quando nos santificamos e praticamos obras dignas de santificação.

Venha o teu reino. É próprio de uma alma pura dizer com confiança: Venha o teu reino. Quem ouviu Paulo dizer: 'Que o pecado não reine em vosso corpo mortal' (Rm 6,12) e se purificar em obra, pensamento e  palavra, dirá a Deus: Venha o teu reino.

Seja feita a tua vontade, assim no céu como na terra. Os divinos e bem-aventurados anjos de Deus fazem a vontade de Deus, como Davi dizia no salmo: 'Bendizei ao Senhor, todos os seus anjos, heróis poderosos, que executais sua palavra' (Sl 103,20). Rezando, pois, com vigor, dize isto: como nos anjos se faz a tua vontade, Senhor, assim na terra se faça em mim.

Nosso pão substancial dá-nos hoje. O pão comum não é substancial. Mas este pão é substancial, pois se ordena à substância da alma. Este pão não vai ao ventre nem é lançado em lugar escuso mas se distribui sobre todo o organismo, em proveito da alma e do corpo. O 'hoje' equivale a dizer de 'cada dia', como também dizia Paulo: 'Enquanto perdura o hoje'.

E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Temos muitos pecados. Caímos, pois, em palavra e em pensamento e fazemos muitas coisas dignas de condenação. E se dissermos que não temos pecado, mentimos (1Jo 1,8), como diz João. Fazemos com Deus um pacto pedindo-lhe nos perdoe nossos pecados como também nós perdoamos ao próximo suas dívidas. Tendo presente, portanto, o que recebemos em troca do que damos, não sejamos negligentes, nem deixemos de perdoar uns aos outros. As ofensas que se nos fazem são pequenas, simples, fáceis de reconciliar. As que nós fazemos a Deus são enormes e temos necessidade só de sua benignidade. Cuida, então, que por faltas pequenas e simples contra ti não te excluas do perdão, por parte de Deus, dos pecados gravíssimos.

E não nos induzas em tentação, Senhor. Porventura com isto o Senhor nos ensina a pedir que de modo algum sejamos tentados? Como se encontra em outro lugar: 'Aquele que foi tentado não tem experiência' (Ecl 34,10) e ainda: 'Tende por suma alegria, meus irmãos, se cairdes em diversas provações' (Tg 1,2)? Mas jamais entrar em tentação é o mesmo que ser submerso por ela. A tentação, pois, se assemelha a uma torrente difícil de atravessar. Os que, então, não são submersos nas tentações, atravessam, como bons nadadores, sem serem arrastados pela corrente. Os que não são assim, uma vez que entram, são submersos. Assim, por exemplo, Judas, entrando na tentação da avareza, não passou a nado, mas, submergindo, afogou-se corporal e espiritualmente. Pedro entrou na tentação de negação, mas, tendo entrado, não submergiu; antes, nadando com vigor, se salvou da tentação. 

Escuta novamente, em outro lugar, o coro dos santos todos rendendo graças por terem sido subtraídos à tentação: 'Tu nos provaste, ó Deus, acrisolaste-nos como se faz com a prata. Deixaste-nos cair no laço; carga pesada puseste em nossas costas; submeteste-nos ao jugo dos tiranos. Passamos pelo fogo e pela água, mas tu nos conduziste ao refrigério' (Pv 17,10). Tu os vês falar abertamente de sua travessia sem serem vencidos? 'Tu nos conduziste ao refrigério' (Sl 19, 7). Chegar ao refrigério é ser livrado da tentação.

Mas livra-nos do mal. Se a expressão 'não nos induzas em tentação' significasse não sermos de modo algum tentados, não se diria: 'mas livra-nos do mal'. O mal é o demônio, nosso adversário, do qual pedimos ser libertos. Depois, terminada a prece, dizes: 'amém', selando com este amém, que significa 'faça-se', o que se contém na oração ensinada por Deus.

(Excertos da 'Quinta Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados', de São Cirilo de Jerusalém )

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O PÃO DOS HEREGES

São João Crisóstomo, Bispo e Confessor da Igreja, era um orador exímio cuja eloquência fazia cair por terra as heresias mais persistentes, em função do vigor e tenacidade de sua argumentação em defesa da fé católica. Por esta razão, ficou conhecido como o 'martelo dos hereges'. Conseguiu, com sua pregação, converter inúmeros hereges macedônios. 

Menos uma mulher. Esta, de tal forma obstinada no paroxismo de suas heresias, não aceitava nenhuma reconsideração de suas crenças erradas e não se inclinava de forma alguma aos ensinamentos do bispo e de suas pregações. Atraída de tal forma pelo mal, afastou-se da Igreja e passou a frequentar decididamente as práticas e rituais de seitas absolutamente heréticas.

Tal fato desagradou profundamente o seu marido, que tentou persuadi-la destas práticas. Por maiores que fossem os seus esforços e conselhos, porém, tudo foi em vão. A mulher perdera por completo a fé cristã e mergulhou no submundo das piores heresias. Nada a sensibilizava e, a cada tentativa, parecia recrudescer sobre ela o domínio da iniquidade. Em meio a um esgotamento e infelicidade crescentes, o marido tomou a decisão de se separar em definitivo da mulher. 

Tal imperativo moveu a mulher a repensar certos conceitos e certos valores, que estavam sutilmente esquecidos. A relação entre ambos era de um amor verdadeiro e sincero; as demandas de um eram muito bem complementadas pela renúncia do outro. A separação criava dor, desconforto, e perdas muito sentidas para um e para o outro. Haveria possibilidade de uma solução amigável?

No coração feminino, há lugar para todas as incontáveis nuances dos sentimentos humanos. Se era preciso ceder de um lado, era igualmente possível manter o jogo do outro. Na tela das aparências, era possível ter duas realidades. Assim pensou a mulher e assim adotou o propósito de acompanhar o marido às missas do bispo e, ao mesmo tempo, comungar o pão dos hereges de cada dia. Frequentando de forma dissimulada o ritual profano, recolhia o pão herético e depois o passava para ser guardado por uma criada de estimação. Na missa de domingo, ao lado do marido, fingia receber a Sagrada Hóstia mas, de forma dissimulada, o repassava à criada que também a acompanhava e se alimentava, então, com o pão profano.

Nesta prática, se acomodou à vertigem das aparências que se mostraram bastante fáceis e seguras. A criada era de absoluta confiança e o marido se comprazia de tal conversão, e manifestava esse fato com grande regozijo ao bispo. Numa destas missas, porém, eis que ocorreu um fato muito singular: ao levar à boca o pedaço macio do pão profano, este imediatamente se transformou em pedra atritando rigidamente contra os seus dentes. Atônita, a mulher cuspiu o pão dos hereges, feito pedra, no chão da igreja. Diante do espanto geral, a mulher narrou ao marido e ao bispo os fatos acontecidos, suplicando a confissão e sua conversão. São João Crisóstomo publicou o milagre e mandou que aquela pedra em que o pão dos hereges havia se convertido fosse conservada em Constantinopla, para perpétua memória dos fieis cristãos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

POEMAS PARA REZAR (XXI)


DEUS NUNCA TE ESQUECE

Deus te quer, Deus cuida de ti, Ele te chama pelo teu nome.
Te vê e te compreende tal como tu és.
Sabe o que se passa contigo,
Todos os teus sentimentos e pensamentos,
tuas preferências e vontades,
tua fortaleza e fragilidade.

Está contigo em tuas horas de alegria
e também nas horas de angústia.

Conhece as tuas aspirações
e se compadece de tuas faltas.

Se interessa por todas as tuas ansiedades e aflições;
e em todos os momentos de tua vida
te  envolve e te sustenta em Seus braços.

Não te esquece nunca;
quando estás rindo ou quando choras,
cuida de ti com infinito amor.

Escuta a tua voz, a tua respiração,
as batidas do teu coração;
e te quer mais do que tu serias capaz de querer a ti mesmo.

(Beato John Henry Newman, tradução do autor do blog)

terça-feira, 23 de agosto de 2016

NO LIMIAR DO SOBRENATURAL (VI)

16 de abril de 2016. Um terremoto de 7,8 graus arrasa o Equador, causando a morte de aproximadamente 350 pessoas e enormes prejuízos materiais. Em Manta, uma das zonas costeiras mais afetadas pelo sismo, só restou escombros da escola mantida no local pela Comunidade das Oblatas de São Francisco de Sales. Na limpeza dos escombros, uma surpresa completa: a urna de vidro envolvendo a imagem de Nossa Senhora da Luz, padroeira das oblatas, permaneceu intacta por inteiro em meio à destruição geral. Além desta imagem que ficava à entrada da escola, outra imagem da Virgem e outra de Jesus Sacramentado, além dos paramentos litúrgicos usados para a celebração eucarística, ficaram inteiramente preservados.


domingo, 21 de agosto de 2016

SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DA VIRGEM MARIA

Páginas do Evangelho - Assunção de Nossa Senhora
 'O Todo-Poderoso fez grandes coisas a meu favor'

As glórias de Maria podem ser resumidas na portentosa frase enunciada pelo anjo Gabriel: 'Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus' (Lc 1, 30). Ao receber a boa-nova do anjo, Maria prostrou-se como serva e disse 'sim', e por meio desse sim, como nos ensina São Luís Grignion de Montfort, 'Deus Se fez homem, uma Virgem de tornou Mãe de Deus, as almas dos justos foram livradas do limbo, as ruínas do céu foram reparadas e os tronos vazios foram preenchidos, o pecado foi perdoado, a graça nos foi dada, os doentes foram curados, os mortos ressuscitados, os exilados chamados de volta, a Santíssima Trindade foi aplacada, e os homens obtiveram a vida eterna'.

Esta efusão de graças segue Maria na Visitação, pois ela é reflexo da presença e das graças do Espírito Santo que são levadas à sua prima Isabel e à criança em seu ventre. No instante da purificação de São João Batista, o Precursor, Santa Isabel foi arrebatada por inteira pelo Espírito Santo: 'Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo' (Lc 1,41). Por meio de uma extraordinária revelação interior, Santa Isabel confirma em Maria o repositório infinito das graças de Deus: 'Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,43).

E é ainda nesta plenitude de comunhão com o Espírito Santo, que Maria vai proclamar o seu Magnificat: 'Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre' (Lc 1, 46-55).

Mãe da humildade, mãe da obediência, mãe da fé, mãe do amor. Mãe de todas as graças e de todos os privilégios, Maria foi contemplada com o dogma de fé divina e católica da assunção, em corpo e alma, à Glória Celeste. Dentre as tantas glórias e honras a Maria, a Igreja celebra jubilosa neste domingo a Serva do Senhor como Nossa Senhora da Assunção. 

sábado, 20 de agosto de 2016

'REGRAS E PRECEITOS DO MONGE' DE SANTO EFRÉM


Quando desejardes dar alguma resposta, deves por em tua boca a humildade, antes de mais nada, uma vez que sabes muito bem que, por ela, todo o poder do inimigo se reduz a nada. Tu conheces a bondade do teu Mestre, que foi blasfemado, e como Ele se fez humilde e obediente inclusive até a morte. Filho meu, trabalha por ti mesmo para firmar a humildade em tua boca, em teu coração e em tua mente, pois há um mandamento que a exige. Lembra-te de Davi, que vangloriava-se por sua humildade e disse: 'Porque me humilho, o Senhor me libertou e me abençoou' (Sl 30, 8). 

Filho meu, apega-te à humildade e farás com que as virtudes de Deus te acompanhem. E se permanecerdes no estado de humildade, nenhuma paixão, qualquer que seja, poderá dominar-te. Não existe medida para a beleza do homem que é humilde. Não há paixão, qualquer que seja, capaz de dominar o homem humilde; e não há medida para a sua beleza. O homem humilde é um sacrifício a Deus. O coração de Deus e de seus anjos descansam naquele que é humilde. Mais ainda: quando os anjos o glorificam, é porque houve uma razão para ele obter todas as virtudes; porém, aquele que se revestiu da humildade não necessita de nenhuma razão além de se ter feito humilde.

Filho meu, estas são as virtudes da humildade. Filho meu, conserva a paz, pois está escrito: 'Aquele que é sábio, nesse momento conservará a paz' (Am 5, 13). Mantém a paz até que te questionem. E quando te questionarem, fale usando palavras humildes; comporta-te também de maneira humilde. Não lamentes. Se a pergunta exigir extensa resposta, senta-te. Nunca fales enquanto os outros estiverem usando palavras de desprezo; mas, alegremente, não esqueças que teus pensamentos devem ser estes: não escutai as palavras de desprezo. Prestai tua máxima atenção, porém, à toda palavra valiosa, pois está escrito: 'Se tu deixas passar a palavra e não a escuta, te enganas a ti mesmo', Te dei mandamentos desde o princípio; guarda-os desde a juventude. Examina o que diz Paulo: 'Desde o tempo em que eras um menino, conhecias a Santa Escritura, que tem o poder para te salvar' (2Tim 3,15). 

Aprende toda regra dos preceitos do monge, e faz-te querido em todos os teus trabalhos... No deserto em que te estabeleceste, mantém esta maneira de agir e não fujas de um lugar para outro. Não te dirija à morada de ninguém para lamentar no que crês, muito menos por causa dos desejos do teu estômago. Não estejas em companhia do homem agitado e problemático, mas assegura-te em continuar com tua vida silenciosa; não estejas também na boca dos teus irmãos. Te suplico, meu amado no Senhor, que deixeis que tua meta principal seja aprender; escutar com atenção (ou obedecer) te dará a paz, pois está escrito: 'o proveito da instrução não é a prata'. Cuida-te para jamais deixar de escutar (ou desobedecer). Que a palavra de Saul não se realize em ti, nem em tua geração, pois Deus é mais facilmente persuadido pela obediência do que pelo sacrifício (1 Sm 15, 22).

Estas são, então, as regras do ofício do monge: deves comer com os irmãos; não levantes a cabeça enquanto não tiver terminado de comer; come com a roupa que te deixas ver em público; se acontecer de serdes o último a ser servido, não digas: 'Traga-me logo, pois aqui está sentado alguém maior que tu'; quando desejares beber da garrafa de água, não deixes que tua garganta cause confusão como um homem comum ... quando estiverdes dormindo em algum lugar com os irmãos, não permitas que pessoa alguma se aproxime a menos de um cotovelo de distância. Se o trabalho for tranquilo, não durmas sobre a esteira, mas dobra-a pois sois um homem jovem. Não durmas estendido, nem tampouco de costas, para que teus sonhos não te molestem.

Quando estiverdes caminhando com os irmãos, mantém-te sempre a alguma distância deles, pois quando caminhas com um irmão fazes com que teu coração esteja ocioso. Se estiverdes usando sandálias nos pés e o que caminha contigo não as têm, desata-as e caminha como ele. Faz o trabalho do pregador. Faça-o cuidadosamente enquanto estiverdes em tua habitação. Não comas enquanto o sol estiver brilhando. Não acendas a fogueira para ti apenas, ou te transformarás num homem exibido. Quando for necessário aquecer-se, chama algum homem pobre e miserável que está contigo no deserto, e serás elogiado, ao dizer: 'Não posso comer sozinho o meu pão'.

Se estiverdes numa montanha ou em um lugar onde há algum irmão doente, visita-o duas vezes ao dia: de manhã, antes de começardes a trabalhar com tuas mãos, e à tarde; pois está escrito, meu amado no Senhor: 'Estive doente e tu me visitaste' (Mt 25, 36. 43). Quando um irmão morre na montanha onde estás, não te sentes na cela onde consegues ouvir a notícia, mas vai sentar-te com ele e chora sobre ele; pois está escrito: 'Chora pelo homem falecido e caminha com ele até que seja enterrado, pois esta é a última coisa que se pode fazer por seu irmão. Saúda seu corpo com compaixão, dizendo: Lembra-te de mim diante do Senhor'...

Se um irmão vem até ti, regozija-te com ele. Saúda-o. Prepara água para seus pés. Não esqueça isto. Que ele reze. Ficai sentado. Saúda suas mãos e seus pés. Não o incomodes com perguntas como: 'de onde vens?'; pois está escrito: Desta maneira, alguns, sem saber, têm recebido anjos em sua morada? (Hb 12, 2). Crê naquele que veio a ti da mesma forma como crerias em Deus. Se ele for um homem mais virtuoso que tu, diga-lhe humildemente: 'Que teu favor esteja sobre mim', o que equivale a dizer: 'Tu és meu mestre'. Guarda tua comida e come com ele. E se tiverdes algum compromisso, desmarca-o; pois está escrito: 'Filho meu, sempre me traz prazer acompanhar o homem que quer caminhar'. Deves regozijar-te com ele e estar feliz. Fazei o máximo que puder para que te bendiga três vezes, para que a bênção do anjo que entrou com ele venha sobre ti.

E como exige a mesma fé da Igreja Católica, não te desvies dela, nem te ponhas fora dela. Cremos em só Deus, Pai todo-poderoso, e em seu Filho único, Jesus Cristo, nosso Senhor, por quem foi feito o universo, e no Espírito Santo, ou seja, [cremos] na Santíssima Trindade, a divindade plena. Ele [Jesus] é Deus, Ele estava com Deus, Ele é a Luz que vem da Luz, Ele é o Senhor que vem do Senhor. Ele foi gerado, não criado. Foi gerado como homem. Ele não é uma criatura, é Deus. Foi gerado pela Santíssima Virgem Maria, a mulher que levou Deus em seu seio. Ele tomou a carne do homem para o nosso bem, [veio] à terra e dela ascendeu. Escolheu pregadores, os Santos Apóstolos, cujas vozes, conforme o que está escrito, têm sido ouvidas em toda a terra (Sl 18,4). Foi crucificado e traspassado com uma lança. Daí veio a nossa salvação, Água e Sangue, isto é, o Batismo e o glorioso Sangue; quem não recebeu o Sangue, não foi batizado.

Faz isto, filho meu. Mantém esta fé e o Deus da paz estará contigo, e te salvará, e te libertará, e estarás em paz pelo resto dos teus dias. A salvação está no Senhor, filho querido, no Senhor. Lembra-te de mim, amado no Senhor, por Jesus, o Cristo, nosso Senhor, a quem pertencem a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.
(Santo Efrém da Síria)