quarta-feira, 4 de maio de 2016

NO LIMIAR DO SOBRENATURAL (IV)


Localidade de Despeñaderos, província de Córdoba, Argentina, 10 de outubro de 2009. O que seria mais um mero registro de uma cerimônia de batismo vai se revelar de uma singularidade excepcional. A jovem mãe, Erica Mora, sem maiores recursos, pede a uma fotógrafa presente à cerimônia para registrar o momento do batismo do seu filho, Valentino Mora. A fotógrafa aceita fazer a foto de forma gratuita e registra o momento em que o Padre Osvaldo Macaya, da paróquia da Assunção de Nossa Senhora, derrama água benta sobre a cabecinha da criança. Uma vez revelada, a fotografia mostra uma imagem de singular simetria e simbolismo: as gotas conformam um rosário, com clareza excepcional, num arranjo complexo e, ao mesmo tempo, inverossímil e perturbador.

terça-feira, 3 de maio de 2016

A HERANÇA DA GRAÇA

Quando nos incorporamos no Filho, uma perfeita intimidade com Ele é o legítimo objeto da nossa esperança, a finalidade dos nossos desejos e dos nossos esforços. Ele cresce em nós e dilata o nosso ser, de maneira a tornar-nos cada dia com mais capacidade para o divino. O homem renovado pela graça tira todas as suas faculdades das riquezas abundantíssimas do Verbo, enquanto se despoja de si próprio para se revestir da santidade de Cristo. A incorporação inunda-nos de dons sempre novos: a força do Espírito Santo, o poder divinizante da graça, a glória de que esta vida de união está já secretamente cheia: 'Vós, pois, como escolhidos de Deus, santos e amados, revesti-vos de entranhas de misericórdia, de benignidade, de humildade, de modéstia e de paciência' (Col 3,12) e 'Embora se destrua em nós o homem exterior, todavia o interior vai-se renovando de dia para dia' (II Cor 4,16).

A fusão da alma com Cristo opera-se no próprio fundo do ser e no princípio do tempo: os símbolos tirados da união de substâncias criadas não pedem traduzir esta unidade incomparável e sempre nova forjada pelo amor: 'Para que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós' (Jo 17,21). Deus não põe de parte o que começou; pelo contrário, não cessa nunca de o aperfeiçoar na alma: Ele quer que Cristo cresça em nós até à plena harmonia da idade adulta. O seu Espírito aproxima-se constantemente do Pai para nos unir mais intimamente a Ele: 'Porque todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus. Porque vós não recebesses o espírito de escravidão para estardes novamente com temor, mas recebesses o espírito de adoção de filhos, mercê do qual chamamos, dizendo: Abba - Pai' (Rom 8,14-15).

À medida que o conhecimento de Deus cresce dentro de nós, torna-se mais viva a nossa fé no Pai. Quanto mais clara é para nós a evidência de que Deus é caridade, mais pronta fica a nossa alma para se perder nos abismos desse amor. Participamos do amor do Pai pelo Filho, e é com Cristo que repousamos no seio do Pai: 'Livrou-nos do poder das trevas e transferiu-nos para o reino do Filho do seu amor' (Col 1,13). Deste modo, a vida partilhada com Cristo introduz-nos na pátria da Sua eterna glória: 'Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci; e estes conheceram que tu me enviaste. Eu fiz-lhes e far-lhes-ei conhecer o teu nome, a fim de que o amor, com que me amaste, esteja neles, e eu neles' (Jo 17,25-26).

Todos os homens podem viver desta inebriante verdade se se deixarem libertar por ela, se, deixando de fazer das criaturas objeto do seu desejo, as atravessarem a correr como frágeis degraus, como meios inteiramente ordenados para a finalidade divina: 'Nós conhecemos e cremos na caridade que Deus tem por nós: Deus é caridade' (I Jo 4, 16).  Deus procura arrancar-nos cada vez mais a nós próprios, a fim de que já não vivamos para nós, mas d'Ele e para Ele. A minha vontade, o meu coração, o meu espírito foram substituídos pela vontade, pelo coração, pelo espírito de Cristo; eu e Ele somos um em espírito, e eu estou identificado com Ele pelo amor: é esta a experiência e a alegria dos santos: 'Já não vivo, é Jesus que vive em mim!' (Gal 2, 20).

Nada encoraja e fortifica o coração como esta verdade: 'Todas as coisas são vossas, o mundo, a vida, a morte, presente e futuro; tudo é vosso; mas vós sois de Cristo e Cristo de Deus' (I Cor 3,22-23). É esta, com efeito, a herança de Cristo, a obra que Ele realizou livremente morrendo por nós: 'Eis-vos purificados, santificados e justificados em nome de Jesus Cristo, pelo Espírito de Deus' (I Cor 6,11). Tudo devemos à graça e somos apenas o que ela permite que sejamos, mas podemos torná-la ineficaz com as nossas infidelidades. Velar pelo seu crescimento dentro de nós é o objeto digno do nosso esforço: 'O vosso trabalho não é vão no Senhor' (I Cor 15,58) e 'Vigiai, permanecei firmes na fé, sede viris e fortes' (I Cor 16,13).

As fraquezas terrestres hão-de pesar sempre sobre nós enquanto vivermos neste mundo. Os heróis e os gigantes da santidade suspiraram sempre sob a lei do pecado, que, como nós, nunca deixaram de sentir: 'Infeliz de mim! Quem me livrará deste corpo de morte?' (Rom 7,24). O remédio para a nossa fraqueza é o realismo da fé: um olhar franco sobre a nossa própria miséria e sobre as riquezas de Deus. Cristo operou em nós uma obra sublime - a infusão de uma outra vida.

A fé ilumina-nos com uma luz infinitamente mais brilhante que o dia, a caridade abre-nos um horizonte que a natureza não pode sequer suspeitar. O cristão é um homem novo e o ar que ele respira interiormente não é deste mundo; a sua existência foi recomeçada segundo um plano divino. Embora ele continue a arrastar o peso do corpo e das suas inclinações inferiores, revestiu-se já de outra Pessoa: 'Despojai-vos do homem velho com todas as suas obras, e revesti-vos do novo, daquele que renovando-se continuamente à imagem daquele que o criou, atinge o conhecimento perfeito. Nesta renovação não distingue entre o escravo e o homem livre, é Cristo que é tudo em todos' (Col 3,9-11) e 'O homem que está em Cristo é uma nova criatura; passaram as coisas velhas; eis que tudo se fez novo. E tudo isso vem de Deus' (II Cor 5,17).

O coração é novo, são novos o espírito e a vontade; sim, o homem é novo a partir do momento em que se abriu inteiramente para a graça. E aquilo que Deus lhe dá, a vida divina, não pode ser-lhe arrancado por nada que tenha sido criado, se ele o não consentir: 'Quem nos separa, pois, do amor de Cristo? A tribulação?  A angústia?  A fome?  A nudez?  O perigo?  A perseguição?  A espada? Mas de todas estas coisas saímos vencedores por aquele que nos amou. Porque eu estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem as coisas presentes, nem as futuras, nem a força, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Jesus Cristo nosso Senhor' (Rom 8,35-39).

(Excertos da obra 'Intimidade com Deus', de um cartuxo anônimo)

segunda-feira, 2 de maio de 2016

DA VIDA ESPIRITUAL (90)



Vivemos tanto na racionalidade dos porquês e na utopia de conhecer todas as respostas, que nos confundem e nos afligem os acontecimentos que Deus coloca em nossas vidas e que não conseguimos compreender. Não é assim em tantas situações e em tantos contratempos desta vida? E isso decorre porque nos colocamos à frente das coisas, como se fôssemos donos do amanhã e senhores de todas as nossas ações. Quanta insensatez neste viver por viver! 

A vida tem sentido quando reconhecemos a nossa enorme fragilidade e nos colocamos, em tudo e para todos, à mercê da Santa Vontade de Deus. A nossa vida tem sentido quando depositamos, sem reservas e com o mais puro amor humano que se possa conceber, o nosso nada no Coração de Deus!

domingo, 1 de maio de 2016

'A MINHA PAZ VOS DOU'

Páginas do Evangelho - Sexto Domingo da Páscoa


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a viver plenamente a presença de Jesus Ressuscitado em nossas vidas, como testemunhas da fé e da fidelidade às suas Santas Palavras: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (Jo 14, 23). Eis aí o legado de Jesus aos seus discípulos: a graça e a salvação são frutos do amor, que é manifestado em plenitude, no despojamento do eu e na estrita submissão à vontade do Pai: 'Desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas sim a d’Aquele que me enviou' (Jo 6, 38) e 'Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos' (Mt 22, 37-38).

A graça nasce, manifesta-se e se alimenta do nosso amor a Deus, pois 'quem não me ama, não guarda a minha palavra ' (Jo 14, 24). Mas este amor terá de ser libertado do mero sentimento arraigado às mazelas humanas para ser transformado em um amor espiritual sem medidas, desapegado dos valores mundanos. Este amor não provém dos sentimentos efêmeros, nem dos sentidos, nem das paixões desregradas, nem dos abismos volúveis das sensibilidades e das vontades humanas.

Este amor não se alimenta da paz do mundo, mas da paz que emana do próprio Coração de Deus: 'Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo.' (Jo 14, 27). Na paz de Deus, na confiança absoluta às divinas promessas, não há porque se perturbar ou se intimidar a fragilidade do pobre coração humano. A presença permanente do Cristo Ressuscitado em nossas vidas vem por meio da manifestação do Espírito Santo, o Defensor, conforme as palavras de Jesus: 'o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito' (Jo 14, 26). 

Sob a ação do Espírito Santo, o amor humano pode trilhar livremente o caminho da santificação, até o impossível, até os limites de um despojamento absoluto do próprio ser para a plena manifestação em si da glória de Deus, quando enfim, 'o meu Pai o amará, e nós (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) viremos e faremos nele a nossa morada' (Jo 14, 23).

01 DE MAIO - SÃO JOSÉ OPERÁRIO


São José, São José carpinteiro,
dai-me o cinzel do entalhador
para que eu molde almas, muitas almas,
com a sagrada face do Senhor...


São José, modelo de virtudes,
imprimi em mim virtuoso labor
para que eu seja luz, luz que alumie,
os santos caminhos do Senhor...


São José, homem de oração,
dai-me a graça da vida interior
para que eu leve ovelhas, muitas ovelhas,
 ao rebanho do Bom Pastor...
  

São José, São José missionário,
guiai-me no apostolado do amor
pelos homens, para que muitos se salvem,
 na infinita misericórdia do Senhor...



 São José, esposo de Maria,
ungi-me a fronte com especial fervor
de levar as almas, todas as almas,
às fontes da graça do Senhor...


São José, São José camponês,
dai-me o arado e fazei-me semeador
que eu possa dar frutos, muitos frutos,
nas vinhas gloriosas do Senhor...


São José, homem justo na fé,
fazei de mim esteio consolador
de todos que sofrem, dos que padecem,
crucificados como o Senhor...



São José, São José operário,
fazei de mim um santo trabalhador
que eu seja obra de muitos nomes
nas moradas eternas do Senhor...

('Poema a São José', de Arcos de Pilares)

sábado, 30 de abril de 2016

VERSUS: O MAIOR E O MENOR DO HOMEM

Nós somos muito e não somos nada. Não há nada que possa ser maior que o homem, e nada que lhe possa ser menor. Não há nada maior quando se olha a alma do homem e nada menor quando se olha o nosso corpo. E quantos se ocupam do corpo como se só tivessem isso do que cuidar. Saberão, por acaso, que é exatamente isso o que só têm a desprezar?

(Cura D'Ars)




sexta-feira, 29 de abril de 2016

29 DE ABRIL - SANTA CATARINA DE SENA


Santa Catarina de Sena nasceu Caterina di Giacomo di Benincasa na cidade de Sena / Itália, em 25 de março de 1347, de família humilde e numerosa. Desde tenra idade foi cumulada pela Providência Divina de visões místicas e dons sobrenaturais, que incluíram mais tarde a manifestação de estigmas semelhantes aos de Nosso Senhor. Ofereceu-se a Deus desde a infância e, ainda muito jovem, já havia recebido o hábito de penitente da Ordem Terceira de São Domingos.

Reclusa em sua cela, em orações e jejuns constantes, Catarina passou por inúmeras experiências sobrenaturais, que culminaram com a celebração de suas núpcias místicas com o Senhor, na cela de sua reclusão, nas vésperas da Quarta-Feira de Cinzas do ano de 1367. Acostumada a uma vida de rígida abstinência, a comunhão era, muitas vezes, o seu único alimento por vários dias. Mas, segundo o seu confessor e primeiro biógrafo, Raimundo de Cápua, Jesus vai demandá-la a abandonar a vida reclusa e a dedicar-se totalmente a uma missão pública em favor da Igreja.

A Europa à época de Santa Catarina estava marcada pela peste, pela violência e por uma grave crise da Igreja. O papado estava recolhido na cidade francesa de Avignon, sob influência política de diversos reinos e ducados. Catarina tornou-se, então, a servidora humilde de todos, cuidou dos doentes, pregou um apostolado intensivo e lutou incessantemente pelo restabelecimento da paz, mediante visitas pessoais ou envio de cartas a diferentes políticos e governantes, conclamando o próprio papa - Gregório XI - a retomar o seu pontificado a partir de Roma. 

E o retorno do papa a Roma ocorreu em janeiro de 1377. Neste período, tem início os primeiros registros das conversações entre a sua alma e Deus, mais tarde transcritas na obra hoje conhecida como 'Diálogo'. Mas a paz na Igreja não seria longa, sendo marcada por novas revoltas e a morte em seguida de Gregório XI. Em Roma, os cardeais elegem Urbano VI; em Avignon, alguns cardeais franceses dão origem ao Grande Cisma do Ocidente, não aceitando o novo papa de Roma e elegendo o antipapa Clemente VII. 

A angústia e aflição diante destes fatos e da incerteza sobre o futuro da Igreja a acompanhariam até à sua morte prematura, ocorrida em 29 de abril de 1380, aos 33 anos de idade. Sua cabeça foi separada do corpo e é venerada na Basílica de San Domenico em Siena e o corpo encontra-se na Igreja de Santa Maria Sopra Minerva, em Roma. Catarina foi canonizada em 1461 pelo papa Pio II e declarada 'doutora da Igreja' pelo papa Paulo VI em 1970, apenas alguns dias depois da concessão da primeira e igual honraria dada à Santa Teresa de Ávila.

(cabeça preservada e túmulo de Santa Catarina de Sena)