sábado, 26 de dezembro de 2015

ATÉ A CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS

O Divino Salvador está conosco, não já como uma sombra fugaz da fama e do nome que fica sobre o túmulo e sobre os monumentos dos grandes homens que passam, mas como Deus presente em sua divindade e humanidade. Deus escondido na sombra dos pães multiplicados, sombra que Nos parece divisar nas trevas do Lago de Tiberíades, naquela noite em que Cristo caminhava sobre as ondas, e aos discípulos que estavam remando com fadiga, pareceu um fantasma. Não, não é um fantasma o Deus dos tabernáculos, que adoramos. É o mesmo que então disse aos pávidos discípulos: 'Tende confiança; sou eu, não temais'. É aquele mesmo que disse: 'Eis-me convosco todos os dias até a consumação dos tempos'. É o mesmo que caminha sobre as ondas dos séculos, senhor dos ventos e das procelas humanas. Ele caminha sobre ondas tempestuosas ao lado e diante da Igreja; responde aos seus ministros que o chamam com voz sagrada, a eles por Ele concedida, e aos seus altares convida e reúne desde vinte séculos as nações e as gentes, os povos e os que reinam, os mártires e as virgens, os pontífices e os sacerdotes, prostrados a adorá-lo presente, e a amá-lo escondido, a invocá-lo companheiro na alegria e na dor, na vida e na morte.

O Deus dos altares está no meio de nós, invisível mas testemunho fiel primogênito entre os mortos, príncipe dos reis da terra, que nos amou e nos lavou de nossos pecados, com o próprio sangue e nos fez reino e sacerdotes a Deus Pai; o primeiro e o último, o vivente que esteve morto e está vivo nos séculos dos séculos. Mas é ao mesmo tempo em nosso meio, o Deus do arcano. É o mistério da fé, centro do incruento divino sacrifício, cioso segredo da Esposa de Cristo, a qual nos primeiros séculos de sua imutável juventude amou esconder sob o véu do arcano também seus tenros filhos; arcano feito mistério de um mistério, escondido desde séculos eternos em Deus. Diante deste mistério se inclinaram no pó os apóstolos e os mártires; nas basílicas, os pontífices; nos desertos e nos cenóbios, os monges e os anacoretas; nos claustros, as virgens, nos campos de luta, os esquadrões; nas catedrais, os doutores, nas estradas, os povos; Cristo estava em meio a eles; mas quem o viu? quem o divisou? Bem-aventurados aqueles que não o viram e acreditaram: Beati qui non viderunt et crediderunt.

A fé passa além de todo véu, penetra todo arcano; e quanto mais vivo prossegue, tanto mais luz adquire, reinflama-se e exalta-se em si mesma, faz do próprio mistério o farol e o fogo de sua vida e de sua obra. Cristo, porém, não está presente apenas em meio ao mundo, mas também se avizinha do homem, está com ele, com seus apóstolos, com seus fiéis, com todas as gentes, conquista de seu sangue. Dúplice é sua presença. Há uma presença divina, com a qual sustém o universo por Ele criado, segue os passos dos homens pelos caminhos do bem e do mal e é dele testemunha e juiz que inclina ao bem e pune pelo mal. Há outra presença humana e ao mesmo tempo divina, pela qual eleva os seus estandartes nas catacumbas, entre as densas casas do povo, pelos campos, pelas selvas, em meio ao gelo perpétuo, onde quer que um sacerdote com a onipotente palavra, eleve bem alto um pão e um cálice, repetindo o que foi feito em memória de Cristo. Lá está Ele com seu ministro, com ele caminha, torna-se alimento, viático dos moribundos e dos infelizes, irmão e esposo, pai, médico, conforto e vida das almas, pão dos anjos, penhor de alegria imortal.

Até quando sobre algum campo de nosso globo despontar uma espiga de trigo e pender um cacho de uvas, e um sacerdote subir compenetrado ao sacrifício do altar, o Hóspede divino estará conosco; e o crente curvará na fé a mente e o joelho diante de uma hóstia consagrada, como na última ceia os apóstolos no pão e no vinho consagrados que o Salvador lhes dava dizendo: 'Isto é o meu corpo; Isto é o meu sangue', adoraram Cristo, o Mestre Divino, com aquela pura e alta fé que crê nos portentos de sua palavra, e da qual se deduz a interna adoração, fé sem a qual é vão o sinal de dobrar um joelho. Daquela hora do cenáculo começaram os séculos do Deus da Eucaristia; o giro do sol iluminou os passos com suas auroras e os seus ocasos; as vísceras da terra escavadas, acorreram salmodiando; nos ermos, nos cenóbios, nas basílicas, sob os aéreos pináculos inclinaram-se a Ele, Pastor e povos, príncipes e exércitos. Em suas conquistas avançava com seus arautos e sacerdotes além dos mares e dos oceanos e do Oriente ao Ocidente, de um a outro polo; o Redentor já planta, todos os dias, seus tabernáculos, perseverando contra a ingratidão dos homens, em encontrar as delícias próprias, em estar com eles, só procurando difundir a salvação, os tesouros de suas graças e de suas magnificências.

(Papa Pio XII, Discursos, 1939)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!


Desejo a todos os nossos amigos visitantes um Santo e Feliz Natal. 
Deseo a todos los amigos y visitantes Felices Navidades. 
I wish to our friends' visitors an happy and Holy Christmas. 
Je désire à tous nos amis un heureux et joyeux Noel. 
Auguro a tutti gli amici uno Santo ed Felice Natale. 
Ich wunshe to unsere Freude eine Wundabar und Stille Nacht.


IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL

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AS MAIS BELAS CANÇÕES DE NATAL


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NATAL

Jesus nasceu! e na pequena estrebaria
José apressa-se em fazer a manjedoura
ajunta palha e feno, mudo de alegria,
enquanto a Mãe em êxtase se entesoura

Os animais se aproximam cautelosos
inebriados diante a luz que transfigura
e os pastores de joelhos, jubilosos,
louvam o Criador agora criatura!

Há uma paz imensa nesta noite fria
todos os anjos cantam a doce melodia
que une céu e terra em amor profundo;

É Natal, a Mãe embala seu pequeno filho
e a luz que inunda a gruta tem o brilho
da salvação que libertou o mundo!

                                                                              (Arcos de Pilares)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O DEUS VISÍVEL QUE PODEMOS SER

Em Nazaré, Jesus era visível, e Jesus era Deus. Entretanto, há outras lições neste mistério de um Deus que se tornou visível a todos. Jesus é um modelo, e um modelo que permanece sempre! E teria sido esta presença da divindade um privilegio reservado unicamente ao século de Augusto, ao alcance somente dos habitantes de Nazaré ou da Palestina? E nós que vivemos vinte séculos depois desta divina aparição, e cuja alma ardente tem sede de ver e de ouvir Aquele que tem as palavras de vida, estaríamos condenados a nada ver e a nada ouvir? 

Ó Jesus, nosso modelo, que mistério é este? Hoje Deus não seria mais visível? Não o poderíamos ver mais? Sim, há um meio de tornar visível o bom Deus. Basta por-se em suas mãos, deixar-se formar por Ele. Nós, pobres criaturas faremos o bem, mas é Deus quem nos impelirá. É Deus quem nos sustentará, quem se servirá de nós, e quem, de certo modo, não podendo amar materialmente a sua criatura, nos escolherá para substituí-lo. E nós seremos então 'o bom Deus feito visível'.

Ó bom e confortador pensamento! Ele foi ingenuamente expresso por uma mulher do povo, da qual cuidava um membro das conferências de São Vicente de Paulo. No auge do seu reconhecimento, em face das atenções, dos cuidados e da bondade de que este a cercava, e não sabendo como exprimir o que sentia, disse ela: 'Ó meu Senhor, se existissem dois bons deuses, vós seríeis um deles!' Ó esforcemo-nos por ser um pouco 'um bom Deus' para com aqueles que nos cercam. É com a Sagrada Família que devemos aprender este segredo.

O amor é o característico de Deus. Deus caritas est. E que é o amor senão o dom de si mesmo? Amar é se por à disposição dos outros, para seu alívio, sua instrução, sua felicidade e sua santificação, tudo o que Deus nos emprestou. E não era isto o que fazia a Sagrada Família? Jesus punha-se à disposição de seus queridos pais, dos que o cercavam ou frequentavam, e sobre todos espargia o seu sorriso e a sua benevolência. Ele os consolava nos sofrimentos e os reconfortava nas horas de acabrunhamento.

Não julguemos que Ele tenha feito milagres continuamente, para ganhar os corações, para prestar-lhes serviços, para fazer-lhes prazer e para levá-los a Deus. Não foram anjos que cumpriram junto a Maria e a José estes pequeninos deveres de um filho submisso e laborioso, os quais exigem fadiga material; foi o próprio Jesus quem se fatigou realmente. A união da natureza humana à natureza divina não impedia que o coração de Jesus se sentisse magoado pela falta de atenção, que sofresse por causa de uma palavra pouco respeitosa, que se sentisse ferido por um ato de ingratidão. Entretanto nem a grosseria dos seus companheiros, nem a falta de atenção dos que abusavam da sua bondade, nem o ódio dos que não podiam suportar uma virtude que lhes condenava as desordens, arrefeciam um só instante o seu amor.

Depois, Maria e José, nutridos por tais exemplos, penetrados do amor que se irradiava em torno do divino Filho, tinham um só desejo: aproximar-se d’Ele tanto quanto possível. Se porventura a divindade já se deixou transparecer através duma criatura, fê-lo, sem dúvida, em Maria e José. De fato, não se aproximavam ambos da divindade tanto quanto o pode um mortal? Eles sentiam a necessidade de dedicar-se; e Jesus queria tornar-se visível por eles. 

Se vinha alguém pedir um serviço a José, ele deixava logo o trabalho mais urgente, para voar em auxílio dos que a ele haviam recorrido. Se havia um trabalho urgente, ele labutava dia e noite para agradar ao seu cliente. Aconteceu-lhe talvez, como aos outros trabalhadores, ser repreendido por causa do seu trabalho. Mas para todos José tinha o seu sorriso e o seu bom coração; a todos oferecia os seus serviços, para todos teria sacrificado o seu repouso e a sua vida. É que amava com o amor de Jesus, e, pela virtude, Jesus fazia-se visível nele, por assim dizer.

E Maria! A igreja a chama o espelho de Jesus – Speculum justitiae! Muitas vezes vinham interrompê-la a pedir-lhe um conselho ou qualquer serviço. Ela nunca hesitava... dava, dava-se a si mesma... e chegará a dar o seu Jesus para a salvação do mundo! Em Nazaré havia doentes, havia pobres e órfãos. Maria era para eles a providência visível. De pé, ao romper do dia, depois de ter acabado os trabalhos domésticos, à meia obscuridade ainda, tomava uma cesta, e ia com diligência dividir a sua pobreza com outros mais pobres do que ela.

Sentava-se à cabeceira dos doentes e, consolando-os, falando-lhes do céu e do mérito do sofrimento generosamente aceito, prestava-lhes todos os serviços materiais que lhe estavam ao alcance. Lavava as chagas, curava as feridas de que outros fugiam e não queriam cuidar. Suavizava pela sua presença, e curava os corpos e as almas. Os pobres também estavam certos da sua visita. Cada manhã levava-lhes o seu meigo sorriso e sua palavra mais meiga ainda; dividia com eles o fruto dos suores de seu esposo, e fruto também das suas vigílias e das suas fadigas.

E, quando na estação invernosa, quando o frio enregelava os doentes e os pobres, a compassiva visitante achava sempre, apesar da sua pobreza, que tinha mais do que os outros e que em casa havia supérfluo, objetos de luxo de que em rigor podia privar-se. Aproveitando as trevas, depressa tomavam estes objetos o caminho das pobres mansardas, para ali levarem um pouco de alegria, um pouco de alívio e um pouco de amor.

Os órfãos de Nazaré não estavam sem mãe. A Mãe de Jesus velava por eles. Não podendo dar a si mesma, ou abrigá-los sob o próprio teto, intercedia por eles junto às famílias mais afortunadas. Abrigava-lhes o corpo, e sobretudo fornecia-lhes os meios de cumprirem os seus deveres para com Deus. Ó seria exagero dizer que às vezes, a horas impróprias, pobres e enfermos vinham bater à porta do carpinteiro José, para ali encontrar com que saciar a fome que os devorava e com que aquecer um instante os membros enregelados, sofredores ou fatigados?

A Sagrada Família, sem dúvida, recebia-os, consolava-os, e deles cuidava. Certamente, nunca julgava fazer demais para alívio destes infelizes. Quantas vezes, depois de cenas deste gênero, os doentes, os pobres, os órfãos tiveram que repetir, senão com os lábios, ao menos com o coração, o brado desta mulher que citamos ao começar: ' Ó mulher, se houvesse dois bons Deus, vós seríeis um deles!'

Sim, ela era um bom Deus. Deus se refletia na vida de cada um dos membros da Sagrada Família. Vê-los, era ver Deus, que operava neles e por eles. E mesmo quando não se via Jesus, bastava ver Maria e José, que eram como Deus feito visível aos homens! Ó meu Deus, concedei-me a graça de mostrar-vos aos homens – Vós em mim e eu em Vós. Fazei, entretanto, com que só Vós sejais visto! Experimentemos, experimentemos, sejamos um pouco, para aqueles que nos cercam, ou que de nós se aproximam, o bom Deus feito visível. 

Que suave, que sublime missão! Procurai amar como a Sagrada Família amava e como ela amaria se estivesse em nosso lugar, cercada das mesmas pessoas, dispondo dos mesmos meios de que dispomos. Não há perto de nós alguém que sofra e que tenha necessidade de um sorriso ou de uma boa palavra? Não conheceis algum pobre ao qual o vosso supérfluo levaria um pouco de alegria, um pouco de felicidade, um pouco de bem estar? Não há em vossa aldeia algum órfão, que chora sua mãe ou seu pai, que procura em vão algum consolo ou um pouco de ternura? Não conheceis alguma alma dilacerada, que vegeta tristemente abandonada, rejeitada talvez, e a quem uma boa palavra aproximaria do bom Deus, e a salvaria talvez?

Ó jovens, ó homens de coração, hoje, hoje mesmo, sede um pouco São José. Ó vós, moças cristãs, hoje, hoje mesmo, sede um pouco a Santíssima Virgem. E vós, queridas crianças, hoje, hoje mesmo, sede um pouco o pequeno Jesus. Vós todas, ó almas generosas, por vosso procedimento e por vossa dedicação tornai visível o bom Deus. Sim, meu Deus, eu quero que possam dizer também de mim: 'se houvesse dois Deuses, tu serias um'. Por nossa benevolência e dedicação, sejamos um pouco 'um Deus visível' para aqueles que nos cercam, para aqueles sobretudo que não nos são simpáticos.

(Padre Júlio Maria de Lombaerde)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (IV)

A ESTIMAÇÃO DE SUA GRAÇA

Mais um dos quatro interesses de Jesus. O mundo teria uma feição inteiramente diferente se os homens estimassem a graça no seu justo valor. Existe em todo o universo algum objeto que tenha valor intrínseco, a não ser a graça? E não obstante, com que fraqueza vamos atrás das futilidades, que nada têm de comum com os interesses de Jesus! Que cegueira! Que tempo perdido! Quanto mal fazemos! Quanto bem deixamos de fazer!

E todavia, apesar disto, com que carinho, com que paciência nos trata Jesus! Se todos soubessem apreciar dignamente a graça, todos os outros interesses de Jesus medrariam. Quando estes sofrem, é precisamente por que não se dá a graça a estimação que ela merece. As graças veem incessantemente, e os merecimentos a adquirir multiplicam-se tão rapidamente como as pulsações do Sagrado Coração de Jesus.

Enquanto este coração se abrasa por nós no amor mais ardente, nós dizemos: 'Não tenho obrigação de fazer isto; não preciso de me privar deste prazer; deve-se moderar o entusiasmo religioso'. Ó Jesus Cristo! Ó Caríssimo Jesus Cristo! Vede ao que chegam os que não sabem dignamente apreciar a graça. Mais valeria morrer, que desprezar uma só inspiração da graça. Acreditamo-lo todos? Não, mais julgamos crê-lo.

Se os fundos públicos baixassem a metade do seu valor, este fato seria menos importante que se um pobre irlandês, doente em qualquer lugarejo obscuro, deixasse de adquirir, por falta de paciência, o menor grau de graça. Eis o que dizem a este respeito os teólogos: 'Se se recebessem todos os dons da natureza e todas as perfeições naturais dos anjos, estas vantagens nada seriam, comparadas com a adição de um grau de graça, como Deus no-lo dá quando resistimos durante um quarto de hora a um sentimento de ira; pois a graça é uma participação da natureza divina'.

Oh! E não poremos nós isto em prática, nós que tentamos persuadi-lo aos outros! Mostrai-me na Igreja um abuso, um mal qualquer, e estou pronto a demonstrar-Vos o que se não teria dado, se os Seus filhos houvessem correspondido dignamente à graça, e ainda mais, que tudo amanhã reentrará na ordem, se os fiéis quiserem começar a apreciar a graça no seu justo valor.

Não é verdade que de nada serviria a um homem ganhar o mundo inteiro, se por esse motivo devesse sofrer o menor dano na sua alma imortal? Ide propagar esta doutrina entre os vossos amigos; mostrai-lhes os tesouros que podem juntar com o auxílio da graça, mostrai-lhes como uma graça chama outra, como ela se converte num merecimento, finalmente como os merecimentos conduzem a glória eterna dos céus. Ah! Servirei realmente os interesses de Nosso Senhor, se assim obrardes, e servi-lO-eis muito melhor do que pensais.

Pedi somente que os homens concebam uma ideia mais elevada e mais verdadeira da graça, e tornar-vos-eis ignotos apóstolos de Jesus. Todas as graças estão n’Ele: é a fonte e a plenitude delas; consome-O o desejo de as espalhar abundantemente sobre as almas que Lhe são caras, e pelas quais morreu; e elas não lhe querem permitir, pois devem, para obter outras, corresponder às graças já obtidas. Ide ajudar Jesus. Por que há de perecer uma só dessas almas, pelas quais Ele deu a Sua vida? Digo uma só, pois é coisa horrorosa pensar na perda de uma alma. E por que se perderá ela? Por que?

O precioso sangue está à disposição daqueles que o querem pedir, e o sangue dá a graça. São Paulo consagrou toda a sua vida a pregar aos homens a doutrina da graça, a pedir a Deus que a enviasse, e que eficazmente os impulsionasse a fazerem bom uso dela quando a houvessem obtido. Após uma fervorosa comunhão, quando a fonte de todas as graças brota em nosso coração, como um manancial de água viva, peçamos-Lhe que abra os olhos dos homens à beleza da Sua graça; e a nossa oração sem dúvida obterá bom despacho.

Assim faremos prosperar os interesses de Jesus, pois a natureza deste bom senhor é tal, quanto mais dá, mais rico se torna. Ó muito amado rei da almas, como podemos nós gastar o nosso tempo com outro? Considerar que Ele nos permite ocuparmo-nos dos Seus interesses, não é um pensamento capaz de nos encher de admiração? Quanto a mim, espanto-me de que semelhante pensamento não nos faça cair em êxtase.

Mas nós não conhecemos os nossos privilégios; e por que? Por que não estudamos suficientemente o nosso amável Salvador. E por que não começaremos no tempo o que deve fazer a nossa felicidade em toda a eternidade? Estudemos Jesus. O céu não é céu senão por que Jesus lá está; e eu não compreendo porque a terra não é igualmente céu, pois Jesus também está na terra.

Ai! É porque nos deixou a miserável liberdade de O ofendermos. Eliminemos esta miséria e teremos neste mundo, se não o céu, pelo menos o purgatório, que é a porta do céu. Chegará finalmente o dia em que cessamos de pecar, em que não mais firamos o Sagrado Coração de Jesus? Ó Deus de amor, fazei nascer bem depressa o sol que não terá ocaso antes de ver realizar-se para nós esse glorioso privilégio! Para que nos afligirmos e perguntarmos temerosos se iremos para o céu logo que partamos deste mundo, ou se primeiro teremos de passar pelo purgatório? Que importa? A grande questão é perdermos a faculdade de ofender o Deus do nosso amor!

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber) 

domingo, 20 de dezembro de 2015

JESUS, ENTRA NA MINHA CASA!

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo do Advento


No Quarto Domingo do Advento, o Jesus Esperado chega, através de Maria, à casa de Zacarias e Isabel. Santa e desmedida alegria, que faz João Batista estremecer de júbilo no ventre de sua mãe. Santa e ditosa alegria que faz Isabel inundar-se do Espírito Santo. Santa e materna alegria de Maria em manifestar ao mundo o bendito fruto do seu ventre. Eis Maria na casa de Isabel, testemunhas privilegiadas da revelação do maior dos mistérios divinos: Jesus, o filho de Deus vivo, no meio dos homens!

Eis Maria, o portento da fé humana, obra prima da graça do Pai, tangida por um único pensamento: cumprir, com fidelidade absoluta, a vontade de Deus: feita escrava, serva do senhor, é a 'bem aventurada que acreditou' (Lc 1,45) e que, por isso, verá cumprir-se tudo 'o que o Senhor lhe prometeu' (Lc 1,45). Maria leva Jesus à casa de Isabel e revela aos dois anciãos a chegada do Salvador ao mundo; Maria acolhe Jesus em sacrário de tão pura humanidade que faz João Batista estremecer de alegria; na casa de Zacarias e Isabel, toda a humanidade que anseia por Deus, acolhe Jesus como Salvador com santa e ditosa alegria. 

Maria vai apressadamente ao encontro de Isabel, sob o impulso da graça, para cumprir a vontade de Deus, como serva para ajudar a gravidez avançada da parenta mais velha, como mensageira da esperança cristã, como mãe do Salvador e Redentor da humanidade, para cumprir a sua missão expressa no 'sim' da Anunciação. E é recebida com virtude filial, com alegria extrema, com devoção incontida, com zelo admirável por Isabel, pré-anunciadora dos corações incendidos da graça do Deus que está prestes a chegar ao mundo: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?' (Lc 1, 42 - 43).

Jesus em Maria é o Jesus que vem, para libertar o mundo do pecado, para fazer novas todas as coisas, para a salvação de todos os que abrem as portas e janelas de suas casas ao Cristo que chega, que transformam seus corações em humildes manjedouras onde Ele possa renascer. Como na casa de Zacarias e Isabel, que Jesus possa entrar, com Maria, na minha e na sua casa, neste Santo Natal!

O QUE JESUS BUSCOU NESTA TERRA? (III)

HONRAR A SUA MÃE

Aqui está outro dos principais interesses de Jesus, e toda a história da Igreja nos mostra quanto é apreciado pelo Seu Sagrado Coração. Foi o Seu amor por Maria que, mais que tudo, o fez descer dos céus, e foram os merecimentos de Maria que determinaram a época da santíssima e indivisível Trindade; era Ela a filha predileta do Pai, a Mãe predestinada do Filho, e a Esposa eleita do Espírito Santo.

A verdadeira doutrina de Jesus tem estado, em todos os tempos, intimamente ligada com a devoção a Maria; e os golpes que ferem a Mãe devem passar pelo Filho. Assim, Maria é a herança do católico humilde e obediente. A santidade cresce na razão da devoção que por Ela se tem. Os santos formaram-se na escola do seu amor. O pecado não tem maior inimigo que Maria; basta pensar nela para o conjurar, e os demônios tremem ao ouvir o seu nome.

Ninguém pode amar o Filho sem que aumente também em si o amor da Mãe; ninguém pode amar Maria sem que ao mesmo tempo sinta inflamar-se-lhe o coração pelo Filho. Jesus a colocou à frente da Sua Igreja para ser a garantia das graças que por meio dela repartiria, e a pedra de escândalo para os seus inimigos. Que admira pois, que os interesses do Filho e a honra da Mãe sejam uma só e a mesma coisa?

Se em reparação das blasfêmias com que os heréticos mancham a sua dignidade fizerdes vós um ato de amor ou de ação de graças, em honra da sua Imaculada Conceição e da sua perpétua Virgindade, de cada vez que o fizerdes, favorecereis os interesses de Jesus. Tudo quanto possais fazer para propagar o seu culto, e principalmente para inspirar aos católicos uma terna devoção para com ela, será uma obra meritória aos olhos de Jesus, que não deixará de vos recompensar generosamente.

Atrair os fiéis à sagrada mesa nos dias de festas de Maria, alistarem-se nas suas confrarias, conservarem alguma imagem dela, ganharem indulgências pelas almas do purgatório que na terra tiveram uma especial devoção por ela, rezar o rosário todos os dias; são coisas que todos podem fazer e todas elas concorrem para os interesses de Jesus.

Há uma devoção que eu quero sugerir, e oxalá possa inspirá-la a todos! Então faríamos prosperar os interesses de Jesus, e dela colheria Nosso Senhor em todo o universo uma duplicação de amor! É depositarmos mais confiança nas preces da nossa divina Mãe; descansarmos nela com menos hesitação; endereçar-lhe os nossos pedidos com mais afoiteza; em uma palavra, termos mais fé nela.

Haveria mais amor por Maria se houvesse mais fé em Maria; mas vivemos num país herético e é difícil permanecer no meio da neve sem arrefecer. Ó Jesus, reanimai a nossa confiança em Maria, não só para que trabalhemos nos Vossos amáveis interesses, mais para que o façamos do modo que vós desejais, não permitindo que nenhuma criatura ocupe no nosso coração mais lugar que aquela que tinha no Vosso maior quinhão, maior que o de todas as outras criaturas juntas!

(Excertos da obra 'Tudo por Jesus', do Pe. Frederico William Faber) 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

TEMPO DE ADVENTO - PADRE ANTÔNIO VIEIRA

Este nada, do qual dizemos que nada passa para a conta, é o que agora havemos de examinar. Pergunto: se nada passa para a conta, parece que também o nada pode ser chamado a Juízo? E se acaso for chamado, escapará da conta o nada por ser nada? Creio que todos estão dizendo que sim. Mas é certo, e de fé, que também o nada, por mais qualificado que seja, há de ser chamado a Juízo, e porque nada passa para a conta, nem o mesmo nada há de passar sem ela, e muito rigorosa. 

Ninguém foi mais qualificado na lei da natureza que Jó, e ninguém mais qualificado na lei da graça que São Paulo: e que dizia de si um e outro? Jó dizia que nada tinha feito contra Deus: Quia nihil impium fecerim. São Paulo dizia que nada havia na sua consciência, de que ela o acusasse: Nihil mihi conscius sum. E este nada de Jó, e este nada de São Paulo escaparam porventura da conta e do Juízo? Eles mesmos confessam, que de nenhum modo. Jó dizia que Deus o tinha posto a questão de tormento, como réu, para averiguar se o que ele tinha por nada, verdadeiramente era nada: Ut quoeras iniquitatem meam, ei peccatum meum scruteris, et scias, quia nihil impium fecerim. E São Paulo dizia, que ele se não dava por justificado do que na sua consciência reputava por nada, porque desse nada não havia ele de ser o juiz, senão Deus: Nihil mihi conscius sum, sed non in hoc justificatus sum; qui autem judicat me, Dominus est. Eis aqui quão manifesta e provada verdade é, que nada passa para a conta, pois até do mesmo nada a há de tomar Deus, e tão estreita. Mas qual é ou pode ser a razão por que onde dois homens tão grandes, tão qualificados e tão santos, como Jó e São Paulo, não reconhecem nada de culpa e para esta haja de arguir Deus e lhes pedir conta? 

A primeira razão é da parte de Deus (a qual só pode ignorar quem o não conhece), porque ainda nas coisas mais interiores nossas, conhece Deus muito mais de nós, do que nós de nós. Quando Cristo na mesa da última Ceia revelou aos apóstolos, que um deles o havia de entregar: Amen dico vobis, quia uns vestrum me traditurus est, diz o evangelista, que muito tristes todos com tal notícia, começou cada um a perguntar: Nunquid ego num, Domine? Porventura, Senhor, sou eu esse? Pedro, André, João e os demais, exceto Judas, bem sabia cada um de si, que não era o traidor, nem tal coisa lhe passara pelo pensamento; pois por que se não deixam estar muito seguros na boa fé da sua lealdade, mas pondo em dúvida o que não duvidavam, pergunta cada um a Cristo se é ele o traidor: Nunquid ego sum? 

Porque ainda que a própria consciência os não acusava, sabiam todos que sabia Cristo mais de cada um deles, do que eles de si. Eles conheciam-se, como homens, Cristo conhecia-os, como Deus. Esse foi o erro e engano de São Pedro, que estava à mesma mesa! Pedro disse, que se fosse necessário daria a vida por Cristo; Cristo pelo contrário disse, que três vezes o havia de negar naquela noite. E por que foi esta a verdade? Porque Pedro falou pelo que ignorava de si, e Cristo pelo que conhecia dele. Hoc illi Christus pracnuntiabat qued in se ipse ignorabat, diz Santo Agostinho. E como o juiz daquele dia conhece mais de nós, do que nós de nós, não é muito que ele nos condene pelo que nós ignoramos, e que no seu juízo seja culpa, o que no nosso parece inocência. 

A segunda razão é da parte nossa porque, assim como Deus sabe tanto de nós, assim nós sabemos muito pouco de Deus; e por isso as nossas razões não podem alcançar as suas. Um dia, depois de Cristo entrar triunfante em Jerusalém, vindo de Betânia para a mesma cidade, teve fome; e como visse ao longe uma figueira verde e copada, encaminhou as passos até ela, para ver se acaso tinha algum fruto: Si quid forte inveniret in ea. Mas porque não achou mais que folhas, lançou-lhe o Senhor maldição de que eternamente não desse fruta: Nunquam ex te fructus nascatur in sempiternum; e no mesmo momento se secou a árvore desde as folhas até as raízes. 

É porém muita de notar neste caso, coma nota São Marcos, que não era tempo de figos: Non enim erat tempus ficorum. Pois se não era tempo de aquela árvore ter fruto, por que a amaldiçoa Cristo, e a seca, não só para aquele ano, senão para sempre? Podia haver causa, ou desculpa mais natural de não ter fruto, que não ser tempo dele? Da árvore a que é comparado o justo, diz Davi, que dará o seu fruto no seu tempo: Et fructum suum dabit in tempore suo. Pois se é louvor nas melhores árvores darem a seu fruto, como foi culpa nesta não se achar nela fruto, quando não era tempo? O mesmo evangelista São Marcos diz que esta sentença de Cristo foi a resposta que o Senhor deu à árvore: Et respondens dixit ei: Jam non amplius in aeternum ex te fructum quisquam manducet

Se a sentença de Cristo foi resposta que deu à árvore, sinal é que a ouviu primeiro, e ela alegou de sua justiça. Reparem aqui os juízes, ou condenadores, que nem a um tronco irracional e insensível condena Deus sem o ouvir. Mas que é a que alegou a árvore? Alegou o mesmo texto do evangelista; e estava. como dizendo maduramente ao Senhor: Eu bem tomara estar carregada de frutos maduros e sazonados, para os oferecer a meu Criador; porém a causa e impedimento natural de me achar sem eles, é por não ser ainda chegado o tempo: Non erat tempus ficorum. E que sem embargo desta réplica, ao parecer tão justificada, a condenasse Cristo, e com condenação eterna: in sempiternum!

Assim foi. Mas com que fundamento, ou justiça? Entre todos os expositores da Escritura, mais letrados e de maior engenho, nenhum houve até agora que desse satisfação cabal a esta dúvida. E a razão de se lhe não achar razão, é porque as razões dos homens não alcançaram as de Deus, e onde não sabe descobrir culpa o juízo humano, a pode achar o divino. Por que não compreende o homem a Deus? Porque Deus é incompreensível. Pois também por isso os juízos humanos não compreendem os divinos, porque os divinos são incompreensíveis: Quam incomprehensibilia judicia ejus! 

Sobre estes dois princípios tão manifestos, um da ciência de Deus para conosco, outro da nossa ignorância para com Deus, fica satisfeita e emudecida toda a admiração de que Deus haja de julgar até o que reputamos por nada, e nesse mesmo nada haja de arguir e achar culpas de que pedir e tomar conta no dia do Juízo. Só resta um escrúpulo, que ainda não acaba de se aquietar, e não menos que acerca da justiça com que Deus nos haja de castigar pelo que não conhecemos. É verdade que Deus sabe de nós o que nós ignoramos de nós, mas essa mesma ignorância nossa não só parece que nos desculpa, mas nos livra de ser pecado o que não conhecemos como tal. Sem vontade não há culpa, sem conhecimento não há vontade; como logo pode ser pecado, e castigado como pecado o que eu não conheço? 

Bem tinha decifrado esta teologia o autor do nosso provérbio: 'Quem ignorantemente peca, ignorantemente vai ao inferno'. Uma só ignorância escusa do pecado, que é a invencível. Mas esta poucas vezes se acha. Os demais não só pecam no pecado, mas na ignorância com que o não conhecem. Não pecaram gravissimamente os judeus na morte de Cristo? E contudo diz São Pedro que eles e os seus príncipes o fizeram ignorantemente: Scio quia per ignorantiam fecistis, sicut et Principes vestri . E o mesmo Cristo quando disse: Pater, ignosce illis, non enim sciunt quid faciunt; justamente alegou por eles a ignorância, e pediu para eles o perdão. 

Se a ignorância os livrara do pecado, não tinham necessidade de perdão; mas pediu-lhes o Senhor o perdão, quando lhe confessou a ignorância, porque tão fora estiveram de ficar isentos do pecado, pela ignorância com que o cometeram, que antes a mesma ignorância lhes acrescentou um pecado sobre outro pecado. Um pecado, porque tiraram a vida. ao Messias não conhecido, e outro pecado, porque o não conheceram, tendo tanta obrigação como evidência para o conhecer. Isto mesmo é o que se vê hoje entre os que conhecem e adoram Cristo; e não por acontecimento raro, senão comumente; nem só nas vidas, serão também nas mortes. 

Quantos pecados vemos, e quão grandes, nem emendados na vida, nem confessados na morte, os quais não só Deus, mas todo o mundo está conhecendo, e só os mesmos que os cometem os não conhecem! Não os conhecem, porque a largueza e relaxação da vida escurece a consciência e cega a alma; não os conhecem, porque o amor-próprio sempre escusa e aligeira o que nos condena; não os conhecem, porque os interesses e conveniências deste mundo trazem consigo o esquecimento do outro; não os conhecem, porque os não querem examinar, nem consultar com quem deviam; não os conhecem, finalmente, porque com ignorância afetada os não querem conhecer para os não emendar: Noluit inteligere, ut bene ageret, vede agora se castigará Deus justamente no dia do Juízo os pecados não conhecidos, se por cometidos merecem um castigo, e por não conhecidos outro maior? 

Porém se até aquele dia estarão desconhecidos e sepultados nas trevas desta maliciosa e ignorante ignorância, então ressuscitarão, sairão à luz, porque o mesmo juiz universal, como diz São Paulo, com os resplendores de sua presença alumiará as consciências de todos os homens, e descobrirá manifestamente a cada um tudo o que nelas estava escondido e às escuras: Quoadusque veniat Domínus, qui et illuminabit abscondita tenebrarum. Por meio desta luz, desenganadas então, e assombradas as mesmas consciências do muito que verão sair debaixo do nada, que não viam ou não quiseram ver, nenhuma terá que estranhar, nem replicar à sentença, ainda que seja de eterna condenação, e todas dirão convencidas: Justus es, Domine, et rectum judicium tuum

(Excertos da obra 'Sermões', do Pe. Antônio Vieira)