sábado, 7 de março de 2015

OS MAIS BELOS LIVROS CATÓLICOS DE TODOS OS TEMPOS (4)

7. SÃO FRANCISCO DE SALES FILOTEIA ou INTRODUÇÃO À VIDA DEVOTA

Coletânea de orientações espirituais escritas por São Francisco de Sales (1567 - 1622), dedicadas prioritariamente, como explicitado na própria introdução da obra, 'àquelas pessoas que desejam santificar-se vivendo no mundo'. Uma obra de profunda direção espiritual ditada por um santo doutor da Igreja, para levar uma alma que busca elevar-se a Deus pelos caminhos seguros da oração, da prática das virtudes, da fortaleza diante dos obstáculos e das tentações do mundo e da busca perseverante por um contínuo crescimento espiritual.

Eis a síntese de uma obra completa de direção espiritual, dirigida àquelas que são 'as almas generosas (que) vivem no mundo sem impregnar-se do seu espírito (e que) acham a doce fonte da devoção no meio das águas amargas das corrupções mundanas sem queimar as asas de santos desejos de uma vida virtuosa'. Esta alma, instrumento afeto às imperfeições e tibiezas do mundo, mas que ama profundamente a Deus e a Ele quer se unir em santidade por meio da verdadeira devoção é a quem a obra é destinada e a quem o santo chama e se dirige como Filoteia.

A obra é dividida em cinco partes, ao longo das quais se distribuem uma série de conselhos e orientações espirituais, na forma de avisos e/ou exercícios espirituais. A primeira parte contempla os 'Avisos e exercícios necessários para conduzir a alma que começa a sentir os primeiros desejos da vida devota, até possuir uma vontade resoluta e sincera de abraçá-la', incluindo ensinamentos sobre a devoção e a necessidade da devoção a Deus e proposições de uma vida devota face aos pecados e diante os novíssimos do homem.

A segunda parte contempla os 'Diversos avisos para elevar a alma a Deus por meio da oração e da recepção dos sacramentos', incluindo ensinamentos diversos sobre a preparação face às diferentes naturezas da oração e aos sacramentos da confissão e comunhão. A terceira parte contempla os 'Avisos necessários para a prática das virtudes', incluindo ensinamentos diversos sobre a prática das virtudes e a fuga dos vícios do pecado. As duas partes finais da obra incluem, respectivamente, os 'Avisos necessários contra as tentações mais comuns' e os 'Avisos e exercícios necessários para renovar e conservar a alma na devoção'.

8. SÃO PIO X  CATECISMO MAIOR

O Catecismo de São Pio X, escrito e publicado pelo papa Pio X em 1905, é uma referência na Igreja Católica como compêndio de sistematização e consistência da autêntica doutrina do Catecismo Romano, que é apresentada de forma simples, clara e consistente, na forma de perguntas e respostas, numa abordagem uniforme e sequenciada, em função dos tópicos abordados.

O catecismo é estruturado na forma de uma introdução geral e mais cinco partes, incluindo ainda uma chamada 'Lição Preliminar', que faz uma exposição abrangente da doutrina cristã e de suas partes principais. A Introdução contempla as principais orações, meditações e ritos da doutrina católica; a primeira parte faz referência aos elementos do Credo ou Símbolo dos Apóstolos; a segunda parte apresenta s preceitos doutrinários da oração; a terceira parte expõe os mandamentos da Lei de Deus e da Igreja, a quarta parte refere-se aos sacramentos e a quinta e última parte cuida dos complementos da autêntica doutrina cristã, como aqueles relativos às virtudes, às obras de misericórdia e aos novíssimos do homem.

É importante ressaltar a existência de um catecismo mais atualizado da Igreja, o chamado Catecismo da Igreja Católica, que complementa, mas não substitui o Catecismo de Pio X, de forma a torná-lo superado. Entre as grandes virtudes e relevâncias do Catecismo Maior, estão a natureza e a grande concisão dos conceitos abordados (os elementos doutrinários são apresentados de forma bastante simples, sem grandes discussões teológicas ou formais); o sistema direto de perguntas e respostas, que favorece o rápido entendimento das questões e dos possíveis desdobramentos dos preceitos apresentados inicialmente e a lógica e consistência das proposições, fundamentadas na mais autêntica tradição da Igreja e formuladas sem ambiguidades, rodeios ou variantes de outras possíveis interpretações genéricas.

PRIMEIRO SÁBADO DE MARÇO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 6 de março de 2015

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi  de 1675...

         “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

terça-feira, 3 de março de 2015

'ACORDEMOS O CRISTO!'


Eu vou, com a graça do Senhor, vos entreter com a leitura do Santo Evangelho que acabais de ouvir, e com sua graça ainda, vos excitar a não deixar a fé adormecer em vossos corações em face das tempestades e das vagas deste mundo. Se o Cristo, nosso Senhor, foi realmente o mestre da morte, não foi ele também o mestre do sono? Seria verdade que o sono o tenha oprimido, ao Todo-Poderoso sobre o barco? Acreditá-lo seria uma prova de que ele dorme em vós. Se ele não dorme, é porque vossa fé vigia. O apóstolo diz que o Cristo mora em vossos corações pela fé.

O sono do Cristo significa então, ele também, algum mistério. Os navegadores representam as almas, que atravessam as ondas deste mundo sobre a madeira. O barco é a Igreja; com efeito, cada fiel é como o templo de Deus, e o coração de cada um como um barco: ele é preservado do naufrágio, se tem bons pensamentos. Tu ouviste uma palavra ultrajante, é um golpe de vento; tu te irritas, é a tempestade. Quando o vento sobe, quando a tempestade sopra, o barco está em perigo, teu coração está em perigo, ele é agitado pelas ondas. Tu desejas vingar-te da injúria ouvida; tu cedes assim sob o peso da falta do outro e tu naufragas.

Por que então? Porque o Cristo dorme em ti. Que significa isto? Que tu esqueces o Cristo; acorda-o, lembra-te dele, e então o Cristo em ti acordará; olha-o. Que querias? Vingar-te? Tu esqueces que ele disse dele mesmo quando foi colocado na cruz: 'Pai, perdoai-os porque eles não sabem o que fazem'. Aquele que dorme em teu coração não quis vingar-se. Acorda-o, pense nele. Sua lembrança é sua palavra; sua lembrança é seu comando.

E quando ele estiver acordado em ti, dirás: 'Quem sou eu para querer vingar-me? Quem sou eu para ameaçar um homem? Eu morrerei talvez antes de me ter vingado. E quando, suspirando, inflamado de cólera e alterado pela vingança eu deixar este corpo, não serei recebido por aquele que não quis vingar-se, por aquele que disse: Daí e vos será dado; perdoai e vos será perdoado. Assim, vou apaziguar minha cólera e voltar ao repouso de meu coração. O Cristo comandou ao mar e a calma se restabeleceu'. Que as ondas não vos submerjam perturbando vosso coração. Se entretanto, já que somos homens, o vento nos abate e se ele altera os sentimentos de nossa alma, não nos desesperemos: acordemos o Cristo, a fim de continuarmos a travessia pacificamente até se chegar à pátria celeste.

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

segunda-feira, 2 de março de 2015

UMA DESCRIÇÃO DO INFERNO

O inferno é uma estreita, negra e sórdida prisão fétida, uma habitação de demônios e de almas perdidas, cheia de fogo e de fumaça. A estreiteza dessa casa de prisão expressamente designada por Deus para punir aqueles que recusaram a se limitarem às Suas leis. Nas prisões terrenas o pobre cativo tem, no mínimo, alguma liberdade de movimento, seja somente entre as quatro paredes da sua cela, seja no sinistro pátio de sua prisão. No inferno não é assim.

Lá, devido ao grande número de danados, os prisioneiros estão atirados uns sobre os outros, juntos em sua terrível prisão, cujas paredes, diz-se, têm quatrocentas milhas de espessura; e os condenados estão tão extremamente apertados e desamparados que, como um abençoado santo, Santo Anselmo, escreve em seu livro sobre Similitudes, estão incapacitados até de tirar do olho um verme que o atormente.

Jazem nas trevas exteriores. Pois, lembrai-vos, o fogo do inferno não emite nenhuma luz. Assim como, ao comando de Deus, o fogo da fornalha babilônica perdeu o seu calor mas não perdeu a sua luz, assim, ao comando de Deus, o fogo do inferno, conquanto retenha a intensidade do seu calor, arde eternamente nas trevas. É uma tempestade que nunca mais acaba de trevas, de negras chamas e de negra fumaça de enxofre a arder, por entre as quais os corpos estão amontoados uns sobre os outros sem uma nesga de ar. De todas as pragas com que a terra dos Faraós foi flagelada, uma praga só, a treva, foi chamada de horrível. Qual o nome, então, que devemos dar às trevas do inferno que há-de durar não por três dias apenas, mas por toda a eternidade?

O horror desta estreita e negra prisão é aumentado por seu tremendo cheiro ativo. Toda a imundície do mundo, todos os monturos e escórias do mundo, nos é dito, correrão para lá como para um vasto e fumegante esgoto quando a terrível conflagração do último dia houver purgado o mundo. O enxofre, também, que arde lá em tão prodigiosa quantidade, enche todo o inferno com o seu intolerável fedor; e os corpos dos danados, eles próprios, exalam um cheiro tão pestilento que, como diz São Boaventura, só um deles bastaria para infeccionar todo o mundo. 

O próprio ar deste mundo, esse elemento puro, torna-se fétido e irrespirável quando fica fechado longo tempo. Considerai, então, qual deva ser o fétido do ar do inferno. Imaginai um cadáver fétido e pútrido que tenha jazido a decompor-se e a apodrecer na sepultura, uma matéria gosmenta de corrupção líquida. Imaginai tal cadáver preso das chamas, devorado pelo fogo do enxofre a arder e a emitir densos e horrendos fumos de nauseante decomposição repugnante. E a seguir imaginai esse fedor malsão multiplicado um milhão e mais outro milhão de milhões sobre milhões de carcaças fétidas comprimidas juntas na treva fumarenta, uma enorme fogueira de podridão humana. Imaginai tudo isso e tereis uma certa ideia do horror do cheiro do inferno.

Mas tal fedentina não é, horrível pensamento é este, o maior tormento físico ao qual os danados estão sujeitos. O tormento do fogo é o maior tormento ao qual o tirano tem sempre sujeitado suas criaturas. Colocai o vosso dedo por um momento na chama duma vela e sentireis a dor do fogo. Mas o nosso fogo terreno foi criado por Deus para benefício do homem, para manter nele a centelha de vida e para ajudá-lo nas artes úteis, ao passo que o fogo do inferno é duma outra qualidade e foi criado por Deus para torturar e punir o pecador sem arrependimento. 

O nosso fogo terrestre, outrossim, se consome mais ou menos rapidamente, conforme o objeto que ele ataca for mais ou menos combustível, a ponto de a ingenuidade humana ter-se sempre entregado a inventar preparações químicas para garantir ou frustrar a sua ação. Mas o sulfuroso breu que arde no inferno é uma substância que foi especialmente designada para arder para sempre e ininterruptamente com indizível fúria. Além disso, o nosso fogo terrestre destrói ao mesmo tempo que arde, de maneira que, quanto mais intenso ele for, mais curta será a sua duração; já o fogo do inferno tem esta propriedade de preservar aquilo que ele queima e, embora se enfureça com incrível ferocidade, ele se enfurece para sempre.

O nosso fogo terrestre, ainda, não importa que intensidade ou tamanho possa ter, é sempre duma extensão limitada; mas o lago de fogo do inferno e ilimitado, não tem praias nem fundo. E está documentado que o próprio demônio, ao lhe ser feita a pergunta por um soldado, foi obrigado a confessar que se uma montanha inteira fosse jogada dentro do oceano ardente do inferno seria queimada num instante como um pedaço de cera. E esse terrível fogo não aflige os danados somente por fora, pois cada alma perdida se transforma num inferno dentro de si mesma, o fogo sem limites se enraivecendo mesmo em sua essência. Oh! Quão terrível é a sorte desses desgraçados seres! O sangue ferve e referve nas veias; os cérebros ficam fervendo nos crânios; o coração no peito flamejando e ardendo; os intestinos, uma massa vermelha e quente de polpa a arder; os olhos, coisa tão tenra, flamejando como bolas fundidas.

Ainda assim quanto vos falei da força, da qualidade e da ilimitação desse fogo é como se fosse nada quando comparado com a sua intensidade, uma intensidade que é justamente tida como sendo o instrumento escolhido pelo desígnio divino para punição da alma assim como do corpo igualmente. Trata-se dum fogo que procede diretamente da ira de Deus, trabalhando não por sua própria atividade, mas como um instrumento da vingança divina. Assim como as águas do batismo limpam a alma com o corpo, assim o fogo da punição, tortura o espírito junto com a carne. 

Todos os sentidos da carne são torturados; e todas as faculdades da alma outro tanto: os olhos com impenetráveis trevas; o nariz com fétidos nauseantes; os ouvidos com berros, uivos e execrações; o paladar com matéria sórdida, corrupção leprosa, sujeiras sufocantes inomináveis; o tato com aguilhões e chuços em brasa e cruéis línguas de chamas. E, através dos vários tormentos dos sentidos, a alma imortal é torturada eternamente na sua essência mesma no meio de léguas e léguas de ardentes fogos acesos nos abismos pela majestade ofendida de Deus Onipotente e soprados numa perene e sempre crescente fúria pelo sopro de raiva da Divindade.

Considerai, finalmente, que o tormento dessa prisão infer­nal é acrescido pela companhia dos condenados mesmos. A má companhia, sobre a terra, é tão nociva que as plantas, como que por instinto, apartam-se da companhia seja do que for que lhes seja mortal ou funesto. No inferno, todas as leis estão trocadas — lá não há nenhum pensamento de família, de pátria, de laços, de relações. O danado esgoela e grita um com o outro, sua tortura e raiva se intensificando pela presença dos seres torturados e se enfurecendo como ele.

Todo o senso de humanidade é esquecido. Os lamentos dos pecadores a sofrerem enchem os mais recuados cantos do vasto abismo. As bocas dos danados estão cheias de blasfêmias contra Deus e de ódio por seus companheiros de suplício e de maldições, contra as almas que foram seus companheiros no pecado. Era costume, nos antigos tempos, punir o parricida, o homem que havia er­guido sua mão assassina contra o pai, arremessando-o nas profunde­zas do mar em um saco, dentro do qual também eram colocados um galo, um burro e uma serpente. 

A intenção desses legisladores, que inventaram tal lei, a qual parece cruel nos nossos tempos, era punir o criminoso pela companhia de animais malignos e abomináveis. Mas que é a fúria dessas bestas estúpidas comparada com a fúria da execração que rompe dos lábios tostados e das gargantas inflamadas dos danados no inferno, quando eles contemplam em seus compa­nheiros em miséria aqueles mesmos que os ajudaram e incitaram no pecado, aqueles cujas palavras semearam as primeiras sementes do mal em pensamento e em ação em seus espíritos, aqueles cujas sugestões insensatas os conduziram ao pecado, aqueles cujos olhos os tentaram e os desviaram do caminho da virtude? Voltam-se con­tra tais cúmplices e os xingam e os amaldiçoam. Não terão, todavia, socorro nem ajuda; agora é tarde demais para o arrependimento.

Por último de tudo, considerai o tremendo tormento daquelas almas condenadas, as que tentaram e as que foram tentadas, agora juntas e, ainda por cima, na companhia dos demônios. Esses demônios afligirão os danados de duas maneiras: com a sua presen­ça e com as suas admoestações. Não podemos ter uma idéia de quão terríveis são esses demônios. Santa Catarina de Siena uma vez viu um demônio e escreveu que preferia caminhar até o fim de sua vida por um caminho de carvões em brasa, a ter que olhar de novo um único instante para tão horroroso monstro. 

Tais demônios que outrora foram formosos anjos tornaram-se tão repelentes e feios quanto antes tinham de lindos. Escarnecem e riem das almas perdidas que arrastaram para a ruína. É com eles que são feitas, no inferno, as vozes da consciência. Por que pecaste? Por que deste ouvido às tentações dos amigos? Por que abandonaste tuas práticas piedosas e tuas boas ações? Por que não evitaste as ocasiões de pecado? Por que não deixaste aquele mau companheiro? Por que não desististe daquele mau hábito, aquele hábito impuro? Por que não ouviste os conselhos do teu confessor? Por que, mesmo depois de haveres tombado a primeira, ou a segunda, ou a terceira, ou a quarta ou a centésima vez, não te arrependeste dos teus maus passos e não voltaste para Deus que esperava apenas pelo teu arrependimento para te absolver dos teus pecados? Agora o tempo para o arrependi­mento se foi. 

Tempo existe, tempo existiu, mas tempo não existirá mais! Tempo houve para pecar às escondidas, para se satisfazer na preguiça e no orgulho, para ambicionar o ilícito, para ceder às instigações da tua baixa natureza, para viver como as bestas do campo, ou antes pior do que as bestas do campo, porque elas, ao menos, não são senão brutos e não possuem uma razão que as guie; tempo houve, mas tempo não haverá mais. Deus te falou por intermédio de tantas vozes, mas não quiseste ouvir. Não quiseste esmagar esse orgulho e esse ódio do teu coração, não quiseste devolver aquelas ações mal adquiridas, não quiseste obedecer aos preceitos da tua santa igreja nem cumprir teus deveres religiosos, não quiseste aban­donar aqueles péssimos companheiros, não quiseste evitar aquelas perigosas tentações. 

Tal é a linguagem desses demoníacos atormentadores, palavras de sarcasmo e de reprovação, de ódio e de aversão. De aversão, sim! Pois mesmo eles, os demônios propria­mente, quando pecaram, pecaram por meio dum pecado que era compatível com tão angélicas naturezas: foi uma rebelião do intelecto; e eles, eles mesmos, têm que se afastar, revoltados e com nojo de terem de contemplar aqueles pecados indizíveis com os quais o homem degradado ultraja e profana o templo do Espírito Santo, e se ultraja e avilta a si mesmo.

(Excertos da obra 'Retratos do Artista Quando Jovem', de James Joyce)




domingo, 1 de março de 2015

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo da Quaresma


'Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, e os levou sozinhos a um lugar à parte, sobre uma alta montanha' (Mc 9,2). Uma alta montanha, o Monte Tabor. Como testemunhas da extraordinária manifestação da glória celeste e da vida eterna em Deus, Jesus conduz os três apóstolos escolhidos para o alto, numa clara assertiva de que é por meio da profundo recolhimento interior e da elevação da alma muito acima das coisas do mundo é que podemos viver efetivamente a experiência plena da contemplação de Deus.

'E transfigurou-se diante deles. Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar' (Mc 9, 2-3). No mistério da transfiguração do Senhor, os apóstolos testemunharam antecipadamente alguma coisa dos mistérios de Deus. Algo profundamente diverso da natureza humana, pois nascido direto da glória de Deus. Algo muito limitado da Visão Beatífica, posto que deveria atender sentidos humanos: 'nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam (1 Cor 2, 9). Ainda assim, algo tão extraordinário e consolador, que perturbou completamente aqueles homens e, ao mesmo tempo, os moldou definitivamente na certeza da vitória e da ressurreição de Cristo.

'Apareceram-lhe Elias e Moisés, e estavam conversando com Jesus' (Mc 9, 4). A revelação da glória de Deus é atestada pela Lei e pelos Profetas, pelo Senhor da vida e da morte, pelos textos das Sagradas Escrituras. Naquele momento, se fecha a Lei e a morte (com Moisés) e se cumprem todas as profecias e se impõe a vida eterna em Deus (com Elias, que ainda vive). E, para não se ter dúvida alguma, Deus se pronuncia no Alto do Tabor em favor do Filho: 'Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!' (Mc 9, 7).

Do alto do Tabor, a ordem divina ecoa pelos tempos e pelas gerações humanas a todos nós, transfigurados na glória de Deus pelo batismo e herdeiros do Tabor eterno: 'Escutai o que ele diz!'. Como batizados, somos como os apóstolos descidos do monte e novamente envoltos pelas brumas e incredulidades do mundo. Pela transfiguração, entretanto, somos encorajados a vencer o mundo como Cristo, a superar a fragilidade de nossos sentidos, a elevarmos nosso pensamento às coisas do Alto, a manifestar em nós a glória de Deus como primícias do Céu, sob o consolo da fortaleza e da perseverança: 'Se Deus é por nós, quem será contra nós?' (Rm 8, 31b).