terça-feira, 17 de setembro de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (VII)

Por que doze e quem foram os Apóstolos de Jesus? 


Um dos dados mais seguros sobre a vida de Jesus é o fato de ter constituído um grupo de doze discípulos, aos quais chamou os 'Doze Apóstolos'. Este grupo era formado por homens que Jesus chamou pessoalmente; que o acompanharam na sua missão de instaurar o Reino de Deus; que foram testemunhas das suas palavras, das suas obras e da sua ressurreição. 


O grupo dos Doze aparece nos escritos do Novo Testamento como um grupo estável ou fixo. Os seus nomes são: 'Simão', a quem Jesus pôs o nome de Pedro;Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, André, Filipe, Bartolomeu, Mateus,Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, aquele que O entregou (Mc 3, 16-19). 

Nas listas que aparecem nos outros Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos, há algumas poucas variações. Tadeu é também chamado Judas, mas isso se deve devido ao fato de diferentes pessoas ter o mesmo nome – Simão, Tiago – sendo comumente distinguidos, então, pelo segundo nome. Trata-se, pois, de Judas Tadeu. O que é significativo é o fato de, no livro dos Atos, não se falar do trabalho evangelizador de muitos deles: sinal de que se dispersaram muito rapidamente e de que, apesar disso, a tradição dos nomes de cada um dos Apóstolos estava muito firmemente estabelecida.

São Marcos (Mc 3, 13-15) disse que Jesus: 'tendo subido a um monte, chamou a Si os que quis, e aproximaram-se d'Ele. Escolheu doze para que andassem com Ele e para os enviar a pregar, com poder de expulsar os demônios'. Assinala dessa maneira a iniciativa de Jesus e a função do grupo dos Doze: estar com Ele e ser enviados a pregar, com o mesmo poder que tem Jesus. Os outros evangelistas – São Mateus (Mt 10, 1) e São Lucas (Lc 6, 12-13) – expressam-se em tons parecidos. Ao longo do Evangelho, percebe-se como acompanham Jesus, participam da sua missão e recebem um ensinamento particular, embora possam não ter compreendido no momento muitas coisas e até O tenham abandonado num momento da prova. 

É muito significativo que o número dos eleitos seja Doze. Este número remete às doze tribos de Israel (Mt 19, 28; Lc 22, 30; etc.) e não para outros números comuns no tempo – os membros do Sinédrio eram 71, os membros do Conselho em Qumran eram 15 ou 16 e 10 eram os membros adultos necessários para o culto na sinagoga. Por isso parece claro que, desta maneira, assinala-se que Jesus não quer restaurar o reino de Israel (At 1, 6) – pressupondo a terra, o culto e o povo – mas instaurar o Reino de Deus sobre a terra. A isso aponta também o fato de, antes da vinda do Espírito Santo, no Pentecostes, Matias ter passado a ocupar o lugar de Judas Iscariotes, completando assim o número dos doze (At 1, 26).

Quantos são e quem foram os Evangelistas?


Os Evangelhos nos transmitem a pregação dos Apóstolos e os evangelistas foram Apóstolos ou seus discípulos (Dei Verbum n. 19). Com isto, faz-se justiça ao que se recebeu pela tradição: os autores dos evangelhos são: Mateus, João, Lucas e Marcos. Destes, os dois primeiros figuram nas listas dos doze Apóstolos (Mt 10, 2-4 e correlatos) e os outros dois figuram como discípulos de São Paulo e de São Pedro, respectivamente. A investigação moderna, ao analisar criticamente esta tradição, não vê grandes inconvenientes em atribuir a Marcos e a Lucas os seus respectivos evangelhos.Todavia, analisa com olhos mais críticos a autoria de Mateus e de João. Costuma-se afirmar que esta atribuição apenas põe em evidência a tradição apostólica da qual provêm os escritos, mas não que tenham sido eles mesmos os que escreveram o texto.

O importante, portanto, não é a pessoa concreta que escreveu o evangelho mas a autoridade apostólica que estava por trás de cada um deles. Em meados do século II, São Justino falou das 'memórias dos apóstolos ou evangelhos' (Apologia 1, 66, 3) que se liam nas reuniões litúrgicas. Com isto, dão-se a entender duas coisas: que esses escritos tinham origem apostólica e que se colecionavam para serem lidos publicamente. Um pouco depois, ainda no século II, outros escritores já nos dizem que os evangelhos apostólicos eram quatro e apenas quatro. Assim, Orígenes diz que 'a Igreja tem quatro evangelhos, e os hereges muitíssimos, entre eles um que se escreveu segundo os egípcios, outro segundo os doze apóstolos. Basílides atreveu-se a escrever um evangelho e divulgou-o sob o seu nome (...). Conheço certo evangelho que se chama segundo Tomé e segundo Matias; e lemos muitos outros' (Hom. I in Luc. PG 13, 1802). .Expressões semelhantes encontram-se em Santo Irineu que, além disso, acrescenta em certo lugar que 'o Verbo artesão do Universo, que está sentado sobre os querubins e que tudo mantém, uma vez manifestado aos homens, deu-nos o evangelho quadriforme, evangelho que, não obstante, é mantido por um só Espírito' (Contra as heresias, 3, 2, 8-9).

Com esta expressão – evangelho quadriforme – realça uma coisa muito importante: o evangelho é único, mas a sua forma de expressão é quádrupla. A mesma ideia se expressa nos títulos dos evangelhos: os seus autores não vêm indicados, como outros escritos da época, com o genitivo de origem – 'Evangelho de…', mas com a expressão kata: 'Evangelho segundo…' .Desta forma, se assinala que o evangelho é único, o de Jesus Cristo, mas testemunhado de quatro formas que vêm dos apóstolos e dos discípulos dos apóstolos, indicando uma pluralidade dentro da sua na unidade. 

(Da obra 'Jesus Cristo e a Igreja' - Universidade de Navarra)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (VI)

Setembro é o mês da Bíblia. Ao longo dessa semana, vamos refletir sobre algumas passagens, fatos e assuntos correlatos aos sagrados textos bíblicos.

TEXTO DO EVANGELHO DE SÃO LUCAS

'Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa (Lc 15, 22-24).

Na parábola do pai misericordioso (mais conhecida como parábola do filho pródigo), Jesus menciona três presentes que o pai incita aos empregados para que sejam dados de imediato ao filho que volta, depois de dissipar em vão os bens recebidos em herança. O que representam, nesta passagem dos Evangelhos, a túnica, o anel e as sandálias?

A 'melhor túnica' faz menção à nova vida assumida pelo filho mais novo, fruto de sua conversão e da sua humildade em reconhecer os erros e os pecados cometidos contra o Pai: 'Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’ (Lc 15,21). E se aplica a cada um de nós que, pelo sacramento da confissão, somos revestidos da túnica da reconciliação com as graças de Deus pela libertação e perdão de todas as nossas faltas.

O anel representa a retomada do compromisso da aliança firmada com Deus e perdida por uma vida incensada pelos prazeres do mundo, porque, com efeito, 'porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’ (Lc 15, 24). Eis a nova aliança firmada por Jesus Cristo com a humanidade, paga com o seu próprio Sangue, e eterna porque Deus é eternamente fiel e suas palavras não passarão.

As sandálias representam a adoção de um novo caminho a partir de agora, pois há que se deixar para trás os tortuosos atalhos do mundo. Revestido pela melhor túnica e ornado com o anel de uma nova aliança, o filho mais novo deve assumir o projeto de um caminho de redenção que conduz ao banquete da Vida Eterna. Sandálias que calçam os pés de todos aqueles que vislumbram em Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida.

TEXTO DO EVANGELHO DE SÃO JOÃO

No terceiro dia houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava ali; Jesus e seus discípulos também haviam sido convidados para o casamento. 3 Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: 'Eles não têm mais vinho'. 4 Respondeu Jesus: 'Que temos nós em comum, senhora? A minha hora ainda não chegou'. Sua mãe disse aos serviçais: 'Façam tudo o que ele lhes mandar'. 6 Ali perto havia seis jarros de pedra, do tipo usado pelos judeus para as purificações cerimoniais, cada jarro com capacidade para setenta e cinco a cento e quinze litros. Disse Jesus aos serviçais: 'Encham os jarros com água'. E os encheram até à borda (Jo 2, 1-7). 

Jesus passou 30 anos numa vida de escondimento, três anos de revelação pública e três horas de agonia para proclamar o perdão dos pecados e a salvação da humanidade. O início da vida pública de Jesus ocorre de forma singular num casamento, as bodas de Caná. Mas quem faz a intervenção inicial é a sua Mãe: 'Eles não têm mais vinho' (Jo 2, 3). É ela que propicia a oportunidade primeira para a manifestação da glória de Jesus para a definitiva aliança dos céus com a humanidade pecadora. E Nossa Senhora assim o faz, porque conhecendo em tal profundidade a natureza do seu filho, não precisa do milagre para crer mas, antecipando o sinal prodigioso da graça, manifesta a sua fé em plenitude no Filho de Deus.

E Jesus respondeu: 'Que temos nós em comum, senhora? A minha hora ainda não chegou'. Tal pergunta é, ao mesmo tempo, uma manifestação de cooperação explícita e uma aparente rejeição. Jesus insere Maria no 'nós' para destacar a participação de Nossa Senhora no plano da salvação, mas, ao mesmo tempo, ao se expressar por 'minha hora', acentua a Sua condição de Filho de Deus Vivo, com a missão única de realizar a obra do Pai. 

Como o próprio Jesus nos ensinou: 'Pedi e vos será dado' (Mt 7, 7; Lc. 11, 9), Nossa Senhora expressa a sua confiança absoluta no Filho: 'Fazei tudo o que Ele vos disser' (Jo, 2,5). Diante de tamanha fé, e servo da obediência, Jesus ordena que se encham as talhas de pedra com água. Evidente que Jesus poderia ter preenchido talhas vazias com o mais puro vinho. As talhas preenchidas com água simbolizam a nossa contrapartida à graça de Deus, os nossos esforços cotidianos, o nosso combate diário contra o pecado e as provações do mundo, para seguir Jesus e o Evangelho. Da água que brota do coração humano, fruto das nossas pequenas virtudes, Jesus transforma em vinho da sabedoria de Deus no longo caminho da plena santificação de nossas almas. 

domingo, 15 de setembro de 2013

PAI DE MISERICÓRDIA

Páginas do Evangelho - Vigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum 


Neste Domingo, três parábolas de Jesus nos falam do perdão e da misericórdia, numa das páginas mais belas dos Evangelhos, que inclui a parábola do filho pródigo. Que poderia muito bem ser a parábola da verdadeira conversão. Ou, com muito mais correção e sentido espiritual, a parábola do pai de misericórdia. Três personagens: o filho mais velho e o filho mais novo que, em meio às dolorosas experiências da vida humana, se reencontram no grande abraço da misericórdia do pai.

Com a parte da herança que lhe cabe, o 'filho mais novo' opta pelo caminho fácil e tortuoso dos prazeres e vícios humanos, dos instintos insaciados, do vazio do mal. E esbanja, na via dolorosa do pecado, os bens que possuía: a alma pura, o coração sincero, os nobres sentimentos, a fortuna da graça. E, a cada passo, se afunda mais e mais no lodo das paixões humanas desregradas, da vida consumida no nada. Mas, eis que chega o tempo da reflexão madura, da conversão sincera, do caminho de volta ao Pai: 'Pequei contra ti; já não mereço ser chamado teu filho' (Lc 15, 18-19). 

O pai nem ouve as palavras do filho pródigo; no abraço da volta, somente ecoa pelos tempos a misericórdia de Deus: 'Haverá maior alegria no Céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não necessitem de arrependimento' (Lc 15, 7). Diante do filho que volta, um coração de misericórdia aniquila a justiça da razão: 'Trazei depressa a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés.' (Lc, 15, 22). Como as talhas de água que se tornam vinho, a conversão verdadeira apaga e aniquila o mal desejado e consumido outrora: na reconciliação de agora desfaz-se em pó as misérias passadas de uma vida de pecado.

O 'filho mais velho' não se move por igual misericórdia e se atém aos limites difusos da justiça humana. Na impossibilidade absoluta de compreender o júbilo do pai com o filho que volta, faz-se vítima e refém da soberba e do orgulho humano: 'tu nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos' (Lc, 15,29). O filho mais novo, que estava tão longe, está lá dentro outra vez. E o filho mais velho, que sempre lá esteve, recusa-se agora a entrar na casa do pai. Tal como no caso do primeiro filho, o pai de misericórdia vem, mais uma vez, buscar a ovelha desgarrada no filho mais velho que está fora e não quer entrar. Porque Deus, pura misericórdia, quer salvar a todos os seus pobres filhos afastados de casa e espera, com paciência e amor infinitos, a volta dos filhos pródigos e a volta dos seus filhos que creem apenas na justiça dos homens.

REVELAÇÕES DE DEUS PAI (III)

No batismo, a luz da fé vos é dada na força do Sangue do Meu Filho. Associada à luz da razão, ela vos alcança a vida para a verdade. Esta iluminação revela ao homem a transitoriedade das realidades terrenas, que passam como o vento. Tal atitude supõe todavia, que tenhais consciência da própria fraqueza, tão inclinada a rebelar-se, já que existe nos vossos membros uma lei perversa (Rm 7,23), que vos leva a revoltar-vos contra Mim, vosso Criador. Tal 'lei' não obriga ninguém a pecar contra sua vontade, todavia combate contra o espírito. 

Permiti semelhante lei, não para serdes vencidos, mas a fim de provar vossas virtudes. É nas situações adversas que às virtudes são experimentadas. A sensualidade opõe-se ao espírito; é através dela que o homem comprova seu amor por Mim, o Criador, opondo-se às suas tendências, derrotando-as. Quis Eu ainda essa perversa lei para que o homem fosse humilde. De si mesma, a sensualidade não conduz ninguém ao pecado, mas induz ao reconhecimento do próprio nada; revela a fragilidade do que é terreno. 

É preciso que a inteligência humana, sob a luz da fé, reconheça tal coisa; trata-se justamente daquela 'iluminação geral' de que falei, indispensável para todos os que desejam participar da vida da graça aproveitando os efeitos da morte do Cordeiro Imolado. Ela é necessária para todos, qualquer que seja o estado de vida; é a iluminação da 'caridade comum', universal. Todos [os cristãos] devem possuí-Ia sob pena de serem condenados; quem não a tem não está na graça divina; desconhece o pecado e suas causas.

Toda obra boa será remunerada, como todo mal terá seu prêmio. Quando praticada no estado de graça, a boa obra merece o céu; quando feita em pecado, embora sem merecimento, terá sua paga de várias maneiras: umas vezes, concedo vida mais longa ou inspiro a Meus servidores contínuas orações em favor, com as quais tais pessoas se convertem; outras vezes, em lugar de vida mais longa e das orações, concedo bens materiais.

O cristão que possui bens, deve usufrui-los na humildade, sem orgulho, como coisa emprestada, não própria.Dou-vos os bens para o uso. Tanto possuis, quanto concedo; tanto conservais, quanto permito; e tanto permito, quanto julgo útil à vossa salvação. Tal há de ser a vossa atitude quanto ao uso dos bens materiais.Assim fazendo, o cristão obedece aos mandamentos - amando-Me sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo - e conserva o coração desapegado das riquezas, afetivamente, como nada possuindo. Não se apega aos bens, não os possui em oposição aos Meus desígnios. Possui externamente, ao passo que seu íntimo é pobre. Tais pessoas, como disse, eliminam o veneno do egoísmo. São os cristãos da 'caridade comum'. Os bens materiais são bons em si mesmo; foram criados por Mim, bondade infinita. Os homens hão de usá-los como lhes aprouver, mas no temor e no amor autênticos.

Os cristãos não devem virar escravos dos prazeres sensíveis. Se querem ter posses, façam-no; mas como dominadores dela, não como dominados. O afeto do coração deve estar em Mim, não nas coisas externas; elas não pertencem aos homens, são dadas em empréstimo. Não tenho preferência por pessoas ou posição social, somente pelos desejos do coração. Quem afastar de si o apego desregrado e se orientar para Mim na caridade e no santo temor, tal pessoa poderá escolher o estado de vida que quiser. Em qualquer um deles alcançará a vida eterna.

Suponhamos que seja mais perfeito e mais agradável a Mim que o homem viva interior e exteriormente despojado dos bens materiais.Se uma pessoa não sentir a coragem de abraçar tal perfeição devido a alguma fraqueza pessoal, que permaneça 'na caridade comum' [aqueles que seguem a Cristo obedecendo os mandamentos] qualquer que seja seu estado de vida. Em Minha bondade dispus que assim fosse para que nenhuma pessoa viesse a desculpar-se por pecados cometidos em determinadas situações.Ninguém poderá dar desculpa, Sou condescendente com as tendências e fraquezas humanas.

Se as pessoas desejam viver no mundo, possuir bens, ocupar altas posições sociais, casar-se, ter filhos, trabalhar por eles, façam-no. É lícito viver em qualquer posição social; contanto que se evite o veneno da sensualidade, o qual pode conduzir à morte perpétua. Se prestares atenção verás que quase todos os males procedem do desordenado apego e ganância da riqueza. Disto nasce o orgulho de quem pretende ser maior que os outros, a injustiça para consigo mesmo e o próximo. A riqueza empobrece e destrói a vida da alma, torna o homem cruel consigo mesmo, prejudica sua dignidade espiritual infinita, faz amar as coisas transitórias.

Todos têm obrigação de amar-Me, Bem infinito. Com a riqueza, o homem perde o gosto pela virtude, o amor da pobreza, o domínio sobre si, torna-se escravo dos bens materiais. Ao amar realidades inferiores a si, torna-se insaciável. Só a Mim deve o homem servir; Sou seu fim último. Quantos perigos enfrenta o homem, por terra e por mar, a fim de adquirir riqueza e poder voltar a sua cidade natal entre satisfações e honras; já para conseguir a virtude, é incapaz do menor esforço, não aceita dificuldade alguma! E dizer que as virtudes são a riqueza da alma.

Caridade comum - os que seguem a Cristo obedecendo os mandamentos. Diz Meu Filho no Evangelho que 'é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que o rico entrar na vida eterna' (Mt.19,24) e referia-se àqueles que possuem ou desejam possuir riquezas com desordenado e pecaminoso apego a elas. Afirmei também existirem pobres que, se pudessem, possuiriam com desordenado apego o mundo inteiro. Também eles não passarão pela porta estreita e baixa [agulha]. Se não se abaixarem até o chão, se não dominarem o próprio apego, se não dobrarem humildemente a cabeça, como poderão atravessá-la? Outra porta não existe que conduza à vida eterna. Pelo contrário, é larga aquela que conduz à eterna condenação (Mt.7,13).

As realidades terrenas são menores que o homem; para ele foram criadas, não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não o satisfazem; somente Eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de Mim, e sofrem. Querem saber como sofrem? Quando alguém perde algo com que se identificara seu apego, o faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos, com os bens materiais. Eles se materializam. Uns se identificam com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de Mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles, assim, se nutrem de bens terrenos.

Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. Passam como o vento. São perdidas por ocasião da morte e de outros acontecimentos por Mim dispostos. Diante de tais perdas, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara à desordenada afeição à posse. Todos estes carregam a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem diversificadamente doentes e, se não se corrigirem, vão para a morte eterna. São homens feridos pelos espinhos das contradições a torturarem-se interna e externamente. E, ainda por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, sem nada merecer; é sem paciência que padecem estes males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor.

É preciso encher a alma de virtudes, sob o alicerce da caridade. Agulhas eram portas secundárias das cidades antigas, cercadas de muros, a fim de se evitar invasões. Essas portas baixas e estreitas serviam apenas para circulação de pessoas. Quando alguma caravana chegava fora de horário, os camelos para entrarem na cidade tinham que ser descarregados e ainda pelo impedimento da altura, entravam ajoelhados. Em matéria de virtudes, necessita-se da perseverança. Quem não persevera, jamais realiza seus desejos, levando a termo o que começou

O Meu Filho como Ponte possui três degraus. No primeiro degrau, o cristão se afasta da afeição terrena, despoja-se dos vícios; no segundo, adquire as virtudes; no terceiro, goza a paz. No primeiro o homem se comporta como servo assalariado; no segundo, como servo fiel; no terceiro, como filho, ou seja, como pessoa que Me ama sem interesses pessoais. São três estados que podem acontecer em diversas pessoas ou sucessivamente numa única pessoa. Acontecem ou podem acontecer numa mesma pessoa quando ela progride esforçadamente, aproveitando o tempo, e passa do estado servil ao liberal e do liberal ao filial. Temos assim o amor servil, o amor interesseiro e o amor de amizade.

Relativamente ao modo como se chega ao amor amizade e filial, dá-se da seguinte maneira: inicialmente imperfeito, o homem vive no temor servil; com perseverança e esforço, chega ao amor interesseiro das consolações (espirituais) no qual se compraz olhando-Me como algo útil para si mesmo. Tal é o roteiro de quem deseja chegar ao amor amizade e filial. Este último é o amor perfeito; com ele se alcança a herança do reino. O amor filial inclui o amor-amizade; nesse sentido, se passa do amor amizade ao amor filial. Mas qual é a estrada? Vou dizê-lo. Toda perfeição e virtude procede da caridade; a caridade alimenta-se da humildade; a humildade nasce do auto-conhecimento e da vitória sobre o egoísmo da sensualidade. Para se atingir o amor filial é necessário, pois, perseverar na cela [senda] do auto-conhecimento. Nesta cela, o homem conhecerá o Meu perdão através do Sangue de Cristo, atrairá sobre si pelo amor, a Minha caridade, procurará destruir em si toda má vontade espiritual e temporal.

A fé viva consiste na prática perseverante das virtudes, em não voltar atrás por motivo algum, em não deixar a oração jamais - exceto por obediência ou caridade - pois nenhuma outra razão existe. É na oração contínua, fiel e perseverante, que todas as virtudes são adquiridas. Mas é preciso perseverar, nunca a deixar: nem por ilusão do diabo, nem por fraqueza pessoal, qual sejam os pensamentos e impulsos íntimos, nem por conselhos 'alheios'. Como é agradável ao orante e a Mim a prece feita na cela do auto-conhecimento. Comprazer-se - sentir prazer; temor servil - medo dos castigos infernais. Ali o homem crê e ama na abundância do Meu amor que, em Meu Filho, tornou-se visível e provado no Sangue.

Sangue que inebria a alma, reveste-a com as chamas do Amor Divino, eucaristicamente a alimenta. Foi na despensa da hierarquia eclesiástica que Eu guardei o Corpo e Sangue do Meu Filho, perfeito homem e perfeito Deus, pois entreguei aos sacerdotes, a chave do Sangue, a fim de que O distribuíssem. Tal alimento fortifica de acordo com o amor de quem o recebe, seja sacramentalmente, seja espiritualmente. Sacramentalmente, na comunhão eucarística; espiritualmente, ao se comungar pelo desejo da Eucaristia ou meditando-se a Paixão de Cristo Crucificado. Em qualquer oração, a pessoa deve começar pela vocal, passando depois à mental. Faça-o logo que sentir o espírito bem disposto. Tal maneira de agir conduzirá o orante à perfeição do amor. Quanto mais o homem desvencilhar sua afeição e prendê-la a Mim, mais Me conhecerá, mais Me amará, mais Me experimentará. Como vês, não é pela quantidade de palavras que se chega à oração perfeita, mas pelo amor e conhecimento de Mim e de si mesmo, cada um desses conhecimentos completando o outro.

Nas orações, concedo consolações de diversas maneiras: uma vez será contentamento, outra vez arrependimento que agita interiormente, vezes há que Me torno presente na alma sem que ela o perceba, pois faço estar no espírito a pessoa de Meu Filho de vários modos: ora sentirá na profundidade da alma grandíssimo prazer, ora nem O perceberá, como se poderia esperar. Sabes o que faço para tirar o homem da imperfeição? Costumo permitir-lhe pensamentos molestos e aridez espiritual, deixando-o como que abandonado por Mim, sem nenhuma consolação. A pessoa já não se sente do mundo, que de fato abandonou, nem lhe parece que está vivendo em Mim. Uma única fonte de paz lhe resta: a certeza de não querer ofender-Me.

Quanto à vontade que constitui como que a porta de entrada da alma, não permito que se abra ante os inimigos; seja os demônios, como os demais adversários, poderão penetrar por outros setores, mas não pela vontade, que é a porta principal da cidade da alma. Como defensor está o livre-arbítrio. Só ele pode deixar ou não que alguém passe. As portas que dão ingresso ao interior do homem são muitas. As principais são três: a memória, a inteligência e a vontade. Delas, somente uma se abre quando quer e serve de defesa para as outras, é a vontade. Com sua permissão, o primeiro inimigo a entrar é o egoísmo. Os outros vêm depois: a inteligência se obscurece; a memória dá acolhida ao ódio, e faz lembrar as ofensas recebidas e se opõe à caridade pelo próximo; a memória recorda, também, os prazeres ilícitos. Depois de abertas essas portas, escancaram-se os portões dos sentidos, que refletem em si o amor desordenado e as más ações.

O olho ocupa-se em ver coisas que não devem; por sua volubilidade, vaidade, desonestidade, capta a morte para a própria pessoa e para os demais. Oh, olho infeliz! Eu te fiz para ver o céu, as belezas da criação, Meus mistérios, e tu te fixas na lama, na baixeza, à procura da morte! O ouvido compraz-se em assuntos desonestos ou fica à espreita de notícias, a fim de se emitir julgamento; no entanto, Eu o dei ao homem, para escutar Minha palavra e tomar conhecimento das necessidades alheias. Quanto à língua, criei-a para anunciar Minha palavra, confessar as culpas e promover a salvação dos homens; mas dela serve-se a pessoa para reclamar de Mim, seu Criador, e para prejudicar o próximo. Murmura contra ele, diz que suas ações são más, blasfema, dá falso testemunho, põe em perigo a si mesmo e os demais com palavras desonestas, diz frases ofensivas que, como punhais, ferem os corações, provocando raiva. Como são numerosos os pecados - homicídios, desonestidades, rancores, ódios, perda de tempo - provocados pela língua.

O olfato também peca por desordenado prazer de sentir perfumes; se for cheiro de alimento, dá origem a gula, e a insaciável procura de comida, seja pela quantidade, seja pela qualidade, a fim de satisfazer o estômago. Quem abre este portão da alma, infelizmente não percebe que a gula incentiva a sensualidade e conduz à corrupção. As mãos foram feitas para prestar serviço ao próximo e socorrê-lo com esmolas, mas são usadas para furtar e praticar ações desonestas. Os pés têm a função de conduzir o homem a lugares santos e úteis, seja para si, como para os outros, com vistas à Minha glória e louvor; no entanto, são usados para ir-se a lugares escusos, onde conversas e divagações corrompem as pessoas. Recordei tudo isto, filha querida, para que possas chorar ao ver a cidade da alma em tão grave situação, a fim de que sintas o mal que entra no homem pela porta principal da vontade.

Entretanto, como disse antes, não permito que os males entrem livremente no homem pela vontade, mas podem fazê-lo pelas outras faculdades. Assim consinto que a inteligência seja invadida por pensamentos ruins, que a memória pareça esquecer de Mim, que todos os sentidos se vejam sacudidos por lutas diversas. Tudo isto, porém, não produz morte à alma. De Minha parte, não quero tal morte; só mesmo se a pessoa a quiser, livremente. Todas essas sensações ficam na periferia da cidade da alma, não penetram em seu interior. A menos, repito, que a pessoa o queira. 

Qual é o motivo que deixo o homem cercado por tantos inimigos? Certamente, não para que perca a graça; mas para que veja quanto Sou misericordioso. Quero que confie em Mim, não em si mesmo; que se refugie em Mim e não seja negligente. Sou seu defensor, o Pai bondoso que deseja a sua salvação. Quero recordar-lhe: de Mim recebeu o ser e os demais benefícios. Sou a sua vida. Como reconhece a pessoa tal situação e Minha providência nessas dificuldades? Aguardando a grande libertação, pois não a deixo permanentemente em tal estado; as dificuldades vão e voltam conforme julgo necessário. Às vezes, quando a alma pensa estar no inferno, repentinamente vê-se livre, como que no paraíso, sem nada ter feito pessoalmente, sente-se na paz; tudo que vê fala-lhe de Deus; inflama-se de amor ao tomar consciência do que realizei, retirando-a da tempestade sem nenhum esforço seu. A iluminação foi repentina devendo-se unicamente ao Meu inestimável amor. Providenciei as suas necessidades no momento certo quando já não aguentava mais. Mas por que não interviera Eu antes, libertando a alma das dificuldades, nos momentos em que se dedicava à oração e aos outros exercícios? Porque, sendo imperfeita, iria atribuir aos seus esforços pessoais o que não lhe pertencia. 

Como percebes, é através de muitos combates que o homem imperfeito tende à perfeição. Neles, a alma experimentará Minha providência, percebendo concretamente realidades em que antes somente acreditava. Dou-lhe a certeza da experiência, graças a qual adquire o amor perfeito e supera o amor imperfeito. Costumo também dar a Meus servidores júbilo espiritual e visões. Se alguém unicamente se preocupar na obtenção de tais favores, acabará por cair na amargura e no tédio no momento que notar sua ausência progressiva; cada vez que Eu não os der, julgarão que perderam a graça. Já afirmei que costumo visitar e ausentar-Me do homem no tocante às consolações - sem prejuízo do estado de graça - a fim de levar à pessoa à perfeição. Em tais circunstâncias, muitos mergulham na tristeza e sentem-se no inferno, porque não mais experimentam os prazeres da mente, substituídos pelos tormentos das tentações. 

Nesta situação pode o demônio se apresentar em forma de luz. Costuma ele tentar os homens de acordo com as disposições espirituais que neles encontra. Por tal motivo, ninguém deve desejar satisfações e visões espirituais; aspire-se somente pela virtude. Na humildade, cada um se julgue indigno de tais coisas; se as receber, comporte-se segundo a caridade. O diabo é capaz de mostrar-se numa figura de luz, por vários modos, na alma de quem gulosamente sonha com visões. Dessa maneira, ele usa o anzol do prazer espiritual para atrair a alma, e prendê-la em suas mãos. Se Me perguntares: 'Qual é o sinal que nos indica que 'a visita' é do diabo e não Minha?' Respondo: 'Se for o demônio em forma de luz, sua presença inicialmente produzirá alegria, mas pouco esta irá desaparecendo, até transformar-se em tédio, trevas e remorso de consciência. Ao contrário, se for uma 'visita' Minha, no começo a pessoa sentirá temor, um temor santo que depois lhe dará alegria, segurança e uma feliz prudência que, refletindo, não duvida'. Realizo todas essas coisas por amor; quero que o homem progrida na humildade, na perseverança; quero ensinar-lhe a não ditar regras, a não considerar as consolações com uma finalidade.

Quero que alicerce em Mim a sua virtude; que aceite os acontecimentos e Meus dons com humildade. Quero que acreditem no seguinte: que concedo as consolações espirituais de acordo com as necessidades da sua santificação e aperfeiçoamento. Quero que, além de ti, muitas outras pessoas - como servidores Meus - ao ouvir tais coisas sejam levados a orar obrigando-Me a usar de misericórdia para com o mundo e para com a hierarquia da Santa Igreja pelo qual tanto suplicas. Como deves recordar, afirmei que escutaria vossos pedidos, confortar-vos-ia nas lutas, faria frutificar vossos desejos, enviando pastores bons e santos para a reforma da Santa Igreja. Disse que não é pela guerra, pela espada e pela crueldade que isto acontecerá, mas com a paz, a tranqüilidade, as lágrimas e suores dos Meus servidores.

Eis a razão por que vos coloquei a trabalhar por vós mesmos, pelos demais cristãos e pela hierarquia da Santa Igreja. Não cesseis de oferecer-Me o incenso perfumado de vossas preces pela salvação da humanidade! Quero perdoar o mundo, quero lavar a face da Santa Igreja com vossas orações, suores e lágrimas. Costuma o homem cair em pecado mortal embora nenhuma força externa, graças à sua liberdade, o possa obrigar, incluindo a própria fraqueza. Pelo pecado mortal a pessoa perde a graça batismal; como remédio, o Pai deixou a penitência [confissão], que constitui um perene batismo no Sangue. Ela é recebida mediante a contrição e confissão dos pecados aos ministros; possuindo a chave do Sangue; eles, pela absolvição, O derramam na face da alma. Sendo impossível a confissão, basta a contrição interior, pois com ela o Meu Espírito vos dá o Meu perdão. Mas, se a confissão for possível, quero que a façais; não recebe o perdão aquele que, podendo fazê-lo, não a procura.

Paciência, fortaleza, perseverança - eis as três virtudes alicerçadas na caridade, e iluminadas pela fé, que fazem o homem andar na verdade, sem trevas. O desejo santo eleva os perfeitos; já ninguém os consegue destruir: nem os demônios com suas tentações, nem os homens com seus ataques. O mundo, ao persegui-los, na realidade os teme. Os perfeitos tornaram-se pequeninos pela humildade; costumo permitir dificuldades para fortalecê-los e engrandecê-los diante de Mim e do mundo. Podes comprová-lo em Meus santos: como se fizeram pequeninos por Minha causa, Eu os engrandeci em Mim e na Igreja, sendo seus nomes sempre lembrados; escrevi seus nomes no Livro da Vida. 

Uma coisa é certa: ninguém entra na vida eterna se não for obediente (Mt 19,17). A obediência foi a chave que abriu a porta do céu, da mesma forma como a desobediência de Adão a fechara. O sinal indicador de que possuis a obediência é a virtude da paciência; se não a tens, a impaciência o dirá. Impelido pela Minha grande caridade, tomei nas Mãos a chave da obediência e a entreguei a Meu Filho. Desempenhando a função de porteiro; Ele reabriu a porta do céu. Sem tal chave e tal Porteiro, ninguém ali conseguiria entrar. Cada um tem consigo a obediência de Cristo. Embora tenha Ele aberto a porta do céu ocorre que cada um, pela fé e pelo amor, use tal chave para destrancar aquela porta.

Criei-vos sem vossa colaboração; não pedistes para existir; mas, sem vossa participação, não vos salvarei. É de vosso interesse caminhar pela obediência na mensagem do Meu Filho sem interrupções, sem amar os bens passageiros. 'Param' aqueles que seguem o homem velho, o primeiro Adão, que jogou na lama do pecado a chave da obediência, que a quebrou pela soberba, que a arruinou com o egoísmo. Depois veio Meu Filho, tomou-a nas mãos, retirou-a da lama, purificou-a na chama do amor, lavou-a com Seu Sangue, endireitou-a e com ela destruiu os vossos pecados no próprio Corpo.

Da mesma forma como o homem destruíra a obediência pela sua liberdade, Cristo livremente a reformou pela graça. Ó homem cego, estragaste a chave de obediência e não te preocupas em restaurá-la. Achas que a desobediência conseguirá abrir a porta do céu sendo ela que o fechou? Julgas que o orgulho é capaz de conduzir-te ao céu, sendo ele que de lá caiu? Imaginas ir às núpcias ligado pelas correntes do pecado? Ou crês possível abrir a porta celeste sem chave alguma? Não creias; estaria enganada a tua imaginação! É preciso que te libertes; livra-te do pecado pela confissão, contrição, propósito de não mais pecar. Somente assim atirarás num canto a roupa suja e, com a fé e a obediência, abrirás aquela porta. Amarra à sua cintura tal chave com o cordão da humilhação e do desprezo por ti mesmo e pelo mundo, a fim de que não a percas. Dependura-a no cinturão que é Minha vontade de que deves estar cingido. Todos são postos a trabalhar na vinha da obediência, cada um a seu modo; todos terão a sua paga não pelo que fez ou pelo tempo de serviço, mas na proporção do quanto amou.

Quem começou primeiro não receberá mais que o companheiro que veio depois, assim como mostra o Evangelho (Mt 20,1-16), na passagem em que Jesus narra a parábola dos operários ociosos, enviados pelo Senhor ao trabalho de sua vinha. O patrão deu o mesmo salário aos que haviam começado na aurora e aos demais que se apresentaram às seis, nove, doze, quinze horas e ao entardecer. Meu Filho quis revelar que não sereis premiados de acordo com a duração e o tempo de trabalho, mas de acordo com o amor. Desde o início do mundo até agora, Minha providência cuida e continuará a cuidar das necessidades e salvação dos homens. Realiza tal obra por formas diversas, conforme parecer melhor a Mim, médico verdadeiro e justo, ante vossas enfermidades. Para quem a acolhe, Minha providência jamais faltará.

Não reconheço os que Me imploram sem a prática da virtude, sem a vivência da justiça. Ao confiar em Mim e ao servir-Me, necessariamente o homem tem que renunciar a si e ao mundo, tem de não apoiar-se na própria fraqueza. A esperança humana é mais ou menos perfeita conforme o amor da pessoa; será igualmente nessa medida que cada um terá a experiência da Minha Providência. Aqueles que Me servem e só em Mim confiam, experimentá-la-ão mais profundamente do que as almas cuja esperança se fundamenta em interesses e compensações

A pessoa insensata não percebe que vivo em contínuos cuidados pelo mundo, em geral, e por cada homem em particular, de acordo com as suas necessidades. Aos homens em particular, ajo conforme quero: acontecerá a vida ou a morte, a fome ou a sede, mudanças de posição social, nudez e calor, injúrias, caçoadas e traições. Permito que as pessoas digam e façam tudo isso. Não procede de Mim a malícia da vontade, presente naqueles que praticam o mal e injuriam; mas de Mim recebem o ser e a existência. Sem dúvida, não lhes dou o ser para que pequem contra Mim e o próximo; dou-o para o serviço e o amor. Permito o mal a fim de que o ofendido prove a sua paciência ou a adquira.

Também não deixo, de proteger bondosamente as pessoas. Faço a terra produzir frutos, tanto para o pecador como para o justo (Mt 5,45), propiciando o sol e a chuva para as lavouras. Algumas vezes, o pecador recebe até mais do que o justo. Ajo assim, para dar maiores riquezas espirituais ao justo que, por Meu amor, despojou-se de bens materiais e mesmo da vontade própria.

Diretamente para a alma, deixei na Santa Igreja os sacramentos. Eles são o alimento da alma; a alma é incorpórea e vive da Minha Palavra, ao passo que o pão material destina-se ao sustento do corpo; neste sentido, afirmou Meu Filho no Evangelho, 'não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai de Mim' (Mt 4,4). 'Vive' a alma, quando segue por intenção íntima a mensagem da Minha Palavra encarnada. É essa palavra que dá a vida no Sangue através do sacramentos; enquanto espirituais, eles se destinam à alma. Quando são recebidos apenas materialmente, não produzem a vida da graça. Os sacramentos supõem que o homem os receba com disposições espirituais de desejo santo. Ora, este não provém do corpo, mas da alma. Em tal sentido afirmei que os sacramentos são 'espirituais' e destinam-se à alma, que é incorpórea. Embora ministrados através do corpo, quem os recebe é o desejo da alma. 

Enquanto estás no mundo, sempre vos é possível progredir e merecer. Para isso Eu vos purifico quanto ao egoísmo espiritual e sensível, podando-vos com sofrimentos para que produzais frutos. O sofrimento é ainda um sinal, serve de prova, nele o homem revela o grau de perfeição ou imperfeição em que está. Filha querida, tal é Minha providência em favor dos homens, atuada em situações infinitas e por admiráveis modos. Os maus não a percebem, por que as trevas não Me compreendem (Jo 1,5); mas é percebida por quem tem a fé, perfeita ou imperfeita que seja, de acordo com a iluminação que recebeu. Após ter recebido a precedente iluminação geral, o cristão não deve-se dar por satisfeito.

Enquanto viveis neste mundo, podeis, e deveis progredir. Se alguém estaciona, por isto mesmo retrocede. É necessário crescer naquela iluminação recebida com a graça, ou superar o que é imperfeito para atingir a perfeição. De fato, existe uma segunda iluminação para quem aspira à perfeição. Ela é dupla para aqueles que se elevaram do comum comportamento do mundo. Cada pessoa recebe tal luz conforme suas aptidões e disposições. Como acréscimo à luz da razão, a inteligência é iluminada por uma luz infusa proveniente da graça. Foi com esta segunda luz infusa e sobrenatural que os Doutores da Igreja e demais Santos conheceram a verdade, transformando a escuridão em claridade. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é melhorar ou completar a revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em uma determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou de seus santos, à Igreja. Esta é a Verdadeira Doutrina da Igreja.

(Final)
(Revelações de Deus Pai à Santa Catarina de Sena)

sábado, 14 de setembro de 2013

14 DE SETEMBRO - EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ



'Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim' (Jo 12, 32)

A festa da Exaltação da Santa Cruz, tem origem na descoberta do Sagrado Lenho por Santa Helena, mãe do imperador Constantino, e na dedicação de duas basílicas construídas por ele, uma no Calvário e outra no Santo Sepulcro, dedicação esta realizada no dia 14 de setembro de 335. No ano de 629, a celebração tomou grande vulto com a restituição da Santa Cruz pelo imperador Heráclio, que a retomou dos persas que a haviam furtado. Levada às costas pelo próprio imperador, de Tiberíades até Jerusalém, a Santa Cruz foi entregue, então, ao Patriarca Zacarias de Jerusalém.


O imperador Constantino e sua mãe, Santa Helena, veneram a Santa Cruz 

Conta-se, então, que o imperador Heráclio, coberto de ornamentos de ouro e pedrarias, não conseguia passar com a cruz pela porta que conduzia até o Calvário; quanto mais se esforçava nesse sentido, mais parecia ficar retido no mesmo lugar. Zacarias, diante desse fato, ponderou ao imperador que a sua ornamentação luxuosa não refletia a humildade de Cristo. Despojado, então, da vestimenta, e com pés descalços, o imperador completou sem dificuldades o trajeto final, encimando no lugar próprio a Cruz no Calvário, de onde tinha sido retirada pelos persas.

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo converteu a Cruz de um objeto de infâmia e repulsa na glória maior da fé cristã. A Festa da Exaltação da Cruz celebra, portanto, o triunfo de Jesus Cristo sobre o mundo e a imprimação do Evangelho no coração de toda a humanidade.

SALVE CRUX SANCTA

Salve, crux sancta, salve mundi gloria,
vera spes nostra, vera ferens gaudia,
signum salutis, salus in periculis,
vitale lignum vitam portans omnium.

Te adorandam, te crucem vivificam,
in te redempti, dulce decus sæculi,
semper laudamus, semper tibi canimus,
per lignum servi, per te, lignum, liberi.

Originale crimen necans in cruce
nos a privatis Christe, munda maculis, 
humanitatem miseratus fragilem 
per crucem sanctam lapsis dona veniam.

Protege salva benedic sanctifica 
populum cunctum crucis per signaculum, 
morbos averte corporis et animae 
hoc contra signum nullum stet periculum.

Sit Deo Patri laus in cruce filii 
sit coequalis laus sancto spiritui, 
civibus summis gaudium et angelis 
honor sit mundo crucis exaltatio. Amen.


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

ORAÇÃO PARA QUEM VAI SER MÃE

Trago, Senhor, em meu ventre, uma obra prima da Vossa Criação.
Senhor, ele nasceu do meu amor humano,
amor e fruto de amor
nascido da Vossa Santa Vontade.

É tão pequeno ainda, Senhor, é tão pequeno!
Que mal percebo sua suave ascensão
dentro de mim.
Tanta pequenez que me consome em cuidados,
num amor sem medidas,
por aquele que vem.
Eu Vos louvo, Senhor, pelo meu filho,
guardado no silêncio do meu corpo
que se alimenta pelo meu sangue,
alimentando os meus sonhos.

Que eu seja mãe do seu corpo e de sua alma,
nesta vida e por toda a eternidade,
que eu lhe ensine a ser bom,
a amar as vossas criaturas,
a praticar o bem com alegria,
a ser instrumento da graça de Deus 
em tudo e em todos.

Que Vossa Mãe e minha, Nossa Senhora,
possa assistir-me neste tempo de espera
em todas as horas destes longos meses;
no momento do parto,
cuida de mim, Nossa Senhora,
e sussurre suavemente aos meus ouvidos
que não há nada a temer quando se tem 
dois Anjos da Guarda velando juntos
nos passos do meu caminho.

Cuida, Senhor, cuida do meu filho,
prometo-Vos guardá-lo agora no meu ventre
e por toda a vida em meu coração;
que a Vossa luz ilumine os seus passos
que a Vossa Cruz alivie as suas dores.

Senhor, eu Vos ofereço hoje o meu filho,
que ele seja a santa alegria da minha vida,
o louvor da minha maternidade, meu tesouro,
dádiva maior do meu amor humano;
e que tudo isso seja contado um dia 
no coração de Deus.
Amém.
(Arcos de Pilares)

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

REVELAÇÕES DE DEUS PAI (II)

No Juízo Particular, no instante final, quando a pessoa compreende que não pode fugir das Minhas Mãos recupera a visão que a atormenta interiormente, fazendo-a ver que por própria culpa chegou a tão triste situação. Se o pecador se deixar iluminar e se arrepender, não por medo dos castigos infernais, mas por ter ofendido a Suma e Eterna Bondade, ainda será perdoado. Mas, se ultrapassar o momento da morte nas trevas, no remorso, sem esperança no Sangue, ou então, lamentando-se apenas pela infelicidade em que se acha - e não por ter Me ofendido - irá para a perdição. 

Sobrevirá pois, a repreensão pela injustiça e falso julgamento. Em primeiro lugar a repreensão da injustiça e do julgamento falso em geral, praticados no conjunto de suas ações, durante a vida; depois, em particular, do último instante quando o pecador considera seu pecado maior que a Minha Misericórdia. Este é o pecado que não será perdoado, nem aqui nem no além. O desprezo voluntário da Minha Misericórdia constitui pecado mais grave que todos os anteriores. Filha, tua linguagem é incapaz de descrever os sofrimentos desses infelizes condenados. Sendo três os seus vícios principais - egoísmo, medo de perder a boa fama e orgulho - aos quais se acrescentam a injustiça, a maldade e impureza, no inferno os pecadores padecem de quatro tormentos principais. 

O primeiro é a ausência da Minha Visão. Um sofrimento tão grande que os condenados, se fosse possível, prefeririam sofrer o fogo vendo-Me, que ficar de fora dele sem Me ver. O segundo, como consequência, é o remorso que corrói o pecador privado de Mim, longe da conversação dos anjos, a conviver com os demônios. Aliás, a visão do diabo constitui o terceiro tormento. Ao vê-lo duplica-se o sofrer. Nestes [os demônios], eles se conhecem melhor, entendendo que por própria culpa mereceram o castigo. Assim o remorso os martiriza e jamais cessará o ardor da consciência. Muito grande é este tormento, porque o diabo é visto do próprio ser; tão horrível é a sua fealdade, que a mente humana não consegue imaginar. Se ainda o recordas, já te mostrei o demônio assim como ele é; foi por um átimo de tempo. Quando retornastes ao sentido, preferias caminhar por uma estrada de fogo até o juízo final que tornar a vê-lo. No entanto, apesar do que viste ignoras a sua fealdade, especialmente porque, segundo a justiça divina, ele é visto mais ou menos horrível pelos condenados, segundo a gravidade das culpas. 

O quarto [tormento] é o fogo. Um fogo que arde sem consumir, sem destruir o ser humano. É algo de imaterial, que não destrói a alma incorpórea. Na Minha justiça permito que tal fogo queime, faça padecer, aflija; mas não destrua. É ardente e fere de modo crudelíssimo em muitas maneiras, conforme a diversidade das culpas. A uns mais, a outros menos, segundo a gravidade dos pecados. Destes quatro tormentos derivam os demais: o frio, o calor, o ranger de dentes (Mt, 22,13). Grande é o ódio dos condenados, pois já não amam o bem. Blasfemam continuamente contra Mim! 

Queres saber por que já não podem desejar o bem? É porque, no fim desta vida, vincula-se o livre arbítrio. 
Com o cessar do tempo, já não se merece mais. Quem termina esta existência em pecado mortal, por direito divino fica para sempre apegado ao ódio, obstinado no mal, a roer-se interiormente. Seus sofrimentos irão aumentando sempre, especialmente por causa das demais pessoas que por sua causa irão para a condenação. 

O homem justo [no Juízo], ao encerrar sua vida terrena no amor, já não poderá progredir na virtude. Para sempre continuará a amar no grau de caridade que atingiu até Mim. Também será julgado na proporção do amor. Continuamente Me deseja, continuamente Me possuí; suas aspirações não caem no vazio. Ao desejar, será saciado; ao saciar-se, sentirá ainda fome; distanciando-se assim, do fastio da saciedade e do sofrimento da fome. Os bem-aventurados gozam da Minha Eterna Visão. Cada um no seu grau, de acordo com a caridade em que vieram participar de tudo o que possuo. Desfrutam na alegria e gozo - dos bens pessoais e comuns que mereceram. Colocados entre os anjos e santos com eles se rejubilam na proporção do bem praticado na terra. Entre si congraçados na caridade os bem-aventurados de modo especial comunicam-se com aqueles que amaram no mundo. 

Não penses que a felicidade celeste seja apenas individual. Não! Ela é participada por todos os cidadãos da pátria, homens e anjos. Quando chega alguém à vida eterna, todos sentem sua felicidade da mesma forma como ele participa do prazer de todos. Em seus anseios os eleitos clamam continuamente diante de Mim em favor do mundo inteiro. Suas vidas haviam terminado no amor fraterno; continuam no mesmo amor. Aliás, foi exatamente por tal caridade que passaram pela porta que é Meu Filho.

Por ocasião do Juízo Final, o Verbo Encarnado virá com divina majestade para repreender o mundo. Não mais se apresentará pobrezinho na forma como nasceu da Virgem, na estrebaria, entre animais, para morrer depois no meio de ladrões. Naquela ocasião, ocultei n'Ele o Meu poder e permiti que suportasse penas e dores como homem. A natureza divina se unira à humana e foi enquanto homem que sofreu para reparar as vossas culpas. No juízo final, não será assim, pois virá com poder a fim de julgar. As criaturas humanas estremecerão e Ele a cada um dará sentença conforme merecimento. Tua língua não conseguirá exprimir o que se sucederá aos condenados. 

Para os bons, Jesus será motivo de temor santo e alegria imensa. Os bem-aventurados continuam no céu, eternamente, aquele mesmo amor com que encerraram a vida terrena. Eles em nada se distanciam de Mim. Seus desejos estão saciados. Anseiam em ver-Me glorificado por vós viandantes e peregrinos que sois em direção à morte. Aspirando por Minha honra, querem vossa salvação e sempre rogam por vós; de Minha parte, escuto os seus pedidos naquilo em que vós, por maldade, não opondes resistência à Minha bondade. 

Os bem-aventurados desejam recuperar os seus corpos; todavia não sofrem por sua ausência. Até se alegram, na certeza de que tal aspiração será realizada. A ausência do corpo não lhes diminui o prazer, não é angustiante, não faz sofrer. Nem julgues que a satisfação de ter o corpo após a ressurreição lhes traga maior bem-aventurança. Se isso fosse verdade, seria sinal que a felicidade anterior era imperfeita, enquanto não o reouvessem, e isso não pode ser. De fato, nenhuma perfeição lhes falta. Não é o corpo que faz feliz a alma, mas o contrário. Quando esta recupera o corpo no dia do juízo, participará ele da plenitude e da perfeição da alma. Naquele dia, esta se fixará para sempre em Mim, e o corpo em tal união, ficará imortal, sutil, leve. 

Deves saber que o corpo ressuscitado pode atravessar uma parede, que o fogo e a água não o ofendem. Tal propriedade lhe advém, não de uma virtude própria, mas por uma força que gratuitamente concedo à alma, que foi criada à Minha imagem e semelhança num inefável ato de amor. Tua inteligência não dispõe da capacidade necessária para entender, nem teus ouvidos para escutar, a língua para narrar e o coração para sentir qual é a felicidade dos santos. 

Ocupei-Me da felicidade dos santos para que entendesses melhor a infelicidade dos condenados ao inferno. Aliás, outro tormento destes últimos, é ver quanto os bem-aventurados são felizes. Tal conhecimento acresce-lhes a pena, da mesma forma como a condenação dos maus leva os justos a glorificar Minha bondade. A luz é mais evidente na escuridão, e a escuridão na luz. Conhecer a alegria dos santos é dor para os réus do inferno. Os condenados aguardam com temor o dia do juízo final. Sabem que então seus sofrimentos aumentarão. Ao escutar o terrível convite: 'mortui, venite ad judicium', a alma retornará ao corpo. 

Para os bem-aventurados será um corpo de glória; para os réus, um corpo para sempre obscurecido. Diante do Meu Filho, sentirão grande vergonha. Também diante dos santos. O remorso martirizará a profundidade do seu ser, quero dizer, a alma; mas também o corpo. Acusá-los-ão: o Sangue de Cristo, por eles derramado; as obras de misericórdia, espirituais e corporais, do Meu Filho, o bem que eles mesmos deveriam ter praticado em benefício dos outros, segundo o evangelho. Terá seu castigo a maldade com que trataram os irmãos, pois Eu mesmo, compassivo, perdoara-lhes (Mt 18,33). Serão repreendidos pelo orgulho, egoísmo, impureza, ganância; e tudo isso reavivará seus padecimentos. 

No instante da morte, somente a alma é repreendida; no juízo final também o corpo, por ter sido instrumento da alma na prática do bem e do mal conforme a orientação da vontade. Todo bem e todo mal é feito através do corpo por este motivo, Minha filha, os justos terão no corpo glorificado uma luz e um amor infinitos; já os réus do inferno sofrerão pena eterna em seus corpos usados para o pecado. Ao recuperar o corpo diante de Jesus ressuscitado, os réus sentirão tormento renovado e acrescido: a sensualidade sofrerá na sua impureza, vendo a natureza humana unida à divindade, contemplando este barro adâmico - vossa natureza - colocada acima de todos os coros angélicos, enquanto eles, os maus, estarão no mais profundo abismo. 

Os condenados verão brilhar sobre os eleitos a liberalidade e a misericórdia, quais frutos do Sangue de Cristo; saberão das dificuldades suportadas pelos bons e que agora se mostram em seus corpos como frisos de adornos para as vestes. O valor de tais sofrimentos físicos não provém do corpo mas da riqueza da alma; é ela que dá o corpo o merecimento da luta como companheira da prática das virtudes. Tal exteriorização se verifica porque o corpo manifesta o resultado das batalhas das alma, como o espelho reflete a face do homem. Ao se verem privados de tamanha beleza, os habitantes das trevas verão surgir nos próprios corpos os sinais dos pecados e terão maiores tormentos e confusão. 

E ao soar aquela terrível sentença: 'Ide, malditos, para o fogo eterno', suas almas e corpos encaminhar-se-ão para a companhia de demônios, sem mais remédios nem esperança. Cada um a seu modo, se envolverá na podridão que viveu na terra, de acordo com as ações que praticou: o avarento arderá na sua ganância dos bens que desordenadamente amou; o maldoso, na sua ruindade; o impuro na imunda e infeliz concupiscência; o injusto nas suas iniquidades; o rancoroso no seu ódio pelos outros. Quanto ao egoísmo fonte de todos os males arderá como princípio causador de tudo em sofrimentos insuportáveis. O orgulho terá igual sorte. Assim, corpo e alma serão punidos em todos os vícios. 

Sirvo-Me do demônio qual instrumento da Minha justiça para atormentar os que Me ofendem. Nesta vida o coloquei qual tentador, molestando os homens. Não para que estes sejam vencidos, mas para que conquistem a vitória e o prêmio pela comprovação das virtudes. Ninguém deve temer as possíveis lutas e tentações do demônio. Fortaleci os homens, dei-lhes energia para vontade, no Sangue de Cristo. Demônio ou criatura alguma conseguem dobrar a vontade. Ela vos pertence, é livre. Vós é que escolheis o querer ou não querer alguma coisa. Eu disse que o demônio convida os homens para a água-morta, a única que lhe pertence, cegando-os com prazeres e satisfações do mundo. Usa o anzol do prazer e fisga-os mediante a aparência de bem. 

Sabe ele que, por outros caminhos, nada conseguiria; sem o vislumbre de um bem ou satisfação, os homens não se deixam aprisionar; por sua própria natureza, a alma humana tende ao bem. Infelizmente, devido à cegueira do egoísmo, o homem não consegue discernir qual é o bem verdadeiro, realmente útil ao corpo e à alma. Percebendo isto, o demônio, maldoso, apresenta-lhe numerosos atrativos maus, disfarçados porém sob alguma utilidade ou prazer. A certeza da Minha presença em suas vidas, é o conhecimento da Minha verdade. Tal conhecimento se realiza na inteligência que é, o olho da alma; pupila de tal olho é a fé. Pela iluminação da fé, eles distinguem, conhecem e seguem a estrada mensagem do Verbo Encarnado. Sem a fé ninguém reconhece tal estrada, à semelhança daquele que possuísse o olho, mas coberto por um pano. Sim, a pupila desse olhar é a fé; nada verá quem cobrir sua inteligência com o pano da infelicidade, por causa do egoísmo. Tal pessoa terá a inteligência, mas não a luz para conhecer. Como afirmei antes, ninguém consegue seguir o caminho da verdade sem a luz da razão - recebida de Mim com a inteligência - e sem a luz da fé, infundida na hora do santo batismo, supondo que não destruais esta última com vossos pecados.

(Revelações de Deus Pai à Santa Catarina de Sena)