quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (V)

XVI

DAS FACULDADES AFETIVAS: O LIVRE ARBÍTRIO

Há no homem faculdades distintas das cognoscitivas?
Sim, Senhor; as afetivas.

Que entendeis por faculdades afetivas?
O poder que o homem tem de propender para o que as faculdades cognoscitivas lhe apresentam como bom e de fugir do que como mau lhe põem diante dos olhos.

Quantas classes de faculdades afetivas há no homem?
Duas, correspondentes às duas espécies de conhecimento que estudamos.

Que nome recebe a primeira?
O de apetite sensitivo (LXXXI)*.

E a segunda?
A segunda chama-se vontade (LXXXII).

Recebe também a vontade o nome de apetite?
Sim, Senhor; porém em sentido mais nobre e espiritual.

Qual das duas faculdades é mais perfeita?
A vontade.

Se o homem possui livre arbítrio, é devido à vontade?
Sim, Senhor; porque, sendo o bem em geral (bonum commune) o único que a vontade ama necessariamente, quando solicitada por bens particulares permanece senhora de seus atos, podendo por consequência, inclinar-se a querer ou a não querer (LXXXVIII).

A liberdade humana reside exclusivamente na vontade?
Não Senhor; na vontade unida à inteligência.

O homem dotado de livre arbítrio, em virtude da inteligência e da vontade, é o rei da criação neste mundo corpóreo?
Sim, Senhor; porque os outros seres materiais são inferiores a ele, por natureza, e todos foram criados para que o servissem na peregrinação que há de empreender, até que volte ao seio de Deus, de cujas mãos saiu.

XVII

ORIGEM DIVINA DO HOMEM

Descendem dos mesmos pais todos os homens que existem e têm existido no mundo?
Sim, Senhor.

Como se chamavam os primeiros pais da linhagem humana?
Adão e Eva.

E eles, por sua vez, donde procediam?
Foram criados por Deus.

Como Deus os criou?
Dando-lhes corpo e alma.

Como produziu Deus as suas almas?
Por criação.

E os corpos?
O mesmo Deus nos revelou que modelou com barro o corpo de Adão e, de uma das suas costelas, formou o corpo de Eva (XCI, XCII).

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Sim, Senhor (XCIII).

Que quer dizer que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Que a natureza e operações mais elevadas do homem lhe permitem entrever a natureza divina e a vida íntima da Augusta Trindade e imitam de certo modo a perfeição das pessoas divinas (XCIII, 5).

Por que se reflete, na natureza e nas operações mais nobres do homem, a natureza divina?
Porque também a nossa alma é espiritual e as suas operações mais perfeitas, entender e amar, têm por objeto a primeira Verdade e o Bem supremo, que é o mesmo Deus (XCII, 5-7).

Por que nos atos de entender e amar podemos ver uma semelhança da vida íntima da Augusta Trindade?
Porque o nosso Espírito, ao pensar em Deus, concebe um verbo interior que lhe serve de objeto e, sob a influência do pensamento produtor do Verbo, brota o ato de amar o objeto concebido pelo espírito (XCIII, 6).

De que modo podemos imitar a perfeição própria das Pessoas divinas?
Podemos, à sua semelhança, ter como primeiro objeto e último fim de nossos pensamentos e afetos a Deus, concebido no entendimento e adorado no coração (XCIII, 6).

Não há no mundo corpóreo, além do homem, algum outro ser feito à imagem e semelhança de Deus?
Não, Senhor; porque somente o homem possui natureza espiritual (XCIII, 2).

Logo, nas criaturas inferiores, nada há por onde venhamos ao conhecimento de Deus?
Sim, Senhor; porque, em razão das perfeições materiais de que foram dotadas, são como impressões ou vestígios da mão de Deus, seu criador (XCIII, 6).

XVIII

DO ESTADO FELIZ EM QUE FOI CRIADO O HOMEM

Criou Deus o homem perfeito?
Sim, Senhor.

Que bens compreendia o primitivo estado de felicidade em que o homem foi criado?
Ciência claríssima e universal, justiça original unida à prática de todas as virtudes, império absoluto da alma sobre o corpo e domínio sobre todas as criaturas (XCIV, XCV, XCVI).

Possuía o primeiro homem estes bens, na qualidade de privilégio exclusivo e intransferível?
Em relação à ciência, sim Senhor; porém, a justiça original e os dons de integridade se transmitiriam por geração a todos os seus descendentes, porque eram inseparáveis da natureza humana enquanto deles não fosse o homem despojado pelo pecado (XCIV, 1).

Estava o homem sujeito à morte?
Não, Senhor (XCVI, 2).

Estava isento de sofrimento e de dor?
Sim, Senhor; visto que a alma, por especial privilégio, protegia o corpo contra todo o mal e ela por sua vez de coisa alguma podia receber dano, enquanto a vontade permanecesse submissa a Deus (XCVII, 2).

Logo, o homem foi criado em estado de verdadeira felicidade?
Sim, Senhor.

E aquela felicidade era a última e suprema a que podia aspirar?
Não, Senhor; era temporal e a ela devia seguir-se outra mais alta e definitiva (XCIV, 1, ad 1).

Como poderíamos chamá-la?
A primeira felicidade inicial, durante a qual o homem contrairia méritos para alcançar, a titulo de recompensa, o estado de felicidade último e perfeito (XCIV, 1,2, 2; XCV, 4).

Onde receberia o homem o galardão que havia de coroar a sua felicidade?
No céu da glória, em companhia dos anjos, para onde seria levado por Deus, depois de algum tempo de prova e méritos no primitivo estado (XCIV. 1, ad 1).

Onde habitaria o homem, enquanto contraía méritos para ser levado á glória?
Num jardim de delicias, expressamente preparado por Deus (CII).

Como se chamou aquele lugar de delícias?
Paraíso terreal.


referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular).