sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

SOBRE O ÓDIO E O DESEJO DE VINGANÇA

O amor que devemos ter aos  nossos inimigos nos força a depor por terra todo ódio de inimizade e todo o desejo de vingança. O ódio por inimizade, também chamado de malevolência, é aquele pelo qual se deseja algum mal a uma certa pessoa por considerá-la má em essência. Como é um sentimento que se opõe ao amor de benevolência e à amizade, constitui a forma mais extrema de ódio a uma pessoa. Impõe-se sempre, em nome da caridade, depor por terra e de imediato esse ódio de inimizade, pelas seguintes razões expostas:

(i) pelas Sagradas Escrituras: 

São João afirma expressamente que 'quem odeia o seu irmão é assassino. E sabeis que a vida eterna não permanece em nenhum assassino' (I Jo 3,15) e ainda 'Se alguém disser: “Amo a Deus”, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também ao seu irmão' (I Jo 4, 20-21).

(ii) pelos argumentos teológicos:

O ódio de inimizade se opõe diretamente à caridade e constitui, por si mesmo, uma grave desordem moral. Entretanto, poderia ser um pecado leve seja pela imperfeição do ato (por faltar vontade ou consentimento explícitos) seja por uma eventual falta de materialidade grave (desejo de danos de pequena monta, por exemplo), embora tal proposição possa ser, nestes casos, discutível e muito perigosa.

Como corolário, tem-se que o ódio de inimizade é intrinsecamente mal, por não ser lícito desejar ao próximo nenhum mal enquanto mal, mas é possível desejar a alguém algum mal físico ou temporal (nunca espiritual) para a sua correção (por exemplo, uma enfermidade para uma pessoa se arrepender de sua má vida) ou mesmo a morte de um perseguidor da Igreja, visando o fim do sofrimento de muitos (embora seja melhor rogar pela sua conversão) ou ainda na intenção do bem de alguns em detrimento de um só (por exemplo, desejar um castigo para um pai de família que ameaça e afronta continuamente sua esposa e os seus filhos).

Não  sendo lícito desejar o mal ao inimigo, tampouco se pode amaldiçoá-lo. A maldição é, em si, um pecado mortal contra a caridade, à qual se opõe diretamente. No entanto, na prática, pode também constituir pecado menos grave (venial) por imperfeição do ato, porque fruto de uma raiva momentânea e não constituir uma vontade definitiva. Entretanto, mesmo tais atos devem ser obstados e corrigidos com energia, por razões de se evitar o escândalo e muitos outros inconvenientes que carregam consigo.

Em relação ao desejo de vingança, eis aqui a luminosa doutrina exposta por São Tomás sobre o tema: 'A vingança é exercida por uma má pena imposta ao culpado, a qual deve levar em conta a intenção de quem a exerce. A busca por impor algum mal ao culpado e se regozijar por isso é absolutamente ilícito, porque isso é apenas ódio, que se opõe à caridade que devemos ter para com todos os homens... A razão de tudo isso é que não podemos ir contra alguém que nos infligiu um mal primeiro, pois isso nos é proibido pelas palavras do apóstolo: 'Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem' (Rm 12,21). Por outro lado, se a intenção da pessoa que executa a vingança é conseguir o bem do culpado por meio da punição, pois estaria conseguindo a sua emenda ou, pelo menos, sua contrição, a tranquilidade dos demais e o exercício da justiça e da honra devida a Deus, então a vingança pode ser lícita, levando-se em conta outras devidas circunstâncias.

(Excertos da obra 'Teologia da Caridade', de Antonio Royo Marin)