domingo, 31 de janeiro de 2016

O GRANDE MILAGRE DE JESUS EM NAZARÉ

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo do Tempo Comum


A dimensão messiânica de Jesus tinha acabado de ser revelada aos moradores da aldeia de Nazaré, onde Jesus vivera até a juventude, como o filho do carpinteiro (evangelho do domingo anterior). Quase ao término do segundo ano de sua pregação pública e após o batismo por João, Jesus retorna às suas origens para proclamar aos seus conterrâneos que Ele é o Messias prometido das Escrituras. E aí vai experimentar, se não pela primeira vez, talvez a rejeição mais dolorosa, pois oriunda daqueles que lhe eram mais próximos, mais conhecidos, que com Ele conviveram cotidianamente por quase trinta anos. 

Jesus havia aberto o livro profético de Isaías nas passagens relativas às previsões messiânicas (Is 61, 1ss). Na sua oratória, embora não se tenha transcrição alguma do conteúdo de sua fala, Jesus certamente teria explicado, com suma riqueza de doutrina e de detalhes, o texto do profeta, como se pode depreender do testemunho do evangelista: 'Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca' (Lc 4,22). À margem o tesouro da doutrina exposta, aquele evento proclamara a chegada do Ungido, do Messias revelado pelos tempos nas Sagradas Escrituras. E a portentosa revelação fôra proclamada pelas palavras finais do Mestre: 'Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de ouvir' (Lc 4, 21).

Mas os seus, ainda que admirados de sua pregação e oratória, não vão entendê-Lo. Eles O têm apenas no espectro da perplexidade e de certa admiração e querem ser testemunhas de desmedidos milagres, de feitos muito mais extraordinários daqueles ocorridos em Cafarnaum e por toda a Galileia. Para os homens de Nazaré daquele tempo, faltou a caridade e sem a caridade (conforme 1 Cor 13, 1-13), tudo se torna incomensuravelmente vão. Jesus foi para eles apenas uma sombra de admiração, tolhida pela incredulidade e covardia de tantos que preferiram, por puro preconceito, perder o convite à plena conversão. Da certeza de que um profeta não é bem recebido em sua terra (Lc 4, 24), Jesus vai revelar publicamente na sinagoga a dureza daqueles corações.

Movidos pelo ódio, e por ódio diabólico, agarraram Jesus não apenas com o intuito de expulsar o filho do carpinteiro da pequena aldeia, mas de matar o Salvador, atirando-o do alto de um precipício às portas da cidade. Dominado pela turba enfurecida e em frenesi para cometer um crime dantesco, Jesus manifestou-lhes certamente o extraordinário milagre que queriam ver. Mais tarde, Jesus iria aceitar com submissão o ódio dos homens na sua Paixão e Morte de cruz. Mas ali, ainda não chegara a sua hora. Sob o influxo de sua divindade, Jesus fez calar naqueles homens todos os espíritos ensandecidos e reduziu à impotência os seus frêmitos de ira e 'passando pelo meio deles, continuou o seu caminho' (Lc 4, 30).

31 DE JANEIRO - SÃO JOÃO BOSCO

 

Filho de uma humilde família de camponeses, São João (Melchior) Bosco nasceu em Colle dos Becchi, localidade próxima a Castelnuovo de Asti em 16 de agosto de 1815. Órfão de pai aos dois anos, viveu de ofícios diversos na pobreza da infância e da juventude, até ser ordenado sacerdote em 5 de junho de 1841, com a missão apostólica de servir, educar e catequizar os jovens, o que fez com extremado zelo e santificação durante toda a sua vida.

Em 1846, fundou o Oratório de São Francisco de Sales em Turim, dando início à sua obra prodigiosa, arregimentando colaboradores e filhos, aos quais chamava de salesianos, em meio a um intenso e profícuo apostolado. Em 1859, fundou  a Congregação Salesiana e, em 1872, com a ajuda de Santa Maria Domingas Mazzarello, fundou o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. Em 1875, enviou a primeira turma de seus missionários para a América do Sul. No Brasil, as primeiras casas salesianas foram o Colégio Santa Rosa em Niterói e o Liceu Coração de Jesus em São Paulo. 

Faleceu a 31 de janeiro de 1888 em Turim, aos 72 anos, deixando como herança cristã a Congregação Religiosa Salesiana espalhada por diversos países da Europa e das Américas. O Papa Pio XI, que o conheceu e gozou da sua amizade, canonizou-o na Páscoa de 1934. Popularizado como 'Dom Bosco', foi aclamado pelo Papa João Paulo II como 'pai e mestre da juventude' e se tornaram lendários os seus sonhos proféticos (exemplo abaixo), que ele narrava em suas pregações aos jovens salesianos.

A BIGORNA E O MARTELO

Em 20 de agosto de 1862, depois de rezadas as orações da noite e de dar alguns avisos relacionados com a ordem da casa, Dom Bosco disse: 'Quero contar-lhes um sonho que tive faz algumas noites'.

Sonhei que estava em companhia de todos os jovens em Castelnuovo do Asti, na casa de meu irmão. Enquanto todos faziam recreio, dirigiu-se a mim um desconhecido e convidou-me a acompanhá-lo. Segui-o e ele me conduziu a um prado próximo ao pátio e ali indicou-me, entre a erva, uma enorme serpente de sete ou oito metros de comprimento e grossura extraordinária. Horrorizado ao contemplá-la, quis fugir.

— 'Não, não' — disse-me meu acompanhante — 'não fujas; vem comigo'.
 'Ah!' — exclamei — 'não sou tão néscio para me expor a um tal perigo'.
— 'Então' — continuou meu acompanhante —'aguarda aqui'.
E, em seguida, foi em busca de uma corda e com ela na mão voltou novamente junto a mim e disse-me:
— 'Tome esta corda por uma ponta e agarre-a bem; eu agarrarei o outro extremo e por-me-ei na parte oposta e, assim, a manteremos suspensa sobre a serpente'.
— 'E depois?'
— 'Depois a deixaremos cair sobre a espinha dorsal'.
— 'Ah! não; por caridade. Pois ai de nós se o fizermos! A serpente saltará enfurecida e nos despedaçará'.
— 'Não, não; confie em mim' — acrescentou o desconhecido —'eu sei o que faço'.
— 'De maneira nenhuma; não quero fazer uma experiência que pode-me custar a vida'.

E já me dispunha a fugir, quando o homem insistiu de novo, assegurando-me que não havia nada que temer; e tanto me disse que fiquei onde estava, disposto a fazer o que me dizia. Ele, entretanto, passou do outro lado do monstro, levantou a corda e com ela deu uma chicotada sobre o lombo do animal. A serpente deu um salto voltando a cabeça para trás para morder ao objeto que a tinha ferido, mas em lugar de cravar os dentes na corda, ficou enlaçada nela mediante um nó corrediço. Então o desconhecido gritou-me:

— 'Agarre bem a corda, agarre-a bem, que não se lhe escape'.

E correu a uma pereira que havia ali perto e atou a seu tronco o extremo que tinha na mão; correu depois para mim, agarrou a outra ponta e foi amarrá-la à grade de uma janela. Enquanto isso, a serpente agitava-se, movia-se em espirais e dava tais golpes com a cabeça e com sua calda no chão, que suas carnes rompiam-se saltando em pedaços a grande distancia. Assim continuou enquanto teve vida; e, uma vez morta, só ficou dela o esqueleto descascado e sem carne. Então, aquele mesmo homem desatou a corda da árvore e da janela, recolheu-a, formou com ela um novelo e disse-me:

— 'Presta atenção!'

Colocou a corda em uma caixa, fechou-a e depois de uns momentos a abriu. Os jovens tinham-se ajuntado ao ao meu redor. Olhamos o interior da caixa e ficamos maravilhados. A corda estava disposta de tal maneira, que formava as palavras: Ave Maria!

— 'Mas como é possível?' — disse — 'Você colocou a corda na caixa e agora ela aparece dessa maneira!'.

— 'Olhe' — disse ele — 'a serpente representa o demônio e a corda é a Ave Maria, ou melhor, o Santo Rosário, que é uma série de Ave Marias com a qual e com as quais se pode derrubar, vencer e destruir todos os demônios do inferno.

Enquanto falávamos sobre o significado da corda e da serpente, voltei-me para trás e vi alguns jovens que, agarrando os pedaços da carne da serpente, os comiam. Então gritei-lhes imediatamente:

— 'Mas o que é o que fazem? Estão loucos? Não sabem que essa carne é venenosa e que far-lhes-á muito dano?'

'Não, não' — respondiam-me os jovens — 'a carne está muito boa'.

Mas, depois de havê-la comido, caíam ao chão, inchavam-se e tornavam-se duros como uma pedra. Eu não podia ficar em paz porque, apesar daquele espetáculo, cada vez era maior o número de jovens que comiam aquelas carnes. Eu gritava a um e a outro; dava bofetadas a este, um murro naquele, tentando impedir que comessem; mas era inútil. Aqui caía um, enquanto que lá começava a comer outro. Então chamei os clérigos em meu auxílio e disse-lhes que se mesclassem entre os jovens e se organizassem de maneira que ninguém comesse aquela carne. Minha ordem não teve o efeito desejado, pois alguns dos clérigos começaram também a comer as carnes da serpente, caindo ao chão como os outros. Eu estava fora de mim quando vi a meu redor um grande número de moços estendidos pelo chão no mais miserável dos estados. Voltei-me, então, para desconhecido e disse-lhe:

— 'Mas o que quer dizer isto? Estes jovens sabem que esta carne ocasiona-lhes a morte e, contudo, a comem. Qual é a causa?'

Ele respondeu-me: ' Já sabes que animalis homo non percipit ea quae Dei sunt: Alguns homens não percebem as coisas que são de Deus'.

— 'Mas não há remédio para que estes jovens voltem em si?'

— 'Sim, há'.

— 'E qual seria?'

— 'Não há outro que não seja pela bigorna e pelo martelo'.

— 'Bigorna? Martelo? E como terei que empregá-los?'

— 'Terás que submeter os jovens à ação de ambos estes instrumentos'.

— 'Como? Acaso devo colocá-los sobre a bigorna e golpeá-los com o martelo?'

Então meu companheiro me esclareceu, dizendo:

— 'O martelo significa a Confissão e a bigorna, a Comunhão; é necessário fazer uso destes dois meios'.

sábado, 30 de janeiro de 2016

QUINZE HORAS SANTAS


A devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi a missão de vida do sacerdote peruano Mateo Crawley-Boevey e, neste propósito, ele foi o autor de numerosas Horas Santas, orações especialmente devotadas à adoração do Santíssimo. Nascido em Arequipa, no Peru, em 1875, filho de pai inglês e mãe espanhola, mudou-se ainda jovem com toda a  família para o Chile, onde entrou, em 1891, para o noviciado dos Padres dos Sagrados Corações em Valparaíso.

Ainda no início de sua vida religiosa, viveu um fato singular, certamente uma antecipação profética de sua missão. Ao remexer velhos papéis abandonados, por inspiração sobrenatural, descobriu uma estampa admirável do Sagrado Coração de Jesus, que representava Nosso Senhor como rei, tendo o mundo na mão esquerda e um cetro real na mão direita (semelhante à figura abaixo). Tratava-se de esmerado trabalho de um artista francês, encomendado pelo grande presidente do Equador e fervoroso católico, Dom Gabriel García Moreno, por ocasião da consagração religiosa e civil do seu país ao Sagrado Coração, feito em 1873 (García Moreno foi assassinado apenas dois anos depois, pelas forças revolucionárias). Para evitar profanações pelos revolucionários, a pintura havia sido transladada do Equador para o Chile em segredo.


Ordenado em 1898, o padre Mateo Crawley iniciou imediatamente um intenso apostolado na sua congregação e outras instituições. Uma doença de natureza desconhecida penalizava enormemente as suas funções. Em 24 de agosto de 1907, ao fazer uma peregrinação ao convento da Visitação em Paray-le-Monial, onde no século XVI ocorreram inúmeras aparições do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, obtém uma cura instantânea e a certeza absoluta de sua vocação apostólica: levar o mundo ao Coração de Jesus. Nesta missão, recebeu não apenas o apoio, mas a intimação pessoal do próprio Papa Pio X.

Começou o seu apostolado pelo Chile e, em seguida, pelo Peru e o Uruguai. Em 1914, à época da primeira Guerra Mundial, retorna à Europa onde inicia sua cruzada apostólica pela Espanha e, em sequência França, Portugal, Itália, Suíça, Holanda, Inglaterra, Irlanda e Escócia, pregando a entronização do Sagrado Coração de Jesus em todos os lares e o reinado de Nosso Senhor no mundo, como resposta à progressiva descristianização da sociedade e ao secularismo reinantes. Suas idéias, expostas em vários documentos e horas santas, foram utilizadas pelo próprio Papa Pio XI na elaboração da sua encíclica Quas Primas que, em 1925, instituiu a festa de Cristo Rei. 

Em 1934, por ordem do Papa Pio XI, redireciona o seu apostolado do Sagrado Coração para o Extremo Oriente e, durante anos, faz pregações na China, Japão, Índia, Ceilão, Manchúria, Coreia, Hong Kong, Malásia e Filipinas. Em 1940, vai para o Havaí e, em seguida, para os Estados Unidos e para o Canadá, onde permanece durante os anos da II Guerra Mundial. Em 1946, ficou seriamente doente, enfermidade que o prostrou na cama naquele país por longos 10 anos. Após uma melhora súbita, retornou ao Chile onde, então, uma nova doença custou-lhe a amputação de uma das pernas e a sua morte, em 4 de maio de 1960, aos 85 anos de idade. 

Por mais de 50 anos, entre 1907 e 1960, ele havia sido o grande Apóstolo do Sagrado Coração e pregado a milhões de pessoas a excelência dessa devoção, promovendo as suas famosas Horas Santas e incentivando laboriosamente os lares e as famílias consagradas ao Sagrado Coração que não deixassem Nosso Senhor solitário, especialmente nas quintas-feiras que antecedem a primeira sexta-feira do mês, dedicada ao Sagrado Coração. Quinze horas santas, escritas pelo padre Mateo Crawley-Boevey, para cada primeira semana do mês e algumas de natureza especial, estão disponíveis na Biblioteca Digital do blog SENDARIUM.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

TRÊS SONHOS DE DOM BOSCO

AS QUATORZE MESAS

Encontravam-se todos os meus jovens num lugar agradável como o mais bonito dos jardins, sentados em mesas que, elevando-se do chão, iam tão alto que quase não se podia vê-las claramente. Eram ao todo quatorze mesas, arranjadas em semicírculo e posicionadas em três níveis diferentes. 

No chão, ao redor de uma mesa desprovida de todo enfeite e sem talheres, via-se um grupo de jovens. Eram tristes, comiam sem animação e tinham diante de si um pão mal preparado, seco, e tão sujo que causava nojo. O pão na mesa estava no meio da sujeira e de frutas estragadas. Aqueles coitados se encontravam como animais comendo porcarias. Eu queria dizer-lhes que jogassem fora tudo aquilo, que não se alimentassem daquela comida nojenta. Responderam-me: 'Devemos comer o pão que nós mesmos preparamos porque não temos outro'. Era a situação de jovens em pecado mortal. Diz o livro dos provérbios no capítulo I: 'Odiaram a disciplina e não seguiram o temor do Senhor, e não prestaram ouvidos aos meus conselhos e não fizeram caso das minhas correções. Ouviram portanto os frutos das suas obras e se saciarão com os seus conselhos!' 

Á medida que as mesas se elevavam, os jovens nelas eram mais alegres e comiam pão bem mais caprichado e eram cada vez mais bonitos. As mesas eram muito bem enfeitadas, com toalhas bem trabalhadas, com castiçais, taças e vasos de flores esplêndidas, pratos com iguarias finas e talheres de metais preciosos. O número destes jovens era enorme. Era a situação dos pecadores arrependidos e convertidos.

As mesas mais elevadas tinham um pão que não consigo descrever. Parecia amarelo, parecia vermelho, e a mesma cor do pão era o das roupas e do rosto dos jovens, que resplandeciam com uma luz muito intensa. Estes experimentavam uma alegria extraordinária e cada um procurava transmiti-la aos outros colegas. A beleza, a luz e o esplendor destas mesas superavam de muito todas as outras. Era a situação de inocência. Aos inocentes e dos convertidos, diz o Espirito Santo no livro dos Provérbios no Capítulo 1º: 'Quem me ouve, terá repouso sem medo e viverá na abundância, livre do medo dos pecados!'

A PASTORA DA ESTRANHA GREI [1844]

Sonhei que estava no meio uma multidão de lobos, cordeiros, ovelhas, cães, aves e muitos outros animais. Todos juntos faziam uma grande algazarra, uma tão grande confusão que amedrontaria até os mais corajosos. Eu queria fugir, quando uma Senhora, bem vestida à moda de uma pastora, fez-me um sinal para segui-la e acompanhá-la junto com com todos aqueles animais, enquanto ela caminhava à frente. 

Fomos andando por vários lugares e fizemos três paradas; a cada parada, muitos daquele animais mudavam-se em cordeiros, cujo número aumentava sempre. Depois de ter caminhado bastante, encontrei-me em um campo, onde aqueles animais pulavam e pastavam juntos, sem se morderem uns aos outros. Quis sentar-me para descansar, mas a pastora convidou-me a continuar caminhando. 

Percorrido mais um espaço de caminho, encontrei-me em um grande pátio ao redor de uma espaçosa varanda, em cuja extremidade havia uma igreja; aqui percebi que 4/5 daqueles animais haviam se transformado em cordeiros, que tinham se tornado numerosíssimos. Naquela hora apareceram alguns pastorinhos para guiá-los, mas eles permaneciam pouco e logo se afastavam. Então deu-se uma maravilha: muitos cordeiros transformaram-se em pastorinhos que se dividiram, indo para outros lugares para ajuntar outros estranhos animais e guiá-los para outros apriscos.

Eu queria ir embora, porque parecia que estava na hora de celebrar a missa, mas a pastora convidou-me para olhar para o sul; olhando naquela direção, vi um campo plantado com trigo, beterrabas, milho, feijão e uma porção de outras coisas. 'Olhe outra vez' - ela me disse. Olhei novamente, e vi uma magnífica e majestosa igreja com uma orquestra de música instrumental e vocal que me convidava para celebrar a missa. No interior da igreja havia uma faixa branca, onde estava escrito: hic domus mea inde gloria mea - Esta é a minha casa, daqui sairá a minha glória. 

Continuando o sonho, quis perguntar a pastora onde me encontrava, o que significava aquele caminhar com paradas e aquelas duas igrejas: 'Você compreenderá tudo', respondeu-me, 'quando com os olhos materiais vier a ver tudo isso que está vendo agora com os olhos da mente'. Achando que estava acordado, disse: 'Eu estou vendo claramente, e vejo com estes meus olhos materiais, sei aquilo que faço e para onde vou'. Naquele mesmo instante, tocou o sino da 'Ave Maria' da Igreja de São Francisco de Assis e eu acordei.

AS DEZ COLINAS [1864]

Pareceu encontrar-se em um extensíssimo vale ocupado por milhares e milhares de jovenzinhos; tantos eram, que o Servo de Deus não acreditou que houvesse tantos meninos no mundo. Entre aqueles jovens, viu os que estiveram, os que estavam e os que um dia estarão na Casa; juntos com eles estavam os sacerdotes e os clérigos da mesma. Uma montanha altíssima cercava aquele vale por um lado. 

Enquanto Dom Bosco pensava no que havia de fazer com aqueles meninos, uma voz lhe disse: 'Vês aquela montanha? Pois bem, é necessário que tu e os teus cheguem até lá em cima'. Então, ele deu ordem a toda aquela multidão de encaminhar-se ao lugar indicado. Os jovens de puseram em marcha e começaram a escalar a montanha a toda pressa. Os sacerdotes da casa corriam na frente animando os meninos à subida, levantavam os caídos e carregavam sobre as costas os que não podiam prosseguir por causa do cansaço... 

Em pouco mais de uma hora aquele numeroso grupo de jovens havia alcançado o cume da montanha; Dom Bosco também havia alcançado a meta. 'O que fazemos agora?' A voz acrescentou: 'Deves percorrer com os teus jovens essas dez colinas que contemplas diante de tua vista, dispostas uma detrás da outra'. 'Como poderemos suportar uma viajem tão longa, com tantos meninos tão pequenos e tão frágeis?' A voz acrescentou: 'Os que não podem caminhar com seus pés serão transportados'. E , com efeito, apareceu por um extremo da colina uma magnífica carruagem. Tão bonita era, que seria impossível descrevê-la, mas algo se pode dizer. Tinha forma triangular e estava dotada de três rodas que se moviam em todas as direções. Dos três ângulos partiam três hastes que se uniam em um ponto sobre a mesma carruagem formando como a cobertura de um alpendre. Sobre o ponto de união, levantava-se um magnífico estandarte em que estava escrito, a palavra: 'Inocência'. Uma franja bordava ao redor de toda a carruagem formando orla na qual aparecia a seguinte inscrição: Adjutorium Dei Altissimi Patris et Filii et Spiritus Sancti - Ajuda do Altíssimo Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

O veículo, que resplandecia como o ouro e que estava repleto de pedras preciosas, avançou até se colocar no meio dos jovens. Depois de recebida a ordem, muitos meninos subiram nele. Eram quinhentos. Apenas quinhentos, entre tantos milhares de jovens, eram, todavia inocentes! Uma vez ocupado o carro, Dom Bosco pensava por que caminho havia de se dirigir, quando viu abrir-se diante dos seus olhos um caminho largo e cômodo, mas todo coberto de espinhos. De repente, apareceram seis jovens que haviam morrido fazendo o Oratório, vestidos de branco e levantando uma belíssima bandeira em que se lia: 'Penitência'. Estes foram colocar-se à cabeça de todos aqueles grupos de meninos que haviam de continuar a viagem a pé.

Em seguida, deu o sinal de partida. Muitos sacerdotes lançaram-se atrás da carruagem e os seis jovens vestidos de branco lhes seguiram e, mais atrás, ia toda a multidão de garotos, acompanhados de uma música belíssima, indescritível... extasiado por aquela melodia do céu, ocorreu a Dom Bosco olhar para trás e comprovar que todos os jovens lhe seguiam. Porém, ó doloroso espetáculo! Muitos haviam caídos no vale e muitos outros haviam voltado atrás. Com indizível dor, decidiu refazer o caminho para persuadir àqueles imprudentes que continuassem na ação e para ajudar-lhes na caminhada. A voz, entretanto, o proibiu severamente. 'Mas, se não lhes ajudo, estes pobrezinhos vão se perder...' 'Pior para eles', lhe foi respondido, 'foram chamados como os demais e não quiseram seguir-te. Viram o caminho a seguir e isto lhes basta'. Assim, Dom Bosco teve que prosseguir o caminho.

Mal refeito deste sofrimento, sucedeu-se outro lamentável acidente. Muitos dos meninos que se encontravam na carruagem, caíam por terra pouco a pouco. Dos quinhentos, restavam agora apenas cento e cinquenta. Parecia que o seu coração ia partir no peito pela insuportável angústia. Abrigava, com tudo, a esperança de que aquilo fosse somente um sonho; fazia todo tipo de esforço para despertar-se porém cada vez se convencia mais de que se tratava de uma terrível realidade. Dava palmadas e ouvia o ruído produzido por suas mãos, gemia e percebia seu gemidos ressonando na habitação, queria dissipar aquele terrível pesadelo, porém nada conseguia fazer. 'Ah, meus queridos jovens!' exclamou ao chegar a este ponto da narração do sonho, 'eu havia visto e reconhecido os que caíram no vale, os que voltaram atrás e os que caíram da carruagem; reconheci a todos e fiz toda sorte de esforços possíveis ao meu alcance para salvá-los...

Passadas sete colinas, ao chegar na oitava, a multidão de jovens chegou a um belíssimo povoado em que se fez um pouco de descanso. As casas era de uma riqueza e de uma beleza indescritível...Dom Bosco experimentou aqui outra estranha surpresa. Viu de repente os seus jovens como se houvessem tornados velhos: sem dentes, com o rosto cheio de rugas, cabelos brancos, encurvados e caminhando com dificuldades apoiados em um bastão. O Servo de Deus estava maravilhado com aquela metamorfose, mas a voz lhe disse: 'Tu te maravilhas, porém, hás de saber que não faz horas que saíste do vale, senão anos e anos. Tem sido a música que tem feito que o caminho te parecera curto. Em prova do que te digo, observa rua fisionomia e te convencerás de que estou dizendo a verdade'. Então foi apresentado um espelho a Dom Bosco e, ao se olhar nele, comprovou que o seu aspecto era de um homem ancião, de rosto coberto de rugas e boca sem dentes.

[as colinas seriam decênios; a oitava colina, na qual Dom Bosco descansou, correspondente ao oitavo decênio, estaria associado ao fim da vida terrena do santo, que faleceu aos 72 anos, em 1888]

A comitiva, entretanto, tornou-se a colocar em marcha e os jovens manifestavam desejos, de quando em quando, a se deter para contemplar aquelas coisas novas. Dom Bosco lhes dizia: 'Adiante, adiante, não necessitamos de nada, não temos fome, não temos sede ; portanto, prossigamos adiante'. Ao fundo, na parte distante, sobre a décima colina despontava uma luz que aumentava sempre, como se saísse de uma maravilhosa porta. O canto agora era tão belo e harmonioso, que somente no Paraíso se poderia ter algo igual. Era algo impossível de descrever e foi tanto o júbilo que inundou a alma de Dom Bosco que ele despertou neste momento.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A BÍBLIA EXPLICADA (XVIII) - A BÍBLIA SEPTUAGINTA


O termo Septuaginta significa 'setenta' em latim e é o nome dado à versão mais antiga conhecida do Antigo Testamento, tendo sido escrito em grego no século III a.C. em Alexandria, para os judeus dispersos pelo mundo. Todo este conjunto de livros sagrados ficou conhecido como 'cânon alexandrino', tendo sido escrito por 72 sábios judeus, enviados pelo sumo sacerdote do Templo para o Egito para traduzir os textos para a língua grega.

Os livros presentes na Septuaginta, conforme a ordem original, são os seguintes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel (1 Reis), 2 Samuel (2 Reis), 1 Reis (3 Reis), 2 Reis (4 Reis), 1 Crônicas (1 Paralipômenos), 2 Crônicas (2 Paralipômenos), 1 Esdras, 2 Esdras (Esdras e Neemias), Ester, Judite, Tobias, 1 Macabeus, 2 Macabeus, 3 Macabeus, 4 Macabeus, Salmos, Odes, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó, Sabedoria, Eclesiástico (Sirac), Salmos de Salomão, Oseias, Amós, Miqueias, Joel, Obadias, Jonas, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruque, Epístola de Jeremias, Ezequiel, Suzana (7), Daniel, Bel e o Dragão.

Quando o imperador Tito deu a ordem de destruir Jerusalém, alguns rabinos fugiram e levaram os livros sagrados com eles. Reunidos na cidade de Jâmnia, reorganizaram os livros segundo o chamado 'cânon hebraico', omitindo alguns dos livros presentes no cânon original, e dando origem à atual Bíblia Hebraica. Quando os Apóstolos começaram a pregar os evangelhos, usaram a Bíblia Septuaginta ou dos Setenta porque, como era escrita em grego, era mais adequada ao ensino dos gentios, considerando que, naqueles tempos, o grego era a língua universal.

Quando São Jerônimo traduziu a Bíblia do grego para o latim no século IV, adotou o cânon alexandrino para o Antigo Testamento; entretanto, os livros inseridos no cânon hebraico, por terem sido escritos em hebraico, foram traduzidos diretamente para o latim. Estes livros foram chamados de 'protocanônicos', ou seja, do primeiro cânon, pois se imaginou que, uma vez escritos em hebraico, corresponderiam a uma versão mais antiga que aquela escrita em grego. Os livros traduzidos do grego - presentes na Septuaginta, mas sem terem sido traduzidos para o hebraico no cânon judaico - são os chamados livros 'deuterocanônicos'.

Quando Lutero traduziu a sua Bíblia para o alemão, em 1522, embora incorporando os livros 'deuterocanônicos', considerou-os apócrifos, por não possuírem uma versão correspondente em hebraico e, por esta razão, as bíblias protestantes os excluíram. Tal exclusão é baseada no pressuposto de que, não existindo uma versão hebraica, não podem ser originais, o que torna 'invenção' da Igreja o que não consta dos 'livros originais' (a doutrina católica do Purgatório, por exemplo, encontra-se no Capítulo XII do Livro de Macabeus II). Os chamados livros 'deuterocanônicos' são os seguintes:

O Livro de Tobias
O Livro de Judite
As chamadas 'adições gregas' do Livro de Ester
O Livro da Sabedoria
O Livro do Eclesiástico 
O Livro de Baruc
A Carta de Jeremias (Baruc 6)
As 'adições gregas' do Livro de Daniel
Oração de Azarias (Daniel 3: 24-50)
O Hino dos Três Jovens (Daniel 3: 51-90)
A história de Susana (Daniel 13)
A história de Bel e do Dragão (Daniel 14)
O Livro dos Macabeus I
O Livro dos Macabeus II

Muitos anos mais tarde, somente no século XX, a partir da descoberta de versões de alguns livros deuterocanônicos escritos em hebraico e de outros protocanônicos em Qumran, no Mar Morto, é que se confirmou ser a Septuaginta mais antiga que o cânon hebraico e, portanto, constituir a versão mais original dos textos bíblicos. 

FOTO DA SEMANA

'Que fareis vós no dia do ajuste de contas, e da tempestade que virá de longe? Junto de quem procurareis auxílio, e onde deixareis vossas riquezas?' (Is 10, 3)

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

10 HORAS PARA O MUNDO

Uma vez, havia um homem, cuja esposa com quem foi legalmente casado, era encantadora e prudente. No entanto, ele gostava mais da empregada doméstica do que sua esposa. Isto teve três consequências. A primeira é que as palavras e gestos da empregada o agradava mais do que as da sua esposa. A segunda é que ele vestia a empregada muito bem com roupas finas sem se importar que sua esposa estivesse vestida de andrajos comuns. O terceiro é que ele estava acostumado a gastar nove horas com a empregada e apenas a décima hora com sua esposa. 

Ele passou a primeira hora ao lado da empregada, divertindo-se ao olhar para sua beleza. Ele passou a hora segunda dormindo em seus braços. Ele passou a hora terceira fazendo alegremente trabalho manual pelo amor ao conforto da empregada. Ele passou a hora quarta fazendo descanso físico com ela após exaustivo trabalho físico . Ele passou a hora quinta inquieto em sua mente e preocupando-se sobre como sustentá-la. Ele passou a sexta hora em repouso com ela, vendo agora que ela aprovou totalmente o que ele tinha feito por ela. Na sétima hora, o incêndio de luxúria carnal entrou nele. Ele passou a oitava hora satisfazendo toda sua luxúria com ela. Na hora nona ele negligenciou determinadas tarefas que ele, no entanto, teria gostado de realizar. 

Ele passou da hora décima fazendo algumas tarefas que ele não quis fazer. E apenas durante esta hora ele ficou com sua esposa. Um dos parentes de sua esposa veio ao adúltero e lhe acusou duramente, dizendo: 'converta a afeição de seu coração na direção de sua esposa legítima. Ame-a e vista-a adequadamente e gaste nove horas com ela e apenas a décima hora com a empregada doméstica. Se não, cuidado, porque você morrerá uma morte súbita e horrível'.

Por esse adúltero a que me refiro, é alguém que possua o ministério de bispo para suprir a Igreja, mas, apesar disso, leva uma vida adúltera. Ele está associado à Santa Igreja em união espiritual para que ela seja sua noiva mais preciosa, mas ele retira seus afetos dela e ama o mundo servil muito mais do que sua nobre dama e noiva. Assim, ele faz três coisas. Em primeiro lugar, ele se alegra mais na adulação fraudulenta do mundo do que numa disposição obediente em direção a Santa Igreja. Em segundo lugar, ele ama enfeites mundanos, mas se interessa pouco sobre a falta de enfeites materiais e espirituais da Igreja. Em terceiro lugar, ele gasta nove horas com o mundo e apenas uma das dez com a Igreja Santa. 

Assim, ele gasta a primeira hora na em boa alegria, contemplando a beleza do mundo com grande satisfação. Ele gasta a hora segunda dormindo docemente nos braços do mundo, isto é, no meio de suas fortificações elevadas e a vigilância de seus exércitos, alegremente confiante na segurança física por causa dessas coisas. Ele passa a terceira hora alegremente a fazer trabalho manual por amor a vantagens mundanas para que ele possa obter o prazer físico do mundo. Ele passa a quarta hora com prazer tendo descanso físico após seu esforço físico, agora que ele tem meios suficientes. Ele gasta a hora quinta inquieto em sua mente de maneiras diferentes, preocupado com como ele pode parecer ser prudente em matérias mundanas. 

Durante a sexta hora ele experimenta um agradável descanso de alma, vendo que pessoas em todo a parte aprovam o que ele tem feito. Na sétima hora, ele ouve e vê prazeres mundanos e abre sua luxúria para eles. Isso provoca um incêndio a arder impaciente e intoleravelmente no seu coração. Na oitava hora que ele realiza em atos o que antes tinha apenas sido sua ardente vontade. Durante a hora nona, ele omite por negligência determinadas tarefas que ele queria ter feito por motivos mundanos, para não se ofender aqueles para quem tem uma mera natural afeição. 

Na décima hora, ele executa sem alegria alguns atos bons, com medo de que ele possa cair no desprezo e ganhar má reputação ou receber uma pena severa, se por algum motivo, ele totalmente haja negligenciado em cumpri-los. Ele é acostumado a gastar apenas esta décima hora com a Santa Igreja fazendo o bem não por amor mas por medo. Ele está, naturalmente, com medo de punição dos incêndios do inferno. Se ele pudesse viver para sempre no conforto físico e com abundância de bens mundanos, ele não se preocuparia em perder a felicidade do céu. 

(Das Profecias e Revelações de Santa Brígida da Suécia)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O DOM DE LER OS CORAÇÕES (CURA D'ARS)


Por volta de 1833, Marguerite Humbert, de Ecully, então Madame Fayolle, fez uma visita - a primeira em quinze anos - ao seu primo, Jean-Marie Vianney. Ela estava então sob os cuidados das Filhas da Providência, a pedido do próprio cura, particularmente porque ela tinha cuidado dele durante o tempo dos seus estudos. Ela relata o ocorrido: 'Pouco antes de partir [da cidadezinha de Ars], retornei à igreja [onde o cura atendia confissões] e me perguntei se deveria ou não confessar-me com o meu primo. Neste exato momento, alguém me chamou e me comunicou que o cura estava à minha espera. Fiquei muito surpresa porque ele não podia ver onde eu me encontrava ... Deixei Ars cheia de uma grande alegria interior'.

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Um dia, o servo de Deus estava ouvindo confissões na sacristia. O relato é de M. Oriol: 'De repente ele apareceu na entrada da sacristia e, dirigindo-se a mim, falou: 'Meu amigo, peça aquela senhora que está nos fundos da igreja para vir até aqui'. E me disse então como eu deveria reconhecê-la. Sem encontrar tal pessoa no local onde ele havia indicado, retornei e lhe comuniquei o fato. Ele respondeu então: 'Vá depressa ... Ela está passando na frente de tal casa [e a descreveu rapidamente para mim]. Eu corri e alcancei a senhora no lugar mencionado; ela estava indo embora, muito decepcionada por não ter podido confessar, porque não podia esperar mais. A pobre mulher, que por excessiva timidez tinha perdido a oportunidade de se confessar com o cura umas duas ou três vezes anteriormente, estava há oito dias em Ars sem conseguir uma nova oportunidade de se confessar. Agora o próprio santo havia ido buscá-la; mais do que isso, ele a conduziu desde a entrada da igreja até a Capela de São João Batista para receber a sua confissão. O santo sabia que a graça tem os seus momentos e que ela pode passar e não voltar mais. Neste caso em especial, ele literalmente apanhou essa alma com as asas'.

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No ano de 1853, um alegre bando de jovens partiu de Lyon para ir em peregrinação a Ars. Todos eles eram bons cristãos, exceto um, um velho homem que havia se juntado ao grupo 'simplesmente para agradar aos jovens'. Eles chegaram à aldeia por volta das três horas da tarde. 'Vocês podem ir à igreja, se quiserem', disse o incrédulo aos demais 'quanto a mim, vou pedir o jantar'. Ele caminhou alguns passos e parou: 'Não, pensando bem, eu vou com vocês, porque isto não deve demorar muito'. Em seguida, todo o grupo entrou na igreja. Neste momento, o Cura d'Ars saiu da sacristia e entrou na capela-mor. Ele se ajoelhou, levantou-se e virou-se; seus olhos estavam procurando alguém próximo à pia de água benta; finalmente, ele sinalizou para alguém se aproximar. 'É você que ele está chamando' disseram os jovens ao velho incrédulo. Este se dirigiu titubeante ao cura, no relato da freira que nos conta esta história. O Cura apertou as suas mãos, dizendo: 'Tem muito tempo que você não faz uma confissão?' 'Meu bom cura, tem uns trinta anos, eu acho...' 'Trinta anos, meu amigo?'... acho que são trinta e três anos ... e você a fez em tal lugar [mencionando o lugar]. 'Você está certo, senhor'. 'Ah, bem, então nós vamos fazer nossa confissão agora, não vamos?' O velho homem confessou mais tarde que ele estava tão surpreso com o convite que não se atreveu a dizer não; mas acrescentou: 'Eu experimentei uma sensação de conforto indescritível'. A confissão levou cerca de vinte minutos, e fez dele um novo homem.

domingo, 24 de janeiro de 2016

O UNGIDO DO PAI

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo do Tempo Comum


O Evangelho de São Lucas traduz, em larga escala, a personalidade ímpar do autor, de alguém que, embora possa não ter sido testemunha ocular dos acontecimentos narrados: 'como nos foram transmitidos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da palavra' (Lc 1, 2), elaborou uma obra regida particularmente pelo rigor da informação e por uma ordenação lógica dos eventos associados à vida pública de Jesus: 'após fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu decidi escrever de modo ordenado' (Lc 1, 3), o que a torna fruto do trabalho de um eminente escritor e historiador: 'Deste modo, poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebeste' (Lc 1, 4).

Desta forma, a par a semelhança e a mesma contextualização geral com os demais evangelhos sinóticos (São Mateus e São Marcos), o evangelho de São Lucas é pautado por uma visão própria, objetiva e cronológica da doutrina e dos ensinamentos públicos de Jesus (tempo presente da narrativa), inserida num contexto histórico do passado (Antigo Testamento) e do futuro (tempo da Igreja), incorporando, assim, um caráter muitíssimo pessoal e, portanto, original, à transcrição das mensagens evangélicas. 

Após um preâmbulo típico do rigor objetivo do historiador, São Lucas desvela o instrumento de evangelização adotado por Jesus - a pregação pública e sua estrita observância, neste sentido, aos preceitos da Lei - a leitura, aos sábados, da palavra sagrada nas sinagogas. No seu primeiro retorno à Nazaré, foi convidado a ler e a comentar uma passagem do Livro de Isaías: 'Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor' (Lc 1, 17 - 19).

Ao recolher o rolo de pergaminho e se sentar, ao final da leitura 'todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele' (Lc 1, 20), porque, de certa forma, compreendiam a grandiosidade deste momento, que se materializou, então, com a manifestação direta e sucinta de Jesus: 'Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir' (Lc 1, 21), anunciando aos homens ser Ele o Ungido pelo Espírito Santo para fazer novas todas as coisas, para abrir os tempos do Messias esperado por todo Israel e para testemunhar aos homens a presença viva do Reino de Deus sobre a terra. 

sábado, 23 de janeiro de 2016

SOBRE A PACIÊNCIA

Paciência é a virtude pela qual suportamos os infortúnios deste mundo com tranquilidade de espírito, para que em razão deles não fiquemos desnecessariamente perturbados ou entristecidos interiormente, e não nos permitamos fazer nada de errado ou de inadequado. As adversidades desta vida que a paciência suporta são doenças, desterros, angústia psicológica, desgraça, escárnio, maltrato, insultos, calúnias, reprimendas, fome, sede, frio, as mortes dos pais e dos filhos, dos parentes e dos amigos, massacres e calamidades públicas, e outras coisas da mesma espécie que geralmente ocorrem todos os dias. 

A longanimidade é a parte da paciência que fortalece o espírito contra o aborrecimento ocasionado pela demora em receber algo que esperamos. Ela difere da paciência por suportar males por um longo tempo e aguardar consolação postergada por muitos dias, meses e anos. Assim Deus é chamado longânime, porque Ele tolera nossas demoras e hesitações enquanto nos convida ao arrependimento. Também a equanimidade não é uma virtude distinta da paciência, embora seja considerada especialmente voltada a moderar o aborrecimento que advém da perda de bens exteriores.

A matéria próxima com que a paciência se ocupa é a aflição da mente e a tristeza por conta dos reveses enumerados acima: essa virtude as reprime por inteiro ou então as controla tanto, que elas não excedem as exigências da reta razão. As principais ações da paciência são:

(i) Suportar todas as sobreditas adversidades calmamente, de bom grado, com ânimo e em ação de graças, e sem nenhuma murmuração ou queixa;
(ii) Suportar esses males mesmo não tendo culpa, e mesmo que nos sejam infligidos por aqueles que receberam muitos benefícios de nós;
(iii) Atribuir todos os nossos problemas e dificuldades unicamente à vontade Divina, não importa por intermédio de quem provenham;
(iv) Sempre que estivermos feridos ou irritados, voltarmo-nos para Jesus crucificado como estando presente, buscando obter d’Ele a paciência e oferecendo a Ele tudo o que sofremos;

(v) Oferecer-se a si próprio, bem no começo de todas as manhãs, a Deus para sofrer não importa o quê, e para suscitar um desejo ardente na alma de sofrer todos os males possíveis em imitação de Cristo.

Nós temos muitas ocasiões para exercitar a paciência a quase todo momento, suportando os males e perdas que nos acometem com respeito a nossa boa reputação, vida e bens exteriores. Os sinais da paciência são:

(i) Suportar com calma as imperfeições dos outros;
(ii) Não ceder ao rancor quando maltratado pelo próximo;
(iii) Não murmurar contra as punições divinas;
(iv) Não evitar a companhia daqueles que cometem injustiça contra nós, mas antes ir ao seu encontro, ter amor por eles e por eles rezar;
(v) Em alguma enfermidade, rezar a Deus que aumente nosso sofrimento;
(vi) Manter silêncio em meio às injustiças, não se desculpar, mas entregar tudo nas mãos de Deus a exemplo de Nosso Senhor que, mesmo quando convocado a Se defender, preferiu permanecer em silêncio.

Agora, quem não faria tudo o que está em seu poder para exercer essa virtude com máximo cuidado, considerando a paciência e longanimidade de Deus, que não somente tolera os pecadores com benevolência, mas não cessa de cobri-los com os maiores benefícios? E a vida de Cristo e Sua amaríssima paixão não proporcionam o exemplo supremo de paciência?

Nem deve ser preterido o exemplo dos santos do Antigo e do Novo Testamentos, principalmente de Jó e Tobias e dos incontáveis mártires. Ademais, quem quer que considere atentamente os inomináveis tormentos do inferno, de que tão frequentemente escapou por conta da infinita misericórdia de Deus, não considerará os aborrecimentos desta vida, não importa quão graves e dolorosos, como de nenhuma importância, e até os tratará como prazeres?

Finalmente, como diz o Apóstolo: 'A paciência vos é necessária' (Hb 10,36), pois ela fortalece a fé, governa a paz, auxilia o amor, instrui a humildade, excita o arrependimento, faz satisfação pelos pecados, ata a língua, refreia a carne, resguarda o espírito, aperfeiçoa todas as virtudes e dota-nos ao fim desta vida com a bem-aventurada imortalidade: 'Porque agora o que é para nós uma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno duma sublime e incomparável glória' (2 Cor 4,17).

(Excertos da obra 'Manual da Vida Espiritual', do  Pe. C. J. Morotius)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

DO ABANDONO À DIVINA PROVIDÊNCIA (III)

A ordem de Deus, o beneplácito de Deus, a vontade de Deus, a ação de Deus, a graça, tudo isto, é uma e a mesma coisa nesta vida. É Deus traba­lhando para tornar a alma semelhante a Si mesmo. A perfeição não é outra coisa senão a cooperação fiel da alma a um trabalho de Deus. A graça produz-se em nossas almas, cresce, aumenta e tem a sua consumação em segredo e sem que a alma se dê conta.

A teologia está cheia de conceitos e expressões que explicam as maravilhas da graça, em cada alma, em toda a sua extensão. Pode conhecer-se tudo o que esta especulação ensina, falar dela admiravelmente, escrever, instruir, dirigir as almas: porém quem não tiver no espí­rito senão este conhecimento teórico, é para as almas que recebem o termo da ordem de Deus e da Sua divina vontade como se não soubesse toda a teoria com todas as suas partes e não pudesse falar dela.

A ordem de Deus, a Sua divina von­tade, recebida com simplicidade por uma alma fiel, realiza nela esse efeito divino, sem que ela o conheça; como um re­médio tomado com submissão opera a saúde num doente que não sabe nem tem que se preocupar de saber medi­cina. Assim como o fogo é que produz o calor e não a filosofia nem o conhecimento deste elemento e dos seus efei­tos, assim também é a ordem de Deus, é a Sua santíssima vontade que opera a santidade nas nossas almas, e não a especulação curiosa deste princípio e deste objetivo.

Quando temos sede, para nos dessedentarmos o que devemos fazer é deixar os livros que explicam estas coisas, e be­ber. A curiosidade de saber não é capaz de nos dessedentar. Assim quando a alma tem sede de santidade, a curiosidade de saber não é capaz senão de a afastar. Deve-se deixar de lado a especulação, e beber com simplicidade tudo o que a ordem de Deus nos apresenta de ações e sofrimentos. O que nos sucede em cada momento, por ordem de Deus, é o que há de mais santo, de melhor, e de mais divino para nós.

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Toda a nossa ciência consiste em co­nhecer esta ordem do momento pre­sente. Toda a leitura que se faz sem ser pela ordem de Deus, é prejudicial; é a vontade de Deus e a Sua ordem que é graça e opera no fundo dos nossos cora­ções, pelas nossas leituras como por to­das as nossas obras boas. Sem ela, as leituras são apenas espécies ou aparências vãs que, destituídas a nosso respeito da virtude vivificante da ordem, de Deus, não servem senão para deixar vazio o coração, precisamente pela ple­nitude que causam ao espírito.

Esta divina vontade penetrando na alma de uma rapariga ignorante, por meio de alguns sofrimentos ou de quaisquer outras ações vulgares, opera no mais íntimo do seu coração esse termo mis­terioso do ser sobrenatural, sem, contudo encher o seu espírito de qualquer ideia capaz de ensoberbecê-la; ao passo que o homem orgulhoso que estuda os livros es­pirituais levado somente da curiosidade, sem a vontade de Deus estar unida à sua leitura, não recebe senão a letra morta, sem o espírito que a vivifica, e vai se tornando cada vez mais árido e seco.

A ordem de Deus, a Sua divina vontade é a vida da alma, de qualquer modo que a alma a receba ou aplique a si mesma. Qualquer que seja a relação que esta divina vontade tenha para com o espírito, alimenta a alma e fá-la crescer continuamente, dando-lhe o que há de melhor em cada momento. O que produz tão divinos efeitos não é isto nem aquilo, mas o que pertence à ordem de Deus no momento atual. O que era o melhor no momento passado, já não o é, por não estar informado pela vontade de Deus, a qual se nos vai apre­sentando sob outras aparências, para fa­zer nascer a obrigação do momento pre­sente; e esta obrigação, qualquer que seja a aparência que ela tome, é o que presentemente há de mais santificante para as nossas almas.

Se neste momento a divina vontade nos manda ler, a leitura realiza no fundo da alma esse efeito misterioso. Se a divina vontade nos manda deixar a leitura por um dever de contempla­ção atual, este dever opera no fundo do coração o homem novo, e a leitura seria então prejudicial e inútil. Se a divina vontade retira a alma da con­templação atual, para aplicá-la a uma ocupação exterior mesmo durante consi­deráveis espaços de tempo, o novo dever forma Jesus Cristo no fundo do coração, e toda a doçura da contemplação ser­viria apenas para destruí-lo.

A ordem de Deus é a plenitude de todos os nossos momentos. Vai reves­tindo mil aparências diferentes, as quais, tornando-se sucessivamente o nosso dever atual, formam, fazem crescer e consumam em nós o homem novo, até à plenitude que a divina sabedoria nos destinou. Este misterioso crescimento da idade de Jesus Cristo nos nossos cora­ções é o termo produzido pela ordem de Deus: é o fruto da Sua graça e da Sua divina vontade.

Este fruto, como dissemos, produz-se, cresce e alimenta-se pela sucessão dos nossos deveres presentes, que a própria vontade de Deus preenche. Cumprindo estes deveres, estamos sempre seguros de possuir a melhor parte; porque esta vontade santa é precisamente a melhor parte. Não há senão que deixá-la agir e abandonar-se cegamente, com uma con­fiança perfeita, à sua ação. Ela é infini­tamente sábia, infinitamente poderosa, infinitamente benéfica para todas as almas que nela esperam totalmente e sem reserva, que só a ela amam e bus­cam, e crêem com uma fé e com uma confiança inabalável que o melhor é o que ela faz em cada momento, sem bus­car em outra parte o mais ou o menos, e sem se deter a considerar as relações que tudo o que é material tem com a ordem de Deus: o que não é senão um verdadeiro amor próprio buscando se a si mesmo.

A vontade de Deus é o essencial, o real e a virtude de todas as coisas, ela é que as ajusta e as acomoda à alma; sem ela tudo é vão, tudo é nada, mentira, vaidade, letra, aparência exterior e morte. A vontade de Deus é a salva­ção da alma, qualquer que seja a aparência sob que se apresente o assunto a que se aplica. Portanto, não se deve olhar para as relações que as coisas têm com o espí­rito e com o corpo, para julgar da sua virtude, pois essas relações são de redu­zida importância. A vontade de Deus é que dá às coisas, sejam elas quais fo­rem, a eficácia para formar Jesus Cristo no fundo dos nossos corações. Portanto não se devem dar leis nem traçar limites a esta vontade, pois ela é onipotente.

Tenha o espírito às ideias que lhe aprouver, sinta o corpo aquilo que puder, mesmo que para o espírito não fossem senão distrações e perturbações e para o corpo doenças e mortes, sem embargo, esta divina vontade é sempre, para o momento presente, a vida do corpo e da alma; porque enfim, um e a outra, em qualquer estado que este­jam, são por ela sempre sustentados e conservados. Sem ela, o pão é veneno; por ela, o veneno é remédio salutar. Os livros sem ela não fazem senão cegar, e por ela a perturbação torna-se luz. Ela é, para todas as coisas, tudo o que nelas há de bondade e de verdade. Ela dá-nos Deus em tudo, e Deus é o ser infinito que tem o lugar de tudo na alma que o possui.

(Excertos da obra 'O Abandono à Divina Providência', de P.J.P de Caussade)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

20 DE JANEIRO - SÃO SEBASTIÃO

São Sebastião foi um oficial romano, do alto escalão da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano (imperador de Roma entre 284 e 305 de nossa era e responsável pela décima e última grande perseguição do Império Romano contra o Cristianismo), que pagou com a vida sua devoção à fé cristã. Denunciado ao imperador por ser cristão e acusado de traição, foi condenado a morrer de forma especial: seu corpo foi amarrado a um tronco servindo de alvo a flechas disparadas por diferentes arqueiros africanos.

Primeiro Martírio: São Sebastião flechado

Abandonado pelos algozes que o julgavam morto, foi socorrido e curado e, de forma incisiva, reafirmou a sua convicção cristã numa reaparição ao próprio imperador. Sob o assombro de vê-lo ainda vivo, São Sebastião foi condenado uma vez mais sendo, nesta sua segunda flagelação, brutalmente açoitado e espancado até a morte. O seu corpo foi atirado num canal de esgotos, de onde foi depois retirado e levado até as catacumbas romanas. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Sebastião, na Via Apia, em Roma. É venerado por toda a cristandade como modelo de vida cristã, mártir da Igreja e defensor da fé e como padroeiro de diversas cidades brasileiras, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sua festa é comemorada a 20 de janeiro, data de sua morte no ano 304.

Segundo Martírio: São Sebastião espancado até a morte

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

ORAÇÃO A NOSSA SENHORA (SÃO BERNARDO)

Ó tu, quem quer que sejas, que te sentes longe da terra firme, arrastado pelas ondas deste mundo, no meio das borrascas e tempestades, se não queres soçobrar, não tires os olhos da luz desta estrela.


Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria.


Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.



Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embarcação de tua alma, levanta os olhos para Maria.


Se, perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes, confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo medo do Juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despenhar no abismo do desespero, pensa em Maria.


Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria. Que o seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dela, não negligencieis os exemplos de sua vida.


Seguindo-a, não te transviarás; rezando a ela, não desesperarás; pensando nela, evitarás todo erro. Se ela te sustenta, não cairás; se ela te protege, nada terás a temer; se ela te conduz, não te cansarás; se ela te é favorável, alcançarás o fim.


E assim verificarás, por tua própria experiência, com quanta razão foi dito: 'E o nome da Virgem era Maria'.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A LITURGIA DA SANTA MISSA (III)

3.  RITOS INICIAIS: O INTROITO

A Missa vai começar. É importante ressaltar que uma missa possui certas partes comuns a todas as missas - é o chamado Ordinário da Missa, que compreende 5 orações: Kyrie (Senhor, tende piedade), o Gloria, o Credo, o Sanctus (Santo, Santo, Santo) e o Agnus Dei (Cordeiro de Deus), orações que podem ser omitidos em algumas missas específicas. Por outro lado, uma determinada missa apresenta algumas orações que são apenas dela, é o chamado Próprio da Missa, que também compreende 5 orações: Introito (Entrada), Salmo Responsorial (ou Gradual), Aleluia (com um versículo específico para a missa), Ofertório e Comunhão. 

Convém que, já antes da própria celebração, se conserve o silêncio na igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo nos lugares mais próximos, para que todos se disponham devota e devidamente para celebrarem os sagrados mistérios. Os ritos iniciais da Santa Missa, que precedem a liturgia da palavra, compõem-se da entrada (introito), saudação, ato penitencial, Kyrie, Glória e oração do dia e têm o propósito de introdução e de preparação dos fieis reunidos em assembleia para ouvir com devoção a palavra de Deus e celebrar dignamente os sagrados mistérios.

O Introito (do latim introitus - que significa entrada) consiste, portanto, na primeira oração do Próprio da Missa e sempre consistiu, desde as suas origens, no canto de um hino religioso na forma de um salmo, compatível com a natureza gozosa, penitente ou triunfante da Santa Missa. Nos primeiros tempos, a procissão do introito era bastante solene e se cantava um salmo completo durante a mesma. A partir do século VIII, o rito do introito passou a ser bastante mais simplificado. Acompanhemos as instruções correspondentes ao atual Missal Romano [com colchetes adicionais]:

47. Reunido o povo [em silêncio prévio], enquanto o sacerdote entra com o diácono e os ministros [procissão de entrada], começa o canto da entrada [natureza e forma de execução detalhadas na sequência das instruções do Missal]. A finalidade desse canto é abrir a celebração, promover a união da assembléia, introduzir no mistério do tempo litúrgico ou da festa, e acompanhar a procissão do sacerdote e dos ministros.

Procissão de Entrada: O sacerdote e os ministros – concelebrantes, diáconos, acólitos – dirigem-se ao presbitério, diretamente da sacristia ou em procissão a partir do fundo da igreja, com os auxiliares portando exclusivamente, os seguintes elementos: a cruz processional, o Missal ou o Evangeliário e o turíbulo com incenso, pois estes são símbolos inerentes ao caráter sacrificial da Santa Missa. Quaisquer outros elementos são vedados de inserção na procissão de entrada, por não se enquadrarem com a essência do rito sagrado (e, por isso, não discriminados em rubricas específicas do Missal), sejam cartazes, trajes e vestimentas especiais ou elementos de quaisquer outra natureza, ainda que com simbologia religiosa.

Canto de Entrada: o canto compreende a antífona (melodia) do Próprio da Missa com o seu salmo (em latim) ou 'outro canto condizente', comumente na língua vernácula, desde que aprovado pela Conferência dos Bispos do país (a CNBB, no caso do Brasil), podendo ser executado de três maneiras: por um grupo de cantores e o povo, por um cantor e o povo ou somente por um grupo de cantores (neste caso, sem a participação do povo). 

Na primeira opção, são utilizados cantos gregorianos (que são sempre em latim) obtidos em livros próprios (os chamados Gradual Romano ou Gradual Simples) ou prescritos pelo próprio Missal, em documentos anexos (os chamados Lecionários). Poucos católicos têm conhecimento formal desta possibilidade de introito gregoriano nas Santas Missas, já que a segunda opção, na forma de um 'canto condizente' na língua vernácula (do lugar), ao qual se impõe o aval dos bispos locais, é de absoluta e generalizada aplicação no Brasil.

O 'canto condizente' seria, por exemplo, em língua nativa, a tradução da antífona original em latim ou mesmo um canto apropriado à dignidade e ao rigor litúrgico, amparado pelo aval dos bispos do país. Este contexto é claramente deturpado em um grande número de missas, pela repetição exaustiva do mesmo canto de entrada em diferentes missas, pelo imiscuir da música profana para incrementar 'a participação do povo' na celebração, pela inclusão de matéria melódica ou textual completamente divorciada do conteúdo litúrgico do dia ou pela simples mesmerização do culto sagrado.

Existe, ainda, uma terceira opção, que é o introito sem canto de entrada. Neste caso, a antífona proposta no Missal (por exemplo) é recitada pelos fiéis, por alguns deles, por um leitor indicado ou ainda pelo próprio sacerdote (neste caso após a Saudação), que também pode cantar a antífona ou até mesmo adaptá-la a modo de exortação inicial. 

Chegando ao presbitério, o celebrante e seus auxiliares fazem uma genuflexão se houver tabernáculo ou uma vênia (inclinação profunda) ao altar, em caso contrário. Após a genuflexão ou a vênia, o celebrante dirige-se ao altar, inclina-se e beija o altar. Em missas específicas, o sacerdote procede ainda à incensação do altar.