sábado, 9 de maio de 2015

QUANDO DEUS NOS INFUNDE A ALMA?

Em algum momento singular da concepção de uma nova vida humana, pela infusão da alma, Deus a toma como uma criação divina. Que momento seria esse? Nos primórdios da concepção humana ou após o processo inicial da vida intrauterina, quando efetivamente o embrião começa a apresentar uma 'forma' humana? Ou, algum tempo depois, quando aparentar respostas sensíveis a estímulos externos? Ou somente quando estiver plenamente manifestada no feto a capacidade, após algumas semanas, de ser interpretado como um novo ser humano, por critérios científicos, médicos ou filosóficos? Para muitos, esta resposta tem conformado e anestesiado a consciência em favor do terrível crime do aborto.

A resposta a estas questões tem sido dada, em caráter definitivo, pela própria ciência humana. Não há quaisquer dúvidas ou questionamentos científicos de que o óvulo fecundado (zigoto) já possui, por si e no todo, o código integral de uma nova vida, o DNA primordial de um ser humano completo e distinto dos seus pais. Ainda que não seja visível ou explicitado, no óvulo fecundado já estão programados todos os caracteres e princípios de um  novo ser humano, como sexo, cor, compleição, tipo e cor dos cabelos, dos olhos, formato da face, etc. Diante desta realidade singular, o corpo da mulher se molda e se apronta, de forma especial, para acolher o desenvolvimento do novo ser, de uma nova e singular pessoa humana. Destruir o óvulo fecundado é, portanto, a consumação da morte de um corpo e de uma alma, um crime hediondo contra Deus.

Não deveria isso ser nem um pouco surpreendente para os católicos. Desde os meados do século XIX, muito antes destas fantásticas descobertas científicas, a Santa Igreja, pela luz da fé, já se havia antecipado às luzes da ciência. Pelo dogma da Imaculada Conceição, proclamado pelo Papa Pio IX, em 8 de dezembro de 1854, a Santa Igreja manifestara que a Virgem Maria tinha sido adornada com uma alma espiritual, desde o primeiro instante de sua existência, desde o momento singular de sua concepção:

'Declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina de que a Bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus Onipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de culpa original; essa doutrina foi revelada por Deus, e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis'.

(Beato Papa Pio IX, na proclamação do dogma da Imaculada Conceição, em 08 de dezembro de 1854)

Desta forma, a Virgem Maria, para ser preservada de qualquer pecado desde a sua concepção e receber, naquele instante, o Espírito Santo de Deus, já deveria ser detentora de uma alma espiritual, capaz de receber a graça santificante ('imaculada conceição'). A Santa Virgem, por privilégios extraordinários, foi preservada do pecado original e, assim, Deus não permitiu que ela estivesse separada dele em nenhum segundo de sua existência. Desde a concepção, portanto, cada embrião é um ser humano completo, dotado de uma alma espiritual, conhecido por Deus por toda a eternidade.

Isto é exposto com uma claridade perturbadora nas palavras de Deus ao profeta Jeremias: 'Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações' (Jr 1, 5); e também ao profeta Isaías: 'O Senhor chamou-me desde meu nascimento; ainda no seio de minha mãe, ele pronunciou o meu nome' (Is 49, 1). Deus nos conhece desde toda a eternidade e nos reconhece como pessoa humana pelo nome e nos consagra com o atributo de uma alma de eternidade, desde o momento de nossa concepção, num óvulo fecundado, mesmo que ainda invisível às tecnologias mais avançadas de observação e de monitoramento da vida intrauterina. 

Estas extraordinárias revelações já estão presentes no Salmo 138, escrito cerca de 500 anos antes de Cristo: 'Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso. Pelas vossas obras tão extraordinárias, conheceis até o fundo a minha alma. Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas. Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse' (Sl 138, 13 - 16).

O embrião não é um mero grumo de células e cromossomos, em um processo contínuo de divisão celular. É essencialmente uma pessoa humana, dotada de uma alma espiritual, nascida do amor humano e programada, desde a sua concepção, para constituir um novo ser, com todas as características genéticas pré-definidas. Esta 'programação' é fruto da infusão de uma alma espiritual ainda no óvulo fecundado, no instante primevo da sua concepção, que dará origem a um novo ser humano, consagrado desde a eternidade e 'tecido nas entranhas subterrâneas do ventre materno', como um ato do amor infinito e da criação personalíssima de Deus.

(Texto baseado no artigo 'Ti ho conosciuto fin dal grembo materno - Così la Bibbia rende sacra la vita dal concepimento', de Enrico Cattaneo, publicado originalmente em La Nuova Bussola Quotidiana)