sexta-feira, 22 de agosto de 2014

A PALAVRA MAIS DIFÍCIL


Falei já tantas e tantas vezes a Jesus, falo-lhe todos os dias, digo-lhe um mundo de coisas, as mais belas e as mais suaves palavras que o coração me pode sugerir; mas há uma palavra mais bela que qualquer outra, uma palavra aprendida desde criança, repetida cada dia e quase a cada hora, uma palavra sem a qual toda a oração perde a beleza e o valor, e que eu não lhe disse jamais.

Ela aflora-me espontânea aos lábios nos momentos de angústia, mas eu não a ouso pronunciar, porque o coração recusa-se a acompanhá-la. E porque havia de dizer uma palavra que será uma ficção? Jesus disse-a no Getsêmani, ordenou a todos que a repetissem, porque é a mais bela que podem pronunciar os lábios cristãos: fiat voluntas Tua — faça-se a Tua vontade.

Oh! Quantas vezes vou encontrar o meu Jesus para derramar-lhe no coração um mar de amarguras, para contar-lhe a minha dor e as minhas esperanças, para constrangê-lo a ter piedade de mim. E no fim, venho embora com o coração pesaroso por não ter dito tudo, por não lhe ter dito — fiat voluntas Tua. Enquanto oro, Jesus dá-me a perceber que quer absolutamente de mim a palavra difícil, porque lhe é mais cara; e eu repilo obstinada a inspiração santa e insisto em apresentar-lhe os desejos da minha vontade; quero receber d'Ele o que eu entendo, e não quero dar-lhe o que Ele deseja de mim. 

Compreendo a minha insensatez, mas como é difícil apresentar-se a Jesus com uma cruz sobre os ombros e o coração esmagado, e dizer-lhe com sinceridade: — ó Jesus, queres que eu sofra este martírio? Pois bem, também eu o quero! Como é difícil renunciar ao desejo e à esperança de ter ainda sobre a terra um dia sereno só para lhe ser agradável! Quando já se está cansado de sofrer, como é difícil querer sofrer ainda, só porque assim se agrada a Jesus!

Todavia, a santidade consiste nisto e só nisto: em fazer a vontade de Jesus. Portanto, que faço eu com as minhas repugnâncias ao — fiat? Jesus, para me fazer santo, talvez não espere de mim mais que esta palavra. Portanto?

'Ó Jesus, eu compreendo tudo com a mente; mas é o coração que se revolta. Toca a ti completar a obra da tua graça, pertence a ti tornar dócil este miserável coração sempre em revolta. Ó Jesus, dá-me aquilo que mandas, e depois manda aquilo que queresda quod jubes et jube quod vis'.

(Excertos da obra 'Centelhas Eucarísticas', de original italiano, 1906; trad. de Adolfo Tarroso Gomes, 1924)