quarta-feira, 30 de abril de 2014

A FÉ EXPLICADA (XV)

Há Conciliação Possível entre a Igreja e a Maçonaria?

Não há conciliação possível entre a Santa Igreja e a Maçonaria, como pode ser atestado por vários e diferentes documentos, proclamados, em épocas diversas, pela Santa Igreja. Consideremos três destes documentos, como exemplos.

DECLARAÇÃO SOBRE A MAÇONARIA (1983)

Foi perguntado se mudou o parecer da Igreja à respeito da maçonaria pelo fato que, no novo Código de Direito Canônico, ela não vem expressamente mencionada como no Código anterior. Esta Sagrada Congregação quer responder que tal circunstância é devida a um critério redacional seguido também quanto às outras associações igualmente não mencionadas, uma vez que estão compreendidas em categorias mais amplas.

Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e, por isso, permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.

Não compete às autoridades eclesiásticas locais pronunciarem-se sobre a natureza das associações maçônicas com um juízo que implique derrogação de quanto foi acima estabelecido, e isto segundo a mente da Declaração desta Sagrada Congregação, de 17 de Fevereiro de 1981 (cf. AAS 73, 1981, p. 240-241).

O Sumo Pontífice João Paulo II, durante a Audiência concedida ao subscrito Cardeal Prefeito, aprovou a presente Declaração, decidida na reunião ordinária desta Sagrada Congregação, e ordenou a sua publicação. Roma, da Sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 26 de Novembro de 1983.

Joseph Card. RATZINGER
Prefeito

+ Fr. Jérôme Hamer, O.P.
Secretário

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19831126_declaration-masonic_po.html

INCONCIABILIDADE ENTRE FÉ CRISTÃ E MAÇONARIA (1985)

Para dissolver quaisquer dúvidas,  a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé promulgou um novo documento, datado de 11 de março de 1985, ratificando esta conciliação impossível com base em termos morais, filosóficos e doutrinais:

'Mesmo quando, como já se disse, não houvesse uma obrigação explícita de professar o relativismo como doutrina, todavia a força “relativizante” de uma tal fraternidade, pela sua mesma lógica intrínseca tem em si a capacidade de transformar a estrutura do ato de fé de modo tão radical que [isto] não é aceitável por parte de um cristão'.

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19850223_declaration-masonic_articolo_po.html

Este documento ressalta a peça demolidora do Magistério da Igreja contra a Maçonaria: a Encíclica Humanum Genus de Leão XIII de 20 de Abril de 1884.

ENCÍCLICA HUMANUM GENUS DE LEÃO XIII (1884)

'Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles [os maçons] estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a destruição da Santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de despojar completamente as nações da Cristandade, se isso fosse possível, das bênçãos obtidas para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador …  (item 2)

(...) esta sé apostólica denunciou a seita dos maçons, e publicamente declarou sua constituição, como contrária à lei e ao direito, perniciosa tanto à Cristandade como ao Estado; e proibiu qualquer um de entrar na sociedade, sob as penas que a Igreja costuma infligir sobre as pessoas excepcionalmente culpadas ... (item 6)

(…) a doutrina fundamental dos naturalistas, que eles tornam suficientemente conhecida em seu próprio nome, é que a natureza humana e a razão humana deveria em todas as coisas ser senhora e guia. Eles ligam muito pouco para os deveres para com Deus, ou os pervertem por opiniões errôneas e vagas. Pois eles negam que qualquer coisa tenha sido ensinada por Deus; eles não permitem qualquer dogma de religião ou verdade que não possa ser entendida pela inteligência humana, nem qualquer mestre que deva ser acreditado por causa de sua autoridade...  (item 12)

(…) abertamente declaram, o que em segredo entre eles mesmos têm por um longo tempo planejado, que o poder sagrado dos Pontífices deve ser abolido, e que o próprio papado, fundado por direito divino, deve ser totalmente destruído... (item 15)

(…) eles não mais consideram como certas e permanentes aquelas coisas que são totalmente entendidas pela luz natural da razão, tais como certamente são – a existência de Deus, a natureza imaterial da alma humana, e sua imortalidade ... a seita permite grande liberdade aos seus membros juramentados por voto, de modo que para cada lado é dado o direito de defender a sua própria opinião, ou de que há um Deus, ou de que não há nenhum ... (item 17)

No final da encíclica, a condenação explícita e duríssima contra a maçonaria é feita associada a uma contundente recomendação aos bispos da Igreja (item 31):

(...) Nós desejamos que o vosso primeiro ato seja arrancar a máscara da Maçonaria, e deixar que ela seja vista como realmente é; e por sermões e cartas pastorais instruir o povo quanto aos artifícios usado pelas sociedades deste tipo para seduzir os homens e persuadi-los a entrar em suas fileiras, e quanto à perversidade de suas ações e à maldade de seus atos ... Pode parecer a alguns que os Maçons não exigem nada que seja abertamente contrário à religião e à moral; mas, como todo princípio e objetivo da seita está naquilo que é vicioso e criminoso, ajuntar-se com estes homens ou em algum modo ajudá-los não pode ser legítimo.

http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_18840420_humanum-genus_po.html

Observação Complementar: a Maçonaria não tem uma 'cara' única, embora as diversas Lojas Maçônicas sejam muitas (e existam entidades ainda mais secretas, além dos graus mais elevados da maçonaria clássica). Basta considerar, entretanto, que o Rotary foi fundado pelo maçon Paul Harris; que o Lions foi fundado pelo maçon Melvin Jones; que a entidade do DeMolay foi fundada pelo maçon Frank Sherman Land e os próprios Escoteiros constituem um grupo fundado pelo maçon Robert Baden Powell. Assim, como instituições co-irmãs da maçonaria, recaem sobre elas as mesmas condenações explícitas da Santa Igreja à maçonaria.

terça-feira, 29 de abril de 2014

A VERDADEIRA E PERFEITA HUMILDADE


Saudação e objetivo

Em nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, meu caríssimo filho, no doce Cristo Jesus, eu, Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo, vos escrevo no seu precioso sangue, desejosa de vos ver alicerçado na verdadeira e perfeita humildade.

Iluminação divina e humildade

Quem é humilde também é paciente no suportar dificuldades por amor à verdade, pois a humildade alimenta e sustenta a caridade. Quem possui a chama da caridade nunca é negligente, mas sempre solícito, porque a caridade não é preguiçosa, sempre trabalha.

Todavia, sem uma iluminação divina, ninguém possui a caridade e a humildade, que afastam o orgulho. Se o olho tem um objeto que possa ver, mesmo que esteja sadio e haja luz, se ele não estiver aberto, nada verá. O olho da nossa alma é a inteligência, e a sua iluminação vem da fé, se tal olho não estiver velado pelo pano do amor-próprio ou egoísmo. Quando o egoísmo é afastado, a nossa inteligência torna-se limpa e conhece.

Desperta a afeição da alma, que começa a amar o seu benfeitor. Impulsionado pelo amor, o pensamento se abre e contempla o objeto, que é Cristo Crucificado. A alma compreende, sobretudo no precioso sangue, o abismo do seu infinito amor.

A humildade é a cela do auto-conhecimento

Onde a inteligência (iluminada pela fé) encontra Cristo crucificado? Na cela do coração, na qual a alma vê a própria miséria, os próprios defeitos, o próprio nada. Mas, ao mesmo tempo, conhece a bondade de Deus. Se a alma ficasse somente a conhecer-se a si mesma, o seu conhecimento de Deus não seria verdadeiro; nem a pessoa colheria os frutos que resultam do conhecimento de si. Ela mais perderia do que ganharia, uma vez que retiraria do conhecimento de si apenas tédio e confusão. Cairia na aridez (espiritual). E se continuasse assim, sem a devida cura, terminaria no desespero. Por outro lado, se a alma apenas conhecesse a Deus e não também a si mesma, colheria como fruto apodrecido uma grande confusão (intelectual), que alimenta a soberba.

Aliás, uma coisa nutre a outra. É preciso, portanto, que o conhecimento iluminado da alma chegue a um grau completo, tanto do conhecimento de Deus como de si mesma.

Desse modo a alma evita a presunção e o desespero, e colhe na cela do coração o fruto da vida, a partir do conhecimento de si e do desprezo do pecado e da perversa lei (da sensualidade), sempre disposta a lutar contra o espírito (Rm 7,23). Tal desprezo gera a paciência, que é o cerne da caridade. No conhecimento de Deus (presente) em si, a alma atinge o abismo do amor por Deus e pelo próximo. Na luz da fé, compreende que o amor que tem por Deus não pode ser útil ao Criador. Por isso, imediatamente, a alma começa a ser útil ao próximo, por amor a Deus. Ama a criatura por compreender que Deus a ama sumamente. É condição do amor que alguém ame tudo o que a pessoa amada ama.

Conselhos materiais de Catarina. Conclusão

Filho caríssimo, com a iluminação divina, recebemos a humildade e a caridade. Graças ao esforçado empenho, dado pela chama da caridade, destruiremos toda a negligência; ao mesmo tempo, a água da humildade lavará a nossa soberba. Ficamos sedentos da glória divina e zelosos pela salvação das almas, mediante a cruz do Cordeiro Imaculado e Humilde. Outro caminho não existe! Foi ao considerar que temos de caminhar por tal caminho da humildade, que eu disse acima estar desejosa de vos ver alicerçado na verdadeira e perfeita humildade. Quero que vivais dessa maneira, sem medo e sem confusão na mente. Mas, sobretudo, quero que recomeceis a viver com fé viva, esperança firme, obediência pronta. Quero que reabasteçais e alimenteis a vossa alma.

Que ela não resseque pela confusão e cansaço da mente. Pelo contrário, com muito empenho, esforçai-vos por despertar do sono da negligência, imitando as virtudes que vedes nos vossos irmãos e conservando-as no vosso coração. Amai a verdade! Que ela esteja sempre nos vossos lábios. Quando oportuno, difundi-a aos outros, sobretudo entre as pessoas que amais. Mas fazei-o com delicadeza, assumindo os defeitos alheios. Se não fizestes isso no passado, com a necessária cautela, corrigi-o no futuro. Quero que não vos aflijais, nem vos preocupeis comigo. Dia após dia, deixemos passar as ondas deste tempestuoso mar, na humildade, caridade fraterna e paciência.

Nada mais acrescento. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Jesus doce, Jesus amor.

(Santa Catarina de Sena, Carta 51)

O DRAMA DO FIM DOS TEMPOS (IX)

DOS ESCRITOS PROFÉTICOS DO Pe. R. P. EMMANUEL 

NONO ARTIGO: A CONVERSÃO DOS JUDEUS (novembro de 1885*)

A Santa Escritura nos assinala um grande acontecimento que se nos mostra entrelaçado na guerra que o Anticristo desencadeará contra a Igreja: a conversão dos judeus. Deixamos este assunto de lado até aqui para tratá-lo com mais detalhes. Além disso, aqui ele estará muito bem colocado, pois a conversão dos judeus nos é apresentada como fruto da pregação de Elias.

I

O povo judeu é o ponto em torno do qual gira a história da humanidade. Ele recebeu o toque de Deus na pessoa de Abraão de onde saiu. É, antes da vinda de Nosso Senhor, o povo sacerdotal por excelência, cujo estado, no testemunho de Santo Agostinho, é inteiramente profético; dele nasceu a Santíssima Virgem e o Salvador do mundo; ele formou o núcleo da Igreja nascente. Todos esses privilégios fazem da raça judia uma raça excepcional cujos destinos são misteriosos.

Por uma inversão estranha e lamentável, no momento em que ela produz o Salvador do mundo, a raça eleita, a raça bendita entre todas, merece ser condenada. Recusa reconhecer, em sua humildade, Aquele em quem ela não sabe adorar as grandezas invisíveis. Parece que Deus quis mostrar assim que não há nada da carne e do sangue na vocação do cristianismo, já que aqueles mesmos a quem pertencia o Cristo, segundo a carne (Rm 9, 5), são rejeitados por causa de seu orgulho tenaz e carnal.

Será uma condenação definitiva? Permanecerão presas de Satã excluídos do resto do mundo pela cruz do Senhor? Deus não permita! Deus prepara supremas misericórdias para o povo que foi seu. A esse povo, a quem foi dito: 'Não sois mais meu povo', será dito um dia: 'Vós sois os filhos do Deus vivo' (Os 3, 4-5). Depois de ter ficado longos anos sem rei, sem príncipe, sem sacrifício, sem altar, os filhos de Israel procurarão o Senhor seu Deus; e isso acontecerá no fim dos tempo (Id. III, 4, 5).

Elias será o instrumento dessa volta maravilhosa. 'Eu vos enviarei', diz o Senhor em Malaquias, 'o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E ele voltará o coração dos pais para os filhos, o coração dos filhos para os pais' (Ml 4, 5-6). Quer dizer, restabelecerá a harmonia dos mesmos amores, das mesmas adorações entre os santos antepassados do povo judeu e seus últimos descendentes.

São Paulo insiste por sua vez sobre esse acontecimento tão consolador. Ele vê na condenação dos Judeus a causa ocasional da vocação dos Gentios. Depois acrescenta: 'Porque eu não quero, irmãos, que vós ignoreis este mistério, que uma parte de Israel caiu na cegueira até que tenha entrado a plenitude das nações e então todo Israel se salve' (Rm 11, 25).

Tal é o desígnio de Deus. É preciso que toda a gentilidade entre na Igreja; e que, quando terminar o desfile das nações, Israel entre por sua vez. Este será o grande jubileu do mundo; a graça se espalhará por torrentes. Tomando as profecias ao pé da letra, todos os judeus que então estiverem vivos, ainda que numerosos como as areias do mar, serão salvos até o último (Rm 9, 27).

Para compreender os frêmitos profundos que esse grande acontecimento fará correr pelo mundo, é preciso usar as figuras proféticas pelas quais Deus houve por bem anunciá-lo. O povo judeu entrando na Igreja, é Esaú se reconciliando com Jacó. Com que ternura! 'Correndo ao encontro de seu irmão, Esaú abraçou-lhe o pescoço e beijando-o, chorou'.

Mas é sobretudo José, reconhecido por seus irmãos, que é o verdadeiro símbolo de Jesus reconhecido por seus irmãos, os judeus! Outrora venderam-no e crucificaram-no e agora uma imperativa necessidade de verdade e de amor leva-os a seus pés no fim dos tempos. Que encontro! Que espetáculo! Jesus, com todo o brilho de seu poder, desvendando aos judeus os tesouros de seu coração, e lhes dizendo: 'Eu sou José, eu sou Jesus a quem vós vendestes!' (Gn 45).

Abri enfim o Evangelho, na página do filho pródigo (Lc 15). Esse pródigo que vem de tão longe são os pobres gentios entrando na Igreja. Os judeus são representados pelo filho mais velho, ciumento, egoísta, que se obstina em permanecer de fora porque seu irmão foi recebido em casa. O pai sai e lhe faz instantes rogos, coepit illum rogare. Esse desnaturado recusa escutar o pai; mas por fim o escutará, entrará e essa entrada trará alegria dobrada à casa paterna.

Não, não se pode imaginar qual será a alegria da Igreja quando ela abrir seu seio de mãe aos filhos de Jacó. Não se pode imaginar as lágrimas, os transportes de amor destes quando for retirado o véu de seus olhos, reconhecerem seu Jesus. Qual será o momento preciso deste grande acontecimento? Esta é a dificuldade. Sem pretender resolvê-la, esperamos esclarecê-la um pouco.

II

Segundo a tradição, parece certo que o Anticristo será de nacionalidade judia. Ele aparecerá como o produto desta fermentação de ódio que há séculos exaspera o coração dos judeus contra Jesus, seu terno irmão, seu incomparável amigo. Também parece certo que os judeus, em boa parte, acolherão esse falso messias, seguindo-o em cortejo e lhe submetendo o mundo pela má imprensa e pela alta finança.

Mas desde o tempo que precederá o homem do pecado, se formará entre os judeus uma corrente de adesão à Igreja! Os grandes acontecimentos têm prelúdios que os anunciam. São Gregório declara que o furor da perseguição do Anticristo cairá principalmente sobre os judeus convertidos a quem ninguém igualará na constância em suportar todos os ultrajes e todos os tormentos pelo nome mil vezes bendito de Jesus. Esta passagem de São Gregório é muito importante para ser omitida.

O grande papa explica uma das grandes profecias em ação de Ezequiel (Ez 3). É um drama em três atos: (i) Deus ordena que o profeta saia para o campo; esta saída representa a difusão do Evangelho entre os gentios; (ii) Manda que volte para casa, onde é atado com cadeias, aprisionado e reduzido ao silêncio: isso indica como o Evangelho será pregado pelos judeus aos próprios judeus, dos quais alguns se converterão, outros prenderão os pregadores e os oprimirão com maus tratos, durante a perseguição do Anticristo; (iii) Deus aparece, abre a boca do profeta que fala com mais força do que nunca; é o que acontecerá na vinda de Elias que, com suas pregações inflamadas e irresistíveis, converterá os restos de sua nação (In Ezeq. lib I, hom XIII).

Não nos cansamos de admirar a lucidez profética de São Gregório. Ele distingue de antemão as fases do grande acontecimento que nos ocupa: cisão do povo judeu em duas partes, opressão dos convertidos pelos refratários, conversão total operada por Elias.

O santo Papa assegura, em seus comentários sobre Jó, que esta volta definitiva dos restos de Israel será feita diante dos próprios olhos e a despeito da raiva do Anticristo (Mor. lib XXXV e XIV). Se a Igreja goza de semelhantes consolações debaixo do fogo da perseguição, qual não será esse gozo na hora do triunfo! É o que vamos considerar rapidamente.

III

Deus emprega anjos maus para destruições necessárias. O Anticristo, a seu modo e sem o querer, será a vara de Deus. Esta vara de ferro pulverizará os cismas, as heresias, as falsas religiões, os restos do paganismo, o maometismo e o próprio judaísmo: ela esmagará o mundo em favor de uma prodigiosa unidade. Quando esse colosso de impiedade for abatido pela pedrinha, esta se tornará uma montanha imensa e cobrirá a terra; o Evangelho, não tendo mais nenhuma sorte de obstáculo, reinará sem contradição sobre o universo inteiro.

Os judeus serão os primeiros operários desse estabelecimento do reino de Deus. São Paulo se extasia diante das grandes coisas que resultarão de sua conversão. 'Se o pecado dos judeus foi a riqueza do mundo e a sua redução à riqueza das nações quanto mais sua adesão total? ... se sua perda é a reconciliação do mundo, o que será a sua entrada na Igreja senão uma ressurreição?' (Rm 11, 12, 15). Tememos enfraquecer estas antíteses enérgicas, comentando-as. É legítimo concluir que os judeus convertidos porão a serviço da Igreja um inestimável ardor de proselitismo. Rejuvenescida por essa infusão de vida, a Igreja sairá das garras da perseguição como de um túmulo, e tomará posse do mundo com a majestade de uma rainha e a ternura de uma mãe.

Serão esses acontecimentos o prelúdio imediato do último julgamento ou a aurora de uma nova era? Falaremos sobre as conjecturas que se pode formular sobre esta questão.

(Excertos da obra 'O Drama do Fim dos Tempos, do Pe. R.P. Emmanuel, prior do Mosteiro de Mesnil-Saint-Loup, Ed. Permanência, 2004)

Foi no ano anterior (1884) que o Papa Leão XIII escreveu sua famosa oração de exorcismo pela intercessão de São Miguel Arcanjo, em face de sua profética visão sobre a ação futura do inferno sobre a Santa Igreja)

domingo, 27 de abril de 2014

'MEU SENHOR E MEU DEUS!'

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo da Páscoa


O segundo domingo do tempo pascal é consagrado como sendo o 'Domingo da Divina Misericórdia', com base no decreto promulgado pelo Papa João Paulo II na Páscoa do ano 2000. No Domingo da Divina Misericórdia daquele ano, o Santo Padre canonizou Santa Maria Faustina Kowalska , instrumento pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo fez conhecer aos homens Seu amor misericordioso: 'Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia'.

No Evangelho deste domingo, Jesus já havia se revelado às santas mulheres, a Pedro e aos discípulos de Emaús. Agora, apresenta-Se diante os Apóstolos reunidos em local fechado e, uma vez 'estando fechadas as portas' (Jo 20, 19), manifesta, assim, a glória de Sua ressurreição aos discípulos amados. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 19) foi a saudação inicial do Mestre aos apóstolos mergulhados em tristeza e desamparo profundos. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 21) vai dizer ainda uma segunda vez e, em seguida, infunde sobre eles o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23), manifestação preceptora da infusão dos demais dons do Espírito Santo por ocasião de Pentecostes. A paz de Cristo e o Sacramento da Reconciliação são reflexos incomensuráveis do amor e da misericórdia de Deus. 

E eis que se manifesta, então, o apóstolo da incredulidade, Tomé, tomado pela obstinação à graça: 'Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei' (Jo 20, 25). E o Deus de Infinita Misericórdia se submete à presunção do apóstolo incrédulo ao lhe oferecer as chagas e o lado, numa segunda aparição oito dias depois, quando estão todos novamente reunidos, agora com a presença de Tomé, chamado Dídimo. 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28) é a confissão extremada de fé do apóstolo arrependido, expressando, nesta curta expressão, todo o tesouro teológico das duas naturezas - humana e divina - imanentes na pessoa do Cristo.

'Bem-aventurados os que creram sem terem visto!' (Jo 20, 29) é a exclamação final de Jesus Ressuscitado pronunciada neste Evangelho. Benditos somos nós, que cremos sem termos vistos, que colocamos toda a nossa vida nas mãos do Pai, que nos consolamos no tesouro de graças da Santa Igreja. E bem aventurados somos nós que podemos chegar ao Cristo Ressuscitado com Maria, espelho da eternidade de Deus na consumação infinita da Misericórdia do Pai. 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O MILAGRE DO SOL VISTO POR PIO XII


O milagre do sol, de conhecimento generalizado, refere-se ao histórico e extraordinário evento ocorrido em Fátima em 13 de outubro de 1917. Muito menos conhecido, entretanto, é o milagre do sol presenciado, não uma mas quatro vezes, pelo Papa Pio XII, muitos anos depois. Estes fatos, que já haviam sido relatados em uma homilia pronunciada pelo cardeal Federico Tedeschini (1873-1959), são testemunhados pelo próprio papa em uma nota manuscrita, apresentada publicamente pela primeira vez, há alguns anos, no Vaticano, durante a exposição 'Pio XII: o Homem e o Pontificado'. 

O papa foi testemunho do milagre do sol várias vezes, durante as suas caminhadas habituais pelos jardins do Vaticano e considerou estes eventos como uma confirmação do Céu às suas pretensões de proposição do dogma da Assunção de Nossa Senhora. Eis o relato do Papa Pio XII na citada carta manuscrita sobre o evento, ocorrido às quatro horas da tarde do dia 30 de outubro de 1950:

'Durante a minha caminhada habitual nos Jardins do Vaticano, para ler e estudar, tendo chegado à altura do lugar onde se encontra a estátua de Nossa Senhora de Lourdes, deparei-me com um fenômeno que nunca tinha presenciado. O sol, que ainda estava bem elevado, parecia uma esfera empalidecida, opaca, envolvida totalmente por um círculo luminoso e com uma pequena nuvem à frente. Era possível olhar diretamente para o sol sem qualquer incômodo. A esfera opaca se movia para fora e sobre si mesma, para a direita e para a esquerda, movimentos perfeitamente destacados com clareza pela esfera e que ocorriam continuamente, sem interrupção.' 

O papa menciona ter visto o fenômeno se repetir outras três vezes, nos dias 31 de outubro, 01 de novembro (dia da promulgação do dogma da Assunção de Nossa Senhora) e 08 de novembro de 1950. O papa menciona ainda ter procurado observar o fenômeno diversas outras vezes depois, mais ou menos no mesmo horário e nas mesmas circunstâncias, mas nunca o conseguiu, ficando os seus olhos completamente ofuscados nas tentativas seguintes de fixar diretamente o olhar no sol. À época, o papa mencionou estes fatos a alguns dos cardeais e a alguns colaboradores mais próximos, além de registrá-lo de próprio punho na mencionada nota manuscrita.

O DRAMA DO FIM DOS TEMPOS (VIII)

DOS ESCRITOS PROFÉTICOS DO Pe. R. P. EMMANUEL 

OITAVO ARTIGO: A CRISE FINAL (outubro de 1885*)

I

Paremos um instante diante dos intrépidos missionários de Deus e notemos a oportunidade divina de sua aparição. Segundo São Pedro: 'nos últimos tempos virão embusteiros, zombadores sedutores vivendo as suas concupiscências, dizendo: Onde está a promessa e a vinda (de Jesus Cristo)? Desde que nossos pais morreram tudo continua como desde o princípio da criação' (2 Pd 3, 3-4).

Esses sedutores, estes embusteiros, os estamos vendo com nossos próprios olhos, ouvindo com nossos ouvidos. Chamam-se racionalistas, materialistas, positivistas: negam, a priori, toda causa superior, todo fato sobrenatural; não se interessam em saber de onde vêm, nem para onde vão; semelhantes aos insensatos do livro da Sabedoria olham a vida como uma dessas nuvens da manhã que não deixam rastro ao raiar do sol. O que está além do túmulo, chamam o grande desconhecido; recusam-se terminantemente a investigá-lo. Em conseqüência, o todo do homem, a seus olhos, está em gozar o mais possível o momento presente, pois tudo o mais é incerto.

Esses falsos sábios relegam os escritos de Moisés a cosmogonias fabulosas. Recusam-se a reconhecer algum valor histórico nos livros santos. Segundo o que dizem, todos esses documentos, em contradição com a ciência, seriam obras de um judeu exaltado, Esdras, que quis realçar sua nação.

Quanto à vinda de Jesus Cristo, à ressurreição geral, ao julgamento final, às recompensas e às penas eternas, tratam como sonhos absurdos. Asseguram que a humanidade, em via de um indefinido progresso, encontrará um dia o paraíso na terra. Ora, para confundir esses impostores, Deus suscitará Henoc, representante do período antidiluviano e Henoc, quase contemporâneo das origens do mundo. Suscitará Elias, representante do judaísmo mosaico; Elias que, de um lado, toca Salomão e David e, de outro, Isaías e Daniel.

Estes grandes homens virão, com indiscutível autoridade, estabelecer a autenticidade da Bíblia, e mostrar que o Cristianismo está ligado à era dos profetas até Moisés e à era dos patriarcas até Adão. Neles se levantarão todos os séculos para renderem testemunho à verdade da revelação. Nunca a divindade do Cordeiro que foi morto desde a origem do mundo (Ap 13, 8) resplandecerá de modo mais fulgurante.

Ao mesmo tempo anunciarão com veemência a aproximação do julgamento. Retomando as palavras de São João, clamarão a todos os confins do mundo: 'Fazei dignos frutos de penitência... o machado já está posto à raiz das árvores... Ele tem a pá em sua mão e limpará bem a sua eira, e recolherá o trigo no celeiro mas queimará as palhas em um fogo inextinguível' (Mt 3, 8-13).

Continuando a predição do Eclesiástico, Henoc pregará a penitência às nações, que compreendem todos os povos fora do judaísmo; ele lhes falará com a majestade de um antepassado e lhes fará conhecer e reconhecer Jesus Cristo, o Desejado das Nações. Elias se dirigirá especialmente aos judeus que esperam Sua vinda; ele se dará a conhecer por sinais de extrema evidência; fará Jesus brilhar a seus olhos, Jesus que é osso de seus ossos e carne de sua carne. É fora de dúvida que a essas pregações, apesar das ameaças e dos tormentos, seguirão numerosas e estrondosas conversões, principalmente do lado dos judeus; isto está formalmente predito.

As duas testemunhas de Deus pregarão tanto juntas como separadas e, durante três anos e meio, percorrerão verdadeiramente a terra toda. Os jornais farão em volta deles a conspiração do silêncio (como em volta dos milagres de Lourdes); mas eles se imporão à atenção do mundo. O Anticristo tentará em vão apanhá-los, pois o fogo devorará quem quer que ouse lhes tocar. Eles passarão com o gládio da justiça de Deus no meio dos homens que vivem no prazer e no deboche; eles os ferirão com chagas horríveis. No entanto, assim como a missão de Nosso Senhor, a deles terá um tempo determinado. Em dado momento perderão a assistência sobrenatural que os protegia até então. Escutemos São João.

II

'E depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a fera que sobe do abismo fará guerra contra eles, e vencê-los-á e matá-los-á. E os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o Senhor deles foi crucificado. E os homens de diversas tribos, e povos e línguas e nações verão os seus corpos durante três dias e meio; e não permitirão que seus corpos sejam sepultados''.

E os habitantes da terra se alegrarão por causa deles e farão festas e mandarão presentes uns aos outros porque esses dois profetas os tinham atormentado. Mas, depois de três dias e meio, o espírito de vida entrou neles da parte de Deus. E eles puseram-se em pé, e apoderou-se um grande temor dos que os viram. E ouviram uma grande voz do céu que lhes dizia: Subi para cá. E subiram ao céu numa nuvem e seus inimigos foram testemunhas disso. E naquela mesma hora deu-se um grande terremoto e caiu a décima parte da cidade; e no terremoto morreram sete mil homens e os restantes, atemorizados, deram glória ao Deus do céu' (Ap 11, 7-14).

Que conclusão de um drama inaudito! Que afirmação do sobrenatural! Os dois profetas se encontrarão em Jerusalém, onde seu Senhor foi crucificado. Participarão das divinas fraquezas de Jesus; como Ele serão presos, como Ele julgados, como Ele atormentados, como Ele serão mortos, talvez na cruz. Pensar-se-á que chegou o fim. O Anticristo parecerá triunfar em toda a linha. Zombarão dos dois profetas: rirão e dançarão em torno de seus cadáveres; deixá-los-ão sem sepultura para se regalarem à vontade.

Mas de repente os dois profetas ressuscitarão; uma grande voz soará do alto do céu e eles subirão ao céu diante de uma multidão inumerável tomada de súbito terror. Haverá um grande terremoto na cidade deicida; sete mil homens perderão a vida, outros baterão no peito e darão graças a Deus. Repetimos, que drama, que desenlace!

O que fará o Anticristo diante de tais prodígios? Espumará de raiva, sentirá que tudo lhe escapa, que a hora da justiça está próxima. Pode-se acreditar que nesse mesmo instante surgirá sua punição prescrita por São Paulo: 'Jesus Cristo o matará com o sopro de sua boca e o destruirá pelo brilho de sua vinda (3 Ts 2, 8).

No entanto, segundo os cálculos de Daniel, parece que o castigo do monstro será atrasado trinta dias depois da assunção triunfante de Henoc e Elias. Daniel diz que, a partir da supressão do sacrifício perpétuo, quando aparecerá a abominação da desolação, passarão 1.290 dias (Dn 12, 11); por consequência, 30 dias mais do que o tempo da pregação de Henoc e de Elias.

Durante esse intervalo, o Anticristo tentará de todo jeito retomar a influência perdida. Não queremos admitir nenhuma visão no âmbito deste relato; se fazemos exceção para a de Santa Hildegarda sobre o fim do inimigo de Deus é porque não passa de um comentário da palavra de São Paulo: Jesus o matará com o sopro de sua boca!

A Santa vê em espírito o monstro, cercado de seus oficiais e de imensa multidão, subir uma montanha. Chegando ao cume, anuncia que vai elevar-se nos ares. Foi elevado, com efeito, como Simão o mágico, pelo poder do demônio. Mas nesse momento reboa um forte trovão e ele cai fulminado. Seu corpo se decompõe na mesma hora e exala um fedor intolerável e todos fugirão apavorados. Assim, ou de maneira análoga, acabará o inimigo de Deus. E seu imenso império se evaporará como uma fumaça. O mundo se sentirá aliviado de um peso esmagador. E haverá uma conversão geral que, no dizer de São Paulo, parecerá uma ressurreição. Disso falaremos no próximo artigo.

(Excertos da obra 'O Drama do Fim dos Tempos, do Pe. R.P. Emmanuel, prior do Mosteiro de Mesnil-Saint-Loup, Ed. Permanência, 2004)

Foi no ano anterior (1884) que o Papa Leão XIII escreveu sua famosa oração de exorcismo pela intercessão de São Miguel Arcanjo, em face de sua profética visão sobre a ação futura do inferno sobre a Santa Igreja)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

ORAÇÃO PARA A SANTA COMUNHÃO

Feri, ó dulcíssimo Senhor Jesus, o mais íntimo e profundo de meu ser com o dardo suavíssimo e salutar do Vosso amor, com aquela verdadeira, inalterável, santíssima e apostólica caridade, a fim de que a minha alma se enterneça com o único desejo de sempre crescer em vosso amor.

Que eu vos ame intensamente, que desfaleça nos vossos átrios e deseje dissolver-me em vós e ser um convosco. Que minha alma tenha fome de Vós, ó Pão dos Anjos, alimento das almas santas, Pão nosso de cada dia, supersubstancial, que tem toda doçura e sabor, e todo deleite de suavidade. Ó Vós, a quem os Anjos desejam contemplar!

Que o meu coração sempre tenha fome e se alimente de Vós, e que as entranhas do meu ser sejam repletas com a doçura de vosso sabor. Que só de Vós tenha sede, ó fonte da vida e da sabedoria e da ciência e da luz eterna, torrente de delícias, riqueza da casa de Deus.

Só por Vós anseie, só a Vós procure, só a Vós encontre, só para Vós tenda e vos alcance. Só medite em Vós, só de Vós fale, e tudo o que fizer seja para louvor e glória do vosso nome, com humildade e discrição, com amor e deleite, com bondade e afeto, com perseverança até o fim.

Sede, Senhor, minha única esperança, toda minha confiança, minhas riquezas, meu deleite, meu encanto, minha alegria, minha quietude e tranquilidade, minha paz, minha suavidade, meu perfume, minha doçura, meu pão, meu alimento, meu refúgio, meu auxílio, minha sabedoria, minha partilha, meus bens, meu tesouro. Somente em Vós minha alma e meu coração estejam radicados de modo fixo, firme e irremovível. Amém.

(São Boaventura)

DA VIDA ESPIRITUAL (69)



Como leigo, meu filho, tua missão é ser membro efetivo do Corpo Místico de Cristo que é a Santa Igreja, ser parcela viva do ‘povo de Deus’. Como apóstolo, você tem a missão de 'trabalhar para que a mensagem divina de salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra' (Catecismo da Igreja Católica).

quarta-feira, 23 de abril de 2014

A FÉ EXPLICADA (XIV)

A Igreja permite a cremação dos mortos?

A Igreja sempre manifestou a recomendação pela prática do sepultamento, na crença da dualidade do corpo e da alma que, separados no momento da morte, deverão se reencontrar em momento posterior. Na cultura das religiões pagãs, a nova dimensão do espírito, após a morte, prescinde de um vínculo com a matéria agora inanimada. Assim, o postulado óbvio seria a adoção da cremação do corpo, tornado inútil na concepção de um espírito que se bastaria por inteiro. 

Entretanto, a civilização moderna conduziu a situações práticas que tornam o sepultamento em grande escala virtualmente impossível, seja pela inexistência de áreas livres nas grandes metrópoles e cidades, seja pelos custos elevados naqueles disponíveis. Tais razões impeliram por uma crescente prática da cremação dos falecidos, particularmente nos últimos 20 ou 30 anos. Neste contexto, a cremação está associada a uma necessidade imposta pela sociedade moderna e não por uma crença paganizada, pelo que se torna aceitável pela Santa Igreja.

Esta posição da Igreja é expressa pelo Cânon 1176, § 3, constante do Título III do Código de Direito Canônico de 1983: 'A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã'.

Para os que optam pela cremação por negarem a ressurreição do corpo, a Igreja veta explicitamente as próprias exéquias cristãs, conforme os termos do Cânon 1184, § 1, item segundo: 'Devem ser privados das exéquias eclesiásticas, a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de arrependimento: ... os que escolheram a cremação do corpo próprio, por razões contrárias à fé cristã'.

Estas considerações também constam do ponto 2300 do Catecismo da Igreja Católica: 'Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal, que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo'.

Neste sentido, o tópico seguinte do Catecismo (2301) explicita a posição da Igreja em relação ao manuseio de cadáveres para fins científicos e a doação de órgãos de pessoas falecidas: 'A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é legítimo e até pode ser meritório'. Esta posição da Igreja está diretamente associada à condição do cadáver que, embora seja merecedor de todo o respeito, não configura a posse dos direitos e da dignidade inerentes à pessoa viva e, neste sentido, é moralmente admissível a utilização do mesmo para fins nobres e úteis, desde que constatada plenamente a morte cerebral do indivíduo.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O DRAMA DO FIM DOS TEMPOS (VII)

DOS ESCRITOS PROFÉTICOS DO Pe. R. P. EMMANUEL 

SÉTIMO ARTIGO: HENOC E ELIAS (setembro de 1885*)

Os fatos maravilhosos que descrevemos não são suposições aventurosas; são verdades tomadas na Santa Escritura e que seria pelo menos temerário negar. Antes do fim dos tempos, e durante a perseguição do Anticristo, aparecerão no meio dos homens dois extraordinários personagens, chamados Henoc e Elias. Quem são estes personagens? Em que condições farão sua entrada providencial no cenário do mundo? É o que vamos examinar à luz das Escrituras e da Tradição.

I

Henoc é um dos descendentes de Set, filho de Adão e raiz da raça dos filhos de Deus. Ele é o chefe da sexta geração a partir do pai do gênero humano. Eis o que o Gênesis nos ensina a seu respeito: 'e Jared viveu 162 anos e gerou Henoc... Ora Henoc viveu 65 anos e gerou Matusalém. E Henoc andou com Deus e depois de ter gerado Matusalém, viveu 365 anos. E andou com Deus e desapareceu porque Deus o levou' (Gn 5, 18-25).

Deus o levou com a idade de 365 anos, quer dizer, nessa época de grande longevidade, na idade madura. Não morreu, desapareceu. Foi transportado vivo, para um lugar conhecido apenas por Deus. Aí está o que sabemos de Henoc, patriarca da raça de Set, trisavô de Noé, ancestral do Salvador.

Quanto a Elias, sua história é melhor conhecida. Henoc, anterior ao Dilúvio, nasceu muitos milhares de anos antes de Jesus Cristo. Elias apareceu no reino de Israel, menos de mil anos antes do Salvador; é o grande profeta da nação judaica.

Sua vida não podia ter sido mais dramática (Rs 3, 4). Pode-se dizer que ela é uma profecia em ação do estado da Igreja, no tempo da perseguição do Anticristo. Vivia errante, sempre ameaçado de morte, sempre protegido pela mão de Deus, que ora o esconde no deserto onde corvos o alimentam, ora o apresenta ao orgulhoso Acab, que treme diante dele. Dá-lhe as chaves do céu para desencadear a chuva ou os raios; sobre o monte Horeb favorece-o com uma visão cheia de mistérios. Em resumo, o faz crescer até o porte de Moisés, o Taumaturgo, de modo que, com Moisés, acompanhe Nosso Senhor sobre o Monte Tabor.

O desaparecimento de Elias corresponde a uma vida de estranha sublimidade. Caminhando com Eliseu, seu discípulo, abre para si uma passagem no Jordão tocando as águas com sua capa. Anuncia que vai ser arrebatado ao céu. De repente, 'enquanto caminhavam, conversavam entre si, eis que um carro de fogo e uns cavalos de fogo os separaram um do outro; e Elias subiu ao céu no meio de um turbilhão. E Eliseu o via e clamava: Meu pai, meu pai, carro de Israel e seu condutor! E não o viu mais' (4 Rs 2, 11-12).

E foi assim que Elias, o amigo de Deus, o zelador de sua própria glória, foi arrebatado e transportado, também ele, para uma região misteriosa, onde encontrou seu ancestral, o grande Henoc. Qual é essa região? Henoc e Elias estão vivos, isto é certo. Onde Deus os esconde? Será em alguma parte inacessível do mundo aqui embaixo? Será em alguma plaga do firmamento? Ninguém pode dizer. Pode-se apenas afirmar que, por enquanto, eles estão fora das condições humanas; os séculos passam a seus pés sem atingi-los; permanecem na idade madura, sem dúvida, na idade em que foram arrebatados do meio dos homens.

II

Sua reaparição no cenário do mundo não é menos certa do que seu desaparecimento. Assim fala destes grandes personagens o autor inspirado do Eclesiastes, exprimindo toda a tradição judaica: 'Henoc agradou a Deus e foi transportado ao paraíso para pregar a penitência às nações (Ecle 44, 15). 'Quem pode se gloriar como tu, ó Elias? Tu foste arrebatado ao céu num redemoinho de fogo, numa carroça tirada por cavalos ardentes; tu, de quem está escrito que, no tempo dos julgamentos, virás para abrandar a ira do Senhor, para reconciliar o coração dos pais com os filhos e para restabelecer as tribos de Jacó' (Ib, 47).

Estas palavras de um livro canônico nos esclarecem que Henoc e Elias têm uma missão futura a cumprir. Henoc deve pregar a penitência às nações, ou, se preferir em outra tradução, levar as nações à penitência. Elias deve, um dia, restabelecer as tribos de Israel, quer dizer, devolver o lugar de honra a que elas têm direito na Igreja de Deus.

A unanimidade dos doutores compreendem que esta dupla missão se realizará simultaneamente no fim do mundo. Elias, em particular, é considerado o precursor de Jesus Cristo que vem do céu como juiz; este pensamento salta manifestamente dos Evangelhos (Mt 17; Mc 9).

Então, os homens verão um dia, e não sem espanto, Henoc e Elias reaparecerem no meio deles e pregarem penitência com extraordinário brilho. São João os chama as duas testemunhas de Deus, e assim os descreve no seu Apocalipse (11, 3-7): 'Eles profetizarão durante 1.260 dias, revestidos de saco.São as duas oliveiras e os dois candelabros postos diante do Senhor da terra.'

'Se alguém lhes quiser fazer mal, sairá fogo de suas bocas que devorará os seus inimigos; e se alguém os quiser ofender, é assim que deve morrer.Eles têm o poder de fechar o céu para que não chova durante o tempo que durar sua profecia; e têm poder sobre as águas, para as converter em sangue e de ferir a terra com todo o gênero de pragas, todas as vezes que quiserem'.

Quem não reconhece neste retrato o Elias do Antigo Testamento, fechando o céu durante três anos e fazendo descer fogo do céu sobre os soldados que vinham para levá-lo. Os 1.260 dias marcam o tempo da perseguição final, como já fizemos observar. Assim, o aparecimento das testemunhas de Deus coincidirá com a perseguição do Anticristo.

É preciso reconhecer que o socorro trazido pela Igreja será proporcional ao tamanho do perigo.As duas testemunhas de Deus, revestidas das insígnias da mais austera penitência, irão por toda parte, e por toda parte serão invulneráveis; uma nuvem, por assim dizer, os cobrirá e lançará fogo contra quem quer que ouse tocá-los. Terão em suas mãos todos os flagelos para desencadeá-los à vontade sobre toda a terra. Pregarão com uma soberana liberdade em presença do próprio Anticristo. Este tremerá de raiva; e haverá um duelo terrível entre o monstro e os dois missionários de Deus.

(Excertos da obra 'O Drama do Fim dos Tempos, do Pe. R.P. Emmanuel, prior do Mosteiro de Mesnil-Saint-Loup, Ed. Permanência, 2004)

Foi no ano anterior (1884) que o Papa Leão XIII escreveu sua famosa oração de exorcismo pela intercessão de São Miguel Arcanjo, em face de sua profética visão sobre a ação futura do inferno sobre a Santa Igreja)

domingo, 20 de abril de 2014

PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

Páginas do Evangelho - Domingo de Páscoa


Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! A mão direita do Senhor fez maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou. Não morrerei, mas, ao contrário, viverei para cantar as grandes obras do Senhor! Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Eis o grande dia do Senhor, em que a vida venceu a morte, a luz iluminou as trevas, a glória de Deus se impôs aos valores do mundo. Jesus veio para fazer novas todas as coisas, abrir o caminho para o Céu, eternizar a glória de Deus na alma humana. Cristo Ressuscitado é a razão suprema de nossa fé, penhor maior de nossa esperança, causa de nossa alegria, plenitude do amor humano. Como filhos da redenção de Cristo, cantamos jubilosos a Páscoa da Ressurreição: 'Tende confiança! Eu venci o mundo' (Jo 16, 33).

O Triunfo de Cristo é o nosso triunfo pois o o Homem Novo tomou o lugar do homem do pecado. Mortos para o mundo, tornamo-nos herdeiros da ressurreição da nova vida em Deus: 'Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 1-3).

Entremos com Pedro no sepulcro agora vazio de Jesus: 'Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte' (Jo 20, 6 -7). Este sepulcro vazio é a morte do pecado, a vitória da vida sobre a morte: ' Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?' (1 Cor 15, 55). Jesus ressuscitou! Bendito é o Senhor dos Exércitos que, com a sua Ressurreição, derrotou o mundo e nos fez herdeiros do Céu! Este é o dia da alegria suprema, do triunfo da vida, do gáudio eterno dos justos. Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! 

Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!

sábado, 19 de abril de 2014

SÁBADO SANTO


Vamos nos juntar à devoção com que Maria, o discípulo amado, Maria Madalena e as santas mulheres recolheram, em seus braços, o corpo de Jesus descido da cruz por José de Arimateia e Nicodemos. Com que ternura e amor Maria considera todas as suas chagas, olha todo o seu corpo dilacerado, beija todas as suas feridas! E o discípulo amado, como se projeta sobre aquele peito em que havia repousado a cabeça na noite anterior! Como O beija e se acende de vontade de se enterrar naquele peito aberto! E Madalena, como abraça os sagrados pés sagrados, de quem recebera o perdão; como os lava com as suas lágrimas e os enxuga com os seus cabelos! Entremos nos piedosos sentimentos dessas almas santas.

PRIMEIRO PONTO - O QUE NOS ENSINA O ENTERRO DE NOSSO SENHOR

Este mistério nos ensina primeiro COMO DEVEMOS COMUNGAR. Depois que o adorável corpo foi deposto da cruz, Nicodemos trouxe cem libras de um perfume precioso, composto de mirra e aloés, para embalsamá-lo. José de Arimateia ofereceu-se para envolvê-lo em linho branco e para levar o corpo até um um sepulcro novo, talhado na rocha, que ainda não tinha sido utilizado; depois, a entrada do túmulo foi fechada por uma pedra, ficando sob a guarda da autoridade pública e a custódia de soldados. 

QUANDO O CORPO DE NOSSO SENHOR CHEGA ATÉ NÓS NA SAGRADA COMUNHÃO, DEVEMOS TAMBÉM ENVOLVÊ-LO COM O PERFUME DAS SANTAS INTENÇÕES, COM O PERFUME DAS BOAS OBRAS, COM A APRESENTAÇÃO DE UM CORAÇÃO PURO DA INOCÊNCIA, FIGURADA NAQUELE LINHO SEM MANCHA; COM UMA RÍGIDA DETERMINAÇÃO DE FAZER O BEM TAL QUAL A PEDRA DO SEPULCRO; UMA CONSCIÊNCIA INTEIRAMENTE RENOVADA PELA PENITÊNCIA; E, DEPOIS DA COMUNHÃO,  DEVEMOS CERRAR AS PORTAS DO NOSSO CORAÇÃO COM A PEDRA E O SELO DO NOSSO RECOLHIMENTO, FRENTE A MODÉSTIA, MESURAS E ATENÇÃO COM NÓS MESMOS, COMO GUARDAS VIGILANTES PARA IMPEDIR QUE NOS ARREBATEM O TESOURO PRECIOSO QUE ACABAMOS DE RECEBER.

É assim que fazemos? Este mistério nos ensina, em segundo lugar, AS TRÊS PREMISSAS QUE CONSTITUEM A MORTE ESPIRITUAL A QUE ESTÁ CHAMADO TODO CRISTÃO, segundo a doutrina do Apóstolo: 'tomai-vos por mortos, porque mortos estais e vossa vida está escondida com Cristo em Deus'. O primeiro dessas premissas é AMAR A VIDA OCULTA; estar como morto, em relação a todas as coisas que podem ser ditas ou pensadas sobre nós, não buscar nem ver o mundo, nem ser visto por ele. Jesus, na noite do seu sepultamento, dá-nos esta lição. Que o mundo nos esqueça e até nos possa pisar, pouco nos importa. Nós não devemos nos preocupar com isso, mais do que se importa um morto. A felicidade de uma alma cristã é se esconder em Jesus e em Deus. Nossa perversa natureza se compraz em deleitar-se, em querer ser louvado, amado, ser distinguido de reputação e amizades; não lhe façamos caso; quanto mais sensível e extremado sejamos ao apreço dos outros, mais indigno este se torna e maior é a nossa necessidade de privar-nos dele. Que nos livre da reputação, para que em nada nos levem em conta, que nem pensem em nós, que nos olhem com horror. Faça-se, Senhor, Vossa Santa Vontade! 

A segunda premissa da morte espiritual é USAR OS BENS SENSÍVEIS POR NECESSIDADE, SEM DAR-LHES NENHUMA IMPORTÂNCIA; não nos deleitar com a preguiça nem com os prazeres da vida, nem os prazeres da gula, nem a satisfação da curiosidade que quer ver e saber de tudo; estar, em suma, como mortos para os prazeres dos sentidos. Nesta segunda premissa é preciso juntar O ABANDONO DE SI MESMO À DIVINA PROVIDÊNCIA, abandono que, tal como um cadáver, nos deixamos levar, sem argumentar e nem querer ou desejar qualquer coisa, indiferentes a todas as coisas e a todas as ocupações. Quando deixarei de me amar desordenadamente? Quando morrerei em mim para viver somente em Vós?

SEGUNDO PONTO - O QUE NOS ENSINA A DESCIDA DA ALMA DE JESUS AO LIMBO

Este mistério nos ensina, em primeiro lugar, O AMOR DE JESUS AOS HOMENS. Ao deixar o sagrado corpo, sua santa alma poderia ter-se apresentado diante de Deus para descansar ali todas as suas dores; mas o seu amor para os homens O inspirou a descer ao limbo para consolar os Patriarcas e anunciar-lhes que, dentro de quarenta dias, eles O iriam acompanhar ao paraíso. É assim, pois, que o amor de Jesus não tem repouso. Após sua morte, como em sua vida, fez todo o bem possível aos homens. Obrigado, ó Jesus, mil vezes obrigado por este esforço em nos fazer tanto bem. 

Este mistério nos ensina, em segundo lugar, O NOSSO AMOR A JESUS. À vista dessa santa alma, os justos retidos não podem conter o seu júbilo e entoam cânticos de louvor, gratidão e amor, e entregam todos os seus corações ao Deus libertador. Eis aí os nossos modelos: Por que teríamos menos gratidão e amor, uma vez que Jesus morreu por nós e por eles, porque nos ama como amou a eles e, como a eles, nos prometeu seu Paraíso ?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

sexta-feira, 18 de abril de 2014

SEXTA - FEIRA SANTA


Transportemo-nos em espírito ao Calvário; adoremos ali a Jesus cravado na Cruz por nós e, à vista do seu Corpo transformado em uma única chaga, deixemos transbordar a compaixão dos nossos corações, em ato de agradecimento, contrição, amor e devoção.

PRIMEIRO PONTO - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE AMOR 

Contemplemos amorosamente o divino Crucificado desde os pés até à cabeça, desde o menor movimento de seu Coração até às suas mais vivas emoções; tudo nos conduz a amá-lO; todo Ele nos diz: 'Meu Filho, dá-me o teu coração'. Seus braços estendidos nos revelam que Ele nos abraça a todos sem distinção; sua cabeça, que não pode repousar a não ser sobre os espinhos que a mantém suspensa, inclina-se para nos dar o beijo da paz e da reconciliação; seu peito, retalhado pelos golpes, ergue-se sob a cadência de um coração cheio de amor; suas mãos e os seus pés, perfurados pelos cravos; sua visão esmaecida, suas veias exangues, sua boca seca pela sede, todas as chagas, enfim, que cobrem o seu corpo, formam um concerto de vozes a nos dizer: 'Vede o quanto Ele nos ama!' 

AH! SE PENETRÁSSEMOS NESTE CORAÇÃO, O VERÍAMOS TODO OCUPADO EM NOS AMAR A TODOS, PEDINDO MISERICÓRDIA POR NOSSAS INGRATIDÕES, NOSSA FRIEZA E NOSSOS PECADOS; PEDINDO POR NÓS TODOS OS SOCORROS DAS GRAÇAS QUE TEMOS RECEBIDO E RECEBEREMOS; OFERECENDO AO PAI A SUA VIDA POR NÓS, O SEU SANGUE, TODAS AS SUAS DORES INTERNAS E EXTERNAS; ENFIM, CONSUMINDO-SE EM ARDORES INDESCRITÍVEIS DE AMOR, SEM QUE NADA POSSA DISTRAÍ-LO .

Ó amor! Seria demasiado morrer de amor por tanto amor? 'Ó Bom Jesus', direi como São Bernardo, 'nada me enternece tanto, nada me abrasa e incendeia meu coração de vosso amor do que a Vossa Paixão'. É ela que me atrai mais a Vós, é ela que me une a Vós mais estreitamente, é ela que, com mais firmeza, me comove. Ó quanta razão tinha São Francisco de Sales ao afirmar que o Monte Calvário é um monte de amor; que ali, nas chagas de Jesus, que as almas fieis encontram o mais puro amor e, no próprio Céu, depois da bondade divina, é a Vossa Paixão o motivo da maior alegria, o mais doce e o mais poderoso instrumento para sublimar de amor os bem aventurados! E eu, Jesus, diante disso, ó Jesus Crucificado, poderia ter outra vida que não Vos amar?

SEGUNDO PONTO - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE CONVERSÃO 

PARA PROVAR A JESUS CRUCIFICADO QUE EU O AMO VERDADEIRAMENTE, É PRECISO QUE EU ME CONVERTA, QUE EU DEIXE MORRER, AOS PÉS DA CRUZ, TUDO QUE AINDA EXISTE DO MUNDO EM MIM, todas as minhas negligências e todas as minhas tibiezas, todo o meu amor próprio e meu orgulho; todas as minhas futilidades, desejos de gozos e prazeres, tão grandes inimigos do despojamento e da mortificação; a sensibilidade que, de tudo, se ressente; o espírito de crítica e de maledicência, que de tudo murmura; a tibieza, a dissipação e o espírito errante, que não quer refletir em recolhimento; a intemperança da língua, que fala de tudo que está no nosso interior; enfim, de tudo aquilo que é incompatível com o amor que nos pede Jesus Crucificado. 

Há que se substituir todas estas más inclinações pelas sólidas virtudes que a Cruz nos ensina: a humildade, a mansidão, a caridade, a paciência, o despojamento. Jesus nos pede tudo isso, por todas as suas chagas, por tantos outros modos. Podemos recusar? Poderia eu conservar meus apegos, quando O vejo desnudo na Cruz? Desta nudez não poderia eu me vestir, fazer minha veste dos seus opróbrios, minha riqueza de sua pobreza, minha glória de sua vertigem, minha alegria dos seus sofrimentos?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

ORAÇÃO DO CALVÁRIO


Dai-me, Senhor, a Vossa angústia no Monte das Oliveiras, para que eu me surpreenda com o Vosso horror ao pecado;

Dai-me, Senhor, o Vosso suor de sangue para que eu possa apagar o fogo das minhas inquietudes;

Dai-me, Senhor, as marcas dos Vossos flagelos, para que eu possa curar-me das feridas da vaidade;

Dai-me, Senhor, a dor lancinante dos espinhos que perfuraram a Vossa fronte para que possa aliviar os Vossos filhos que sofrem;

Dai-me, Senhor, a Vossa agonia na subida do Calvário para que eu seja capaz de abrir caminhos nas marcas de Vossas sandálias;

Dai-me, Senhor, o desfalecimento das Vossas quedas para que eu possa erguer da terra com mais perseverança;

Dai-me, senhor, o peso do madeiro que vergaste Vossos braços no Calvário, para que eu me desfaleça diante da minha miséria;

Dai-me, Senhor, a rigidez dos pregos cortando Vossos membros, para que eu tenha a ternura dos que constroem a paz;

Dai-me, Senhor, o assombro de Vossos espasmos para que a sombra do orgulho não acompanhe os meus passos;

Dai-me, Senhor, a Vossa sede atroz para que eu possa saciar a muitos com o refrigério da esperança;

Dai-me, Senhor, a Vossa compaixão diante dos Vossos algozes, para que eu saiba amar sem medida alguma;

Dai-me, Senhor, o Vosso peito aberto à lança que mata, para que eu defenda a vida ainda que no ventre;

Dai-me, Senhor, a água que brota do Vosso coração dilacerado para que eu possa lavar todas as minhas faltas;

Dai-me, Senhor, a Vossa Cruz bendita para que um dia, diante de Vós, eu não chegue de mãos vazias...


(Arcos de Pilares)