sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

POEMAS PARA REZAR (LII)


O MEU CANTO DE HOJE

A minha vida é um só instante, uma hora passageira.
A minha vida é um só dia que me escapa e me foge.
Vós sabeis, ó meu Deus! Para amar-vos na terra,
só tenho o dia de hoje!

 Eu vos amo Jesus! A minha alma suspira por Vós!
Sede por um só dia o meu doce apoio.
Vinde reinar no meu coração, dai-me o vosso sorriso,
somente por hoje!

Que me importa, Senhor, se o futuro é sombrio?
Nada vos posso pedir, ó não, para amanhã!
Conservai-me o coração puro, envolvei-me com a vossa sombra,
somente por hoje.

Se penso em amanhã, temo a minha inconstância.
Sinto nascer em mim a tristeza e o desgosto.
Mas aceito, ó meu Deus, a prova e os sofrimentos
somente por hoje.

Quero vos ver em breve nas margens eternas,
ó meu Divino Pastor! Vossa mão me conduz!
Nas ondas impetuosas, guia em paz a minha barca,
somente por hoje.

Ah! Deixai-me, Senhor, esconder-me na vossa Face!
Lá já não ouvirei o ruído vão do mundo.
Dai-me o vosso amor e conservai-me na vossa graça,
somente por hoje.

Junto do vosso Coração divino, esqueço tudo o que passa.
Já não receio os temores da noite.
Ah! Dai-me, Jesus, um lugar nesse vosso Coração,
somente por hoje.

Pão vivo, Pão do Céu, Divina Eucaristia,
ó Mistério sagrado que o Amor produziu...
vinde habitar no meu coração, Jesus, Hóstia viva,
somente por hoje.

Dignai-vos unir-me a Vós, vinha santa e sagrada,
e a minha frágil semente vai tornar-se planta fértil  
e, assim, poderei oferecer-vos um fruto dourado,
Senhor, desde hoje.

Este fruto de amor, cujas sementes são as almas,
para o madurar só tenho este dia que foge...
Ah! dai-me, Jesus, o ardor de um Apóstolo
somente por hoje.

Ó Virgem Imaculada! Vós sois a doce estrela
que me dais Jesus e me unis a Ele.
Ó Mãe! Deixai-me repousar sob o vosso manto
somente por hoje.

Santo Anjo da Guarda, envolvei-me com as vossas asas.
Iluminai com a vossa luz o caminho que eu sigo.
Vinde guiar os meus passos... socorrei-me pois vos chamo,
somente por hoje.

Senhor, eu quero estar convosco, sem véus, sem nuvens,
Mas ainda estou exilada, longe de Vós, e me desfaleço.
Que a vossa Sagrada Face permaneça de mim escondida,
somente por hoje.

Voarei em breve para cantar os vossos louvores,
quando o dia sem ocaso brilhar sobre a minha alma.
Então eu cantarei com a lira dos Anjos,
O Eterno Hoje!

(Santa Teresinha do Menino Jesus)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

28 DE DEZEMBRO - SANTOS INOCENTES


Santos Inocentes de Deus,
almas cristalinas,
pousai vossos ternos anelos
nas sombras das colinas;
não inquieteis com vosso pranto
as feras sibilinas,
fitai o esgar dos carrascos
com doces retinas;
que a vida que foge breve,
em adagas repentinas,
renasça em eternos louvores
nas glórias divinas.
(Arcos de Pilares)

Santos Inocentes de Deus, rogai por nós! 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

ORAÇÃO À SANTÍSSIMA TRINDADE


Ó meu Deus, Trindade que adoro, fazei com que eu me esqueça totalmente de mim, para me fixar em Vós, imóvel e pacífica, como se a minha alma já estivesse na eternidade. Que nada perturbe a minha paz, nem me leve a abandonar-vos, ó Imutável Deus, mas que, em cada momento, possa penetrar cada vez mais na profundidade do vosso mistério. Pacificai a minha alma, fazei dela o vosso céu, a vossa morada e o lugar de vosso repouso. Fazei que nunca vos deixe só, que esteja totalmente atenta a Vós, sustentada pela minha fé e em adoração perfeita, totalmente entregue à vossa ação criadora.

Ó meu amado Jesus, crucificado por amor, como eu gostaria de ser a esposa do vosso Coração! Encher-vos de glória e amar-vos até morrer de amor! Diante a minha incapacidade, vos peço que me 'revistais de Vós mesmo', para identificar a minha alma com todos os movimentos da vossa, para mergulhar, preencher e transformar-me em Vós, a fim de que a minha vida não seja senão uma irradiação da vossa vida. Vinde a mim como Adorador, Reparador e Salvador.

Ó Verbo eterno, Palavra do meu Deus, quero passar a minha vida a vos ouvir. Quero ser totalmente dócil aos vossos ensinamentos, a fim de aprender tudo de Vós. E no meio da noite, do nada, da incapacidade, quero sempre fixar-me em Vós e permanecer sob a vossa luz admirável. Ó sol amado, fascinai-me para que nunca mais me separe da vossa luz. 

Ó Fogo consumidor, Espírito de amor, vinde a mim, para que se faça na minha alma como que uma encarnação do Verbo: que eu seja para Ele uma humanidade na qual renove todo o seu Mistério. E Vós, ó Pai, inclinai-vos para esta vossa pobre e pequena criatura e revesti-me com a vossa sombra, e não vejais nela senão o Bem Amado no qual pusestes todas as vossas complacências.

Ó Trindade Santa, meu tudo, minha beatitude, projeção infinita, imensidade que me domina, entrego-me a Vós como único refúgio. Consumai-vos em mim para que eu me consuma totalmente em Vós, na esperança de um dia contemplar na vossa luz a imensidão das vossas grandezas.

(Santa Isabel da Trindade)

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

O DOM DA FORTALEZA

O dom de ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e o grande número daqueles que sucumbem basta para nos convencer da necessidade de sermos ajudados. O socorro que o divino Espírito nos comunica é o dom da fortaleza pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para que possamos triunfar sobre tudo o que possa deter nossa marcha. Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. 

O Espírito Santo nos dá então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino como princípio de energia. Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidade ou da audácia. Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificado pelo Espírito Santo certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigirá a impetuosidade. Duas necessidades encontram-se na vida do cristão: a de saber resistir e a de saber suportar. Quem poderia se opor às tentações de satanás se a Fortaleza do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer o seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões? Qual não deve ser a assistência do divino Espírito, quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta? As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo.

É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que força divina não é preciso para 'odiar até a sua própria vida', quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis? O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama em nós, desde que não o desprezamos, desde que não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzir por guias cegos, a não ceder a seus instintos, a não ser o que não seria conforme à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o dever de estado ou a posição o reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: 'Se eu fosse agradável aos homens, não seria servidor de Cristo'. Mas o Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numa paz cheia de doçura e de coragem que a leva à vitória sobre as paixões. Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Fortaleza ao cristão, quando este deve exercer resistência. 

Dissemos que este precioso dom traz ainda a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de fortaleza os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Mauricio, chefe da legião tebana, acostumado às lutas do campo de batalha, mas tantos outros, como Santa Felicidade, mãe de sete filhos, como Santa Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Santa Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras; digam se o dom da Fortaleza pode ser estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha tantas vezes? E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, a fim de encontrar Jesus sem reservas e de seguir os seus passos de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz está sempre reinante e é sempre aceita! Que troféus para o Espírito de Fortaleza! Que dedicação ao dever ele pode e sabe produzir! 

Se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a ação do Espírito Santo! É Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de Deus. É esse espírito de fortaleza que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentam o cristão na perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que tornariam a vida um fardo, se não soubesse que são desígnios do Senhor. É Ele, enfim, como lemos na vida dos santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heroicos, onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevar-se à ordem dos espíritos impassíveis e glorificados. Espírito de fortaleza, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno! 

Detei-nos sobre esse declive que nos levaria ao abismo como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade 'a armadura divina que nos colocará em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai aos nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo da fé, contra o qual possamos nos proteger contra as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e, em nossas mãos, a espada espiritual que é a própria palavra de Deus' e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Fortaleza, fazei que em nós assim seja.

(Excertos da obra 'Os Dons do Espírito Santo', de Dom P. Gueranger)

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

FELIZ E SANTO NATAL EM CRISTO!

Desejo a todos os nossos amigos e visitantes um Santo e Feliz Natal! 

IGREJA CATÓLICA: ALMA DO NATAL
(Luís Dufaur)


CÂNTICO DE NATAL


Ó meu Menino Jesus, 
sede a minha esperança!
Que na gruta da vossa Belém 
eu possa renascer também
como uma outra criança!  

Ó meu Menino Jesus,  
sede minha santa alegria!
Que o meu presépio se faça 
banhando minha alma na graça
de uma pobre estrebaria!

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha força e minha fé!
Que a mãe que me vela agora
seja a mesma Nossa Senhora 
da família de Nazaré!

Ó meu Menino Jesus, 
sede farol e minha luz!
Que este Natal de abraços,
se faça caminho de passos
que passam diante da Cruz! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede a alma do meu viver!
Que este Natal me converta
em dom, partilha e oferta
para os que vão renascer!
E em dom, oferta e partilha,
onde ainda hoje não brilha
a luz do vosso nascer! 

Ó meu Menino Jesus, 
sede minha paz e todo bem!
Que eu viva a bem aventurança 
de adorar Deus feito criança
numa gruta de Belém!

(Arcos de Pilares)

domingo, 24 de dezembro de 2023

O NASCIMENTO DE JESUS

Maria sentiu um leve estremecimento no ventre. Estremecimento e não dor. Percebera-o nitidamente em meio ao movimento harmônico do trote do burrico pela estrada poeirenta. No recolhimento de sua oração profunda, sua mão busca tocar levemente o ventre como uma resposta imediata da Mãe ao sinal enviado pelo Filho: a longa preparação do Tempo dos Profetas há de ser realidade em breve naquele tempo da história e Deus feito homem vai nascer no mundo. É o primeiro sinal. Suave estremecimento, perceptível apenas por Maria, naquele momento da longa travessia que perpassa agora os campos abertos que levam mais adiante à Belém de todas as profecias.

José, puxando o burrico, olha para trás e se preocupa. O vento começa a soprar mais forte e mais frio e a jornada agora é mais lenta e penosa, nos declives mais acentuados da estrada que serpenteia pelo vale e pelos contrafortes de formações rochosas. E há muitas pessoas e alarido em torno deles. De tempos em tempos, são obrigados a parar e dar passagem a outros viajantes em marcha mais apressada ou para superarem com extremo cuidado os trechos mais íngremes. Quase todos os peregrinos têm o mesmo destino e o mesmo objetivo: apresentarem-se às autoridades em Belém e cumprirem as normas do novo recenseamento imposto pelas autoridades romanas. 

Em meio a um acontecimento regional e específico da história humana, está prestes a ocorrer o mais extraordinário evento da humanidade. Em meio ao burburinho e à agitação de toda aquela gente, Maria recebeu o primeiro sinal da manifestação da vinda do Messias prometido. Um murmúrio de humanidade no sagrado ventre consubstancia em definitivo o Mistério da Anunciação. Um leve estremecimento acaba de prenunciar o nascimento de Deus. 


As ruas estreitas se consomem de tanta gente. Há um cenário de mercado livre por toda a Belém daqueles dias. Eles acabaram de cumprir os registros formais do recenseamento e agora buscam ansiosamente uma pousada para o pernoite. Não é apenas o albergue principal da cidade que está com a lotação esgotada; as casas se transformaram em emaranhados de pessoas e utensílios, num entra e sai sem fim de gente ruidosa e apressada. Há o burburinho comum das crianças e o festim grotesco das ofertas gritadas e dos negócios de ocasião. No vaivém das ruas apinhadas e confusas, Maria e José buscam refúgio fora da cidade, além das casas mais ermas e mais afastadas. Aqui e ali ainda se veem acampamentos rústicos, improvisados, à guisa de refúgio de grupos mais ou menos numerosos. Além, mais além, as formações calcárias formam reintrâncias e cavernas, que muitas vezes são utilizadas como estrebarias pelos mercadores das grandes rotas até Jerusalém.

José leva o burrico na direção destas cavernas. Ele não sente no rosto o vento frio da tarde que se desvanece, nem o cansaço da longa jornada. Seu pensamento é todo, totalmente por Maria. A preocupação em encontrar um lugar digno para ela o consome por completo. A ânsia de dar descanso e refúgio a Maria tolhe todos os seus sentidos e atividades. A dimensão do mistério insondável o atordoa e o aniquila: a humanidade de José sente o peso incomensurável dos desígnios da Providência.

Passa adiante da primeira entrada, que não passa de um buraco estreito e irregular na rocha. A seguinte é pouco melhor do que isso. As demais mostram-se maiores e limpas, mas já estão todas ocupadas. As pessoas amontoam-se nos espaços exíguos em silêncio, homens na sua grande maioria, cercados por animais, feno e capim. São estrebarias que agora acomodam pessoas. José se inquieta ainda mais. Não há possibilidade aparente de privacidade para o nascimento de Jesus, não há lugar nenhum para um abrigo ainda que provisório. 

Avançado o paredão rochoso, José agora se depara com um cinturão de amendoeiras que margeiam o caminho adiante, que se abre, então, para campos e vales ao longe. Bem distante, na encosta suave do outro lado do vale, consegue divisar um pastor empurrando o seu rebanho. Nesse momento, sente os ombros dolorosamente pesados e seu andar vacilante. Seu olhar havia percorrido cada entrada rochosa e cada rosto humano em busca de recepção e de um gesto de boa vontade. E nada. Agora volve o seu olhar para Maria, como que pedindo perdão pela sua incapacidade e incerteza daquele momento. A humanidade inteira geme as suas ânsias pelo olhar desconsolado de José. 

Ao passar pela terceira gruta, Maria sentiu, como uma vibração percorrendo todo o seu corpo, o sopro do Espírito de Deus. Desde o primeiro sinal, recolhera-se, ainda com maior devoção, à oração de dar glórias ao Pai pelo que estava prestes a acontecer. Como serva da Anunciação, era agora a mesma serva como Mãe de Deus. E, nesse momento, pressentira o segundo sinal. A Divina Promessa iria dispensar a Redenção em breve à humanidade pecadora. Ao olhar para José, compreendendo a sua aflição e seu desapontamento, fitou-o com os olhos da perseverança e da fé inquebrantáveis e o brilho deste olhar emanava a própria luz de Deus.

Diante do olhar de Maria, a humanidade de José se detém e suas dúvidas se dissipam. Então, ele avança mais vinte, mais cinquenta metros, contorna as árvores e avista a gruta que emerge da continuação do maciço rochoso à esquerda. É e será sempre a visão do paraíso. Não é exatamente uma gruta, mas uma escavação que avança em profundidade na rocha e é protegida por uma murada frontal de pedras mal alinhadas, trançadas com restos de vigas de madeira, espalhados em desordenada profusão, que fecham de maneira irregular a entrada do lugar, protegendo-o dos ventos e das intempéries. Escondida, erma, isolada, bendita seja a gruta de Belém! 

Ela está suja, úmida, mal cuidada, mas não de todo desconhecida ou abandonada, porque um boi ali se encontra, com bastante feno e água. Há sujeira e palha solta em todos os lugares. Num canto, um arranjo de pedras enegrecidas indica o lugar de costume de se acender o fogo. Aliviado e feliz, José se consome nos arranjos práticos do refúgio improvisado. Ajuda Maria a entrar na gruta e se apressa a alimentá-la e a acomodá-la o melhor possível; dá feno e água ao burrico que é levado para junto do boi, monta um tablado de feno no chão, dispondo cuidadosamente os fardos; com paus e pedras, faz um arremedo de cercado em torno de Maria e o cobre com a sua manta grossa de viagem; empilha num canto os troncos e os pedaços de madeira espalhados; limpa as pedras e o chão com feixes de palhas e, com gravetos e pedaços de madeira seca, acende o fogo. A pequena luz se espalha pela escondida, erma, isolada, bendita gruta de Belém! 


O silêncio da gruta é quebrado apenas pelo crepitar das últimas chamas. O fogo aqueceu o espaço limitado e agora existe mais penumbra do que claridade. O fogo emoldura em repentes luminosos o rosto de José enquanto, pelas aberturas das muradas de pedras, o luar desenha feixes de luzes prateadas que cortam a escuridão que envolve toda a gruta. De repente, Maria põe-se de joelhos em contrita oração. Prostra-se com o rosto no chão e José percebe, apesar de toda a escuridão, o que está para acontecer. Coloca-se também de joelhos, também em fervorosa oração, louvando a Deus por ser testemunha e personagem de mistério tão extraordinário. Em muda expectativa, contempla o perfil de Maria apenas esboçado na escuridão da gruta.

A princípio, supõe ver os feixes de luar convergirem para o rosto de Maria ou auréolas de luz provenientes do fogo a envolverem completamente. Mas sabe que é muito mais que isso: uma luz, de claridade e brilho espantosos, nasce, emana e flui dela, enchendo a gruta de uma tal iridescência, que todas as coisas perdem a forma, o volume e a natureza material. Maria não se transfigura em luz, ela é a própria luz! O rosto de Maria é luz, as vestes de Maria são luz, as mãos de Maria são luz. Mas não é uma luz deste mundo, nem o brilho do cristal mais polido, nem o resplendor do diamante mais lapidado, nem a etérea luminosidade dos átomos em fissão; tudo isso seria uma mera pátina de luz. Maria torna-se um espelho do próprio Deus, da qual emana a luz do Céu!

José se transfigura neste redemoinho de luz sem ser a luz. Seus olhos puderam contemplar o terceiro e definitivo sinal da Natividade de Deus. E trêmulo, mudo, pasmado, contempla o recém-nascido acolhido entre os braços de Maria, recebendo o primeiro carinho e o primeiro beijo da Mãe Imaculada. Pressuroso e em êxtase, prepara a humilde manjedoura, o primeiro altar de Jesus na terra. O Filho do Deus Vivo já habita entre nós!

(Adaptação livre do autor do blog sobre os eventos prévios ao nascimento de Jesus) 

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Ó Senhor, eu cantarei eternamente o vosso amor!' (Sl 88)

Primeira Leitura (2Sm 7,1-5.8-12.14.16) - Segunda Leitura (Rm 16,25-27)  -  Evangelho (Lc 1,26-38)

 24/12/2023 - Quarto Domingo do Advento 

4. A ANUNCIAÇÃO


'Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!' (Lc 1, 28). A saudação do Anjo Gabriel é dirigida àquela que levou à perfeição nesta terra o amor de Deus. Cheia de graça Maria está desde a sua concepção, cheia de graça Maria passou cada momento de sua vida, cheia de graça Maria praticou cada ação ou pensamento nesta terra. Cheia de graça está, portanto, Maria diante a saudação do Anjo, como templo de santidade e da ciência infusa de todas as virtudes, dons e graças possíveis e imagináveis à natureza humana.

E Maria de todas as graças perturbou-se. As revelações do Anjo, provavelmente muito mais detalhadas que as palavras transcritas nos textos bíblicos, colocava Maria no centro de todas as profecias messiânicas que ela tanto conhecia e em nome das quais tantas orações e súplicas já teria feito a Deus. Num relance, percebeu a extraordinária manifestação daquela revelação angélica, que descortinava séculos de profecias, que inseria naquele lugar e naquele tempo a Natividade de Deus, que a tornava a co-redentora da humanidade, a bendita entre todas as mulheres, a Mãe de Deus: 'Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi' (Lc 1, 31 - 32).

E Maria de todas as graças perturbou-se. Diante do extraordinário mistério da graça e dos desígnios extremos da Providência, a Virgem de toda pureza e castidade e obra prima do Espírito Santo, se inquieta: 'Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?' (Lc 1, 34). A virgindade de Maria é o relicário de Deus. No imaculado corpo de Maria, o Espírito de Deus há de projetar a sua luz, cuja sombra faz nascer o Verbo encarnado. E o Anjo, mensageiro das coisas impossíveis e triviais para Deus, revela ainda a Maria a graça da gravidez tardia de Isabel, no 'sexto mês daquela que era considerada estéril' (Lc 1, 36).

E a Virgem de Nazaré, antes de ser a Mãe, oferece-se como serva e escrava do seu Senhor e do seu Deus: 'Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!' (Lc 1, 38). O Céu e a terra, as miríades dos anjos e dos homens de todos os tempos, hão de bendizer e louvar a glória daquele dia e a consumação daquele 'Fiat!' Sim, porque naquele momento, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus Verdadeiro de Deus Verdadeiro se fez, então, carne na carne de Maria e se fez carne a Nossa Salvação.