terça-feira, 11 de julho de 2023

AS TRÊS VIDAS DE UM HOMEM COMUM


O católico comum - o comum dos homens que vive neste mundo com o firme propósito de viver a sua vida como criatura de Deus e que, por muitas e variadas vezes, se esquece disso - tem três vidas. Três vidas de dimensões e naturezas absolutamente distintas e incomuns. Três vidas.

A primeira vida deste homem comum é a sua história neste mundo. Uma vida feita comumente pela fuligem do tempo de algumas e poucas décadas. De idas e vindas e, sobretudo, de tropeços e atalhos. Uma vida moldada pelos sentidos e pelos sentimentos e quase sempre muitíssimo incompleta, vacilante e firmada em valores condicionalmente divinos e incondicionalmente humanos.

A segunda vida é fruto da primeira quando tangida pela misericórdia de Deus. É uma vida inteira movida pela provação e pela certeza. Não há mais a incerteza e a insensatez da primeira vida. Definitivamente não. Não há mais proveito da graça do livre arbítrio e nem os frutos das boas intenções ou das boas obras. Há apenas o sustento do dano a ser reparado que não tem mais uma magnitude do tempo. Parece ser sempre nunca, mas se tem a certeza de que termina um dia. Na primeira vida, é quase livre pensamento de que este seria um tempo de curta duração; na segunda vida, vive-se um tempo que pode ter a dimensão de um limiar ou ultrapassar em muito os limites da vida humana. Em um ou outro caso - em quaisquer casos - sempre vai ter a duração além de uma ou de muitas outras primeiras vidas. 

A terceira vida é eterna. Indescritível por palavras humanas por não ser humana. Apenas visível e sem contratempos de tempo, lugar ou circunstâncias. Eternamente divina. 

Os santos e os réprobos não têm a segunda vida. Os santos porque a temeram em cada instante de suas primeiras vidas. Os réprobos não a têm porque gastaram uma vida inteira neste mundo buscando perder a Deus no tempo e na eternidade. E terão, por isso e tão somente, uma morte eterna.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

FRASES DE SENDARIUM (III)

 

'Nada nos assemelha mais a Deus
que o estar sempre dispostos a perdoar'

(São João Crisóstomo)


Sabe onde podem ficar retidas todas as nossas amarguras?
Nas muralhas gigantescas de um simples gesto de perdão...

domingo, 9 de julho de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

   

'Bendirei eternamente vosso nome, ó Senhor!(Sl 144)

Primeira Leitura (Zc 9,9-10) - Segunda Leitura (Rm 8,9.11-13)  -  Evangelho (Mt 11,25-30)

 09/07/2023 - Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum

33. AOS MANSOS E HUMILDES DE CORAÇÃO


Deus prometeu as alegrias eternas aos que são mansos e humildes de coração: 'Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Estes serão chamados realmente de Filhos de Deus: 'Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus' (Mt 5,9). Eis a virtude da excelência cristã, chamada Virtude do Cordeiro - a amada virtude de Jesus Cristo. Porque, como um cordeiro sem ira e sem queixa alguma, Ele suportou as dores de Sua Paixão e Crucificação, como exemplo a ser seguido. Bem aventurados os que se submetem pacificamente a todas as cruzes, infortúnios, perseguições e injúrias desta vida!

São estes os chamados 'pequeninos' por Jesus, diante os 'sábios' e 'entendidos' do mundo. O entendimento e a sabedoria, o estudo e a cultura geral, são valores essencialmente bons e agradáveis a Deus, desde que não se transformem em orgulho humano e em pilares da soberba científica. Entendimento e sabedoria são frutos da graça divina, dadas ao homem para a ascensão ao encontro da glória de Deus, e não como compartimentos ou domínios fechados da jactância humana. Deus fecha a estes o caminho das grandes revelações sobrenaturais.

Jesus chama a todos, para a conversão perfeita dos humildes de coração: 'Vinde a mim, todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso' (Mt 11, 28). Chama todos a Ele, todos os que estão curvados pelas cruzes do mundo, pelos infortúnios da vida, pelo peso do pecado. As instabilidades e as misérias da vida quebrantam a nossa fé e fazem oscilar a nossa vocação cristã em meio às vertigens do mundo; a Cruz de Cristo é a luz que nos permite emergir da escuridão e das trevas do pecado.

Humildade e mansidão são os frutos da fé e da generosidade despojada daqueles que seguem a Jesus: 'Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). O caminho da santificação é talhado pela prática destas virtudes e, por meio delas, encontraremos o descanso, a paz e as alegrias eternas, como pequeninos acolhidos às graças do Senhor: 'o meu jugo é suave e o meu fardo é leve' (Mt 11, 30).

sábado, 8 de julho de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (VIII/Final)

      

Et tunc parebit signum Filii hominis in cælo et tunc plangent omnes tribus terræ et videbunt Filium hominis venientem in nubibus cæli cum virtute multa et majestate

Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade' (Mt 24,30)

Segunda Parte

Esta conclusão não é minha, mas de Jesus Cristo, como Ele próprio nos diz claramente no Evangelho de São Mateus. Porque, depois de falar da incerteza do último dia e de dizer que nenhum homem ou anjo não sabe nada sobre ele, acrescenta: 'Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor'¹¹. Estai preparados como um pai de família que espera a entrada de um ladrão e não sabe quando ele virá. 'Vigiai, pois' - diz Ele, depois de ter predito os sinais que o precedem, 'porque não sabeis quando virá o senhor da casa: à tarde, ou à meia-noite, ou ao cantar do galo, ou de manhã e para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo'¹². E para que não se pense que esta advertência se destinava apenas aos discípulos, acrescenta as seguintes palavras: 'E o que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai'¹³; preparai-vos para a Minha vinda; fazei penitência pelos vossos pecados; ordenai as vossas vidas de modo que, quando o Juiz vier, vos encontre em estado de graça santificante; caso contrário, o fogo que consumir os vossos corpos será apenas um prelúdio das chamas eternas do inferno.

Mas, pensais, em que isso nos diz respeito? Só interessa àqueles que estarão no mundo depois de os sinais terem desaparecido; não há, portanto, receio de vivermos até ao último dia. Mas, meus caros irmãos, quem é que nos disse isso? Alguém pode apresentar um documento que o ateste? A maior parte dos presságios que anunciam o fim do mundo já não foram vistos? Não estão ainda para ser vistos? 'Levantar-se-á nação contra nação' - diz Nosso Senhor, falando dos sinais do julgamento final - 'e reino contra reino'. Não nos mostrou já a triste experiência a verdade desta profecia, e não a vemos ainda verificada? 'E haverá grandes terremotos em vários lugares, e pestes, fomes, e terrores no céu, e haverá grandes sinais'¹⁴. Não já os vê no mundo? 'E, por se ter multiplicado a iniquidade, a caridade de muitos esfriará'¹⁵. Infelizmente não é isto demasiado verdadeiro nos nossos dias para muitos católicos incluídos no povo escolhido por Deus? Onde encontramos agora alguma caraterística dos primeiros cristãos que tinham um só coração e uma só alma? O próprio nome deles era suficiente entre os pagãos para absolvê-los de qualquer suspeita de crime. O orgulho, a vaidade, a avareza, a traição, a injustiça, a intemperança, a impureza, não atingiram o seu mais alto grau? Não se iniciou já o desmembramento do Império Romano, que é um dos sinais mais próximos da aproximação do fim do mundo? Que mais esperamos? A vinda do Anticristo? Mas, tanto quanto sabemos, ele já pode estar no mundo. O seu reinado e a sua perseguição aos cristãos durarão três anos e meio; não sabemos quanto tempo haverá de intervalo entre isso e o último dia e, portanto, é perfeitamente possível que alguns de nós vejam o fim do mundo.

Mas, seja como for, talvez não vivamos até o último dia. Estar sempre preparado para esse dia significa aproveitar os sinais de alerta, a fim de estar pronto para resistir às tentações e perseguições com que o Anticristo tentará perverter a humanidade. Mas, ainda que não corramos perigo da parte dele, e que o mundo dure mais mil anos, convém que cada um de nós esteja sempre em guarda e se prepare com todo o cuidado, para que tudo nos seja favorável no juízo final. Escutai o que diz Santo Agostinho: 'Qualquer que seja o estado em que cada um se encontre no fim da vida, também nesse estado o encontrará o último dia do mundo'¹⁶; porque, assim como o homem morre, assim será julgado no último dia. Se eu morrer em estado de graça, não preciso temer o julgamento mas sim me alegrar com ele; o reino dos céus, a sociedade dos eleitos estará certamente aberta para mim. Se eu morrer no estado de pecado, não tenho nada de bom para esperar no último dia, e o fogo do inferno entre os réprobos é e será o meu destino para sempre. Portanto, o julgamento que me espera no último dia depende da minha morte e do último dia da minha vida; assim, como devo estar sempre preparado para esse dia, assim também devo estar sempre pronto para a hora da morte. Ora, quem me poderá dizer quando chegará essa hora ou onde ela me encontrará? Só Deus o sabe; de modo algum devo esperar que um mensageiro seja enviado para me avisar. Não sei se será depois de dez ou vinte anos, hoje ou amanhã, ou mesmo nesta mesma hora em que vos prego. Uma coisa eu sei, e é isso o que o Senhor me avisou e a todos os homens: 'Por isso, estai vós também preparados, porque não sabeis a que hora virá o Filho do Homem'¹⁷. Na hora em que não estiverdes a pensar nisso, a morte virá e levar-vos-á para fora deste mundo, perante o tribunal de Deus, para o julgamento particular e a sentença que receberdes então, e nenhuma outra, será a que ouvireis no julgamento final.

Portanto, meus queridos irmãos, a conclusão é evidente; cada um de nós que valoriza a sua alma e a sua salvação deve e precisa estar pronto para a vinda do Juiz. E digo 'estar pronto', porque será demasiado tarde para começar a preparar-se quando o Juiz bater à porta; e então será para sempre demasiado tarde. 'Vigiai, pois' - digo eu, ou melhor, diz Nosso Senhor - 'porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor'. E como não podeis sabê-lo, ficai sempre de guarda; conservai-vos na amizade de Deus; que ninguém se atreva a permanecer um quarto de hora sequer em inimizade com Ele, no estado de pecado mortal; porque talvez durante esse quarto de hora a morte venha inesperadamente e vos apresse para o tribunal. 'Se o dono da casa soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada'¹⁸ e tomaria medidas para evitar que os seus bens fossem roubados. E, se soubéssemos a hora da nossa morte, será que algum de nós seria tão imprudente a ponto de não se arrepender antecipadamente dos seus pecados e de se reconciliar com Deus? Mas, como não sabemos essa hora e como qualquer hora pode ser a nossa última, devemos estar sempre atentos a esse importante ofício e estar prontos para a longa jornada para a eternidade.

Tende sempre presente na vossa mente a incerteza da hora da morte, na qual tereis de comparecer perante Deus para serdes rigorosamente julgados por Ele. Pois as vidas imprudentes que tantos cristãos levam podem ser atribuídas ao esquecimento do último fim, e temos a autoridade do Espírito Santo para isso: 'Lembra-te do teu último fim e nunca pecarás'¹⁹. Ouçam a estratégia astuta, mas muito santa, empregada por um certo sacerdote que era muito hábil na arte de converter almas. Um homem velho em idade e maldade veio até ele para se confessar, e contou-lhe uma longa história de iniquidade; o padre, percebendo que tinha um caso difícil para lidar, impôs-lhe como penitência um jejum de um ou dois dias. O homem exclamou: 'não posso jejuar; pois dá-me tonturas!' 'Então' - disse o sacerdote - 'use um cilício'. 'Um cilício, o que é isso?' - perguntou o homem. 'É um cinto feito de uma corda grossa que se usa no corpo junto à pele como penitência', respondeu o padre. 'Padre' - disse o homem - 'estou demasiado velho e fraco para usar uma coisa dessas!' 'Está bem, então queres experimentar uma mortificação maior e açoitar-te algumas vezes por semana?' - 'Não, isso é ainda pior para um pobre velho como eu! Por favor, me dê uma penitência mais leve'. O padre condescendeu: 'Vá e reze o terço uma vez por dia, de joelhos' - 'Não posso fazer isso porque não consigo ficar de joelhos'. 'Pois bem, já que nenhuma dessas penitências lhe convém, tudo o que lhe imponho é que se coloque diante do espelho todas as manhãs quando se levantar e todas as noites antes de se deitar, e aí acaricie a sua longa barba com a mão durante algum tempo'. O velho achou graça em tal penitência, mas aceitou-a de bom grado porque lhe parecia leve. Depois de ter acariciado a barba durante alguns dias da forma prescrita, observou que o seu cabelo estava a ficar grisalho, e era precisamente isso que o padre queria. 'Eis que o inverno já chegou para mim' - pensou o homem - 'e estou a aproximar-me da sepultura e não tarda muito! E o que será de mim depois da vida de pecado que tenho levado? E tenho feito tão pouco bem!'. A princípio, este pensamento encheu-o de desânimo, mas a graça de Deus o tocou e então ele retornou ao sacerdote com lágrimas de contrição nos olhos, repetiu a sua confissão com muitos suspiros e gemidos, e disse: 'Padre, eu posso ajoelhar-me, jejuar, usar uma cinta penitencial e tudo o mais, seja o que for, vou fazer de muito boa vontade; não há penitência demasiado dura para os meus pecados; nenhuma que eu não esteja pronto a aceitar, para que possa pelo menos começar a me preparar para a morte que agora vejo que está tão próxima de mim'. E, assim, passou a levar uma vida tão penitente que o seu confessor teve de o refrear, em vez de o incitar, na prática da mortificação.

Meus caros irmãos, não posso dar o mesmo conselho a todos os presentes, pois alguns de vós não tendes cabelos brancos para contemplar no espelho. E é precisamente isso que serve de desculpa a muitos. Oh, dizem eles, ainda não sou velho; ainda sou jovem, forte e saudável; não corro perigo de morte; não há pressa para mim; posso começar mais tarde a emendar a minha vida e a preparar-me para a morte... Ai desse miserável 'mais tarde'! Não sou velho! Ainda sou jovem! Quantos milhares de almas foram lançadas no inferno por essas desculpas! Quereis dizer, então, que os jovens não podem morrer? Mas muito poucos chegam à velhice; a maior parte das pessoas morre nos seus melhores anos; e ninguém sabe a hora em que o Senhor virá buscá-lo; de modo que tanto os jovens como os velhos devem estar sempre preparados. Mais tarde emendareis, dizeis. O quê! exclama Santo Agostinho, mais tarde? 'Quem pensa assim engana-se a si próprio e trata a sua morte como uma brincadeira'²⁰. Considerai o grande risco do último dia e o que dele depende. Nada menos que as alegrias eternas ou os tormentos eternos! Não é uma brincadeira de criança! Será que o céu é tão insignificante que se possa permitir que ele dependa de um incerto 'mais tarde'? Será o inferno uma coisa tão insignificante que a fuga dele possa ser deixada para um 'mais tarde' que se desconhece? Sabeis o que se diz daquele servo do Evangelho que adia tudo para um tempo futuro, pensando consigo mesmo: 'o meu senhor está para chegar e, enquanto isso, aproveito e divirto-me'? Mas sabeis o que acontecerá a ele? 'O senhor desse servo virá num dia em que ele não espera e numa hora que ele não conhece, e o dispensará e o mandará para o destino dos hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes'²¹.

Portanto, que cada um, jovem ou velho, faça diariamente esta breve meditação, como aquele ancião; não é preciso fazê-la diante do espelho (embora isso possa ser bom para alguns que passam as belas horas da manhã a cuidar dos cabelos, ou mesmo mandando-os cuidar por uma pessoa do sexo oposto - uma prática insossa que seria de boa troca por uma breve meditação); podereis dizer a vós próprios: quantos anos tenho agora? Quinze, vinte, trinta, quarenta ou mais anos. Viverei mais um ano? Não sei dizer; neste mesmo dia ou nesta mesma hora posso ser chamado ao tribunal do Todo Poderoso. Se isso me acontecesse neste dia ou nesta hora, estaria preparado? Há alguma coisa na minha consciência de que me deva arrepender e confessar primeiro? Se for esse o caso, confessa-te imediatamente! Talvez em outro dia ou em outra hora seja demasiado tarde! Disso depende toda uma eternidade, e eu não posso nem quero padecer para sempre com os demônios no inferno. Estou realmente decidido, com a ajuda de Deus, a ir para o Céu e a ser feliz lá na presença de Deus e dos seus eleitos? Ora, a minha eternidade depende da minha última hora, do estado em que ela me encontrar. Por isso, deveria estar sempre pronto para ela. Mas, pensais, estas são meditações tristes e melancólicas. De modo algum! São cheias de consolação para a alma que está decidida a realizar a sua salvação, porque deve ser uma grande consolação para essa alma encontrar-se sempre preparada para a morte. Esses pensamentos são, de fato, tristes e melancólicos para aqueles que não estão dispostos a emendar-se; mas eles deveriam pensar antes nas meditações tristes e melancólicas que um dia terão no inferno, quando pensarem: 'Eu poderia ter sido eternamente feliz, mas não quis sê-lo!'

Ó meu bom Deus, se na minha vida que já passou eu tivesse meditado seriamente durante um miserere, seria possível agir tão descuidadamente como até agora? Poderia eu ter gasto tanto tempo precioso na ociosidade, na vaidade e em companhias perigosas, e tão pouco ao vosso serviço? Poderia eu ter cometido este ou aquele pecado grave tantas vezes, e ter permanecido semanas, meses e anos inteiros no miserável estado de pecado mortal? Fico agora aterrorizado quando penso na minha negligência e no perigo contínuo de condenação eterna a que estive sujeito dia e noite. Pois poderia ter morrido a qualquer hora e ter sido chamado perante o vosso Tribunal. Graças infinitas vos dou, ó Deus de misericórdia, por me terdes poupado! Agora condeno e detesto de todo o meu coração tudo o que fiz durante a minha vida que vos possa ter desagradado!

De agora em diante, terei sempre presente em mim a minha morte e o julgamento que me espera. Isto será um freio para as minhas más inclinações e desejos; estimulará a minha vontade preguiçosa a zelar pelo serviço a Deus; desligará o meu coração e afeições dos bens e prazeres terrenos; adoçará as provações efêmeras desta vida incerta, de modo que as suportarei com paciência e resignação por Deus e pela minha salvação; direi a mim mesmo: 'esta cruz talvez dure apenas uma hora, e depois irei me encontrar com Deus e estarei com Ele nas alegrias eternas'. Diariamente, como me exorta Tomás de Kempis, viverei como se tivesse de morrer a cada dia, para comparecer perante o tribunal divino. De manhã, ao acordar, tomarei a mesma resolução que tomaria se soubesse que, ao anoitecer, o meu corpo jazeria morto num caixão; e à noite, antes de me retirar para o repouso, purificarei a minha consciência como se esperasse ser encontrado morto na minha cama na manhã seguinte. Assim, estarei pronto a qualquer momento para vos encontrar, ó meu justo Juiz, sempre que vos aprouver chamar-me deste mundo; e encontrar-vos-ei, não com medo ou terror, mas com alegria e consolação, confiante na vossa promessa de que, no julgamento final, estarei entre os vossos eleitos e à vossa direita, no vale de Josafá, e ouvirei de Vós o alegre convite: 'Vinde, benditos do meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo'²². Concedei-me essa grande graça, Senhor: 'Vinde, meus filhos, entrai comigo nas alegrias eternas!' Meus queridos irmãos, 'endireitai o caminho do Senhor' e tudo será feito como desejais. Amém.

11. Vigilate ergo, quia nescitis qua hora Dominius vester venturus sit (Mt 24,42).
12. Vigilate ergo (nescitis enim quando dominus domus veniat: sero, an media nocte, an galli cantu, an mane), ne cum venerit repente, inveniat vos dormientes (Mc 13, 35-36).
13. Quod autem vobis dico, omnibus dico: Vigilate (Mc 13, 37).
14. Surget gens contra gentem, et regnum adversus regnum. Et terrae motus magni erunt per loca, et pestilentiae, et fames, teroresque de caelo, et signa magna erunt (Lc 21,10-11).
15. Et quoniam abundavit iniquitas, refrigescet caritas multorum (Mt 24,12).
16. In quo quemque invenerit suus novissimus dies, in hoc eum comprehendetmundi novissimus dies (S. Aug. Ep. 80. ad Hesich).
17. Ideo et vos estote parati, quia qua nescities hora Filius hominis venturus est (Mt 24,44).
18. Vigilate ergo, quia nescitis qua hora Dominius vester venturus sit. Si sciret paterfamilias qua hora fur venturus esset, vigilaret utique et non sineret perfodi domum suam (Mt 24,42-43).
19. Memorare novissima tua, et in aeternum non peccabis (Eclo 7,40).
20. Ipse se seducit, et de morte sua ludit, qui hoc cogitat.
21. Moram facit dominus meus venire. Veniet dominius servi illius, in die qua non sperat, et hora qua ignorat, et dividet eum, partemque ejus ponet cum hypocritis; illic erit fletus, et stridor dentium (Mt 24,50-51).
22. Venite benedicti Patris mei, possidete paratum vobie regnum a constitutione mundi (Mt 25,34).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 30, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 7 de julho de 2023

DOUTORES DA IGREJA (XVI)

16São Bernardo de Claraval, Abade (†1153)

Doutor Melífluo

Concessão do título: 1830 - Papa Pio VIII

Celebração: 20 de agosto (Memória Obrigatória)

 Obras e Escritos 

  • De gradibus humilitatis et superbiae - Os Passos da Humildade e do Orgulho
  • Apologia ad Guillelmum Sancti Theoderici Abbatem - Apologia a Guilherme de São Teodorico
  • De conversione ad clericos sermo seu liber - Sobre a Conversão de Clérigos
  • De gratia et libero arbitrio - Sobre a Graça e o Livre Arbítrio
  • De diligendo Dei - Sobre o Amor de Deus
  • Liber ad milites templi de laude novae militiae - Um Elogio à Nova Cavalaria (sobre a Ordem dos Templários)
  • De praecepto et dispensatione libri - Livro de Preceitos e Dispensações (sobre as Regras de São Bento)
  • De consideratione - Sobre a Consideração
  • Liber De vita et rebus gestis Sancti Malachiae Hiberniae Episcopi - A Vida e a Morte de São Malaquias, Bispo Irlandês
  • De moribus et officio episcoporum - Sobre os Deveres dos Bispos
  • Sermões (incluindo o 'Sermão sobre o Cântico dos Cânticos')
  • Cartas

PORQUE DEVEMOS AMAR A DEUS


Queres então saber de mim por qual motivo e em que medida devemos amar a Deus? Bem, digo que o motivo de nosso amor por Deus é o próprio Deus, e que a medida desse amor é amar sem medida. Está suficientemente claro? Sim, talvez, para um homem inteligente, mas devo falar para sábios e ignorantes, e se já disse de modo claro para os primeiros, devo também considerar os segundos. É então para eles que vou desenvolver minhas ideias e procurar aprofundá-las.

Digo que temos duas razões para Deus ser amado por si mesmo: não há nada de mais justo e nada de mais vantajoso. Com efeito, esta pergunta 'por que devemos amar a Deus?' apresenta-se sob dois aspectos: por que Deus merece nosso amor, e que vantagem temos em amá-lo. Vejo uma resposta para ambas: a razão pela qual devemos amar a Deus é Ele mesmo. Do ponto de vista do merecimento, o grandioso Deus se deu a nós, a despeito de nossa indignidade. Com efeito, o que poderia nos dar que valesse mais do que Ele mesmo? Quando perguntamos quais razões temos para amar a Deus, e como adquiriu o direito ao nosso amor, constatamos que a principal é que Ele nos amou primeiro. Merece, então, nossa retribuição, sobretudo se consideramos quem é Aquele que ama, quem são os amados e como os ama. 

Quem é, com efeito, Aquele que nos ama? É Aquele a quem todo espírito presta este testemunho: 'És meu Deus, e não precisas do que tenho' (Sl 15,2). E esse amor em Deus não é a verdadeira caridade, visto que não ocorre por interesse? Mas a quem se dirige esse amor gratuito? O Apóstolo responde: 'Quando éramos inimigos de Deus é que nos reconciliamos com ele' (Rm 5,10). Deus nos amou com um amor gratuito, mesmo sendo seus inimigos. Mas como nos amou? São João responde: 'Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único' (Jo 3,16). E São Paulo continua: 'Ele não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós' (Rm 8,32). E este Filho, falando de si, disse: 'Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos' (Jo 15,13). Assim o Deus santo, soberano e poderoso tem direito ao amor dos homens pecadores, infinitamente pequenos e fracos. Mas se é assim para o homem, não o é para os anjos; concordo, mas não é preciso que seja. Aquele que resgatou os homens da miséria preservou os anjos de uma miséria semelhante, e se seu amor pelos homens lhes deu os meios de se libertarem, o mesmo amor impediu os anjos de se tornarem como nós.

(Excertos da obra 'Tratado sobre o Amor de Deus', de São Bernardo de Claraval)

quinta-feira, 6 de julho de 2023

BREVIÁRIO DIGITAL - LEGENDA ÁUREA (X)


O papa Félix, antepassado de São Gregório, mandou construir em Roma uma magnífica igreja em honra dos santos Cosme e Damião*. Nessa igreja havia um servidor dos santos mártires a quem um câncer devorara toda uma perna. Então, durante o sono de seu devoto, os santos Cosme e Damião apareceram-lhe trazendo consigo unguentos e instrumentos. Um disse ao outro: 'Onde conseguiremos com que preencher o lugar de onde cortaremos a carne pútrida?' O outro respondeu: 'No cemitério de São Pedro Acorrentado está um etíope recém-sepultado; traga sua perna para substituir esta'. Ele foi rapidamente ao cemitério e trouxe a perna do mouro. Em seguida cortaram a perna do doente, puseram no lugar a perna do mouro, ungiram a ferida com cuidado, depois levaram a perna do doente para o corpo do mouro morto. Como, ao despertar, aquele homem não sentia mais dor, levou a mão à perna e ali não encontrou nenhuma lesão. Pegou uma vela e, não vendo nenhuma ferida na perna, pensava que não era mais ele e sim um outro que estava em seu lugar. Caindo em si, saltou da cama alegre e contou a todos o que vira dormindo e como fora curado. Em seguida foi ao cemitério e encontrou a perna do mouro cortada e a outra colocada na sua sepultura.

* São Cosme e São Damião são padroeiros de várias profissões relacionadas à área da saúde

(Excertos da obra 'Legenda Áurea - Vidas de Santos, de Jacopo de Varazze)

Legenda Áurea constitui meramente um livro de devoção católica, acessível às pessoas comuns de todas as épocas, sem nenhum propósito de abordagem biográfica da vida dos santos sob o escopo da veracidade ou da confiabilidade histórica. Trata-se, portanto, de uma coletânea de fatos ficcionais e inverídicos (lendários) que, uma vez associados às virtudes heroicas específicas dos diferentes santos da Igreja, tinha por objetivo incrementar a devoção católica do leitor pelos santos para a sua própria santificação pessoal. Alguns deles serão publicados no blog. A excelência dos objetivos e resultados alcançados pela obra pode ser aferida pelo enorme sucesso das muitas e diversas versões e traduções realizadas desde a sua publicação original no século XIII.