quinta-feira, 26 de maio de 2022

BREVIÁRIO DIGITAL - LADAINHA DE NOSSA SENHORA (VII)

Deus Filho Redentor do Mundo, tende piedade de nós.

(Ilustração da obra 'Litanies de la Très-Sainte Vierge', por M. L'Abbé Édouard Barthe, Paris, 1801)

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Ó Jesus, meu divino Esposo! Que eu jamais perca a segunda veste de meu batismo! Tira-me desse mundo antes que cometa a mais leve falta voluntária. Que sempre procure e encontre só a ti. Que as criaturas nada sejam para mim, e eu nada seja para elas, mas que Tu, meu Jesus, seja tudo!... Não possam as coisas da terra jamais conturbar minha alma. Nada conturbe minha paz! Jesus, não te peço senão a paz e também o amor, o amor infinito, sem outro limite senão Tu mesmo... Amor que já não seja eu, mas que sejas Tu, meu Jesus. Por ti, Jesus, morra eu mártir, o martírio do coração ou do corpo, antes, de ambos... Faze cumprir meus votos em toda a sua perfeição, e leva-me a compreender o que uma esposa tua deve ser. Faze que nunca seja molesta à comunidade e que ninguém se desvele por mim; que eu seja tida, espezinhada, qual grãozinho de areia que a ti pertença, Jesus. Faça-se em mim a tua vontade de uma maneira perfeita. Possa alcançar a mansão que antecipadamente me foste preparar... Deixa-me, Jesus, salvar muitas almas; que no dia de hoje não seja condenada nenhuma. e sejam salvas todas as almas do purgatório... Perdoa-me, Jesus, se digo que não devo dizer. Só quero alegrar-te e consolar-te'.

(Santa Teresa de Lisieux)

quarta-feira, 25 de maio de 2022

AS DUAS FACES DA FÉ

A fé tem um só nome, mas duas maneiras de ser. Há um gênero de fé que se relaciona com os ensinamentos de Cristo, inclui a elevação de uma pessoa e sua concordância sobre determinado assunto; diz respeito ao interesse pessoal, conforme disse o Senhor: 'Quem ouve minhas palavras e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não incorre em condenação' (Jo 5,24); ou ainda: 'Quem crê no Filho não será condenado...'; 'Aquele que crê no Filho tem a vida eterna' (Jo 3,18.36).

Ó bondade imensa de Deus para com os homens! Com efeito, os justos foram agradáveis a Deus pelo trabalho de muitos anos. Mas aquilo que alcançaram entregando-se corajosamente e por muitos anos ao serviço de Deus, isto mesmo em uma simples hora, Jesus te concede. Porque se creres que Jesus Cristo é o Senhor e que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo e levado ao paraíso por aquele que nele introduziu o ladrão. E não hesites em acreditar ser isto possível, pois quem salvou o ladrão neste santo Gólgota, pela fé de uma só hora, pode também salvar-te a ti, se creres.

O outro gênero é a fé que Cristo concede por graça especial. Pois a uns pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria, a outros a palavra da ciência, segundo o mesmo Espírito. A outros a fé, no mesmo Espírito, a outros o dom de curar (1Cor 12,8-9). Este carisma da fé dado pelo Espírito não se relaciona apenas com a palavra; torna ainda capaz de realizar coisas acima das forças humanas. Quem tiver uma fé assim, dirá a esta montanha: 'Transporta-te daqui para lá, e ela irá' (Mt 17,20). Quando, pois, pela fé, alguém disser isto, crendo que acontecerá sem hesitar em seu coração, então é sinal de que recebeu esta graça.

Dela se disse: 'Se tiverdes fé como um grão de mostarda' (Mt 17,20). Como o grão de mostarda, tão pequenino, possui uma força de fogo, e semeado em estreito pedaço de terra produz grandes ramos que, depois de crescidos, podem dar sombra às aves do céu, assim também, num abrir e fechar de olhos, a fé realiza as maiores coisas na pessoa. Porque lhe dá uma ideia sobre Deus e o vê tanto quanto é capaz, inundada pela luz da fé. Percorre os confins da terra; e antes da consumação do mundo, já prevê o juízo e a entrega das recompensas prometidas.

Guarda então a fé que de ti depende e que te leva ao Senhor; para que recebas de suas mãos também aquela que age muito além das forças humanas.

(Das catequeses de São Cirilo de Jerusalém)

terça-feira, 24 de maio de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: PODER, SABEDORIA E BELEZA DE DEUS


Deus se revela pouco a  pouco à alma interior. Dá-lhe um vislumbre do Poder e da Sabedoria com os quais Ele governa o mundo. Suas mãos tem a robustez de um trabalhador vigoroso e a flexibilidade de um artista genial. Nada escapa dessas mãos divinas e nada lhe resiste. Elas tudo governam, homens e coisas, para onde querem. Maravilhas procedem dessas mãos, que são tão diversas como as pedras preciosas que as adornam. 

A alma interior está ciente de como opera o Divino Trabalhador em certas almas, das obras primas que sabe extrair do barro humano. E a alma fica tomada de admiração diante de tudo isso. Afinal, o que poderia ser mais belo, meu Deus, do que a visão do amor divino confrontando-se com uma alma? Que artifícios, que encantos e, às vezes, é verdade, que impulsos tremendos para libertá-la de tudo! Que paciência para purificá-la completamente, que generosidade e que estratagemas para embelezá-la, que ardor para abraçá-la, que influxo poderoso para elevá-la acima de tudo, até de si mesma, para amá-la sem medidas e doutriná-la sem receios... O que pode ser mais belo do que uma alma santa? Não foi Deus quem assim a criou pelo poder de sua graça? Bem-aventurado aquele que pode ver as mãos de Deus trabalhando neste mundo!

Basicamente, a matéria prima desta obra divina é a mesma. No entanto, o estado inicial desta matéria é essencialmente distinto, dependendo de cada caso. Há almas que nunca conheceram o pecado, pelo menos o pecado grave. Há outras que foram submetidos à sua tirania, mas por pouco tempo. Finalmente, há aquelas que desceram todos os graus do abismo e nele permaneceram por longos e tristes anos. Mas isso não afeta o poder divino que tudo domina. Deus pode gerar santos tanto de um pecador obstinado com de uma alma inocente, e às vezes Ele assim o faz. Não há nada mais belo do que contemplar as mãos divinas em ação. Elas exploram a lama humana e daí lavam, purificam, esculpem, moldam, desbastam, transformam. E operam exteriormente mas, especialmente, por dentro. A matéria prima é a alma. Mesmo quando Deus usa um outro instrumento, na verdade é a própria alma quem trabalha com Ele e para Ele.

É maravilhoso ver como as almas se transformam pouco a pouco sob a ação divina. São como tantas outras maravilhas que saem dos dedos hábeis do Divino Trabalhador, como pedras preciosas destinadas a adornar a Jerusalém Celeste, tão numerosas e tão diversas em sua forma e em suas nuances, tudo de uma beleza indescritível. Aqui, nesta terra, conhecemos apenas algumas destas maravilhas e as conhecemos mal. Para que a sua beleza seja realmente revelada, é necessária a luz do céu. E só então poderíamos admirar toda a riqueza e todas as graças emanadas de mãos tão ternas e poderosas.

Deus é soberanamente Belo e a própria Beleza imanente, o Ser único que nada carece de complemento, que sempre foi infinitamente perfeito e em quem tudo é ordem, unidade, simplicidade, pois todas as perfeições possíveis e imagináveis ​​formam nele uma única e mesma realidade em sua essência. Deus encontra no conhecimento que Ele tem de si mesmo um prazer infinito. Ele é o eterno admirador de sua eterna e própria Beleza e, assim, é a fonte verdadeira e modelo de toda beleza.

Quando me deixo distrair de Vós, ó meu Deus, parece-me que deixo a região da luz para adentrar na dimensão das trevas. Tudo o que não sois Vós macula e fere os meus olhos! Para quem Vos contemplou ainda que uma só vez  em luz inacessível, tudo o mais está corrompido e disforme! Mesmo as criaturas que melhor possam ser vossos reflexos tornam-se dolorosas de se conviver. Porque não podem ser como Vós, ó meu Deus! E é a Vós que a alma quer contemplar cada vez mais, cada vez mais profundamente, murmurando repetidas vezes as doces palavras de Santo Agostinho: 'Ó Beleza sempre antiga e sempre nova, eu te conheci tarde demais, eu te amei tarde demais!'

Sim, ó meu Deus, Vós sois toda Bondade, toda Beleza e toda Graça. Vós criastes muitas criaturas belas e, no entanto, a beleza delas não pode nem de longe ser comparada à vossa. Todo bem e tudo o que é belo emana de Vós. E aquilo que dais, não se perde, porque tudo possuís infinitamente. Fazei-me compreender, a mim que almejo ser feliz, que toda felicidade e toda alegria emanam de Vós. E que eu aprenda a ir até Vós, para impregnar-me da vossa Beleza, para alimentar-me com a vossa Bondade, para alegrar-me com a vossa Alegria e para deleitar-me sem medidas da vossa Felicidade! Porque tudo isso é possível, tudo isso é verdade, tudo isso é necessário: 'Amarás...' e, assim, serei bom com a vossa Bondade, serei belo com a vossa Beleza, serei feliz com a vossa Felicidade. Ó meu Deus, que isso seja agora, agora e sempre!

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

segunda-feira, 23 de maio de 2022

VERSUS: SOBRE A BELEZA FEMININA

1. Não tenhas ciúme da mulher que repousa no teu seio, para que ela não empregue contra ti a malícia que lhe houveres ensinado. 

2. Não entregues tua alma ao domínio de tua mulher, para que ela não usurpe tua autoridade e fiques humilhado. 

3. Não lances os olhos para uma mulher leviana, para que não caias em suas ciladas.

4. Não frequentes assiduamente uma dançarina, e não lhe dês atenção, para que não pereças por causa de seus encantos.

5. Não detenhas o olhar sobre uma jovem, para que a sua beleza não venha a causar tua ruína. 

6. Nunca te entregues às prostitutas, para que não te percas com os teus haveres. 

7. Não lances os olhos daqui e dali pelas ruas da cidade, não vagueies pelos caminhos. 

8. Desvia os olhos da mulher elegante, não fites com insistência uma beleza desconhecida. 

9. Muitos pereceram por causa da beleza feminina, e por causa dela inflama-se o fogo do desejo. 

10. Toda mulher que se entrega à devassidão é como o esterco que se pisa na estrada. 

11. Muitos, por haver admirado uma beleza desconhecida, foram condenados, pois a conversa dela queima como fogo. 

12. Nunca te sentes ao lado de uma estrangeira, não te ponhas à mesa com ela; 

13. não a provoques a beber vinho, para não acontecer que teu coração por ela se apaixone, e que pelo preço de teu sangue caias na perdição.

(Eclesiástico 9, 1-13)


1. Vós, também, ó mulheres, sede submissas aos vossos maridos. Se alguns não obedecem à palavra, serão conquistados, mesmo sem a palavra da pregação, pelo simples procedimento de suas mulheres,

2. ao observarem vossa vida casta e reservada. 

3. Não seja o vosso adorno o que aparece externamente: cabelos trançados, ornamentos de ouro, vestidos elegantes; 

4. mas tende aquele ornato interior e oculto do coração, a pureza incorruptível de um espírito suave e pacífico, o que é tão precioso aos olhos de Deus.

(I Pedro 3, 1-4)

domingo, 22 de maio de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Que as nações vos glorifiquem, ó Senhor, que todas as nações vos glorifiquem!' (Sl 66)

 22/05/2022 - Sexto Domingo da Páscoa

26. 'A MINHA PAZ VOS DOU' 


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a viver plenamente a presença de Jesus Ressuscitado em nossas vidas, como testemunhas da fé e da fidelidade às suas Santas Palavras: 'Se alguém me ama, guardará a minha palavra' (Jo 14, 23). Eis aí o legado de Jesus aos seus discípulos: a graça e a salvação são frutos do amor, que é manifestado em plenitude, no despojamento do eu e na estrita submissão à vontade do Pai: 'Desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas sim a d’Aquele que me enviou' (Jo 6, 38) e 'Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos' (Mt 22, 37-38).

A graça nasce, manifesta-se e se alimenta do nosso amor a Deus, pois 'quem não me ama, não guarda a minha palavra ' (Jo 14, 24). Mas este amor terá de ser libertado do mero sentimento arraigado às mazelas humanas para ser transformado em um amor espiritual sem medidas, desapegado dos valores mundanos. Este amor não provém dos sentimentos efêmeros, nem dos sentidos, nem das paixões desregradas, nem dos abismos volúveis das sensibilidades e das vontades humanas.

Este amor não se alimenta da paz do mundo, mas da paz que emana do próprio Coração de Deus: 'Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo.' (Jo 14, 27). Na paz de Deus, na confiança absoluta às divinas promessas, não há porque se perturbar ou se intimidar a fragilidade do pobre coração humano. A presença permanente do Cristo Ressuscitado em nossas vidas vem por meio da manifestação do Espírito Santo, o Defensor, conforme as palavras de Jesus: 'o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito' (Jo 14, 26).

Sob a ação do Espírito Santo, o amor humano pode trilhar livremente o caminho da santificação, até o impossível, até os limites de um despojamento absoluto do próprio ser para a plena manifestação em si da glória de Deus, quando enfim, 'o meu Pai o amará, e nós (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) viremos e faremos nele a nossa morada' (Jo 14, 23).

sábado, 21 de maio de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXII)

 

Capítulo XXXII

Razões da Expiação no Purgatório - Pecados de uma Vida de Prazer e de Conforto - Venerável Francisca de Pamplona e o Homem Mundano - Santa Elisabeth da Hungria e a Alma da sua Mãe 

Em nossos dias, há cristãos que são totalmente alheios à cruz e à mortificação de Jesus Cristo. Sua vida adocicada e sensual consiste apenas em uma sequência de prazeres; temem tudo o que é dado ao sacrifício; dificilmente observam as leis restritas do jejum e da abstinência prescritas pela Igreja. Uma vez que não se submetem a nenhuma penitência neste mundo, que reflitam sobre o que lhes será infligido no próximo. É certo que nesta vida mundana não fazem nada além de acumular dívidas. Como se omitem em fazer penitência, nenhuma parte da dívida é paga, e chega-se então a um montante assustador à imaginação. 

A venerável serva de Deus, Francisca de Pamplona, que foi favorecida com diversas visões do Purgatório, certa vez viu um homem mundano que, embora fosse um cristão razoavelmente bom, passou cinquenta e nove anos no Purgatório por causa da sua busca sempre por comodidade e conforto. Outro passou ali trinta e cinco anos pelo mesmo motivo; um terceiro, que tinha uma paixão muito forte pelo jogo, ficou detido nessa prisão por sessenta e quatro anos. Infelizmente esses cristãos imprudentes permitiram que as suas dívidas permanecessem diante de Deus e muitas delas, que poderiam tão facilmente ter pago por obras de penitência, tiveram que ser pagas depois por anos de tortura. 

Se Deus é severo para com os ricos e os que buscam prazeres do mundo, não o será menos para com os príncipes, magistrados, pais e para todos aqueles que têm o encargo das almas e autoridade sobre os outros. Um julgamento particularmente severo, diz Ele mesmo, será para aqueles que governam (Sb 6,6). Laurence Surius relata [na obra Merveilles já citada previamente] como uma ilustre rainha, após sua morte, deu testemunho dessa verdade. Na Vida de Santa Elisabeth, Duquesa da Turíngia, conta-se que esta serva de Deus perdeu a mãe, Gertrudes, Rainha da Hungria, por volta do ano 1220. Com o espírito de uma santa filha cristã, deu abundantes esmolas, redobrou-se em orações e mortificações e esgotou todos os recursos da sua caridade para o alívio dessa querida alma. Mas Deus revelou a ela que isso ainda não era o bastante. 

Uma noite, a  falecida apareceu para ela com um semblante triste e definhado; colocou-se de joelhos ao lado da cama e disse-lhe, chorando: 'Minha filha, você vê a seus pés a sua mãe sobrecarregada de sofrimento. Venho implorar-vos que multipliqueis os vossos sufrágios, para que a Divina Misericórdia me livre dos terríveis tormentos que padeço. Ó quão são dignos de pena aqueles que exercem autoridade sobre os outros... Expio agora as faltas que cometi no trono. Ó minha filha, rogo-te pelas dores que suportei ao trazer-te ao mundo, pelos cuidados e ansiedades que me custou a tua educação, conjuro-te a livrar-me dos meus tormentos'. Elizabeth, profundamente emocionada, levantou-se de imediato e fez, a partir de então, severas penitências físicas, implorando a Deus, entre lágrimas, que tivesse misericórdia da alma de sua mãe, Gertrudes, e que assim rezaria até obter a sua libertação. As suas orações foram ouvidas.

Observemos aqui que, no exemplo anterior, fala-se apenas do caso de uma rainha; quão mais severamente serão julgados e tratados os reis, os magistrados e todos os superiores cuja responsabilidade e influência sobre outros homens são muito maiores!

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)