segunda-feira, 4 de outubro de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: DEUS, CENTRO ÚLTIMO DA ALMA


Da mesma forma que, como se costuma dizer, a pedra tende pelo seu peso para o centro da terra e nela cairia por si mesma, como para o lugar do seu repouso definitivo, assim também a nossa alma tende a Vós, meu Deus, com todo o peso do seu amor. Nesse movimento que a conduz a Vós, podemos considerar alguns lugares sucessivos, que são como marcos ou pontos de descanso provisórios, a partir dos quais a alma se lança novamente à frente, ó meu Deus, com uma visão mais clara do seu fim, com um amor mais impaciente e maiores desejos de encontro, que dão à sua marcha uma aceleração misteriosa. 

Mas, de estágio em estágio, de lugar em lugar, de ponto a ponto, a alma finalmente há de chegar até Vós. E então o seu movimento se conclui e não há mais razão de ser, pois a alma chegou ao final dos seus desejos e do seu caminho. Ela chegou onde tinha que chegar. E então repousa ali, na posse final e definitiva do seu Tesouro e do seu Tudo.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

domingo, 3 de outubro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'O Senhor te abençoe de Sião, cada dia de tua vida' (Sl 127)

 03/10/2021 - Vigésimo Sétimo Domingo do Tempo Comum

45. 'O QUE DEUS UNIU...'


No Livro do Gênesis, Deus nos revelou a verdadeira dimensão do matrimônio, a criação do elo único e indissolúvel entre um homem e uma mulher: 'Depois, da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher e conduziu-a a Adão. E Adão exclamou: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem”. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne' (Gn 2, 22- 24). 

Esta dimensão original havia se perdido no labirinto das paixões humanas. A criatura, recorrente na sua ânsia de saciar seus interesses e paixões mais comezinhas, tomara para si atributos de posse e domínio nas relações humanas, deturpando o caráter sagrado e de profunda harmonia e completude que deveriam existir entre um homem e uma mulher quando 'se tornam uma só carne'. E a carta de divórcio prescrita por Moisés era o prêmio à dissolução dos costumes e ao repúdio à Lei de Deus, para satisfazer os interesses puramente mundanos dos 'duros de coração'. 

Jesus, então, ante a malícia dos fariseus, outros tantos 'duros de coração', vai ratificar a concepção original da sacralidade do sacramento do matrimônio: 'No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe!' (Mc 10, 6 - 9). O que Deus uniu, o homem não separe! Eivada em graça pelo sacramento, o matrimônio instaura uma união santa, definitiva, monogâmica, indissolúvel. A decisão de compartilhar a santidade a dois não admite ressalvas: 'Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e se casar com outro, cometerá adultério' (Mc 10, 11 - 12).

O matrimônio cristão pressupõe uma família cristã; os pais sendo 'uma só carne' geram os filhos para compartilharem com eles a mesma graça santificante, que se distribui entre todos igualmente no seio de uma família de Deus. Porque, mais do que pais e filhos, somos irmãos em Cristo e, no abandono completo tal como crianças inocentes que se entregam à Santa Vontade de Deus, tornamo-nos merecedores das heranças eternas: 'Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele' (Mc 10, 15).

sábado, 2 de outubro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (101/103)

 

101. AS HORAS SÃO SÉCULOS...

São Paulo da Cruz, estando uma noite para se deitar, ouviu de repente um grande ruído perto de seu quarto. Crendo ser uma visita do demônio, que vinha, como de costume, perturbar o seu sono, aliás brevíssimo, deu-lhe ordem para retirar-se. Mas, repetindo-se por três vezes o estranho ruído, perguntou o que era e o que queria.

➖ 'Sou' - apresentou-se uma voz - 'a alma do sacerdote que faleceu esta tarde às seis e meia e venho comunicar-lhe que estou no Purgatório por não me haver emendado dos defeitos de que o senhor me repreendeu muitas vezes. Ó quanto sofro! Parece-me já ter passado mil anos neste oceano de fogo.
Comovido até às lágrimas, levantou-se o santo, olhou o relógio que marcava então seis e três quartos, e disse ao sacerdote:
➖ Como? Faz um quarto de hora que falecestes e parece-vos que já são mil anos?!
➖ Ó  como é longo o tempo no Purgatório!

E, pedindo com instância que o aliviasse, não se afastou enquanto o santo não lhe prometeu isso. Tomando sua disciplina de ferro, São Paulo da Cruz açoitou-se até sair sangue, orou e chorou pedindo a Deus que livrasse aquela alma de tão grandes tormentos. Não recebendo nenhum aviso do céu, como costumava acontecer, tomou de novo os seus rudes instrumentos de penitência, querendo fazer-se violência à divina Misericórdia. Como a resposta ainda não viesse, disse num transporte de confiança filial: 'Senhor, meu Deus, rogo-vos que livreis esta alma pelo amor que tendes à minha'.

Vencido pelos seus rogos, prometeu-lhe o Senhor que, no dia seguinte, antes do meio dia, a alma do sacerdote sairia do Purgatório. Apenas amanhecera, São Paulo subiu ao altar e celebrou com mais fervor do que nunca o Santo Sacrifício, oferecendo a Deus por aquela alma o precioso sangue de Jesus Cristo. Ó maravilha! No momento da comunhão, viu o santo passar diante de si, alegre e resplandecente de luz, a alma daquele sacerdote que subia ao Céu.

102. AS CRIANÇAS E O PURGATÓRIO

A. Santa Perpétua, que foi martirizada em Cartago no ano de 202, refere, em carta escrita de seu próprio punho no cárcere, que teve um sonho em que viu seu irmãozinho, falecido na idade de sete anos, encerrado num lugar escuro, coberto de lodo e devorado pela sede. Ao acordar, entendeu o que o sonho significava e passou o dia em oração pelo defunto. Depois de algumas noites tornou a vê-lo, mas desta vez junto a uma fonte em que bebia; as vestes estavam limpas e ele muito melhor e alegre. A santa ficou muito consolada com aquela visão e viu que aqueles sonhos foram mandados por Deus para o bem daquele menino.

B. São Pedro Damião ficou órfão muito criança e cresceu sob os cuidados de um seu irmão que o tratava com a maior crueldade, dando-lhe, além disso, muita pouca roupa e comida. Um dia achou no caminho uma moeda de prata, o que seria um tesouro para comida, roupa e sapatos. Estava a pensar no que faria com aquele achado, quando lhe veio à mente a lembrança de seus pais que tinham sido tão bons para com ele.
➖ Ah! - disse consigo - talvez estejam penando no Purgatório e eu os poderia aliviar agora.
Correu à igreja e entregou o dinheiro ao sacerdote, dizendo:
➖ Peço ao senhor que celebre missas por meus falecidos pais.
Desde aquela data todas as portas lhe foram abertas para ser sacerdote e um grande santo.

C. Santa Catarina de Bolonha foi certa vez favorecida com uma visão do Purgatório. Viu o fogo ardente que devorava o íntimo das almas e pareceu-lhe que o do inferno não poderia ser mais abrasador. Havia ali, ardendo nas chamas, tanta gente como folhas em uma floresta. Muitos haviam levado vida muito santa, mas ainda não estavam bastante puros para ver a Deus.

Viu ali, também, muitos meninos que não haviam cometido mais do que pecados veniais, como desafios, discussões com seus irmãos, desobediência aos pais... e as penas que sofriam por essas faltas leves causavam compaixão. Com isso compreendeu a gravidade mesmo do pecado venial que Deus, em sua justiça e santidade, castiga tão severamente.

103. MORRE A MÃE; A CRIANÇA, NÃO

Em 15 de junho de 1909, caiu um raio em Serebes (Hungria), atingindo a senhora Josefina Toth, que trazia no colo o seu filhinho. A mãe, fulminada pelo raio, morreu instantaneamente; a criancinha, porém, não sofreu coisa alguma.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS

 

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

UMA SANTA EM ESTADO PURO

 

Nada como um dia após o outro. Nada como um santo após o outro. O santo de hoje ou santa - Santa Teresa de Lisieux - é, em praticamente tudo, o oposto do santo de ontem - São Jerônimo. A Teresa das escolhas mais pequenas e mais humildes, que a tornou mundialmente conhecida como ‘Santa Teresinha do Menino Jesus’, é um contraponto absurdo ao furacão cáustico e intenso do Jerônimo doutor da Igreja. Duas vidas santificadas em plenitude, tangidas pelo mesmo espírito de fé e de humildade, porque há todos os tipos de santos e santas, mas não há no Céu um santo ou uma santa que não tenham sido moldados pela humildade e pela caridade.

Esta simples freira carmelita viveu no mais absoluto ostracismo e morreu com apenas 24 anos de idade. Marie Françoise Thérèse Martin nasceu em Alençon, em 02/01/1873, e faleceu em Lisieux, em 30/09/1897. Foi canonizada em 17 de maio de 1925 pelo Papa Pio XI, que posteriormente a declarou ‘Patrona Universal das Missões Católicas’ em 1927. O Papa João Paulo II tornou-a Doutora da Igreja no dia 19 de outubro de 1997.

Por desígnios divinos, Santa Teresinha foi a preceptora de um particular caminho de santificação: a chamada ‘pequena via’, a via de confiança absoluta à vontade de Deus. Na plena aceitação dos desígnios divinos sobre as almas de cada um de nós, no abandono de nossas vidas nos braços de Jesus Cristo, na entrega total de nossas ações e pensamentos à proteção da Santíssima Virgem: eis aí a pequena via, o caminho da infância espiritual, a gloriosa trilha de santificação para os homens comuns, o espantoso atalho ao Céu, proposto e vivido intensamente pela santa carmelita. Eis a sua pequena via maravilhosa de santificação: basta aceitar a nossa própria pequenez, a imensa fragilidade humana que nos domina, as enormes limitações de viver em plenitude os desígnios de Deus sobre as nossas almas; fazer de tantas imperfeições e fragilidades, não meros obstáculos, mas as próprias pedras do caminho, rejuntadas e consolidadas firmemente num imenso amor e numa confiança sem limites na bondade e misericórdia de Deus.

Quão suave é o jugo do Senhor e como são infindáveis os seus caminhos! Sob o vozeirão de um santo que abominava a frouxidão ou sob a batuta suave da santa da pequena via, os ecos da graça ecoam e se reverberam nas almas dos justos, gritando ou apenas sussurrando: o amor a Cristo, o amor incondicional a Cristo, é a nossa estrada para o Céu. Por meio da pequena via, a santificação começa e termina pelo propósito de fazer, de cada dia, mais um passo nesta rota de peregrinação, transformando cada ação diária, cada ato da nossa vida mundana, por mais simples e despojado que seja, em obra de perfeição cristã, compartilhado e vivido para a plena glória do Pai (‘sede perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito’). 

Dois santos absurdamente distintos, que se complementam e que se sucedem no mesmo espírito de fé e de humildade, como pedras contínuas da mesma via de santificação, tal como um dia após o outro. Ontem, um santo em estado bruto. Hoje, uma santa em estado puro. Modelos tão diversos quanto a assimetria dos temperamentos humanos, modelos tão radicalmente unidos pelo propósito comum de tornar as suas vidas, longas ou mais curtas, pura ou brutalmente, voltadas apenas para manifestar em plenitude a glória de Deus nessa terra.

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

 

DEVOÇÃO DAS NOVE PRIMEIRAS SEXTAS - FEIRAS 

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

UM SANTO EM ESTADO BRUTO


Um santo ou uma santa constituem sempre uma expressão de uma das dimensões do Nosso Senhor Jesus Cristo. Um expressa o seu recolhimento, outro a sua docilidade, outro ainda o amor extremado pelos pobres ou pelos humildes e simples de coração. Uma forma de santidade é sempre a consequência de viver, com extremado cuidado, um reflexo da vida do próprio Senhor.

São Jerônimo, nascido na Dalmácia no ano de 340, é um dos grandes santos e doutores da Igreja, reconhecido como o grande tradutor das Sagradas Escrituras para o latim e ainda como um grande filósofo, teólogo, tradutor, exegeta e historiador. Nele, a doutrina de Cristo é vívida e vivida em toda a sua dimensão: como monge, fundou mosteiros e ordens religiosas; como teólogo, investiu contra as heresias; como penitente ardoroso, tornou-se eremita e foi viver recluso em uma caverna de Belém.

Mas São Jerônimo é o 'santo em estado bruto'. Na sua época, o Cristianismo havia se tornado a religião oficial do Império Romano e os primeiros tempos de austeridade e de perseguição da Igreja haviam cessado e o inimigo agora era as tentações do mundanismo. Estêvão é o grande santo da tolerância zero, do nada de meias verdades, do nada de palavras sociais ou do respeito humano, do nada de adulação, dos eufemismos ou da retórica adocicada. Martelo da hipocrisia e das firulas sociais e do politicamente correto, sua linguagem áspera e suas atitudes rígidas e intempestivas são as marcas registradas do amor incondicional à Verdade, sem concessão alguma. O santo mais em falta nesta geração atual de homens e mulheres que padecem de uma síndrome crônica de frouxidão e covardia.

São Jerônimo rabugento, cáustico, impulsivo? Sim, em se tratando das almas mornas e tíbias, dos tolos de plantão, do indiferentismo religioso, dos inertes e dos omissos na arte de viver a plenitude da fé cristã. Para o santo das palavras duras e atitudes severas, o amor a Deus supera e vence montanhas, é movido pelo fogo da verdade, é incensado pela força das atitudes e dos propósitos firmados num simples sim ou não diante das vicissitudes humanas. São Jerônimo é o santo de hoje, ontem e sempre para os homens moldados pela graça em estado bruto. E nem um pouco dos refinados e lapidados homens de fé comum.