quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

IMAGEM DA SEMANA

'Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra' 
(Lc 1,38)

 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (46/48)


46. VALOR DIGNO DE IMITAÇÃO

O famoso orador P. Sarabia narra o seguinte fato: 'Vivíamos então em plena revolução comunista. As greves socialistas tinham envenenado os nossos operários e cada dia era maior o número dos que militavam sob bandeiras vermelhas. Eram muitos e muito ousados... porque os governos liberais não defendiam os direitos da ordem e da verdade.

Poucas eram as procissões, que, naquele tempo, saíam à rua; em algumas regiões, as poucas que saíam raramente voltavam à igreja em paz sem serem molestadas. Certo dia, em Bilbao, os católicos organizaram uma soleníssima procissão. Todas as forças católicas, levando as suas bandeiras e estandartes, haviam de subir ao santuário de sua rainha e Senhora, a Virgem de Begoña.

E marchavam aquelas filas intermináveis de fervorosos católicos, ao som de magníficos hinos religiosos, com a fronte erguida e o coração tranquilo... e marchavam como quem exerce um direito e representava a verdade e a glória. De repente ouve-se um tiro. Houve um momento de confusão. Soou outro tiro... e logo mais outro... Não restavam dúvidas, os ferozes socialistas estavam escondidos atrás de alguma sacada e dali descarregavam suas armas, impunemente, sobre os católicos. Houve um momento em que as filas se cortaram e alguns correram a esconder-se nas entradas das casas. Mas não foi mais do que um instante.

Logo os presentes se refizeram e subiam até a igreja à frente da santa imagem de sua Rainha e Senhora. E não eram poucos os valentes que se metiam pelas ruas e pelas casas à caça dos covardes que pretendiam estorvar o triunfo da Virgem. Contudo os tiros aumentavam. O alvo preferido era o estandarte da Imaculada carregado pela presidente das Filhas de Maria. Estava já várias vezes perfurado de balas.

Naquele solene e trágico momento, alguns moços marianos aproximaram-se da presidente e disseram-lhe: 'Quando sibilam as balas, as mulheres vão para casa ou para a igreja, e os homens ficam no campo de batalha...' Queriam, pois, que lhe entregassem o estandarte da Imaculada, que eles o defenderiam. Mas as Filhas de Maria agruparam-se em torno de sua bandeira e a heroica presidente respondeu-lhes: 'Levareis este estandarte da Virgem, quando eu e todas as Filhas de Maria tivermos morrido aos seus pés'. E os comunistas, encarniçados inimigos da religião, não puderam impedir que a majestosa procissão chegasse ao Santuário da Nossa Senhora de Begoña. Com que carinho de Mãe não terá recebido a todos a excelsa Rainha e Senhora!

47. DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA

I. Um dia estava o Santo Cura de Ars em êxtase diante de uma imagem de Nossa Senhora. Uma pessoa ouviu este diálogo:
➖ Boa Mãe, sabeis que não pude converter tal pecador. Dai-me sua alma, que por ela levarei o cilício durante oito dias.
Nossa Senhora respondeu:
➖ Eu te concedo isso.
Há outro filho vosso, muito infeliz, do qual nada pude conseguir. Prometo-vos jejuar por ele muito tempo, se me concederes a sua conversão.
➖ Eu te concedo isso também! -  respondeu a Virgem.

II. Ozanam, jovem de 18 anos e quase incrédulo, chegara a Paris. Um dia viu num canto da igreja um venerando ancião que rezava o rosário. Aproximou-se e o observou bem. Era o famoso sábio Ampère. Ozanam ficou comovido, ajoelhou-se e chorou em presença daquele espetáculo. Mais tarde costumava dizer: O rosário de Ampère produziu em mim mais fruto do que todos os sermões e livros de leitura.

48. UM GRANDE DEVOTO DE MARIA

O célebre presidente da República do Equador, Garcia Moreno, assassinado pela maçonaria em 1875, era devotíssimo de Nossa Senhora. Achando-se um dia entre operários irlandeses, que mandara vir dos Estados Unidos para montar uma serraria mecânica, interrogou-os sobre os costumes religiosos de seu país e perguntou-lhes se sabiam algum cântico em honra de Maria Santíssima.

Os bons irlandeses puseram-se logo a cantar. Garcia Moreno ouvia-os cheio de comoção. Terminado o cântico, perguntou:
➖ Vós, irlandeses, amais muito a Nossa Senhora?
➖ Sim, senhor, de todo o coração - responderam.
➖ Então, meus filhos, acrescentou o Presidente, ajoelhemo-nos e rezemos o rosário, a fim de que sempre preserveis no amor e no serviço de Deus.

E todos, ajoelhados ao redor do presidente, rezaram com grande fervor e com os olhos úmidos de pranto, a coroa mariana. Foi na devoção a Nossa Senhora que Garcia Moreno encontrou a força daquela fé viva que, diante dos assassinos, lhe pôs nos lábios, como um grito de desafio, a palavra memorável: 'Deus não morre!'

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

ver PÁGINA: TESOURO DE EXEMPLOS

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Parece-me que deveríeis decidir-vos a fazer calmamente o que podeis. Não vos inquieteis com o resto, mas deixai nas mãos da divina Providência o que não podeis cumprir por vós mesmos. São agradáveis a Deus a solicitude e o cuidado que, com razoabilidade, pomos nas tarefas que nos competem, para conseguirmos concretizá-las da melhor maneira. Não lhe são agradáveis a ansiedade e a inquietação do espírito: o Senhor quer que os nossos limites e fraquezas encontrem apoio na sua fortaleza e onipotência, quer que tenhamos confiança em que a sua bondade suprirá a imperfeição dos nossos meios... Ele não quer que o homem se atormente com as próprias limitações; não é preciso cansarmo-nos excessivamente. Quando de fato nos esforçamos por dar o melhor de nós, podemos deixar o resto nas mãos daquele que tem o poder de realizar tudo o que quer. Que a bondade divina nos comunique sempre a luz da sabedoria, para que possamos ver com clareza e realizar a sua vontade com profunda convicção, em nós e nos outros... para que, das suas mãos, aceitemos o que nos envia, considerando o que é de maior importância: a paciência, a humildade, a obediência e a caridade.

(Santo Inácio de Loyola)

domingo, 24 de janeiro de 2021

EVANGELHO DE DOMINGO

 

'Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, vossa verdade
me oriente e me conduza! (Sl 39)

 24/01/2021 - Terceiro Domingo do Tempo Comum

9. PESCADORES DE HOMENS

Com a prisão e morte de João Batista, tem fim a Era dos Profetas e começa a pregação pública de Jesus sobre o Reino de Deus. O reino de Deus é o reino dos Céus, e não um império firmado sobre as coisas deste mundo. Cristo, rei do universo, começa a sua grande jornada pelos reinos do mundo para ensinar que a pátria definitiva do homem é um reino espiritual, que se projeta para a eternidade a partir do coração humano.

E esta proclamação vai começar por Cafarnaum e nos territórios de Zabulon e Neftali, localizada na zona limítrofe da Síria e da Fenícia, e povoada, em sua larga maioria, por povos pagãos. Em face disso, esta região era a chamada 'Galileia dos Gentios', e seus habitantes, de diferentes raças e credos, eram, então, objeto de desprezo por parte dos judeus da Judeia. E é ali, exatamente entre os pagãos e os desprezados, que o Senhor vai dar início à sua pregação pública da Boa Nova do Evangelho do Reino de Deus: 'O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!' (Mc 1, 15).

Nas margens do Mar da Galileia, Jesus vai escolher os seus primeiros discípulos, Simão e André e, logo depois, Tiago e João, filhos de Zebedeu, num chamamento imperativo e glorioso: 'Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens' (Mc 1, 17). Aqueles pescadores, acostumados à vida dura de lançar redes ao mar para buscar o seu sustento, seriam agora os primeiros a entrarem na barca da Santa Igreja de Cristo para se tornarem pescadores de homens, na gloriosa tarefa de conduzir as almas ao Reino dos Céus. 

Eis a resposta pronta e definitiva dos primeiros apóstolos ao chamado de Jesus: 'E eles, deixando imediatamente as redes, seguiram a Jesus' (Mc 1, 18) e 'Eles deixaram seu pai Zebedeu na barca com os empregados, e partiram, seguindo Jesus' (Mc 1, 20). Seguir a Jesus implica a conversão, pressupõe o afastamento do mundo, pois Jesus nos fala do Reino dos Céus. No 'sim' ao chamado de Jesus, nós passamos a ser testemunhas e herdeiros deste reino 'que não é desse mundo', e nos abandonamos por completo na renúncia a tudo que é humano para amar, servir e viver, prontamente e cotidianamente, o Evangelho de Cristo.

sábado, 23 de janeiro de 2021

A GNOSE E SUAS DOUTRINAS FALSAS (II)

Dissemos que a Gnose foi apareceu entre os homens pela primeira vez no Pecado Original. Antes de continuar, porém, é importante observar que ela se manifestou antes mesmo disso, na Queda dos Anjos. Pois, uma vez que a essência de uma coisa é determinada pelo seu fim último, podemos identificar a essência da Gnose como a tentativa da criatura de se divinizar. Isso, porém, já havia ocorrido com a rebelião dos anjos. Lúcifer e os outros anjos quiseram fazer-se como Deus, isto é, sem Deus: por seus próprios esforços naturais e sem ajuda. A consequência foi a queda e a transformação de anjos em demônios.

'Quis ut Deus?' respondeu São Miguel Arcanjo, visto que ninguém de fato é como Deus, mas esta era precisamente a afirmação de Lúcifer: ser como Deus, e é esta mesma afirmação que ele mais tarde propôs a Adão e Eva. A gnose remonta, portanto, em sua essência, aos primeiros momentos do universo, ao primeiro ato livre das criaturas racionais. Daí se desenvolveu ao longo dos séculos, assumindo proporções teológicas e morais cada vez mais amplas, percorrendo caminhos diferentes de acordo com as religiões e nações que visita: seja hinduísmo, budismo ou judaísmo; seja a nação persa, a nação egípcia ou qualquer outra.

Vamos nos concentrar na Religião Judaica, considerando, com Don Julio Meinvielle, que esta é a forma de Gnose mais influente no mundo moderno. A Gnose Judaica é uma perversão da Cabala. A Cabala, antes de sua perversão, constituiu a tradição oral do Antigo Testamento. A autêntica fé judaica, que se tornou fé católica com o advento do Senhor, tinha uma tradição dupla: uma tradição escrita e uma tradição oral, precisamente como a fé católica.

A tradição oral, isto é, a Cabala primordial, ensinava aos homens as verdades fundamentais da natureza e da graça necessárias para a salvação; falava da natureza de Deus e de seus atributos, de espíritos puros e do universo invisível; continha até ensinamentos sobre a Santíssima Trindade e a Encarnação de Nosso Senhor antes do seu Advento a este mundo. Esta sublime e mística Tradição, entretanto, passou por um processo de perversão sob a influência da Gnose egípcia. A Gnose egípcia remonta a três mil anos antes da vinda do Senhor e, portanto, ao início dos tempos. A perversão ocorreu durante o exílio do povo judeu no Egito no século 14 antes de Cristo, e depois na Babilônia no século 6 a.C. de uma forma ainda mais prejudicial.

Parte dessa influência consistia em práticas mágicas e outra parte em falsas doutrinas. As falsas doutrinas eram negações da Revelação Divina conforme contido na Fé Judaica pré-cristã e podem, portanto, ser consideradas heresias sensu lato. Esses erros se insinuaram na tradição oral judaica e representam um desenvolvimento das doutrinas gnósticas centrais. Examinemos duas destas doutrinas falsas: a transformação do homem em Deus e o monismo entre Deus e o homem. Vamos examinar essas duas doutrinas em seus vários desenvolvimentos, primeiro à luz da Fé, depois à luz da razão.

I. A transformação do homem em Deus

A doutrina da transformação do homem em Deus é elaborada como um processo de evolução e inclui os seguintes elementos:

(i) o surgimento de Deus, do mundo e do homem a partir do Nada
(ii) a reencarnação;
(iii) a evolução e a realização graduais de Deus e do homem

O surgimento de Deus, do mundo e do homem a partir do Nada

A fé nos ensina que Deus existe eternamente e não tem começo no tempo. Ensina-nos igualmente que o mundo e o homem não vieram a existir por si próprios, mas que Deus os criou e os fez do nada (ex nihilo), mas não do nada como de uma substância preexistente, mas do nada no sentido de que de fato não havia nada e nenhuma substância preexistente. Por outro lado, a razão humana nos ensina que nada pode surgir do nada, pois nada, por definição, não existe.

Reencarnação

Na Carta aos Hebreus (Hb 9,27), se lê: 'É destinado aos homens morrer uma vez, e depois disso, o julgamento'. Além disso, a fé nos ensina que a alma humana é capaz de um desenvolvimento positivo, mas não por meio de reencarnações repetidas, mas pela obra de aperfeiçoamento moral e santificação. A razão ensina que a reencarnação é impossível, pois cada alma humana é o princípio de seu próprio corpo humano: a alma humana não pode conformar um corpo não humano, e não pode conformar um corpo humano que não seja o seu.

A evolução e a realização graduais de Deus e do homem

A fé ensina que Deus é imutável e não muda. São Tiago escreve (Tg 1, 16-17): 'Não se iludam, portanto, meus queridos irmãos. Toda dádiva boa e todo dom perfeito procedem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de alteração'. A razão nos diz, além disso, que Deus é transcendente e imutável por definição. Se algo muda no homem, não é Deus. Acrescentamos uma última crítica lógica, válida para todas as três doutrinas evolucionistas, ou seja: o maior não pode derivar do menor: a substância não pode proceder do nada; Deus não pode proceder do homem; a alma não pode purificar-se por si mesma no curso de vidas sucessivas.

II. Monismo

O monismo entre Deus e o homem é elaborado na direção de três formas distintas de monismo: (i) um monismo ontológico entre Deus e o universo, onde o universo é considerado em certo sentido como divino (doutrina do panteísmo); (ii) um monismo moral onde o bem e o mal são considerados partes integrantes de uma realidade maior, que não permite nenhum princípio real de distinção entre eles. Este monismo moral é considerado, em última análise, como o próprio Deus; (iii) um monismo lógico no qual até mesmo a verdade e a falsidade se reconciliam uma com a outra.

Monismo entre Deus e o Universo (Panteísmo)

Nós respondemos a este erro como respondemos ao erro do monismo entre Deus e o homem. A fé ensina que Deus é criador: Credo in unum Deum, creatorem coeli et terrae. Deus é, portanto, totalmente independente do universo, que Ele criou com um ato livre de vontade. Não emanou dEle de acordo com a sua natureza; não veio necessariamente à existência. Além disso, a razão nos ensina que o conceito de Deus é um conceito de um ser essencialmente transcendente.

Monismo Moral

O monismo moral é, com efeito, concebido como a tese de que o bem e o mal são uma só coisa e que o mal existe em Deus. A fé nos ensina, em contraste, que o bem e o mal são princípios distintos, opostos um ao outro; que aderindo o homem ao bem , ele é salvo, e aderindo ao mal, ele é condenado. A fé ensina igualmente que Deus é infinitamente bom, o Pai das Luzes, para citar mais uma vez São Tiago (Tg 1, 13): 'Deus é inacessível ao mal e não tenta a ninguém'.

A razão, de acordo com a doutrina de São Tomás, ensina-nos que o bem e o mal não formam uma só entidade, visto que o bem é o próprio Ser, e o mal é a privação do bem. O mal não está em Deus, visto que Deus é infinita e necessariamente bom. Como já dissemos das outras perfeições de Deus, podemos dizer da sua bondade: se Ele não é bom, então Ele não é Deus.

Monismo Lógico

O monismo lógico afirma que o verdadeiro e o falso também constituem uma única realidade. A Gnose sustenta isso, por exemplo, em seu sincretismo, sustentando que todas as religiões e filosofias são iguais. A fé nos ensina, por contraste, que o verdadeiro e o falso são opostos, e o Senhor diz (Mt. 5,37): 'Mas seja a vossa palavra sim, sim: não, não; e o que está além disso provém do mal' .

A razão afirma que o falso é uma negação do verdadeiro. Como diz Aristóteles, é impossível que a mesma coisa, ao mesmo tempo e da mesma forma, seja verdadeira e falsa. Este é o princípio da não contradição, um dos primeiros princípios do pensamento e da metafísica. Se renunciarmos a esses primeiros princípios, renunciaremos à própria racionalidade e à própria possibilidade de compreender e explicar qualquer coisa.

Don Julio Meinvielle sustenta que o absurdo do monismo lógico - que o verdadeiro e o falso formam uma única realidade - é a consequência da absurda tese gnóstica de que o mundo, o homem e Deus emergem do nada. Diríamos, antes, que corresponde a todos os absurdos ensinados pela Gnose: a emergência do nada, a reencarnação, o desenvolvimento de Deus no mundo, o panteísmo, a chamada reconciliação entre o bem e o mal. Em última análise, o Monismo Lógico é o resultado da tese fundamental da Gnose: que o homem pode se tornar Deus. A irracionalidade desta tese resulta da rebelião da vontade contra a Verdade. A tese nada mais é do que a expressão máxima dessa rebelião.

(Excertos da obra 'The New Religion - Gnosis and the Corruption of the Faith', do Pe. Pietro Leone)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

A GNOSE E A ANTI-RELIGIÃO (I)

O grande teólogo argentino Don Julio Meinvielle escreveu: 'Ao longo da história da humanidade, houve duas formas fundamentais de pensar e de viver: uma é católica e é a Tradição recebida de Deus, por meio de Adão, Moisés e Jesus Cristo: a outra é gnóstica e cabalística, que alimenta o erro de todos os povos, no paganismo e na apostasia, primeiro no judaísmo e depois no próprio cristianismo'.

O primeiro desses grandes sistemas de pensamento e vida é, então, a Fé Católica (incluindo sua fase pré-cristã), e o segundo é a Gnose. O primeiro é a única fé e religião verdadeiras. O segundo, constituindo também um corpo coerente de doutrinas, é essencialmente ateu e oposto à única religião verdadeira, podendo ser descrito como a Anti-Religião e a Anti- Religião por excelência. 

Como devemos definir a Gnose? A palavra 'gnosis' vem do grego e significa 'conhecimento'. Como veremos mais tarde, esse conhecimento é entendido como uma forma de conhecimento arcano voltado para a autodeificação do homem. A gnose, rival perene da fé católica, foi manifestada pela primeira vez entre os homens no evento conhecido como pecado original. 

Consideremos esse evento primordial, conforme narrado no livro de Gênesis: 'a serpente era mais sutil do que qualquer um dos animais da terra que o Senhor Deus havia feito. Ela disse à mulher: Por que Deus te ordenou que você não comesse de todas as árvores do paraíso? E a mulher respondeu-lhe, dizendo: Dos frutos das árvores que estão no paraíso comemos, mas do fruto das árvores que estão no meio do paraíso, Deus nos ordenou que não comêssemos; e que não devemos tocá-lo, para não morrermos. E a serpente disse à mulher: Não, não morrereis. Porque Deus sabe que, qualquer que seja o dia em que dela comerdes, os vossos olhos se abrirão; e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal. E a mulher viu que o fruto da árvore era bom para comer, muito agradável de se ver; e tomou dele e o comeu, e o deu ao seu marido, que também o comeu (Gn 3, 1-6).

O acontecimento aqui descrito, o do pecado original, sempre foi entendido e ensinado pela Santa Igreja como um acontecimento real da parte do primeiro casal humano, Adão e Eva. Foi um pecado de orgulho e desobediência a Deus, causado pela sedução do diabo em forma de serpente: uma ação que, na medida em que foi realizada por representantes de toda a humanidade, trouxe prejuízo não só para eles, mas igualmente para toda a humanidade. Este evento constitui ao mesmo tempo o paradigma da Gnose.

Em primeiro lugar, observamos que a Gnose se baseia na negação da Revelação Divina, na negação da Palavra de Deus, ou seja, que a morte será a consequência de se comer o fruto proibido. Por esta razão, pode ser descrito como herética, mesmo que não seja herético no sentido típico e formal de negar um dogma da fé. Examinemos o sistema da Gnose à luz da Fé Católica: primeiro em sua teologia, depois no conhecimento que pretende oferecer ao homem e, finalmente, em sua moralidade.

I. Teologia Gnóstica

A principal característica da teologia gnóstica é o monismo. A razão para isso é simples: se o homem pode se tornar Deus por meio de seus próprios esforços, o homem deve participar da natureza de Deus: o homem e Deus devem possuir uma única natureza, diferenciada apenas de acordo com o grau e perfeição dessa natureza.

A teologia gnóstica é monística, a passo que a teologia católica, em contraste, é dualista, ensinando que o homem e Deus possuem duas naturezas diferentes: uma natureza humana e uma natureza divina. Essas duas naturezas não se diferenciam apenas e essencialmente de acordo com o seu grau de perfeição, mas sim em sua diversidade ontológica. Além dessa principal característica - o Monismo - a Gnose inclui outra característica - a chamada imanência, pois se o homem e Deus possuem a mesma natureza, se eles não são distintos em sua natureza, então Deus deve ser imanente ao homem.

Em contraste, a filosofia e a teologia católicas ensinam que Deus é transcendente ao homem e, de fato, a todo o universo: a filosofia ensina que Ele está absolutamente acima e além do universo: absolutamente independente dele; a teologia ensina o mesmo com base no dogma professado no Credo de que Deus é o Criador e Juiz do mundo; Ele, que criou o mundo por um ato perfeitamente livre da sua vontade, é também o seu Mestre e Juiz.

Outra característica da teologia gnóstica é a mutabilidade de Deus. Segundo a Gnose, o homem se torna Deus, de modo que, em certo sentido, há um certo movimento e mutabilidade em Deus. A filosofia e a teologia católicas, por outro lado, ensinam que em Deus não há mutabilidade, nem movimento, nem mudança, pois Deus é o próprio Ser, a plenitude do ser, Puro Ato em quem tudo se atualiza.

Em conclusão, então, vemos três erros na teologia gnóstica: o Monismo em contraste com o Dualismo; imanência absoluta em contraste com transcendência; mutabilidade em contraste com a imutabilidade de Deus, ato puro. Observamos que, em relação ao segundo ponto, que a doutrina da imanência absoluta de Deus é logicamente insustentável. Isso porque o conceito de Deus, aprofundado pela reflexão teológica, é um conceito de um Ser necessariamente transcendente ao mundo. Se negarmos a transcendência de Deus, postulando que Ele é unicamente imanente ao mundo, negamos efetivamente a sua própria existência. O mesmo se aplica aos outros erros teológicos da Gnose: o monismo entre Deus e o homem e a mutabilidade de Deus.

II. Conhecimento Gnóstico

Em relação aos tipos de conhecimento pelo qual a Gnose afirma divinizar o homem, podemos fazer as seguintes observações:

(i) o conhecimento a que se refere a passagem do Gênesis consiste em dois tipos: o primeiro tipo é o conhecimento de como ser deificado, o conhecimento de se servir de um meio para um fim: isto é, o conhecimento de uma prática particular; o segundo tipo de conhecimento é o fim proposto a Adão e Eva: o Conhecimento do Bem e do Mal;

(ii) o conhecimento (em ambos os casos) é puramente natural;

(iii) é  distinto da vontade, pois não é objeto do exercício da vontade ou de qualquer ação;

(iv) é buscado para o prazer, acima de tudo para o prazer sensual: 'o fruto da árvore era agradável aos olhos e bom de se comer';

(v) é misterioso: não é acessível a todos, mas oculto, na verdade intencionalmente oculto por Deus, afirmam eles, por motivos questionáveis do próprio Deus.

Vamos comparar este conhecimento oferecido aos nossos primeiros pais pelo diabo com o conhecimento de Deus oferecido ao homem pela Religião Católica:

(i) o conhecimento de Deus, oferecido ao homem pela Religião Católica, também é de dois tipos: o primeiro tipo é a própria Fé, que é um meio para alcançar o fim último do homem no Céu; o segundo é a visão beatífica, que constitui esse fim último. O conhecimento de Deus, em ambos os casos, é o conhecimento da Santíssima Trindade, um conhecimento que é, portanto, infinitamente superior ao oferecido a Adão e Eva;

(ii) este conhecimento é sobrenatural: uma iluminação do intelecto por meio da Graça e da Glória respectivamente; ao passo que, como já dissemos, o conhecimento oferecido a Adão e Eva é de ordem puramente natural;

(iii) o conhecimento de Deus é direcionado para o exercício da vontade na caridade: para realizar cada ação de cada um e para conduzir toda a sua vida pelo amor de Deus durante este exílio terreno, e no seu final para descansar e se deleitar em Deus no paraíso;

(iv) o prazer não é a razão para se buscar o conhecimento, mas é a consequência de ter agido de acordo com esse conhecimento levando-se uma vida virtuosa;

(v) finalmente, o conhecimento de Deus nesta vida, ou seja, a Fé, não é misterioso, nem escondido por Deus, mas revelado ao homem, com o mandato de anunciá-lo a todo o mundo.

Concluindo, então, vemos que o conhecimento gnóstico nada mais é do que uma sombra pálida e um substituto enganoso do verdadeiro conhecimento de Deus: seu objeto não é a Santíssima Trindade, seu modo não é sobrenatural; é divorciado das boas obras, buscado pelo prazer e falsamente apresentado como o verdadeiro bem.

III. Moralidade Gnóstica

Vamos finalmente examinar a moralidade gnóstica como ela se manifesta na passagem do Gênesis, comparando-a com a teologia moral católica:

(i) definimos Gnose como um sistema de autodeificação e, como tal, está em oposição ao Cristianismo, que ensina que a deificação do homem procede somente de Deus;

(ii) o primeiro tipo de deificação consiste na transformação do homem em Deus pela perda de sua identidade; o segundo tipo implica a sua participação em Deus, ainda que mantendo a sua identidade;

(iii) no primeiro caso, o homem se faz Deus: sem Deus, no lugar de Deus e apesar de Deus (São Máximo, o Confessor); no segundo caso, o homem é deificado ao se humilhar diante de Deus;

(iv) o primeiro surge por meio de esforços naturais; o segundo, pela graça sobrenatural de Deus;

(v) o primeiro é uma forma de autodeterminação; o segundo é uma determinação efetuada por Deus;

vi) o primeiro tem origem no conhecimento natural e, como é o caso de todo conhecimento natural, é dominado pelo sujeito e nele absorvido; o segundo tem origem no conhecimento sobrenatural ao qual o objeto deve se sujeitar, sacrificando seu intelecto à Verdade absoluta;

(vii) o conhecimento gnóstico está divorciado das boas obras; o conhecimento católico é essencialmente governado por elas;

(viii) o primeiro é motivado pelo prazer; o segundo, pelo amor;

(ix) o primeiro é acessível apenas a uma elite; o segundo, a todos os homens.

Em síntese, o primeiro é caracterizado pelo orgulho e egoísmo e o segundo, pela humildade e sacrifício. Em suma, pode-se dizer que a Gnose é o egoísmo elevado ao status de religião. A gnose capacita o homem a ser como Deus em um sentido, ou seja, no exercício de seu livre arbítrio para fazer o que deseja, mas ao custo da bem-aventurança eterna. A fé católica, por outro lado, permite ao homem tornar-se semelhante a Deus no exercício de seu livre arbítrio, em harmonia com a ordem estabelecida por Deus: a ordem do objetivo verdadeiro e bom, com o propósito de conhecer e amar a Deus aqui na terra. e depois no paraíso.

No Jardim do Éden existem duas árvores: a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e a Árvore da Vida. Para comer dos frutos da primeira árvore, o orgulho é necessário; para comer dos frutos da segunda árvore, basta o sacrifício. A primeira representa a Gnose, a rival perene da fé católica; a segunda representa a fé: pois a segunda é a árvore da cruz, cujos frutos são todas as graças e bênçãos de Deus aqui na terra e as alegrias eternas do céu. Para possuí-los, porém, é necessário passar por sofrimentos e sacrifícios, tomando a nossa cruz e levando-a nos passos de Nosso Senhor, a quem seja dada toda honra e toda glória para todo o sempre. Amém.

(Excertos da obra 'The New Religion - Gnosis and the Corruption of the Faith', do Pe. Pietro Leone)