quinta-feira, 30 de abril de 2020

A ORAÇÃO DE JESUS

Eis a oração de Jesus: 
'Senhor Jesus Cristo, filho de Deus Pai, tem piedade de mim, que sou pecador'

quarta-feira, 29 de abril de 2020

A VIDA OCULTA EM DEUS: A HUMILDADE


verdadeira paz só se encontra na humildade. Despreze-se com sinceridade diante de Deus e faça isso cada vez mais. Pelo menos tente fazer isso e verá os resultados. Se você for capaz de amar (por um ato de vontade) a humilhação e a contradição, terá dado um grande passo em direção a Deus. Aceite com franqueza e sem discussões internas ou externas as pequenas humilhações diárias. Faça isso: custa apenas dar o primeiro passo. Assim, o hábito pode fincar raízes e, então, que alegria e que paz!

Amar ser humilhado e ser considerado ninguém é uma graça. Peça isso sempre, mas com tranquilidade.

Na prática, reconhecer que não se está com a razão é perder pouco e ganhar muito.

Aceite humildemente não agradar a todos; querer o contrário seria querer o impossível.

Cuide da sua necessidade de criticar e contradizer os outros para melhor se afirmar diante de si mesmo. Procura definir os seus sentimentos com simplicidade, precisão, clareza e brevidade; depois mantenha-se sereno e reze.

Esforce-se sempre ainda que pareça que os seus esforços sejam inúteis. Deus quer o seu esforço pessoal para poder recompensá-lo. Permita que o seu fracasso, aparente ou real, o humilhe. Você precisa da humilhação como um freio. Quanto mais doloroso for, mais necessário é para você. Nada nos resguarda mais do que a humilhação e nada nos humilha mais como os nossos defeitos.

Ame as suas imperfeições. Elas o humilham e fornecem a matéria-prima para os seus esforços. Mas corrija-as também. Lembre-se do provérbio: 'quem ama bem, castiga bem'. E não traduza 'bem' por 'muito'. Dê a essa palavra todo o seu senso de restrição, prudência e firmeza, mas não rigidez excessiva. Considere os seus defeitos como uma mina inesgotável de mérito e humilhação e, nesse sentido, seria de se lamentar não ter defeitos. 

Se alguém nos julgasse como nós nos conhecemos, isso nos faria sofrer muito. Mais ainda, se nos fizesse saber o que pensa de nós. Nada nos machucaria mais, por miseráveis que julgássemos ser, do que um simples olhar de alguém que nos visse sob a nossa própria medida e, portanto, com desprezo. 

É como se sentir um ferro em brasas, como uma queimadura ardente, porque o egoísmo nos consome. Existem almas que não conseguem superar as consequências de uma falta cometida e do desprezo que a mesma produz. Quão habilidosos somos nós em responder às críticas e quantas precauções tomamos para evitar a menor humilhação! Mas nada é tão contrário à paz como isso. Existe paz quando você não pode tolerar a menor falta de consideração? Deus nunca haverá de conceder as suas graças a uma alma que se prostra preocupada diante de meras opiniões humanas que, na grande maioria das vezes, mostram-se equivocadas: busca-se então um bem que Deus não proverá. É a Deus quem devemos agradar, para que Ele nos olhe benignamente a cada dia; e não aos homens, buscando obter uma boa impressão a nosso respeito às custas de nossos dons naturais e mesmo de graças sobrenaturais. A vaidade espiritual é a pior de todas as vaidades e isso é prova concreta que estas graças não procedem de Deus ou de que Ele não as concederá mais. Porque é impossível entrar assim no seu Reino.

Trata-se, portanto, de praticar a humildade na medida em que ela realmente existe na alma, para praticá-la, desenvolvê-la, criar raízes e progredir. O que temos que encontrar, então, é a fórmula simples e única que traduz o ato e a origem da humilhação. Se, por exemplo, ao quebrar um copo sobre a mesa, em vez de dizer: 'Como sou desajeitado, sempre fazendo isso!' ou 'o copo escorregou das minhas mãos...' ou variantes assim, diga apenas: 'eu quebrei o copo'. Pronto; num sentido direto, simples e objetivo, sem buscar minimizar ou escamotear o constrangimento do ato. E, outras vezes, é melhor não dizer nada, deixando o silêncio traduzir as verdadeiras disposições de sua alma.

Não tente fazer florescer sentimentos de humildade dentro de você, mas 'exercite-se' nesta disposição, a menos que se entenda por 'sentimentos' coisas como gostos não sensíveis, disposições da alma ou atitudes espirituais.

Ó como estaríamos dispostos a receber as graças de Deus se tivéssemos um julgamento correto e exato sobre nós mesmos e sobre as nossas verdadeiras qualidades, reconhecendo-as sem exagero e vendo nelas tão somente uma concessão divina; e, mais ainda, um julgamento assim sobre os nossos muitos e verdadeiros defeitos e misérias, sem os exagerar também, mas vendo-os à luz de Deus! Nesse sentido, o orgulho seria impossível. Os santos viviam nessa luz e, por isso, pequenas faltas que nos parecem triviais mostravam-se enormes para eles, por causa da medida precisa que tinham da santidade de Deus e do profundo horror divino às nossas menores imperfeições. E, uma vez iluminados de maneira extraordinária, a humildade legou a eles contemplar de tal modo a própria miséria que, por  se depreciarem tanto diante dela e com julgamentos tão severos sobre si mesmos, tais considerações podem nos parecer surpreendentes.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte I -  O Esforço da Alma; tradução do autor do blog)

terça-feira, 28 de abril de 2020

A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS É UM CASTIGO DE DEUS?

A perda de referências doutrinárias e das premissas mais elementares da fé católica levam grupos cada vez maiores de católicos a proclamarem, como uma verdade inquestionável, que Deus, sendo o Deus da misericórdia infinita, não castiga os homens e, assim, a pandemia do coronavírus deveria ser entendida como um fato alheio à Vontade de Deus. Entediados pela tibieza da fé e do relativismo, talvez nem percebam a natureza de tão grande blasfêmia: uma singular e crescente letargia em relação a qualquer realidade transcendente de nossa vida, cujos eventos passam então a ser sempre entendidos e interpretados pelo viés da história humana e, assim, privados de qualquer dimensão sobrenatural e, muito menos, por movimentos e desígnios da própria Providência Divina.

Deus não castiga?

'Eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus zeloso. Castigo a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que me odeiam (Dt 5, 9)

'Viste como Acab se humilhou diante de mim? Como ele assim procedeu, não mandarei o castigo durante a sua vida, mas nos dias de seu filho farei vir a catástrofe sobre a sua casa' (I Rs 21, 29)

'Por que razão o ímpio despreza Deus e diz em seu coração 'Não haverá castigo?' (Sl 9, 34)

'não é o poder dos ídolos invocados, mas o castigo reservado ao pecador, que sempre persegue as faltas dos maus' (Sb 14, 31)

'Senhor, na tribulação, nós vos buscamos, e clamamos a vós na angústia em que vosso castigo nos abate' (Is 26, 16)

'É contra ti que me volto, ó insolente, chegou o teu dia, o tempo do teu castigo (Jr 50, 31)

'O Senhor não se descuidou do castigo, e o descarregou sobre nós, porque o Senhor, nosso Deus, é justo em tudo o que faz. Mas nós não escutamos a sua voz' (Dn 9, 14)

'Porque estes serão dias de castigo, para que se cumpra tudo o que está escrito. Ai das mulheres que, naqueles dias, estiverem grávidas ou amamentando, pois haverá grande angústia na terra e grande ira contra o povo. Cairão a fio de espada e serão levados cativos para todas as nações, e Jerusalém será pisada pelos pagãos, até se completarem os tempos das nações pagãs'. Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia irão apoderar-se das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definha­rão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas' (Lc 21, 22-26).
'Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te' (Ap 3, 19).
É claro que Deus castiga, e castiga os que ama, para corrigi-los dos erros; e pune os ímpios com ira santa, porque desdenharam da Graça. A temática do erro e da punição na justiça divina - tão infinita quanto a sua misericórdia - é mais óbvia do que o dia seguir-se à noite. O Purgatório e o Inferno não são meras abstrações difusas. Sodoma e Gomorra foram destruídas pelos pecados dos seus habitantes e não para se contar uma fábula. O Dilúvio foi um castigo divino de cunho universal. O pecado original impactou toda a humanidade e a pena dele privou não apenas Adão (que foi expulso do Paraíso), mas também toda a sua descendência da Graça e de todos os dons que Deus havia lhe outorgado desde a Criação. Por acaso, em Fátima, Nossa Senhora falou do castigo de Deus reservado à humanidade pecadora por meio de metáforas? Por acaso mostrou o inferno a três crianças porque estava proclamando que a misericórdia de Deus vai salvar todos os pecadores? Então, como Deus não castiga?

Deus castiga os justos e os ímpios; os primeiros para resgatá-los na sua Redenção e salvá-los pela misericórdia; os últimos para salvar os que só podem ser salvos pelo temor da justiça divina. No escopo da fé cristã, flagelos, desastres, doenças e a morte constituem consequências diretas do pecado original. E, por meio deles e de outros tantos meios, Deus pode castigar (e castiga) um homem em particular, um grupo de pessoas, uma nação ou mesmo o mundo inteiro, de acordo com a gravidade das ações particulares e/ou públicas perpetradas contra a lei de Deus. Assim, por princípio, é inconcebível ponderar o flagelo do coronavírus como não sendo um ato direto da interposição de Deus em relação à geração atual da humanidade. E, por ser flagelo e por ser pandemia, por ser agente extremado de dor, sofrimento e morte - frutos do pecado original e dos homens de pouca fé desta geração - só pode ser um castigo movido pela santa ira de Deus. 

Todo católico sabe (ou deveria saber) que doenças e, portanto, também epidemias, sofrimento e privação de entes queridos, devem ser aceitos com fé e humildade, e com profundo espírito de mortificação para expiação dos nossos pecados pessoais. E que, graças à Comunhão dos Santos, podemos oferecer essas provações também para o perdão dos pecados dos outros, para a conversão dos que não creem e para abreviar a purificação das almas santas do Purgatório (Igreja Penitente). E mais: que Deus é infinita misericórdia, sim, mas que o pecado, mesmo venial, nos separa por um abismo profundo de Deus. E, como cristãos convictos, deveríamos ter a consciência perfeita de que, na sua Sua Paixão e Morte de Cruz, o divino Salvador assumiu para si não apenas o peso do Pecado Original, mas também de todos os nossos pecados, de todos os tempos e de todos os homens. Os meus e os seus também. E que o nosso pecado pessoal tem reflexo direto nas dores e sofrimentos que Cristo padeceu em suas três horas de agonia na Cruz. Temos uma perfeita consciência disso e da gravidade dos nossos pecados, mesmo veniais?

Mas, além dos pecados pessoais, sobem aos Céus pecados terríveis cometidos por povos inteiros, por nações, por toda a humanidade, como os pecados terríveis do aborto, da eutanásia, do culto à sodomia e à ideologia de gênero, do divórcio e do casamento homossexual, da pornografia, da corrupção dos costumes, da manipulação do capital, da exploração dos mais pobres, do tráfico e consumo de drogas ilícitas, das falsas ideologias, da nova era, das sociedades secretas, do capitalismo selvagem, do ateísmo militante, do relativismo religioso, do ecumenismo, do culto ao corpo, da profanação do sagrado, das blasfêmias e de tantos sacrilégios... Nações e sociedades inteiras que não apenas ignoram Deus, mas que o negam de forma aberta e sistemática, que impõem aos seus cidadãos leis e procedimentos, que não apenas contrariam, mas que se rebelam e se contrapõem por completo aos preceitos da moral natural e da Fé católica. E estes povos e nações vão ficar nutrindo da utopia de que permanecerão isentas da ira santa de Deus?

Some-se a isso uma coleção inimaginável de adultérios, de violação dos domingos, de profanações da eucaristia, negligência e desrespeito aos ritos litúrgicos, exaltação de práticas ecumênicas, licenciosidade a outros ritos religiosos, louvor a tal mãe terra e ao panteísmo... tudo isso caracteriza uma profunda ruptura da humanidade com Deus. E nesse caldo de horrores se agregam também os frutos podres do desvario e da infidelidade de tantos clérigos e religiosos, escândalos contra os pequeninos, abusos litúrgicos de toda ordem... Neste quadro, tão explicitamente exposto por Nossa Senhora em Fátima, a pandemia (epidemia universal) não seria um castigo de Deus? Uma provação de tal ordem que freia a vida contemporânea nos seus limites, que faz literalmente o mundo parar, não seria um castigo de Deus? 

Mas o maior dos castigos não seria a privação da própria Missa e dos sacramentos? Um castigo imposto, assim, à própria Igreja? Um castigo imposto, assim, aos próprios católicos, por viverem como criaturas tíbias, dóceis, passivas, indiferentes e acovardadas num mundo cada vez mais tolerante e comprometido com o Maligno? Um castigo imposto, assim, a toda uma humanidade que se legou a divinização do próprio homem e que se declara cada vez mais agnóstica, ateísta, herética e anticlerical? Vivemos hoje, em caráter universal, a dramática experiência que muitos cristãos tiveram de não ter acesso direto aos sacramentos e à eucaristia em determinadas épocas e sob circunstâncias específicas da história humana, tipicamente associadas a grandes e sangrentas perseguições religiosas. 

Mas o caso presente é distinto de todas essas experiências prévias: o flagelo (e não estou falando da pandemia) é universal e atinge toda a Igreja de Cristo e é imposto sob a concessão e a subserviência da própria hierarquia católica. Mas nem tudo está perdido, porque Deus, na sua infinita paciência, ainda nos dá tempo para esperar pela nossa resposta, pela nossa reação diante de tão grande provação. O flagelo de uma pandemia é uma tragédia e, sem dúvida, uma enorme fonte de angústias e de sofrimentos mas, ainda assim, pode ser uma preciosa oportunidade de mudança de costumes e para uma verdadeira transformação de nossa fé cristã tornada operante e ativa sob o domínio da caridade.

Neste contexto, será que estamos compreendendo bem a dimensão desse flagelo? Qual é a função do castigo se não tiver o proveito da correção? Qual é o sentido de um castigo universal que não seja a adoção de medidas que promovam bruscas e definitivas mudanças de rota na atual bancarrota moral da espécie humana? Vão morrer alguns milhares de homens para a conversão de milhões? Vamos fazer férteis os corações duros para florescer a vinha do Senhor? Vamos nos tornar soldados de Cristo e portar, como guerreiros valorosos, as armas e as armaduras da fé cristã autêntica para enfrentar os males e as misérias do mundo quando pudermos dispor as máscaras que usamos como escudos contra um vírus? Vamos fazer amanhã, no nascer de um novo tempo, um mundo cristão enquanto somos cristãos no mundo? Estamos realmente rezando mais, renunciando às coisas que passam e firmemente determinados no projeto da nossa efetiva conversão e salvação eterna? Estamos realmente praticando a caridade cristã e amando o próximo sem anelos de gratidão ou de retribuição alguma? Se dissermos SIM a tudo isso, Deus nos receberá novamente como filhos e, como Pai de Misericórdia que é, nos levará ao cimo da santidade pessoal e ao Reino de Maria neste mundo. Mas, se a nossa resposta a tudo isso for ainda NÃO, então que Deus tenha piedade de todos nós! 

segunda-feira, 27 de abril de 2020

DA VIDA ESPIRITUAL (104)

Deus quer para si servidores de primeira hora, cristãos por inteiro. Não católicos pela metade, não servidores de hora marcada. Muitas vezes, queremos ser católicos do Domingo da Ressurreição, mas não católicos da Sexta-feira Santa. Queremos a glória da Ascensão do Senhor, mas nos esquivamos de subir o Calvário. Somos sedentos da luz de Cristo, mas nos assombramos diante da Cruz de Cristo. Temos o maior empenho em louvar as chuvas de bênçãos de pentecostes, mas nos esmaga, no passo adiante, o peso do apostolado. Somos vitoriosos no dia em que o Senhor fez para nós, mas nos aturdimos e nos desfalecemos com as tormentas dos dias de provações. Somos passageiros da barca quando Jesus está à proa, mas nos refugiamos nos abismos do escondimento quando nos sentimos sós. Somos herdeiros do Céu quando estamos confortáveis, mas nos tornamos sal insosso e trevas quando perdemos o porto das convicções. 

Deus aceita as nossas misérias e as nossas contradições, mas não nos quer pela metade ou partidos aos pedaços. Deus nos quer por inteiro, servos fieis nas horas do bem e nas horas da provação, íntegros na fé, zelosos na esperança, artífices da perseverança moldada pela perseverança anterior. Eis o legado da tua alma cristã destinada às eternas planuras: chegar um dia, íntegra, completa, zelosa e perseverante diante de Deus!

domingo, 26 de abril de 2020

PÁGINAS COMENTADAS DOS EVANGELHOS DOS DOMINGOS


'Sabeis que fostes resgatados da vida fútil herdada de vossos pais... pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha nem defeito. Antes da criação do mundo, ele foi destinado para isso, e neste final dos tempos, ele apareceu, por amor de vós. Por ele é que alcançastes a fé em Deus. Deus o ressuscitou dos mortos e lhe deu a glória, e assim, a vossa fé e esperança estão em Deus' (1Pd 1, 18-21)

sábado, 25 de abril de 2020

A BÍBLIA EXPLICADA (XXII): 'APASCENTA AS MINHAS OVELHAS!'

'Era esta já a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado. Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: 'Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?'. Respondeu ele: 'Sim, Senhor, tu sabes que te amo'. Disse-lhe Jesus: 'Apascenta os meus cordeiros'. Perguntou-lhe outra vez: 'Simão, filho de João, amas-me?'. Respondeu-lhe: 'Sim, Senhor, tu sabes que te amo'. Disse-lhe Jesus: 'Apascenta os meus cordeiros'. Perguntou-lhe pela terceira vez: 'Simão, filho de João, amas-me?'. Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: 'Amas-me?' – e respondeu-lhe: 'Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo'. Disse-lhe Jesus: 'Apascenta as minhas ovelhas' (Jo 21, 14-17).

Esta passagem do texto do Evangelho de São João é carregada de simbolismos e de sinais proféticos. Trata-se explicitamente da terceira manifestação de Jesus aos seus discípulos após os eventos da sua Paixão e Ressurreição e esta menção não é casual e tem relação íntima tanto com as três perguntas que o Senhor dirigiu a Pedro como às três negações do Apóstolo. Por três vezes Pedro há de negar a Pedro, por três vezes Jesus vai pedir para Pedro (o papado) apascentar a Igreja. Com uma diferença exponencial no terceiro pedido: apascenta as minhas ovelhas e não, como nas duas precedentes, apascenta os meus cordeiros.

Existe, portanto, um caráter completamente distinto envolvendo os dois primeiros diálogos de Jesus com Pedro (e, assim, igualmente, entre a terceira e as duas primeiras negações de Pedro). Entre o rebanho de cordeiros (filhote da espécie, indicando, assim, uma Igreja ainda infante e por cumprir ainda a sua função de evangelizar o mundo) e o rebanho de ovelhas (animais adultos, representando simbolicamente a Igreja madura e já plenamente consolidada no mundo), as palavras de Jesus, mais do que a Pedro, são dirigidas à Igreja Militante de tempos essencialmente diversos.

Serão três eras distintas, três momentos absurdamente críticos para a Igreja de Cristo, momentos tão tenebrosos na história humana que levaram o próprio Senhor a explicitar a Pedro (e aos sucessores de Pedro) a sua ordem divina: 'se me amam de verdade, zelem com cuidado extremo e particular pelos meus filhos nestes tempos de tribulação extremada'. 

O primeiro momento tenebroso da história da Igreja é a mesma ter padecido, no nascedouro, de Jesus ausente em corpo entre os homens. Os discípulos, mesmo após o longo convívio com a presença, os ensinamentos, exemplos e milagres do Senhor, vão se refugiar em lugares fechados por medo dos homens, vão vacilar, vão se acovardar. E será o próprio Pedro o mentor do primeiro apelo de Jesus, o mesmo Pedro que vai negar o Mestre pela primeira vez diante de uma simples criada. Sim, uma simples mulher abre a porta para Pedro adentrar um espaço mundano, mas são os próprios discípulos que fecham as portas dos seus refúgios por medo dos homens e da missão que têm a cumprir. Diante da perturbação e da queda iminente diante um mundo que ainda desconhece por completo os mistérios da graça (a criada), Pedro e os Apóstolos romperão as portas do escondimento e do medo para se tornarem os arautos dos evangelhos e os mártires da fé após o Pentecostes. E, assim, a Igreja Primitiva ouviu e fez cumprir o primeiro mandato de Cristo: apascenta os meus cordeiros.

O segundo momento tenebroso da história da Igreja não teve uma data fixa e definida, mas se estendeu por um longo período de flagelo diante as muitas e variadas eras das perseguições romanas. Naqueles tempos, o martírio se converteu em prática cotidiana. Para subverter a Roma pagã e alçar os ares do mundo, o Evangelho de Cristo floresceu na sementeira do sangue derramado por milhares e milhares de mártires. Como conciliar provação tão tremenda de amor à fé cristã por tantos homens e mulheres diante da figura apequenada de Pedro, refestelado diante do fogo acolhedor para se aquecer da noite fria quando Deus vivo está sendo condenado à morte? É uma outra criada agora que o interpela e o acusa diante de outros, isto porque o mundo pagão agora não pode mais dizer que desconhece a Verdade: a força do evangelho vai arrebentando portas e masmorras e convertendo milhares de milhares e, por isso, deve ser denunciado, atacado e combatido pelos inimigos reunidos em torno do fogo acolhedor das misérias do mundo. Essa perseguição vai ter raízes ainda mais profundas no enfrentamento de hordas heréticas de diversas origens, mas o triunfo da Igreja é definitivo. Pedro vai se transformar em um novo Cristo após o seu 'quo vadis' e juntar o seu martírio ao de outros milhares de mártires que temperaram o cadinho da Igreja Nascente e purificada que reformou o mundo para fazer cumprir fielmente o segundo mandato de Cristo: apascenta os meus cordeiros.

O terceiro momento tenebroso da história da Igreja ainda está por vir e terá um período e data muito bem definidos, conforme as inúmeras profecias e referências presentes nos textos das Sagradas Escrituras: os tempos do Anticristo. Será uma era de provação como nunca se viu, será uma hora tremenda para a Igreja e para o povo santo de Deus. Será uma época de perseguições e martírios, de uma crise de fé espantosa, de uma rebelião inimaginável dos homens contra o Evangelho e a fé cristã. Na terceira provação magna da sua história, os eventos associados às duas primeiras estarão presentes conjunta e simultaneamente, e em magnitude extrema. Isto se conclui porque a terceira negação do Apóstolo não constitui somente uma negação como as outras: Pedro blasfema, faz imprecações e jura em falso. A Igreja não apenas vacila e tem medo, mas muda de lado e se alia ao mal. E o galo canta, pois a noite está no fim e já desponta o amanhecer de um novo dia. Neste simbolismo dos trechos proféticos, fica expresso o triunfo final da Igreja nos novos tempos que seguem o fim da noite fria, escura e tenebrosa de provações tamanhas. Este triunfo da Igreja, como expressamente ratificado por Nossa senhora de Fátima, é a certeza de que, naqueles tristes tempos, será firmemente edificada a Igreja Eterna de Cristo e cumprido in totum o terceiro e último mandato de Cristo: apascenta as minhas ovelhas.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

OS GRANDES MÍSTICOS DA IGREJA (IV)

GERTRUDES DE HEFTA

Escondida no anonimato dos tempos, pouco se sabe realmente sobre as origens de Gertrudes de Hefta, a não ser que o seu nascimento se deu em 6 de janeiro de 1256, provavelmente em Eisleben (Alemanha), e que teria ingressado no mosteiro beneditino de Santa Maria de Helfta ainda criança, com idade de 5 anos, como era costume à época nos mosteiros cistercienses.


Neste ambiente particular de devoção e santidade ímpares, Gertrudes conviveu com outras duas grandes religiosas da vida monástica: Gertrudes de Hackeborn (que tinha o seu mesmo nome e era a priora do mosteiro) e Santa Matilde de Hackeborn (irmã da priora). Sob a tutela direta da segunda, Gertrudes recebeu uma esmerada educação intelectual e religiosa, baseada nos estudos das Sagradas Escrituras, na Liturgia, na Tradição patrística, nas regras e na espiritualidade cisterciense, particularmente nos ensinamentos de São Bernardo de Claraval. Exímia no cumprimento da vida monástica e dócil, obediente e prestativa em todos as funções da vida comunitária, Gertrudes construiu uma vida de santidade singular durante a adolescência e toda a sua juventude. 

Por ocasião do Advento de 1280, viveu um período obscuro de fé dúbia e vacilante. Deus preparava assim a sua eleita, mediante uma profunda provação espiritual, para ser uma das grandes místicas da Igreja. Ao experimentar a primeira visita mística de Jesus, em 27 de janeiro de 1281, com a idade de 25 anos, tem início o que a santa chamaria de 'conversão': a partir de então, toda a sua vida será consagrada a uma íntima, fervorosa e ininterrupta união com Deus e completo abandono à Sua Santa Vontade: 'dai-me a graça que toda criatura seja nada para mim e só Vós sejais o deleite do meu coração', pontuada por êxtases e visões diversas. Em uma destas visões, por exemplo, contemplou o Menino Jesus e Nossa Senhora no dia em que Ele foi apresentado no Templo para o cumprimento dos preceitos da purificação.

A Eucaristia constituía o centro da vida religiosa da santa, cercada sempre por profundos atos de piedade, contrição e adoração a Jesus Sacramentado e, nesse sentido, ela viveu, juntamente com a sua preceptora Santa Matilde de Hackeborn, os mistérios e as graças pioneiras da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que somente seria revelado em plenitude ao mundo, por meio de Santa Margarida Maria Alacocque, cerca de quatro séculos depois. Essa intimidade da graça, profunda e mística, rendeu à santa a concessão dos estigmas das chagas de Cristo e fez dela, além de ser chamada 'a Grande', a santa da santa humanidade de Cristo, a santa da teologia da Encarnação, a santa da teologia do Sagrado Coração de Jesus.

As suas experiências místicas e espirituais foram compiladas em obras como 'Arauto do Amor Divino', 'Revelações' e 'Exercícios Espirituais'. De particular relevância no conjunto imenso de êxtases e experiências místicas, foi o seu conhecimento avançado da realidade do Purgatório: a natureza das penas associadas a cada tipo de pecado, a natureza dos padecimentos das almas penitentes e, de modo especial, a vinculação das devoções eucarística e ao Sagrado Coração de Jesus em proveito da mitigação dos sofrimentos e da própria libertação das almas do Purgatório. 


É pouco provável que exista uma oração específica da santa pelas almas do Purgatório ou uma oração para libertação de mil ou um número fixado destas almas. Na verdade, Santa Gertrudes fazia várias orações diferentes na intenção das almas do Purgatório, em particular pelas religiosas falecidas do mosteiro. Estas experiências foram intimamente compartilhadas no ambiente monástico da época com Santa Matilde de Hackeborn.

Ambas as santas tiveram visões de multidões de almas deixando o Purgatório após as suas orações e, nas alocuções com Jesus, este fato foi várias vezes ratificado a elas. Numa certa ocasião, por exemplo, Santa Matilde de Hackeborn perguntou a Jesus que alívio tivera a alma de um falecido pela qual rezara cinco Pai-Nossos em devoção às suas cinco chagas, ao que Jesus respondeu: 'ela obtém cinco benefícios assim: os anjos oferecem a sua proteção à direita; à esquerda, consolo; na sua frente, dão esperança, às costas, confiança e, acima dela, a alegria celestial'. E acrescentou então: 'toda pessoa que, movida por um sentimento de compaixão e caridade, intercede em favor da alma de um falecido, participa de todo o bem que é feito na Igreja nesta intenção e, no dia em que deixar este mundo, encontrará todo esse bem para proveito do alívio e da saúde da sua própria alma'.

Depois de um longo período de anos de sofrimentos e enfermidades dolorosas, Santa Gertrudes, a Grande, faleceu em data ainda incerta, se 17 de novembro de 1301 ou de 1302. Embora nunca tenha sido oficialmente canonizada pela Igreja, a sua festa litúrgica é comemorada em 16 de novembro desde o século XVIII, por determinação do papa Clemente XII (papa no período 1730 - 1740).