quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XLV)

XXIX

DA NECESSIDADE, NATUREZA E EFEITOS DO SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO: INSTRUÇÃO QUE REQUER E OBRIGAÇÕES QUE IMPÕE

É suficiente a graça do batismo para levar em tudo vida digna de Jesus Cristo?
Não, Senhor; porque a graça do batismo é graça inicial ou de principiantes, se assim é lícito falar; comunica-nos a vida de Cristo, porém, não o vigor para crescermos e desenvolvermo-nos até à plenitude (LXV, 1; LXXII, 7, ad 1)*.

Que graças produzem tais resultados?
As da Confirmação e Eucaristia (LXV, 1).

Que entendeis por Confirmação?
O sacramento da Nova Lei, destinado a conferir a graça, em virtude da qual medra e se desenvolve o ser sobrenatural recebido no batismo (LXXII, 1).

Em que consiste?
Em ungir, em forma de cruz, com o crisma bento a fronte do confirmando, enquanto o ministro pronuncia estas palavras: 'Assinalo-te com o sinal da cruz e confirmo-te com o Crisma da salvação, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém' (LXXII, 2, 4, 9).

Que simboliza o Crisma empregado como matéria neste sacramento?
A plenitude da graça do Espírito Santo que conduz o cristão à vida perfeita para que, com a prática das virtudes, difunda, ao redor de si, o odor de Cristo. Por isso o Crisma está composto de azeite de oliveira, símbolo da graça, e da planta aromática por excelência, o bálsamo (LXXII, 2).

Que manifestações compreende a forma deste sacramento ou as palavras que o ministro pronuncia?
São três: nomeia-se a Santíssima Trindade, para dar a entender que ali está a fonte e manancial de toda a graça; diz-se: 'Eu te confirmo com o Crisma da salvação', para indicar que o efeito deste sacramento é conferir fortaleza e vigor, e imprime-se na fronte do confirmando o sinal da cruz, porque ele, instrumento do triunfo do nosso comandante e Rei, há de ser a bandeira, a divisa e o distintivo do soldado de Cristo, aprestado para os grandes combates da vida cristã (LXXII, 4) .

Logo, o sacramento da Confirmação é o sacramento da virilidade cristã, o que transforma o cristão menino em cristão homem, capaz de lutar e vencer os inimigos exteriores do nome de Cristo?
Sim, Senhor; e, por isso, o administra ordinariamente o bispo, a quem, por virtude do cargo, está encarregado tudo o que é perfeito na Igreja (LXXII, 11).

Se o sacramento da Confirmação é o que acabais de dizer, que necessidade têm os confirmados de ter padrinhos?
Porque, em toda milícia bem organizada, deve-se ter instrutores encarregados de adestrar os recrutas nas artes da milícia e da guerra (LXXII, 10).

Logo, têm os padrinhos da Confirmação dever estrito de velar pelos recém confirmados e iniciá-los nos caminhos e dificuldades da vida cristã?
Certamente que sim e seria muito de desejar que, na prática, tivessem cuidado mais exato de tão sagrada obrigação e a cumprissem melhor.

Imprime caráter este sacramento?
Sim, Senhor; e por isso não pode repetir-se (LXXII, 5).

Se alguém o receber sem as disposições convenientes, pode alcançar mais tarde os seus efeitos?
Sim, Senhor, porque, permanecendo o caráter, se logrará o fruto quando a alma ficar livre de obstáculos. Pela mesma razão, devemos revigorar a graça, própria deste sacramento, que é a graça de fortaleza espiritual, exercitando-nos com frequência em combater os inimigos da nossa fé.

Logo, este sacramento tem especial importância para os que vivem entre povos hostis à vida e nome cristãos?
Sim, Senhor; porque eles, mais que ninguém, necessitam de valor e fortaleza de ânimo para se manter fieis e para se  defender das arremetidas e ciladas de quantos os desprezam ou perseguem.

Que considerações deve fazer o cristão para não esmorecer e conservar o vigor adquirido na Confirmação?
Todo aquele que teve a ventura de receber este sacramento, e com ele a plenitude dos dons do Espírito Santo, deve ter sempre presente que leva gravada na alma com caracteres indeléveis, a insígnia gloriosa de soldado de Cristo e que, assim, como o ardor bélico e a fidelidade à bandeira são as primeiras e mais formosas virtudes militares, assim também não há qualificativo mais odioso e envilecedor que a nota de covarde, aplicada a quem com ela desonra o uniforme de combatente.

Se tais são as obrigações que impõe este sacramento, deverá exigir-se do confirmando sólida instrução em matéria de fé e práticas cristãs?
Sim, Senhor. Na verdade, deve possuir o suficiente, não só para ordenar e dirigir a sua vida privada, mas também para defender o seu credo e a sua moral contra os assaltos de quem as combate (LXX, II, 4 ad 3).

XXX

QUAL DOS SACRAMENTOS REQUER  INSTRUÇÃO RELIGIOSA MAIS SÓLIDA, O DA CONFIRMAÇÃO OU O DA EUCARISTIA?

Há outro sacramento para cuja recepção se necessita de um conhecimento bastante completo dos mistérios da fé?

Sim, Senhor; o da Eucaristia e, se bem que o ensino religioso começa antes de receber o batismo quando os catecúmenos são adultos e como nos países cristãos se administra comumente o batismo em muito tenra idade, não surge a obrigação de instruí-los até à época da Confirmação ou a de receber a Eucaristia, suposto o sacramento da Penitência.

Qual dos dois requer maior instrução, o da Confirmação ou o da Eucaristia?
Ambos requerem a mesma instrução sólida, se o confirmando está na idade em que já obriga o preceito de receber a Eucaristia. Porém, como pode suceder, e de fato ocorre na prática, que muitos recebem antes da Confirmação a Eucaristia, podemos assentar como regra geral que o segundo não requer preparação catequética tão completa como o primeiro, porque o confirmado deve, como temos dito, possuir um cabedal de conhecimentos religiosos suficientes para poder resistir às argúcias dos seus inimigos. Não se esqueça, apesar disso que, depois de receber um ou ambos os sacramentos, está obrigado o cristão a continuar estudando com ardor e diligência os mistérios da nossa santa religião.

XXXI

DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA

Que entendeis por sacramento da Eucaristia?
Um sacramento admirável e misterioso em que, sob as aparências ou espécies de pão e vinho, se dá em alimento o corpo e em bebida o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, ali realmente presente em forma sacramental, no mesmo estado de vítima imolada como esteve no Calvário (LXXIII - LXXXIII).

É necessário este sacramento para nos salvarmos?
Sim, Senhor; porque simboliza e leva ao extremo a unidade da Igreja, corpo místico de Jesus Cristo, à qual forçosamente hão de pertencer quantos hajam de entrar reino uno dos céus. Porém, tenha-se presente que para conseguir este efeito, basta que o homem tenha pessoal e real intenção de receber o sacramento ou, pelo menos, a tenha habitual, como a têm os meninos, comunicada pela Igreja o batismo (LXXIII, 3).

Que nomes tem a Eucaristia?
Considerada como recordação da paixão do nosso Divino Redentor, chama-se Sacrifício, visto como  aquela imolação foi o sacrifício por excelência; enquanto realiza a unidade de seu corpo místico, que é a Igreja, tem o nome de Comunhão; o de Viático, como prenda da glória futura e o de Eucaristia ou Boa Graça, porque contém realmente Jesus Cristo, fonte e origem de todas as graças (LXXIII, 4).

Quando foi instituído?
Na tarde da Quinta-Feira Santa, véspera do dia da Paixão, para consolar os homens e compensar a ausência de Cristo, prestes a voltar para os céus, cumprida na terra a sua missão; para fazer compreender o enlace íntimo deste sacramento com a paixão do Redentor, única origem da graça, e para promover o seu culto, escolhendo para instituí-lo aquelas memoráveis e soleníssimas circunstâncias (LXXIII, 5).

Teve, na antiga lei, figuras que de uma maneira especialíssima o simbolizavam?
Sim, Senhor; como sacramento ou sinal externo, foi prefigurado no pão e vinho do sacrifício de Melquisedeque; enquanto contém realmente o corpo de Cristo, pelos sacrifícios do Antigo Testamento e, em especial, pelo mais solene de todos, a expiação; como manjar espiritual, pelo maná, e em todos os conceitos, pelo cordeiro pascal que, depois de imolado, se comia com pão ázimo e cujo sangue protegia contra as iras do anjo exterminador (LXXIII, 6).

XXXII

MATÉRIA E FORMA DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA: TRANSUBSTANCIAÇÃO, PRESENÇA REAL E ACIDENTES EUCARÍSTICOS

Qual é a matéria do Sacramento da Eucaristia?
Pão de trigo e vinho de uva (LXXIV, 1, 2).

Que sucede na matéria no momento da consagração?
A substância do pão deixa de ser pão e a do vinho deixa de ser vinho (LXXIV, 2).

Em que se convertem as substâncias do pão e do vinho?
A do pão, no Corpo de Jesus Cristo e a do vinho, no seu Sangue (LXXV, 3, 4).

Que nome tem esta conversão ou troca?
O nome de Transubstanciação (LXXV, 4).

Que expressa a palavra transubstanciação?
A conversão de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue.

Quem é capaz de efetuar tão estupenda transformação?
Só a Onipotência Divina (Ibid).

Converte-se no Corpo e Sangue de Cristo somente a substância ou tudo o que existe no pão e no vinho?
Somente a substância, permanecendo sem alteração os acidentes (LXXV, 2 ad3).

Que entendeis quando afirmais que permanecem os acidentes?
Que continuam, no mesmo estado, a extensão ou quantidade, a figura, a cor, o gosto, a resistência e as mais propriedades ou entidades sensíveis, por meio das quais temos o conhecimento do pão e vinho, antes da consagração.

Por que não se transformam também os acidentes?
Porque são necessários para se manter e assegurar a presença sacramental de Jesus Cristo (Summa contra gentes, livro IV cap. LXIII).

Que aconteceria se os acidentes se transformassem em Corpo e Sangue de Cristo?
Que o que foi pão e vinho desapareceria absoluta e totalmente (Ibid).

Que se segue, pelo contrário, com a permanência das espécies sacramentais?
Que, ligados a elas, mediante as suas respectivas substâncias, estão o Corpo e Sangue de Cristo do mesmo modo como o estavam as substâncias do pão e vinho, de sorte que, assim como antes da transubstanciação, ao tocar os acidentes, tínhamos nas mãos as substâncias do pão e do vinho temos, depois da transubstanciação, o Corpo e o Sangue de Cristo (Ibid).

O que há sob as espécies depois da consagração é identicamente o mesmo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Sim, Senhor (LXXV, 1).

Acha-se Jesus Cristo inteiro e completo no sacramento da Eucaristia?
Sim, Senhor; porque, se bem que sob as espécies do pão, em virtude das palavras sacramentais, só está o Corpo e sob as do vinho, o Sangue, por concomitância e já porque é impossível separar na sua humanidade os dois elementos, como foram separados na cruz, onde quer que esteja o corpo, ali está o sangue e a alma e onde se ache o sangue, o acompanham a alma e o corpo. Quanto à divindade não há dificuldades, pois nunca, nem mesmo durante a morte do Redentor, se separou a pessoa divina de cada um dos componentes de sua humanidade (LXXVI, 1, 3).

Está Jesus Cristo inteiro em cada parte das espécies sacramentais?
Enquanto as espécies permanecem indivisas, está completo em todo o Sacramento e quando se fracionam, está tantas vezes inteiro e completo, quantas partes se hajam feito (LXXVI, 3).

É possível ver, tocar ou de algum modo chegar ao Corpo de Jesus Cristo no estado sacramental?
Não, Senhor; porque aquelas espécies acessórias aos nossos sentidos não são acidentes do Corpo de Cristo, único meio de chegar à sua substância (LXXV, 4-8).

Que se deduz desta verdade?
Que as espécies sacramentais o encerram como prisioneiro, e por sua vez o protegem, de sorte que, quando algum desalmado intente enfurecer-se contra o Corpo de Cristo, só consegue profanar o Sacramento.

São inalteráveis as espécies sacramentais depois da consagração?
Não, Senhor; decompõem-se e transformam-se depois de poucos momentos de ingeridas como alimento, e também se corrompem abandonadas por muito tempo à ação dos agentes atmosféricos (LXXVII, 4).

Que sucede quando as espécies deixam de ser os acidentes do pão e do vinho consagrados?
Que no mesmo instante cessa a presença eucarística de Jesus Cristo, pelo fato de desaparecer o motivo que o retinha enlaçado aos acidentes e, mediante os acidentes, ao lugar por eles ocupado (LXXVI, 6 ad 3).

Logo, a presença eucarística de Jesus Cristo num lugar depende exclusivamente da consagração e da permanência dos mesmos acidentes do pão e do vinho consagrados?
Sim, Senhor; visto que a razão de tal presença não pode advir das mudanças operadas no Corpo impassível de Cristo, mas no pão e no vinho (Ibid).

Como se faz a consagração?
Pronunciando, com as devidas condições, a forma da Consagração (LXXVIII).

Qual é esta forma?
Para consagrar o pão: 'Isto é o meu Corpo'. Para consagrar o vinho: 'Este é o Cálice do meu Sangue, o Sangue do novo e eterno testamento, que por vós e por muitos será derramado em remissão dos pecados'.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

'O TEU ROSTO, SENHOR, EU PROCURO!'

E agora, ó homem apequenado, foge um momento às tuas ocupações, esconde-te um pouco dos teus pensamentos tumultuosos. Atira agora fora os teus pesados cuidados e deixa para depois os teus laboriosos trabalhos. Reserva um pouco de tempo para Deus e repousa nEle por instantes. 'Entra na cela' da tua alma, expulsa tudo, exceto Deus e o que te ajuda a procurá-lo; 'fechada a porta', procura-o! Diz agora, 'ó meu coração'; diz agora a Deus: 'busco o teu rosto, o Teu rosto, Senhor, eu procuro'.

E agora, pois, tu Senhor meu Deus, ensina o meu coração onde e como te procurar, onde e como te encontrar. Ó Senhor, se tu não estás aqui, onde te buscarei, ausente? E se tu estás em toda a parte, porque não te vejo eu presente? Mas certamente tu habitas a luz inacessível. E onde está a tal luz inacessível? Ou de que modo acederei a essa luz inacessível? Ou quem me conduzirá e introduzirá nela, para que nela te veja? Porque sinais, enfim, porque forma, te buscarei? Nunca te vi, Senhor meu Deus, não conheço a tua face. Que fará, Senhor altíssimo, que fará este teu longínquo exilado? Que fará o teu servidor, ansioso do teu amor e atirado para longe da tua face? 

Que deseja muito ver-te, mas a tua face está demasiadamente afastada dele. Deseja muito alcançar-te, mas inacessível é a tua habitação. Deseja vivamente encontrar-te, mas não sabe o teu lugar. Dispõe-se a procurar-te, mas ignora o teu rosto. Senhor, tu és o meu Deus, tu és o meu Senhor e nunca te vi! Tu me criaste e recriaste, e todos os meus bens me dispensaste e ainda não te conheço! Numa palavra: fui feito para te ver e ainda não fiz aquilo para que fui feito. Ó mísera sorte a do homem desde que perdeu aquilo para que foi feito! Ó dura queda e funesta aquela! Ai! o que perdeu e o que encontrou? O que lhe fugiu e o que lhe restou? 

Perdeu a felicidade para a qual foi feito e encontrou a miséria para o que não foi feito. Fugiu-lhe aquilo sem o qual é de todo infeliz e ficou aquilo que, por si, é apenas desprezível. Então, 'o homem que comia o pão dos anjos' agora tem fome; agora, come 'o pão das dores' que então desconhecia. Ai! luto comum dos homens, pranto universal dos filhos de Adão! Ele arrotava de saciedade e nós suspiramos de fome. Ele vivia na abundância e nós mendigamos. Ele vivia em plena felicidade e, miseravelmente, tudo abandonou; nós, infelizmente, carecemos e, miseravelmente, desejamos e, ai, quão vazios permanecemos. 

Por que não guardou, para nós, quando o podia facilmente, aquilo de que nos encontramos tão gravemente carentes? Por que nos ocultou assim a luz e nos lançou nas trevas? Sim, por que nos furtou a vida e infligiu a morte? Acabrunhados de penas, de onde fomos expulsos e para onde fomos atirados! De onde fomos precipitados e onde estamos atracados! Da terra natal para o exílio, da visão de Deus para a nossa cegueira. Da fecundidade da imortalidade para a amargura e o horror da morte. Ó desgraçada mudança! De tão grande bem para tão grande mal! Grave dano, grave dor, grave tudo! 

Infeliz de mim, um entre os outros exilados filhos de Eva afastados de Deus, o que empreendi e o que consegui acabar? Para onde tendia e onde cheguei? A que aspirava e em que situação suspiro? 'Procurei os bens e eis a perturbação!'. Tendia para Deus e caí sobre mim mesmo. Procurava o repouso no meu retiro e encontrei a tribulação e a dor no meu íntimo. Queria rir com a alegria da minha mente e sou forçado a rugir pelo gemido do meu coração. Esperava a alegria e eis que os suspiros se tornam mais densos. E tu, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, tu nos esquecerás? Até quando afastarás de nós a tua face? Quando nos olharás e nos ouvirás? Quando iluminarás os nossos olhos e nos mostrarás a tua face? Quando te oferecerás a nós? 

Olha-nos, Senhor, escuta-nos, ilumina-nos, mostra-te tu próprio a nós! Oferece-te a nós outra vez para que bem estejamos, nós que, sem ti, tão mal estamos. Tem piedade dos nossos trabalhos e dos nossos esforços para te alcançar, nós que nada somos capazes sem ti. Ajuda-nos. Que eu não desespere suspirando, suplico-te, Senhor, mas que respire esperando. O meu coração tornou-se amargo pela sua desolação. Suplico-te, Senhor: adoça-o com a tua consolação. Na minha fome comecei a procurar-te. Suplico-te, Senhor: que eu não acabe em jejum de ti. Faminto, aproximei-me; que eu não me vá embora insaciado. 

Pobre, vim ao rico; miserável, ao misericordioso: que eu não volte sem nada e desprezado. E se suspiro antes de comer, concede ao menos que eu coma depois dos suspiros. Ó Senhor, curvado, não posso senão olhar para baixo; levanta-me para que eu possa tender para o alto. As minhas iniquidades subiram mais alto que a minha cabeça, envolvem-me e sobrecarregam-me como um pesado fardo. Liberta-me, descarrega-me, para que o sorvedouro delas não aperte a sua boca sobre mim. Que me seja permitido levantar os olhos para a tua luz, pelo menos de longe, pelo menos das profundezas. 

Ensina-me a procurar-te e mostra-te àquele que te procura, porque não te posso procurar se tu não me ensinas, nem encontrar-te se não te mostras. Que te busque desejando e te deseje buscando. Que te encontre amando e te ame encontrando. Confesso, Senhor, e te dou graças porque criastes em mim esta tua imagem para que, de ti lembrada, pense em ti e te ame. Mas está tão corrompida pela ação dos vícios, tão ofuscada pelo fumo dos pecados, que não pode fazer aquilo para o que foi feita se tu a não renovas e reformas. Não me atrevo, Senhor, a penetrar na tua altura , porque não lhe comparo, de modo nenhum, a minha inteligência. Mas desejo reconhecer um pouco a tua Verdade, que o meu coração crê e ama. Na verdade, não procuro antes compreender para crer, mas creio para compreender. Pois também creio nisto: se não acreditar, não compreenderei.

(Excertos da obra Proslogion seu Alloquium de Dei existentia, de Santo Anselmo)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

20 DE JANEIRO - SÃO SEBASTIÃO

São Sebastião foi um oficial romano, do alto escalão da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano (imperador de Roma entre 284 e 305 de nossa era e responsável pela décima e última grande perseguição do Império Romano contra o Cristianismo), que pagou com a vida sua devoção à fé cristã. Denunciado ao imperador por ser cristão e acusado de traição, foi condenado a morrer de forma especial: seu corpo foi amarrado a um tronco servindo de alvo a flechas disparadas por diferentes arqueiros africanos.

Primeiro Martírio: São Sebastião flechado

Abandonado pelos algozes que o julgavam morto, foi socorrido e curado e, de forma incisiva, reafirmou a sua convicção cristã numa reaparição ao próprio imperador. Sob o assombro de vê-lo ainda vivo, São Sebastião foi condenado uma vez mais sendo, nesta sua segunda flagelação, brutalmente açoitado e espancado até a morte. O seu corpo foi atirado num canal de esgotos, de onde foi depois retirado e levado até as catacumbas romanas. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Sebastião, na Via Apia, em Roma. É venerado por toda a cristandade como modelo de vida cristã, mártir da Igreja e defensor da fé e como padroeiro de diversas cidades brasileiras, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sua festa é comemorada a 20 de janeiro, data de sua morte no ano 304.

Segundo Martírio: São Sebastião espancado até a morte

domingo, 19 de janeiro de 2020

sábado, 18 de janeiro de 2020

A VINHA DE DEUS

Deus plantou a vinha do gênero humano quando moldou Adão e elegeu os patriarcas. Depois, confiou-a a vinhateiros pelo dom da Lei transmitida por Moisés. Rodeou-a de uma sebe, quer dizer, delimitou a terra que eles deveriam cultivar. Construiu uma torre, isto é, escolheu Jerusalém. Enviou-lhes profetas antes do exílio da Babilônia, e mais outros depois do exílio, em maior número do que os primeiros, para reclamar os frutos e dizer-lhes:

'Endireitai os vossos caminhos e o vosso modo de vida' (Jr 7,3); 

'Julgai com justiça, praticai a piedade e a misericórdia cada um para com o seu irmão; não oprimais a viúva nem o órfão, o estrangeiro ou o pobre; que ninguém entre vós conserve no coração a lembrança da maldade de seu irmão' (Zc 7,19); 

'Retirai a malícia dos vossos corações… aprendei a fazer o bem. Procurai a justiça; salvai o que sofre de injustiça' (Is 1,16).

Eis com que pregações os profetas reclamavam o fruto da justiça. Mas como aquela gente permanecia incrédula, Deus enviou-lhes finalmente o seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, que aqueles maus vinhateiros mataram e lançaram fora da vinha. Por isso, Deus a confiou – já não delimitada, mas alargada ao mundo inteiro – a outros vinhateiros para que lhes dessem os frutos a seu tempo. A torre da eleição ergue-se em toda a parte com o seu brilho, porque em toda a parte resplandece a Igreja; em toda a parte também foi esmagado o lagar porque estão em toda a parte os que recebem a unção do Espírito de Deus. Por isso o Senhor dizia aos discípulos, para fazer de nós bons operários: 

'Tende cuidado convosco e velai constantemente para que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão e com as preocupações materiais' (Lc 21,34); 

'Que os vossos rins estejam cingidos e as vossas lâmpadas acesas. E sede como homens que esperam o seu Senhor' (Lc 12,35).

(Excertos da obra 'Contra as Heresias', de Santo Irineu de Lyon)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

DA VIDA ESPIRITUAL (101)

Não faças nada neste mundo que não comece pelo Sinal da Cruz. Do ato mais cotidiano e simplório até os acontecimentos mais importantes de tua vida. Faça o Sinal da Cruz o tempo todo e em tudo: ao se levantar e ao deitar-se, ao entrar e ao sair de casa, antes e após as refeições, no trabalho, no descanso e no lazer, nas horas mais atarefadas e mais calmas, na alegria e na tristeza, sentado ou andando, antes ou depois de um encontro, uma reunião, uma visita ou uma consulta, no carro ou no ônibus, no silêncio do quarto ou no vozerio da multidão, em tudo e sempre. Faça o Sinal da Cruz sobre a fronte, sobre a boca, sobre os olhos, sobre o peito, sobre um órgão ou um membro em especial: mente pura, boca pura, olhos puros, coração puro. O Sinal da Cruz é a tua marca registrada de cristão e de Filho de Deus e armadura e escudo espirituais contra todas as tentações, ciladas do demônio e contra todos os males.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

SERMÃO SOBRE A CEGUEIRA


Ó quem me dera ter agora neste auditório o mundo inteiro! Quem me dera que me ouvisse agora a Espanha, que me ouvisse a França, que me ouvisse a Alemanha, que me ouvisse a própria Roma! Príncipes, reis, imperadores e monarcas do mundo, vede a ruína dos vossos reinos, vede as aflições e misérias dos vossos vassalos, vede as violências, vede as opressões, vede os tributos, vede as pobrezas, vede as fomes, vede as guerras, vede as mortes, vede os cativeiros, vede a assolação de tudo? Ou vedes ou não vedes. Se o vedes, como não o remediais? E se não o remediais, como vedes? Estais cegos. 

Príncipes eclesiásticos, grandes, maiores, supremos e vós, ó prelados que estais em seu lugar, vede as calamidades universais e particulares da Igreja, vede os destroços da Fé, vede o decaimento da Religião, vede o desprezo das Leis Divinas, vede a irreverência dos lugares sagrados, vede o abuso dos costumes, vede os pecados públicos, vede os escândalos, vede as simonias, vede os sacrilégios, vede a falta de doutrina sã, vede a condenação e a perda de tantas almas dentro e fora da Cristandade? Ou vedes ou não vedes. Se o vedes, como não o remediais? E se não o remediais, como vedes? Estais cegos. 

Ministros da república, da justiça, da guerra, do estado, do mar e da terra, vede as obrigações que se descarregam sobre o vosso cuidado, vede o peso que carrega sobre vossas consciências, vede as desatenções do governo, vede as injustiças, vede os roubos, vede os descaminhos, vede as maquinações, vede as dilações, vede os subornos, vede os respeitos, vede as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vede as lágrimas dos pobres, vede os clamores e gemidos de todos. Ou vedes ou não vedes. Se o vedes, como não o remediais? E se não o remediais, como vedes? Estais cegos. 

Pais de família, que tendes casa, mulher, filhos e criados, vede o desconcerto e o descaminho das vossas famílias, vede a vaidade da mulher, vede o pouco recolhimento das filhas, vede a liberdade e más companhias dos filhos, vede a soltura e descomedimento dos criados, vede como vivem, vede o que fazem e o que se atrevem a fazer, fiados muitas vezes na vossa dissimulação, no vosso consentimento e na sombra do vosso poder? Ou vedes ou não vedes. Se o vedes, como não o remediais? E se não o remediais, como vedes? Estais cegos. 

Finalmente, homem cristão, de qualquer estado e de qualquer condição que seja, vede a Fé e o caráter que recebestes no Batismo, vede a obrigação da Lei que professais, vede o estado em que viveis há tantos anos, vede os encargos da vossa consciência, vede as restituições que deveis, vede a ocasião da qual não vos apartais, vede o perigo da vossa alma e de vossa salvação, vede que estais atualmente em pecado mortal, vede que se vos tomais a morte nesse estado, vos condenais sem remédio; vede que se vos condenais, haveis de arder no inferno enquanto Deus for Deus e que haveis de carecer do mesmo Deus por toda a eternidade. Ou vemos tudo isto, cristãos, ou não o vemos. Se não vemos, como somos tão cegos? E se o vemos, como não o remediamos? 

Fazemos conta de remediar tudo isso alguma hora, mas quando há de ser esta hora? Ninguém haverá tão ímpio, tão bárbaro, tão blasfemo, que diga que não. Pois se o havemos de remediar alguma hora, quando há de ser esta hora? Na hora da morte? Na última velhice? Essa é a conta que lhe fizeram todos os que estão no inferno, e lá estão, e lá estarão para sempre. E será bem que façamos nós também a mesma conta e que nos vamos após eles? Não, não, não queiramos tanto mal a nossa alma. Pois se algum dia há de ser, se algum dia havemos de abrir os olhos, se algum dia nos havemos de resolver, porque não será hoje este dia?

Ah Senhor, pois que não quero persuadir aos homens e nem a mim (pois somos tão cegos), a Vós me quero volver. Não olheis, Senhor, para as nossas cegueiras; lembrai-Vos dos Vossos olhos, lembrai-Vos do que eles fizeram hoje em Jerusalém. Ao menos um cego saia hoje daqui iluminado. Ponde em nós esses olhos piedosos; ponde em nós esses olhos misericordiosos; ponde em nós esses olhos onipotentes. Penetrai e abrandai com eles a dureza destes corações: rasgai e alumiai a cegueira destes olhos para que vejam o estado miserável de suas almas; para que vejam quanto lhes merece essa Cruz e essas Chagas e para que, lançando-nos todos aos Vossos pés, como hoje fez o cego, arrependidos e com uma firmíssima resolução de nos afastar de nossos pecados, nos façamos dignos de ser iluminados com a Vossa Graça e, assim, Vos ver eternamente na Glória.

Excertos do 'Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma', do Pe. Antônio Vieira, 1669)