segunda-feira, 25 de março de 2019

50 JACULATÓRIAS DA ALMA PENITENTE (V)


41. Sei que hei de aparecer em vosso tribunal; sei que hei de dar-vos estreita conta de toda a minha vida. Não me atrevo, Senhor, a suportar vossos olhos irados. Ordenai agora minha vida, de modo que não me desmereça então vê-los benignos.

42. Aqui vos mostro, Senhor, todas as minhas chagas. Vede como são muitas, como são profundas, como são envelhecidas? Ó médico Divino, sarai as minhas chagas com as vossas, pois, para os filhos de Adão estarem sãos, quis as chagas o Filho de Deus.

43. Não te desalentes, minha alma , com a enormidade e a multidão dos teus pecados. Espera sempre em Deus até à noite cerrada da tua morte, porque em Deus há infinita misericórdia e redenção copiosa.

44. Ajudai-me, meu Deus Salvador; livrai-me por amor da glória do vosso nome. Não vos lembreis de minhas maldades; submergi-as no mar de vossa bondade imensa.

45. Olha, minha alma, olha para teu Deus posto por ti em uma Cruz, eis ali o que perdoa e apaga os teus pecados. Vê quanto padeceu por te salvar; vê com que fina caridade te ama. Guarda-te de jamais tornar a ofendê-lo.

46. A vós, Senhor, que sois dulcíssimo Esposo de minha alma, desprezei-vos; ao demônio, que é adúltero, fiz-lhe a vontade. Tomara morrer de sentimento de tão feia desordem. Tomara chorar de dia e de noite tão execranda maldade.

47. Que tenho eu com o mundo que passa como figura? Que tenho eu com a carne que murcha como flor? Que tenho com as coisas transitórias que tudo é engano, perigo, trabalho, vaidade? Eia, eia, salvemos a alma no madeiro da Cruz, fazendo penitência.

48. Ó momento do qual pende a eternidade! Só quem te não considera te não teme. Abri-me, Senhor, os olhos da alma, não me suceda adormecer na letargia da morte eterna.

49. Senhor, aqui venho fugindo de meus inimigos: abri-me as portas de vossa misericórdia. Recolhei o vosso fugitivo, meu Deus; recolhei-me depressa, que meus inimigos me vêm ao alcance.

50. Dulcíssimo Jesus: o vosso soberano nome quer dizer Salvador; obrai em mim conforme vosso nome e salvai-me.

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]

domingo, 24 de março de 2019

A FIGUEIRA ESTÉRIL

Páginas do Evangelho - Terceiro Domingo da Quaresma


Neste Terceiro Domingo da Quaresma, o Evangelho nos exorta a viver contínua e decididamente o caminho da plena conversão. E a busca da conversão exige de nós o afastamento incondicional do pecado e a via da santificação plena, como receptáculos abertos a toda a graça de Deus. Entre a retidão de nossos propósitos e a misericórdia do Pai, encontra-se o nosso lugar no portal da eternidade.

E Jesus nos fala primeiro que a grande tragédia humana é o pecado: 'Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa?' (Lc 13,2). Jesus falava dos galileus que tinham sido assassinados no templo por ocasião da Páscoa, a mando de Pilatos. Ele mesmo responderia que não, da mesma forma que não eram mais pecadores as 18 pobres vítimas da queda da torre de Siloé. A justiça divina não é amalgamada pelo castigo em si, mas pela resistência persistente e obstinada aos tesouros da graça. Não são desgraçados os que morrem em tragédias humanas, são miseráveis os que perdem a alma e a vida eterna consumidos na tragédia pessoal de apenas querer ganhar o mundo. 'Se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo' (Lc 13, 5).

Jesus ratifica estes ensinamentos com a parábola da figueira estéril, que não produz bons frutos, ano após ano, símbolo da alma fechada a todas as graças recebidas. Mas o Senhor busca incessantemente a volta da ovelha desgarrada e a espera e a consome de favores e bênçãos, porque o 'Senhor é indulgente, é favorável, é paciente, é bondoso e compassivo' (Sl 102). É como o vinhateiro que nunca descuida da planta bruta, cultiva o solo, dispõe o adubo, rega a terra, acompanha ciosa e pacientemente os seus primeiros frutos. No nosso caminho de vida espiritual, o vinhateiro é o próprio Cristo, é Nossa Senhora, é a Santa Igreja, são os santos intercessores, é o nosso próprio Anjo da Guarda. Um derramamento abundante de graças à espera de nosso arrependimento sincero, de nossa dor ao pecado, de nossa conversão definitiva.

Mas o Evangelho termina também com uma determinação explícita: 'Se (a figueira) não der (fruto), então tu a cortarás’ (Lc 13,9). Assim, uma vez desprezados todos os limites da graça e tornados vãos todos os esforços do vinhateiro, a figueira torna-se inútil e a tragédia humana se consome na perda eterna das almas criadas para a glória de Deus.

sábado, 23 de março de 2019

ORAÇÃO: Ó ALTÍSSIMO E GLORIOSO DEUS...



Ó ALTÍSSIMO E GLORIOSO DEUS...

(para ser rezada diante um Crucifixo)

Ó Altíssimo e glorioso Deus,
iluminai as trevas
do meu coração.

Dai-me uma fé reta,
uma esperança certa
uma caridade perfeita
e uma humildade profunda.

Dai-me, Senhor,
sabedoria e discernimento
para cumprir a Vossa verdadeira
e santa vontade.
Amém.
(São Francisco de Assis)

Alto e Glorioso Dio...

(versão cantada em italiano)

Alto e glorioso Dio illumina il cuore mio, dammi fede retta, speranza certa, carità perfetta. 

Dammi umiltà profonda, dammi senno e cognoscimento, che io possa sempre servire con gioia i tuoi comandamenti. 

Rapisca ti prego Signore, l’ardente e dolce forza del tuo amore la mente mia da tutte le cose, perchè io muoia per amor tuo, come tu moristi per amor dell’amor mio. 

Alto e glorioso Dio illumina il cuore mio, dammi fede retta, speranza certa, carità perfetta. 

Dammi umiltà profonda, dammi senno e cognoscimento, che io possa sempre servire con gioia i tuoi comandamenti.

************

Altíssimo e glorioso Deus, ilumina o meu coração, dá-me uma fé reta, esperança certa, caridade perfeita.

Dá-me uma humildade profunda, dá-me sabedoria e discernimento, para que possa cumprir com alegria todos os teus mandamentos.

A ti rogo, Senhor, resguardar a força doce e ardente do teu amor, sobre todas as coisas do meu pensamento, para que morra por teu amor, como morrestes por amor do meu amor.

Altíssimo e glorioso Deus, ilumina o meu coração, dá-me uma fé reta, esperança certa, caridade perfeita.

Dá-me uma humildade profunda, dá-me sabedoria e discernimento, para que possa cumprir com alegria todos os teus mandamentos.

DA CONTRIÇÃO PERFEITA

Dois homens, suponhamos Pedro e Paulo, cometem um pecado mortal qualquer. Cometido o pecado, caem em si. Pedro diz: 'Cometi um pecado mortal, mas já estou arrependido de ter praticado um ato indigno, tão feio, e merecedor de castigo. Tenho medo do inferno. Meu Deus, perdoai, não quero perder minha alma!'.

Pedro tem a contrição imperfeita porque se arrepende por causa da fealdade do pecado e medo do inferno. Se com essa contrição receber a absolvição, morrendo, salva-se; mas sem absolvição, só com a contrição imperfeita, não se salva.

Paulo diz também: 'Pequei mortalmente; estou arrependido porque o pecado é coisa abominável, porque por ele perdi o direito ao céu e mereci o inferno; mas o que me dói mais é de vos ter ofendido a vós, meu Deus, que sois a perfeição infinita, digno de todo o amor e de ter sido, por meu pecado, a causa dos atrozes sofrimentos de Jesus em sua Paixão e Morte. Perdoai, meu Deus, meu Pai'.

Paulo tem a contrição perfeita porque se arrepende não só por causa da fealdade do pecado e medo do castigo, mas por amor de Deus. Se morrer, mesmo sem confissão, mas com desejo de se confessar, caso seja possível, salva-se.

Pedro detesta o pecado por ser um mal seu, ao passo que Paulo o detesta por ser um mal a Deus. Eis em poucas palavras um ato de contrição perfeita: 'Meu Deus, tenho um extremo pesar de vos ter ofendido, porque sois infinitamente bom e amável e porque o pecado vos desagrada'.

(Excertos da obra 'O pequeno Missionário', dos Missionários da Congregação da Missão, 1958)

sexta-feira, 22 de março de 2019

50 JACULATÓRIAS DA ALMA PENITENTE (III - IV)


21. Lembrai-vos, Senhor, que sou obra de vossas mãos; lembrai-vos que vos custei muito na Cruz. Não entregueis às bestas infernais as almas que Vos confessam.

22. Não me dirás, alma minha, que males te fez teu Deus, para que assim o ofendesses? Acaso foi crime o morrer por ti de amor em uma Cruz? Porventura te agravou em querer salvar-te, e dar-te o Reino de sua Glória? Que razão posso dar, Senhor, do pecado, que é a mesma sem-razão? Tende misericórdia.

23. Paz, Senhor; paz para sempre; fiz mal, assim o confesso diante do Céu e da Terra. Não o farei mais; perdoai-me por quem sois.

24. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que me pode render o amor do mundo e todas as suas coisas, senão deleite falso que em um momento passa? Tormento verdadeiro, que em uma eternidade não passa?

25. Que fará um desgraçado a quem a morte colheu em pecado mortal e o sepultou nas profundezas? Ó que gemidos! Que ânsias! Que remorsos! Que desesperações! Que incêndios! Tu não puderas já ser este? Quanto devo, Senhor, à vossa paciência! Bendito sejais eternamente.

26. Não dissestes, Vós, Senhor, que havia grande festa e alegria no Céu quando algum pecador se convertia? Então, amorosíssimo Jesus, fazei com Vossa graça que seja eu o assunto desta alegria e festa.

27. Eis-me, aqui Senhor, que sou o filho pródigo, que dissipei a substância de vossa graça, e andei na região remota de vossa presença, apascentando os animais imundos de meus apetites; já torno para a Vossa graça, lançai-me os braços da Vossa caridade.

28. Ó lave-me esse precioso Sangue que, com tanto amor, derramastes pelos pecadores! Lave-me todo com um perfeito batismo e ficarei mais alvo que a neve.

29. Senhor Deus: aqui nesta vida me castigai e aqui me abrasai, contanto que me perdoeis eternamente. Não queirais, Senhor, entesourar contra mim vossa ira; não me guardeis para a outra vida a satisfação de Vossa justiça.

30. Ó horas preciosas dadas para servir e amar a Deus e empregadas em ofendê-lo! Quem nunca houvera nascido para tanto mal! Ou quem de novo tornara a nascer, para assim o emendar!

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]



31. Ó que cego andava eu, Senhor, pois estava sem vós, e vós sois Luz! Ó como ia errado pois estava fora de vós, e vós sois Caminho! Ó como procedia nesciamente, pois estava sem vós, e vós sois Sabedoria! Ó como estava morto, pois estava sem vós, e vós sois vida!

32. Nada sou, nada valho, nada posso senão ofender-vos, e precipitar-me no inferno. Esta mesma verdade que agora conheço, se afastares vossa luz, me ficará oculta; e sobre tantas misérias minhas se acrescentará outra, de as não conhecer.

33. Ó minha alma, em que te ocupas, em que te enredas? O teu Jesus coroado de espinhos e tu em flores? Ele suando sangue e tu buscando refrigérios? Ele farto de opróbrios e tu faminta de honras? Ó confusão! Mudemos de vida; tomemos a Cruz e sigamos os passos de Cristo.

34. De quantos bens me destes, Senhor, usei mal, e em ofensa vossa. Se me fizésseis Anjo, creio que já também fora demônio. Ó quem tivera digno sentimento de tão enormes excessos, verdadeira dor de pecados tão graves!

35. O ofício que tomei, Senhor, foi o de pecar; e neste me exercitei com toda a diligência, estudando muito de propósito na maldade. Ó que bem concordava isto com o fim para que vós me criastes, que é amar-vos, e gozar-vos eternamente! Só vós, que sois infinito em bondade, podereis sofrer tanto.

36. Onde me esconderei, Senhor, até que passe a vossa ira? Fugirei de vós para vós mesmo; de vós, reto Juiz, para vós, Pai clementíssimo. Em vossas chagas me recolho, que este é o sagrado que vale aos que vão fugindo à vossa justiça.

37. Ó quanta foi até agora minha negligência e descuido! O tempo que me concedestes para a penitência, desperdicei-o; os auxílios de vossa graça, rejeitei-os; às vozes com que me chamáveis me fiz surdo. E agora, Senhor, que hei de fazer? Pesa-me de haver pecado; tende misericórdia de mim, misericórdia.

38. Que dormisse eu tão seguro sobre a vossa ofensa, pendurado do fio da vida sobre a boca do inferno! Grande temeridade a minha! Senhor, dai-me entendimento e viverei amando-vos e servindo-vos.

39. Ó se eu já desprezasse o mundo como ele merece! Ai se metera debaixo dos pés todas as coisas terrenas e somente fizera estimação das coisas eternas!

40. Afastai, Senhor, vosso rosto de meus pecados; e apagai e extingui todas as minhas iniquidades. Criai em mim um coração novo e renovai o espírito reto em minhas entranhas.

[Excertos da obra 'Luz e Calor', do Pe. Manuel Bernardes (1644 - 1710)]

quinta-feira, 21 de março de 2019

O ESPÍRITO DA CRUZ

Vou falar-vos de uma coisa da qual nunca falei, nem aqui, nem algures. E essa coisa desejo-a a todos; sei bem que o meu desejo não chegará a todos. Vou falar-vos do espírito da Cruz. Quando o Bom Deus cria um corpo humano, dá-lhe uma alma, é um espírito humano; quando o Bom Deus dá a uma alma a graça do batismo, ela tem o espírito cristão.

O espírito da Cruz é uma graça de Deus. Há a graça que faz apóstolos, e assim por diante. O que é o espírito da Cruz? O espírito da Cruz é uma participação do próprio espírito de Nosso Senhor levando a sua Cruz, pregado à Cruz, morrendo na Cruz. Nosso Senhor amava a sua Cruz, desejava-a. Que pensava Ele levando a sua Cruz, morrendo na Cruz? Há aí grandes mistérios: quando se tem o espírito da Cruz, entra-se na inteligência destes mistérios. Existem poucos cristãos com o espírito da Cruz; estes vêm as coisas de modo diferente do comum dos homens.

O espírito da Cruz ensina a paciência; ensina a amar o sofrimento, a fazer sacrifícios. Quando se tem o espírito da Cruz, é-se paciente, ama-se o sofrimento, fazem-se generosamente os sacrifícios que o Bom Deus nos pede. Quer-se a vontade de Deus, e ama-se; acha-se bom o que nos pede.

Os santos queixavam-se muito a Deus que Ele não lhes dava bastante sofrimento; desejavam sofrer. Por que? Porque no sofrimento se pareciam mais com Nosso Senhor. Na vida de Santa Isabel da Hungria, é dito que, depois de a terem despojado de todos os seus bens, ainda a expulsaram de casa: quando viu que nada mais possuía, foi aos Frades Menores mandar cantar um Te Deum para agradecer a Deus por lhe ter tirado tudo. Ela tinha o espírito da Cruz.

A Imitação diz alguma coisa do que faz o espírito da Cruz: ama mais ter menos do que mais, ama mais estar em baixo do que em cima. Ama ser desprezado. É isto o espírito da Cruz; é muito raro. Não o tendes muito, o espírito da Cruz. Posso bem vos dizer isso, pois há muito tempo vos conheço, desde que estou convosco. Tende-o hoje menos do que o tivestes outrora.

Logo que tendes algum sofrimento, depressa dizeis: 'Meu Deus, livrai-me disso, livrai-me daquilo'; fazeis novenas para vos libertardes. É preciso amar um pouco mais o sofrimento e não pedir tão depressa para se ver livre dele. Se tivésseis o espírito da Cruz, veríamos muitas coisas que não vemos; e há as que vemos, que talvez não víssemos. É preciso ter um pouco mais do espírito da Cruz; é preciso pedi-lo. Tratemos de amar a Cruz, de amar a vontade de Deus.

(Pe. Emmanuel-André)

quarta-feira, 20 de março de 2019

COMPÊNDIO DE SÃO JOSÉ (VII)


31. Aceitando a Virgindade de Maria e de José, podemos afirmar que este matrimônio foi verdadeiro? 

José é verdadeiro esposo de Maria sem ter ocorrido entre eles o relacionamento sexual, mas em virtude da união conjugal. Mateus afirma que José é esposo de Maria (Mt 1,16). Assim explicita-se que, também guardando a continência, permanece o matrimônio, o qual pode ser considerado como tal não pelo motivo da união sexual dos corpos, mas do perseverante afeto da mente. Santo Agostinho afirma que, no matrimônio de José e Maria, estão presentes todos os requisitos de um verdadeiro matrimônio, ou seja: a prole, que é o próprio Jesus, a fidelidade, porque não houve nenhum adultério e o sacramento, porque não houve divórcio (o divórcio segundo a lei mosaica dissolvia o matrimônio). 

32. Como afirmamos, portanto, que José é esposo de Maria? 

Os evangelistas (Lc 2,4-5; Mt 1,16) descrevem claramente José como esposo de Maria e, portanto, o matrimônio entre ambos foi realizado. O evangelista afirma que José tomou a sua esposa e a conduziu para a sua casa e lá viveram com a presença do próprio Jesus. 

33. Como José e Maria viveram o vínculo matrimonial? 

O matrimônio de Maria com José foi destinado por Deus para acolher e educar Jesus e, por isso, exigia a máxima expressão da união conjugal, ou seja, o dom total e completo de um para com o outro. Entre ambos existiu, como afirmou Bernardino de Bustis: 'Um amor indivisível e santíssimo; de fato, depois de Cristo seu Filho, a Virgem puríssima não amou nenhuma outra criatura assim tanto como José e, da mesma forma, José amou Maria acima de qualquer outra criatura'. Portanto, José como esposo viveu uma profunda experiência de comunhão intimamente ligado a Maria, conviveu com ela, partilhou com ela a sua vida e amou-a com um amor intenso e, da mesma forma, foi Maria para com ele, tendo um sentimento natural de esposa, cultivando em seu coração sentimentos e afetos que eram destinados exclusivamente a José. 

 34. O que dizem os evangelhos apócrifos sobre José? 

Os evangelhos apócrifos são escritos datados dos últimos séculos antes de Cristo até os primeiros séculos da era cristã e não são reconhecidos como inspirados por Deus, pois não passam de ficções acompanhadas por fantasias e lendas pueris. Apesar disso, estes textos exerceram uma grande influência na pregação e devoção popular, assim como nas expressões artísticas. Graças a isso, José recebeu algumas conotações que não condizem com sua pessoa. Na primeira delas, já salientamos, José ficou por muitos séculos apresentado, sobretudo pela arte ficcional, como  um velho de barba branca quando se casou com Maria. Outra fantasia destes textos é que José, antes de casar-se com Maria, já tinha se casado, aos 40 anos, com uma mulher chamada Melca, com quem viveu 49 anos e teve quatro filhos, ficando viúvo aos 89 anos. 

Outra fantasiosa lenda sobre o seu casamento com Maria relata que havia muitos pretendentes para casar-se com ela e, diante disso, o sumo sacerdote teria deixado a decisão da escolha do marido de Maria a Deus, colocando num lugar santo um ramo com o nome de cada pretendente, e milagrosamente o ramo de José floresceu e assim ele foi o escolhido. Por isso São José frequentemente foi representado pela arte com um ramo florido na mão, para simbolizar a sua divina eleição. Encontramo-lo também representado com um lírio na mão para simbolizar sua pureza. 

35. Como explicar o que alguns afirmam que José teve filhos com Maria? 

Já afirmamos que tanto José como Maria eram virgens, portanto célibes no matrimônio, ou seja, jamais tiveram relações sexuais e isso, de maneira alguma, atrapalhou o relacionamento intenso de amor deles dentro do matrimônio. Ambos por vontade comum emitiram o voto de virgindade. O evangelista Lucas (Lc 8,19-20) relata: 'A mãe e os irmãos de Jesus se aproximaram, mas não podiam chegar perto dele por causa da multidão. Então anunciaram a Jesus: Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem te ver'. Na verdade, Lucas não está afirmando que estes 'irmãos de Jesus' foram concebidos por Maria, pois a palavra 'irmão' revestia-se de significado de parentesco e indicava laços de afeto. Portanto biblicamente não há nenhum fundamento para afirmar que Maria teve outros filhos com José, mesmo porque a palavra 'irmão' deve ser entendida no sentido de 'parente'. Por outro lado, é verdade que os apócrifos com o objetivo de salvaguardar a virgindade de Maria resolveram o problema dos 'irmãos de Jesus' atribuindo a José um precedente matrimônio, donde depois teria esposado Maria já viúvo e com estes filhos do seu primeiro casamento; porém, como já explicamos, nada disso tem fundamento. 

Ainda Mateus (Mt 1,15) afirma: 'José fez conforme o Anjo lhe ordenara e tomou consigo a sua esposa, a qual, sem que ele a conhecesse, deu à luz um filho que se chamou Jesus'. Diante desta afirmação, alguns quiseram deduzir que José teve relações sexuais com Maria depois do parto, já que o verbo 'conhecer' na bíblia significa união sexual, referindo-se ao matrimônio. Porém teólogos de grande quilate argumentam que a afirmação 'sem que ele a conhecesse' não indica que José teve relações sexuais com Maria depois do nascimento de Jesus, mas simplesmente que a Virgem permaneceu intacta. Nem mesmo a afirmação de Lucas (Lc 2,7): 'Maria deu à luz ao seu filho primogênito' explica nada, pois a palavra 'primogênito' significa simplesmente o 'primeiro filho' e não ao 'primeiro entre outros'. Ou seja, indica aquele que nasceu primeiro de sua mãe, tenha esta tido ou não outros filhos depois.

('100 Questões sobre a Teologia de São José', do Pe. José Antonio Bertolin, adaptado)