quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

OREMUS! (1 e 2)

10 de JANEIRO

Procedamus in pace! (Vamos prosseguir em paz!)

E nem poderia ser de outra maneira: em paz com minha consciência, e em paz com Nosso Senhor: assim terei um ano realmente novo, diferente de quantos já vivi. Em paz comigo e com Deus, haverá em minha vida um aumento de fervor, para que eu possa dedicar este ano às almas e à minha alma. Olhando para os dias que estão para chegar, eu os vejo como um altar à minha espera. Quanto sacrifício nesse campo das almas que eu devo trabalhar!

Sacerdos pro populo [sacerdote para o próximo] — mas não serei, para as almas, a vida que elas esperam, se descuidar da minha própria vida interior; como cuidar das almas, ignorando as necessidades da própria alma? Tenho que agradecer a Nosso Senhor este novo ano que Ele me quer dar. E não posso esquecer que este poderá ser o último ano em minha vida. Será que, em 31 de dezembro deste ano, ainda estarei lendo os últimos pensamentos deste livro*?

Que o meu fervor destes dias me acompanhe sempre; não posso deixar, ao longo do meu caminho, os propósitos que tomei. E já que pode ser este o último ano da minha vida, preciso aproveitá-lo, quanto mais, para as almas, e para a minha alma. Um ano é tão pouco para o muito que tenho a realizar! Não posso esbanjar o meu tempo. Cotidie morior...[algo como 'morro a cada dia'].

02 DE JANEIRO

In unione illius divinae intentionis (Em união com essa divina intenção)

Tenho pela frente um novo ano, que eu devo ganhar para a minha eternidade. Logo de início preciso me compenetrar do que disse Nosso Senhor: 'Sem mim nada podeis fazer'. Portanto, é com Ele que eu devo ir recolhendo, um por um, os dias que me esperam: Qui non colligit mecum, dispergit [quem comigo não ajunta, dispersa].

Se eu quiser trabalhar sozinho, terei que ouvir um dia a Escritura: Seminasti multum et intulisti parum (Ag 1,6) [semeais muito e recolheis pouco]. Deus me criou para a sua maior glória. E, fazendo uma seleção entre as almas que o amam, eu fui um dos contemplados. Ele deve ser mesmo infinitamente bom, para querer que a minha miséria coopere na sua Redenção, para sua glória infinita. Mas quanta atividade, grandiosa aos olhos do mundo, já não foi declarada sem valor, à hora da morte, porque lhe faltava o selo illius divinae intentionis! [com essa divina intenção!].

No dia em que me chamar, Deus irá examinar comigo a boa intenção que eu devia ter posto em tudo: Quaeretur a nobis quid fecimus, quam religiose viximus [seremos perguntados sobre o que fizemos e o quão honestamente vivemos - Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis]. Posso aguardar tranquilo a hora dessa avaliação? Que o diga minha vida passada. Preciso vigiar a minha vaidade, meu apego, meu comodismo, para não lamentar um dia: Qui mercedes congregavit, misit eas in saeculum pertusum (Ag 1, 6) [para não lamentar como o trabalhador que guarda o seu salário numa sacola furada].

*(Oremus — Pensamentos para a Meditação de Todos os Dias, do Pe. Isac Lorena, 1963, com complementos de trechos traduzidos do latim pelo autor do blog)

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

GLÓRIAS DE MARIA: MÃE DE DEUS E RAINHA DA PAZ

La Pietà (1498-1499) - Michelangelo Buonarroti

No primeiro dia do Ano Novo, a Igreja exalta Maria como Mãe de Deus; o calendário dos santos é aberto com a solenidade da maternidade daquela que Deus escolheu para mãe do Verbo Encarnado. Trata-se da primeira festa mariana proposta pela Igreja Ocidental, moldada sob as palavras eternas de Isabel: 'Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre' (Lc 1,42). Todos os títulos e todas as grandezas de Maria dependem do dogma essencial de sua maternidade divina. Desde a Antiguidade, Maria é chamada 'Mãe de Deus', do grego 'Theotokos', título ratificado pelo Concílio de Éfeso, de 22 de junho de 431. Em 1968, o Papa Paulo VI dedicou o 1° dia do ano como Dia Mundial da Paz. Assim, Maria é louvada também neste dia como Rainha da Paz. 

São Cirilo de Alexandria (370-442), na homilia pronunciada no Concílio de Éfeso contra Nestório, que negava ser Maria Mãe de Deus:

'Contemplo esta assembléia de homens santos, alegres e exultantes que, convidados pela santa e sempre Virgem Maria e Mãe de Deus, prontamente acorreram para cá. Embora oprimido por uma grande tristeza, a vista dos santos padres aqui reunidos encheu-me de júbilo. Neste momento vão realizar-se entre nós aquelas doces palavras do salmista Davi: ‘Vede como é bom, como é suave os irmãos viverem juntos bem unidos!’ (Sl 132,1). Salve, ó mística e santa Trindade, que nos reunistes a todos nós nesta igreja de Santa Maria Mãe de Deus. Salve, ó Maria, Mãe de Deus, venerável tesouro do mundo inteiro, lâmpada inextinguível, coroa da virgindade, cetro da verdadeira doutrina, templo indestrutível, morada daquele que lugar algum pode conter, virgem e mãe, por meio de quem é proclamado bendito nos santos evangelhos ‘o que vem em nome do Senhor’ (Mt 21,9).

Salve, ó Maria, tu que trouxeste em teu sagrado seio virginal o Imenso e Incompreensível; por ti; é glorificada e adorada a Santíssima Trindade; por ti, se festeja e é adorada no universo a cruz preciosa; por ti, exultam os céus; por ti, se alegram os anjos e os arcanjos; por ti, são postos em fuga os demônios; por ti, cai do céu o diabo tentador; por ti, é elevada ao céu a criatura decaída; por ti, todo o gênero humano, sujeito à insensatez dos ídolos, chega ao conhecimento da verdade; por ti, o santo batismo purifica os que creem; por ti, recebemos o óleo da alegria; por ti, são fundadas igrejas em toda a terra; por ti, as nações são conduzidas à conversão. 

E que mais direi? Por Maria, o Filho Unigênito de Deus veio ‘iluminar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte’ (Lc 1,77); por ela, os profetas anunciaram as coisas futuras; por ela, os apóstolos proclamaram aos povos a salvação; por ela os mortos ressuscitam; por ela, reinam os reis em nome da Santíssima Trindade. Quem dentre os homens é capaz de celebrar dignamente a Maria, merecedora de todo louvor? Ela é mãe e virgem. Que coisa admirável! Este milagre me deixa extasiado. Quem jamais ouviu dizer que o construtor fosse impedido de habitar no templo que ele próprio construiu? Quem se humilhou tanto a ponto de escolher uma escrava para ser a sua própria mãe? Eis que tudo exulta de alegria! Reverenciemos e adoremos a divina Unidade, com santo temor veneremos a indivisível Trindade, ao celebrar com louvores a sempre Virgem Maria! Ela é o templo santo de Deus, que é seu Filho e esposo imaculado. A ele a glória pelos séculos dos séculos. Amém.'

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

ORAÇÃO PARA O ÚLTIMO DIA DO ANO

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina,
porque estou aqui, junto Convosco e com minha família (com meus amigos),
vivendo a alegria de ter vivido um ano mais
em Vossa Santa Presença.

Obrigado, Senhor,
por mais um ano de vida,
por ter tido ainda este tempo para viver 
as santas alegrias do Natal e deste Ano Novo.
Por estar com pessoas que amo
e que compartilham comigo
a mesma fé e o sincero propósito
de viver o Evangelho a cada dia.

Obrigado, Senhor,
por tantas graças recebidas neste ano que passa;
eu Vos ofereço hoje o meu nada
e, dentro do meu nada, todo o meu amor humano possível,
como herança de Vossa Ressurreição.
No meio das luzes do mundo nesse dia de festa,
eu me recolho à sombra da Vossa Misericórdia;
e Vos honro e Vos dou glória nesse tempo
pelos tempos que estarei Convosco para sempre.

Obrigado, Senhor,
por estar aqui na Vossa Presença,
no tempo que conta mais um ano que se vai,
na gratidão da alma confiante
que aprendeu o caminho do Pai.
Das coisas boas que fiz, dou-Vos tudo,
porque as recebi de Vosso Santo Espírito.
E Vos suplico curar com Vosso Corpo e Sangue
as cicatrizes dos meus pecados.

Obrigado, Senhor,
pela caminhada diária com Maria, 
que nos ensina no cotidiano de nossa vidas
a ir ao Vosso encontro todos os dias.
Pelo meu Santo Anjo da Guarda,
pelos meus santos de devoção, 
pelo papa, e pela Vossa Igreja,
eu Vos agradeço, Senhor, e Vos louvo, 
neste último dia do ano.

Obrigado, Senhor,
pelo ano que termina.
Que eu não me lembre nesse tempo
das dores e sofrimentos que passei,
das tristezas e angústias que vivi:
que todo mal seja olvidado agora
na alegria de eu estar aqui Convosco,
e pela resignação à Santa Vontade de Deus.

E que nesta última hora do tempo que se vai,
do ano que chega ao fim:
mais uma vez, não seja eu que viva,
mas o Cristo que vive em mim.
Amém.


(Arcos de Pilares)

domingo, 30 de dezembro de 2018

SAGRADA FAMÍLIA

Páginas do Evangelho - Festa da Sagrada Família


Neste último domingo do ano, o Evangelho evoca o culto à Sagrada Família, síntese da vida cristã autêntica e primeira igreja na terra. Deus veio ao mundo por meio da família; eis porque a família é a fonte primária da sociedade, síntese da vida cristã autêntica e a primeira igreja. E que modelo de família cristã Deus legou ao mundo: Jesus, Maria e José: Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade; Maria, a Virgem Mãe de Deus, e São José, esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus. Família sagrada que viveu em plenitude a submissão à perfeição do amor; submissão que se expressa pelos sentimentos de entrega e renúncia em tudo e não pelo servilismo complacente.

Na humilde casa de Nazaré, três pessoas: pai, mãe e filho viviam em natureza sobrenatural exatamente inversa à ordem natural: São José, patriarca e pai de família devotado, com direitos naturais legítimos sobre a esposa e o filho, era o menor em perfeição; Nossa Senhora, esposa e mãe, era Mãe de Deus e de todos os homens; Jesus, a criança indefesa e submissa aos pais, é o Deus feito homem para a salvação do mundo. Portentoso mistério que revela a singular santidade da família humana, moldada sobre clara hierarquia divina, moldada por Deus para ser escola de santificação, amor, renúncia e salvação. 

Neste modelo de submissão perfeita ao amor de Deus e à lei mosaica, certa ocasião, quando Jesus contava 12 anos, os seus pais subiram com ele até Jerusalém, para participarem das festas da Páscoa, conforme os preceitos vigentes. Vieram com muitos outros, parentes e conhecidos, em grupos numerosos de caravanas. Uma vez concluídos os eventos da Páscoa, tomando o caminho de volta, perceberam que o menino não voltara com eles. Perplexos e angustiados, buscaram o menino entre os parentes, entre os conhecidos, em peregrinações difusas pelas ruas de Jerusalém para, finalmente, o encontrarem no Templo, em meio aos sábios e doutores da lei, manifestando a todos a glória do Pai na casa do Pai: 'Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?' (Lc 2, 49). Jesus submetia sua missão no mundo à Santa Vontade do Pai, acima de quaisquer preceitos humanos ou terrenos. A sua hora não havia chegado, mas o anúncio de sua missão havia sido dado. E, no recolhimento do lar de Nazaré, obediente em tudo e na plenitude da vida em família, 'Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens' (Lc 2, 52).

Eis o legado da Sagrada Família às famílias cristãs: a oração cotidiana santifica os pais e os filhos numa obra incomensurável do amor de Deus e a fortalece contra todos as tribulações. Sim, que os maridos amem profundamente suas esposas, que as esposas sejam solícitas a seus maridos, que os pais não intimidem os seus filhos, que os filhos sejam obedientes em tudo a seus pais. Mas que rezem juntos, que louvem a Deus juntos, que se santifiquem juntos, como família de Deus. Em Nazaré, Deus tornou a família modelo e instrumento de santificação; que em nossas casas e em nossas famílias, a Sagrada Família seja o modelo e instrumento para a nossa vida e para nossa santificação de todos os dias!

sábado, 29 de dezembro de 2018

O MENINO JESUS DE SANTA TERESA


Andava pelo mosteiro, procurando umas chaves que havia perdido,
em cada cantinho, atrás de cada vaso, ao lado de cada flor
e, na minha busca, pedia ajuda ao meu Santo Anjo da Guarda
e a São José,  a Nossa Senhora e ao Nosso Senhor...

Já cansada, parei para respirar junto a uma escada
quando vi saindo uma luz brilhante do teto, do chão, dos cantos,
e, envolto nela, um menino lindo me deu as chaves que buscava
me sorrindo com o mais doce dos encantos... 

Em êxtase, eu O ouvi indagar pelo meu nome:
'Teresa de Jesus, a mais indigna serva de vossa realeza'
E perguntei, então, o nome dEle, imersa do mais puro espanto.
E Ele me disse: 'É o seu invertido: sou Jesus de Teresa'.

(Arcos de Pilares, texto adaptado)

SOBRE A PRÁTICA DA SIMPLICIDADE

Aos vossos olhos, a simplicidade iluminará e transformará todas as coisas, fazendo com que tudo vejais à luz de Deus. Mostrar-vos-á a verdadeira finalidade da vida, 'o único necessário' do Evangelho, desprender-vos-ei do prazer, do sucesso, da fortuna e de todas as vaidades do mundo. Mostrar-vos-á o pecado como o inimigo de Deus, o adversário irreconciliável de Jesus Cristo, o único mal a temer. Em vossos corações, porém, não deixará ódio e sim compaixão pelos perseguidores da Igreja. Fará com que os vejais mais como infelizes do que como culpados, cegos, transviados, almas no caminho do inferno e dignas de piedade.

A simplicidade vos tornará vigilantes para fugir às ocasiões de pecado, desconfiadas de vós mesmas, mas cheias de confiança na toda poderosa proteção de Deus; e vos conservará em segurança no meio das mais terríveis tentações...  No sofrimento, a simplicidade vos será maravilhoso auxílio. Não mais o vereis como fardo que vos esmaga, como chaga que vos irrita e enerva, como obstáculo intransponível à perfeição. Se fordes simples, vereis o sofrimento através do coração e da bondade de Deus. Vê-lo-eis como remédio misterioso que a Deus apraz usar, em seu amor infinito, para apagar e destruir vossos pecados, encher-vos a alma de riquezas sobrenaturais, unir-vos mais estreitamente a Jesus Cristo e com Ele vos fazer cooperar na redenção do mundo.

Quantos benefícios vos presta a simplicidade em todas as provações da vida! O que é demorado para as almas que não são simples será breve para vós; que lhes parece uma eternidade vos parecerá um minuto. O que as perturba e desorienta, as desencoraja e desanima, o que as torna amargas e irritadas, nunca satisfeitas, vos deixará calmas e tranquilas. Os elevados cumes cobertos de neve, pela sua brancura, separados dos montes que os rodeiam, não estão menos perto do céu quando a tempestade se desencadeia e se abate sobre eles; continuam firmes e imóveis como quando o céu azul os envolve e os banha de luz. O mesmo acontece às almas que a simplicidade eleva e aproxima de Deus. Com sua brancura imaculada, dominam as provações da vida; conservam a calma e a paz no meio da tormenta e se mantêm tão perto de Deus como nos mais belos dias... Da mesma sorte, depois que foram experimentadas, as almas simples revestem aos olhos de Deus o esplendor, a formosura e a transparente pureza que antes não possuíam. 

A simplicidade não vos impedirá de sofrer, mas de tal forma modificará o sofrimento que não mais o reconhecereis. Não continuareis a sofrer do mesmo modo. Não mais sofrer deixará de ser para vós o ideal, como o é para as pessoas do mundo. Não mais exclamareis num grito de triunfo: morreu sem sofrer, não sentiu a morte! como se no mundo não houvesse outro mal que o sofrimento... No entanto, sabereis aceitar para vós e para os vossos o bom sofrimento, quando Deus vo-lo enviar e na medida em que Ele deseja que o suporteis. Utilizá-lo-eis e o transformareis; ou, melhor, será ele que, aceito com espírito de simplicidade, vos transformará, tornando-vos semelhantes a Jesus e atravessando-vos, como a Ele, os pés e as mãos, dilacerando-vos o corpo, cobrindo-vos a cabeça de chagas, abrindo e transpassando-vos o coração.

Assim recebido, como o sofrimento perde a amargura, como se torna suave e como sentireis a verdade desta palavra de fé: 'Todas as lágrimas secam aos pés de Jesus, todas as dores se aquietam e adormecem sob os divinos ósculos'. A simplicidade transformará todos os vossos sentimentos, colocando-vos na verdade, quer se trate de alegria, quer de dor. Far-vos-á ver em luz muito pura que a única tristeza verdadeira é ofender a Deus, desagradar-lhe, contristar o seu coração; ou a pena de ver que outros o ofendem, o desonram ou dele se afastam. Oh! Eis o que vos arrancará lágrimas e, se vos tornardes bastantes santas, vos causará uma espécie de contínua agonia, como a do Salvador.

... A simplicidade vos desprenderá de tantas alegrias vãs, senão ridículas ou ímpias, às quais o mundo se entrega. Far-vos-á compreender a desgraça de todas as loucuras que põem a própria felicidade na riqueza, no prazer, na lisonja, no sucesso, na beleza, nas flores e nos perfumes. ... A alegria só pode existir no coração puro e na alma simples. Aí transborda e se espalha, como um aroma, sobre todas as dores da existência. Como no-lo afirma o Evangelho, as almas simples são felizes mesmo entre lágrimas, porque encontram as mais divinas consolações.

Aos vossos olhos, a simplicidade transformará todos os deveres da vida. Mostrar-vos-á os grandes como se ainda fossem maiores e mais santos; far-vos-á sentir por eles maior entusiasmo e maior ardor. Engrandecerá e elevará os que são pequenos; fará transparecer a majestade de Deus nos mais humildes e nos menores. Quantos benefícios vos fará a simplicidade! São as coisas materiais da vida que mais vos fatigam. Os pequenos e humildes deveres, esses ínfimos nadas de cada dia, que se renovam com desesperadora monotonia, que vos envolvem como em emaranhada rede e que, ao fim de algum tempo, vos caem em cima tão pesadamente, eis o que vos cansa e vos abate. Vos sentis feitas para subir; aspirais ganhar a amplidão; e ficais paradas, no meio de águas barrentas, dentro de um pobre barquinho, de onde não conseguis sair! É isso o que vos desespera!

Mas aqui está o meio fácil e sempre ao vosso alcance de ganhar novos horizontes, de vos expandirdes de cada vez buscar maior altura, de incessantemente vos alimentardes das grandes coisas de que tendes fomes e sede! Este meio é a simplicidade! Deus encontra-se aí nessas minúcias, nessas ninharias fatigantes e monótonas, nessas vulgares e comezinhas ocupações, como se encontrava na palha e nas faixas de Belém. Aí está Ele e não o vedes porque vos falta a simplicidade. Se fordes simples, vereis Deus no pó das ações vulgares e materiais de cada dia, do mesmo modo que, no presépio, o viram os olhos de Maria e José; e,  porque o vereis, estas ações se tornarão grandes e santas como Ele. ... A alma simples compreende que 'O Verbo só se fez carne para que a carne se tornasse Verbo'. A simplicidade tem o maravilhoso poder de divinizar o pó! ... sede simples em todas as obras de apostolado, de caridade e de devotamento que realizardes; sede simples, isto é, fazei tudo para Deus.

Há pessoas que se entregam às obras de caridade por ostentação... outras encaram essas obras como passatempo, distração útil ao isolamento e consolo às suas tristezas; outras, ainda, só enxergam o lado filantrópico e social. E todas estão muito longe da simplicidade pregada pelo Evangelho... Algumas desejam sinceramente o bem do próximo, tudo que lhe é útil ao corpo e à alma, ao bem-estar e à salvação: essas, na verdade, esquecem-se de si e vivem para os outros. Mas, no ardor de servir ao próximo, perdem Deus de vista, ou, pelo menos, veem as almas mais do que a Deus. Amam as almas mais por elas do que por Deus. E na intenção que têm, em vez de colocar primeiro Deus e depois as almas, elas põem estas em primeiro lugar. Vêem Deus apenas através das almas e não as almas através de Deus. Essas, embora já possuam a simplicidade, não a tem em grau suficiente, porque sua intenção não é bastante pura.

Finalmente, há as que procuram Deus, mas não o fazem ainda como seria necessário. Em lugar de servir ao plano de Deus, servem às próprias idéias. Gostariam de impor a Deus a visão que têm das coisas, a própria maneira de agir, a própria pessoa. Sua simplicidade não é perfeita. Em qualquer obra, a verdadeira simplicidade consiste em trabalhar para Deus com absoluta pureza de intenção, procurando agradar-lhe antes e acima de tudo... É bela a dedicação ao próximo por amor a Ele; mas essa dedicação é mil vezes mais bela quando a razão é Deus e quando a vivifica o pensamento de que, trabalhando-se para o próximo, se glorifica a Deus.

Se fordes simples, Deus será o primeiro em vosso pensamento e em vossa vontade, como o será também em vosso coração. Tudo provirá dele, tudo se fará por Ele e para Ele, tudo lhe será atribuído.
A glória, o serviço e o amor de Deus, eis a felicidade da alma simples! Não se deve deixar absorver nem mesmo pelos mais instantes e elevados interesses das almas, mas sim renovar incessantemente as intenções e dirigi-las a Deus, vendo sempre Deus nas almas e as almas em Deus.

Não se deve esquecer tão pouco que a única forma de glorificar a Deus é servi-lo, dar-lhe provas de amor e cumprir a sua vontade, isto é, dedicar-se na medida em que Deus o exige, jamais se impondo e agindo sempre de acordo com o plano de Deus e não com o próprio. Portanto, vós, que recebestes de Deus a submissão do apostolado e da caridade, deveis repelir quaisquer pensamentos humanos, egoístas, maldosos, que a vós se apresentem, substituindo-os por intenções inteiramente puras, por pensamentos essencialmente divinos.

Se o demônio vos murmura ao ouvido que o mundo vos estima pelas obras de caridade que pratica e que valeis mais do que os outros, e vos incita espírito de domínio ou de complacência para convosco, se, aos vossos olhos, oculta a glória de Deus deixando aparecer o objetivo humano e temporal, fechai os olhos, fechai os ouvidos a essas pérfidas sugestões, retificai vossa vontade e dizei a Deus: 'Senhor não almejo outro fim a não ser a realização de Vossa obra, outro guia além de Vossa vontade, outra verdade senão a de procurar a Vossa glória, trabalhando na salvação das almas'.

(Excertos da obra 'A Simplicidade Segundo o Evangelho', de Monsenhor Gibergues)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

28 DE DEZEMBRO - SANTOS INOCENTES


Santos Inocentes de Deus,
almas cristalinas,
pousai vossos ternos anelos
nas sombras das colinas;
não inquieteis com vosso pranto
as feras sibilinas,
fitai o esgar dos carrascos
com doces retinas;
que a vida que foge breve,
em  adagas repentinas,
renasça em eternos louvores
nas glórias divinas.
(Arcos de Pilares)

Santos Inocentes de Deus, rogai por nós