sábado, 30 de junho de 2018

INSTRUMENTOS DA GRAÇA ESPIRITUAL

Primeiramente, amar ao Senhor Deus de todo o coração, com toda a alma, com todas as forças.
Depois, amar ao próximo como a si mesmo.
Em seguida, não matar.
Não cometer adultério.
Não furtar.
Não cobiçar.
Não levantar falso testemunho.
Honrar todos os homens.
E não fazer a outrem o que não quer que lhe seja feito.
Abnegar-se a si mesmo para seguir o Cristo.
Castigar o corpo.
Não abraçar as delícias.
Amar o jejum.
Reconfortar os pobres.
Vestir os nus.
Visitar os enfermos.
Sepultar os mortos.
Socorrer na tribulação.
Consolar o que sofre.
Fazer-se alheio às coisas do mundo. 
Nada antepor ao amor de Cristo.
Não satisfazer a ira.
Não reservar tempo para a cólera.
Não conservar a falsidade no coração.
Não conceder paz simulada.
Não se afastar da caridade.
Não jurar para não vir a perjurar.
Proferir a verdade de coração e de boca.
Não retribuir o mal com o mal.
Não fazer injustiça, mas suportar pacientemente as que lhe são feitas.
Amar os inimigos.
Não retribuir com maldição aos que o amaldiçoam, mas antes abençoá-los.
Suportar perseguição pela justiça.
Não ser soberbo.
Não ser dado ao vinho.
Não ser guloso.
Não ser apegado ao sono.
Não ser preguiçoso.
Não ser murmurador.
Não ser detrator.
Colocar toda a esperança em Deus.
O que achar de bem em si, atribuí-lo a Deus e não a si mesmo.
Mas, quanto ao mal, saber que é sempre obra sua e a si mesmo atribuí-lo.
Temer o dia do juízo.
Ter pavor do inferno.
Desejar a vida eterna com toda a cobiça espiritual.
Ter diariamente diante dos olhos a morte a surpreendê-lo.
Vigiar a toda hora os atos de sua vida.
Saber como certo que Deus o vê em todo lugar.
Quebrar imediatamente de encontro ao Cristo os maus pensamentos que lhe advêm ao coração e revelá-los a um conselheiro espiritual.
Guardar sua boca da palavra má ou perversa. 
Não gostar de falar muito.
Não falar palavras vãs ou que só sirvam para provocar riso. 
Não gostar do riso excessivo ou ruidoso.
Ouvir de boa vontade as santas leituras.
Dar-se frequentemente à oração.
Confessar todos os dias a Deus na oração, com lágrimas e gemidos, as faltas passadas e daí por diante emendar-se delas. 
Não satisfazer os desejos da carne.
Odiar a própria vontade.
Obedecer em tudo às ordens do Abade, mesmo que este, o que não aconteça, proceda de outra forma, lembrando-se do preceito do Senhor: 'Fazei o que dizem, mas não o que fazem'. 
Não querer ser tido como santo antes que o seja, mas primeiramente sê-lo para que como tal o tenham com mais fundamento.
Por em prática diariamente os preceitos de Deus. 
Amar a castidade.
Não odiar a ninguém.
Não ter ciúmes.
Não exercer a inveja.
Não amar a rixa.
Fugir da vanglória.
Venerar os mais velhos.
Amar os mais moços.
Orar, no amor de Cristo, pelos inimigos.
Voltar à paz, antes do por-do-sol, com aqueles com quem teve desavença.
E nunca desesperar da misericórdia de Deus.

Eis aí os instrumentos da arte espiritual: se forem postos em ação por nós, dia e noite, sem cessar, e devolvidos no dia do juízo, seremos recompensados pelo Senhor com aquele prêmio que Ele mesmo prometeu: 'O que olhos não viram nem ouvidos ouviram preparou Deus para aqueles que o amam'. São, porém, os claustros do mosteiro e a estabilidade na comunidade a oficina onde executaremos diligentemente tudo isso.

('Instrumentos das Boas Obras', das Regras de São Bento)

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XIV)

XII

DO PECADO ORIGINAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS, OU FERIDAS DA NATUREZA HUMANA

Existia a concupiscência no estado primitivo em que Deus criou o homem?
Não, Senhor.

Por que existe agora?
Porque o homem se acha em estado de natureza decaída (LXXXI-LXXXIII)*.

Que entendeis por estado de natureza decaída?
O estado que se seguiu como efeito e consequência do primeiro pecado do primeiro homem (LXXX, 4; LXXXII, 1).

Por que se estendem a todos e a cada um dos homens, os efeitos e consequências daquele primeiro pecado do nosso primeiro pai?
Porque a nossa natureza é a sua e dele a recebemos (Ibid).

Se não tivesse pecado o primeiro homem, ter-nos-ia transmitido a natureza em outro estado?
Sim, Senhor; no estado de integridade e justiça original (LXXXI, 2).

O estado em que atualmente a recebemos é estado de pecado?
Sim, Senhor (LXXXI, 1; LXXXII, 1).

Por que?
Porque recebemo-la como ela é e conforme ficou em consequência do pecado (Ibid).

Como se chama esta mancha do pecado que se nos transmite, junto com a natureza, efeito da queda do primeiro homem?
Chama-se pecado original (Ibid).

Logo, o pecado original transmite-se a todos os homens pelo fato de receber a natureza de Adão pecador?
Por este único fato se transmite (Ibid).

Que efeito produz em cada indivíduo da espécie humana o chamado pecado original?
A privação dos dons sobrenaturais e gratuitos que Deus misericordiosamente havia concedido à natureza, na pessoa do primeiro homem e pai comum dos mortais (LXXXII, 1).

Quais eram os dons de que nos privou o pecado original?
Em primeiro lugar, a graça santificante com as virtudes sobrenaturais infusas e os dons do Espírito Santo; além disso, o privilégio da integridade vinculado aos dons sobrenaturais.

Que efeito produzia o privilégio da integridade?
A subordinação perfeita dos sentidos à razão, e do corpo à alma.

Que bens se conseguiam com tão perfeita subordinação?
Conseguia-se que as faculdades afetivas não podiam experimentar nenhum movimento desordenado, e que o corpo fosse impassível ou imortal.

Logo, a morte e as outras misérias corporais são o efeito próprio do pecado?
Sim, Senhor (LXXXV, 5).

Como se chamam os efeitos do pecado na alma?
Chamam-se feridas.

Quais são?
Ignorância, malícia, fragilidade e concupiscência (LXXXV; 3).

Que entendeis por ignorância?
A condição a que ficou reduzida a inteligência quando perdeu a disposição infalível para a verdade, como a possuía no estado de integridade (Ibid).

Que entendeis por malícia?
A condição a que ficou reduzida a vontade, desapossada da disposição infalível para o bem, que tinha no estado de Justiça original (Ibid).

Que entendeis por fragilidade?
A condição a que ficou reduzida a parte afetiva sensível, destituída da ordem conatural para com tudo o que é mau ou difícil e que ela possuía no estado de integridade original.

Que entendeis por concupiscência?
A condição a que se reduziu a parte afetiva sensível quando sacudiu a autoridade que, no estado de inocência, a mantinha nos limites do prazer sensível, moderado pela razão (Ibid).

São estas quatro feridas efeitos do primeiro pecado do primeiro homem?
Sim, Senhor.

Podem agravá-las os nossos pecados pessoais e os dos nossos ascendentes?
Sim, Senhor (LXXXV, 1, 2).

Têm alguns pecados pessoais a propriedade de produzir no homem disposições e inclinações especiais para cometer outros novos?
Sim, Senhor; os chamados pecados capitais.

Quais são?
Soberba, Avareza, Gula, Luxúria, Preguiça, Inveja e Ira.

Apesar de todos estes motivos de pecado, herdados de nosso primeiro progenitor e ascendentes, devemos sustentar que o homem é livre quando executa atos morais e que jamais peca por necessidade?
Sim, Senhor.

Como poderiam as ditas causas de pecado destruir a liberdade humana?
Privando o homem do uso da razão (LXXXVII, 7).

Logo, enquanto o homem conserva o uso da razão, é livre e depende dele evitar ou não o pecado?
Sim, Senhor.

As preditas causas podem, apesar do exposto, entorpecer o exercício da liberdade até ao ponto de diminuir ou atenuar a gravidade do pecado?
Sim, Senhor; exceto o caso em que as agrava o pecado pessoal (LXXXVII, 6).

XIII

DISTINÇÃO DA GRAVIDADE DOS PECADOS E DE SEUS CORRESPONDENTES CASTIGOS

Têm os mesmos caracteres de gravidade todos os pecados cometidos pelos homens?
Não, Senhor.

A que se atende para determinar a gravidade de um pecado?
A categoria e necessidade do bem de que priva e à maior ou menor liberdade com que se executa (LXXIII, 1-8).

Merecem castigo todos os atos pecaminosos?
Sim, Senhor (LXXXVII, 1).

Por que?
Porque, todo pecado é usurpação do direito alheio e o castigo é a maneira de restituição do que injustamente se tomou (Ibid).

Logo, o castigo do pecado é ato de rigorosa Justiça?
Sim, Senhor.

Quem pode impor a pena devida pelo pecado?
Os encarregados de velar pela ordem e pela justiça, contra os atentados do pecador (Ibid).

Quais são?
Primeiramente Deus, depois, a autoridade humana, nos assuntos de sua competência; e, por último, o próprio pecador (Ibid).

Como pode o pecador castigar o seu próprio pecado?
De duas maneiras; por meio da penitência e do remorso da consciência (Ibid).

Como intervém a autoridade humana?
Impondo castigos (Ibid).

Como Deus pode castigar?
De duas maneiras, mediata ou imediatamente (Ibid).

Quando dizemos que castiga mediatamente?
Quando o faz mediante a autoridade humana ou a consciência do pecador (Ibid).

Por que chamais castigos divinos aos impostos pela autoridade humana e pela consciência do pecador?
Porque a autoridade humana e a própria consciência participam do poder de Deus, de quem são de algum modo instrumentos (Ibid).

Emprega Deus algum outro meio para castigar o pecado?
Sim, Senhor; utiliza as próprias criaturas, que a Ele pertencem e cuja subordinação e harmonia o pecador procura perturbar (Ibid).

Podemos neste sentido dizer que há uma justiça imanente?
Sim, Senhor; e, em virtude dela, as mesmas coisas inanimadas servem como instrumento à Justiça divina para castigar o pecado, fazendo padecer o pecador as consequências de sua culpa (Ibid).

Que entendeis por intervenção imediata de Deus no castigo do pecado?
Uma intervenção particular e sobrenatural, em virtude da qual Ele mesmo castiga os atentados do pecador contra a ordem sobrenatural por Ele estabelecida (LXXXVII, 3, 5).

Em que se diferencia o castigo imposto imediatamente por Deus, na ordem sobrenatural, dos impostos pelas criaturas?
Em que Deus castiga alguns pecados com penas que durarão eternamente (LXXXVII, 3).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

sexta-feira, 29 de junho de 2018

PALAVRAS DE SALVAÇÃO


'A humildade é a verdade, e a verdade é que eu sou somente nada. Portanto, tudo o que é bom em mim vem de Deus. Ora, acontece muitas vezes que desperdiçamos o que Deus pôs de bom em nós... A ideia de que, a cada dia, o Senhor vem até nós e nos dá tudo deveria tornar-nos humildes. Ora, é o oposto o que acontece, porque o demônio faz brotar dentro de nós ataques de orgulho. Isso em nada nos honra. Temos de lutar contra o nosso orgulho. Quando não pudermos mais, paremos um instante e façamos um ato de humildade; então Deus, que ama os corações humildes, virá ao nosso encontro'.

(São Pio de Pietrelcina)

quinta-feira, 28 de junho de 2018

ORAÇÃO AO ANJO DA GUARDA POR UMA BOA MORTE


Meu bom Anjo da Guarda, não sei quando e de que modo irei morrer. É possível que eu seja levado de repente ou que, antes do meu último suspiro, eu me veja privado das minhas capacidades mentais. E há tantas coisas que eu quereria dizer a Deus, no limiar da Eternidade... Por isso hoje, com a plena liberdade da minha vontade, venho pedir a vós, Anjo da Minha Guarda, que faleis por mim nesse temível momento. Direis, então, ao Senhor:

Que quero morrer na Santa Igreja Católica, Apostólica Romana, no seio da qual morreram todos os santos, depois de Jesus Cristo, e fora da qual não há salvação;

Que peço a graça de participar nos méritos infinitos do meu Redentor e que desejo morrer pousando os meus lábios na Cruz que foi banhada com o seu Sangue;

Que aborreço e detesto os meus pecados que ofenderam a Jesus e que, por amor a Ele, perdoo os meus inimigos, como eu próprio desejo ser perdoado; 

Que aceito a minha morte como sendo da vontade de Deus e que, com toda a confiança, me entrego ao seu amável e sacratíssimo Coração, esperando por toda a sua misericórdia; 

Que, no meu inexprimível desejo de ir para o Céu, me disponho a sofrer tudo quanto a sua soberana Justiça haja por bem infligir-me. 

Não recuseis, ó Santo Anjo da Minha Guarda, ser o meu intérprete junto de Deus e expor diante dEle que estes são os meus sentimentos e a minha firme vontade. Amém.

(São Carlos Borromeu)

quarta-feira, 27 de junho de 2018

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE NADAL (XIV)

 flagellatur Christus

121. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Jo 19): a flagelação de Jesus 

  coronatur spinis Iesus

122. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Jo 19): Jesus com uma coroa de espinhos

 gesta post coronationem, antequam ferretur sententia

123. Evangelho (Jo 19): eventos após a flagelação e coroação e antes da sentença de Pilatos

  fert sententiam Pilatus contra Iesum

124. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): a condenação de Jesus

  ducitur Iesus extra portam ad calvariae montem

125. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): Jesus a caminho do Calvário

 quae gesta sunt postea ante crucifixionem

126. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23): eventos antes da crucificação de Jesus

  crucifigitur Iesus

127. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): a crucificação de Jesus

 erigitur crux

128. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): a cruz é erguida e cravada no terreno

 quae gesta sunt post erectam crucem, antequam emitteret spiritum

129. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): os eventos durante a crucificação e antes da morte de Jesus

emissio spiritus

130. Evangelho (Mt 27, Mc 15, Lc 23, Jo 19): Jesus morre na cruz

terça-feira, 26 de junho de 2018

26 DE JUNHO - SÃO JOSEMARIA ESCRIVÁ


São Josemaria Escrivá de Balaguer nasceu em 09 de janeiro de 1902 em Barbastro, Espanha. Em 02 de outubro de 1928, durante um retiro espiritual em Madrid, concebeu e fundou o OPUS DEI, atualmente prelazia pessoal da Igreja Católica. A missão específica do Opus Dei é promover, entre homens e mulheres de todo o âmbito da sociedade, um compromisso pessoal de seguir a Cristo, de amor a Deus e ao próximo e de procura da santidade na vida cotidiana. Faleceu em Roma em 26 de junho de 1975. Foi beatificado em 17 de maio de 1992 e canonizado, pelo Papa João Paulo II na Praça de São Pedro, em 06 de outubro de 2002. Sua obra mais conhecida é Caminho, escrita como orientações espirituais em diferentes parágrafos. Outras obras do autor são ForjaSulco e É Cristo que Passa.

A CRUZ NÃO É UM CONSOLO FÁCIL

'A doutrina cristã sobre a dor não é um programa de fáceis consolações. Começa logo por ser uma doutrina de aceitação do sofrimento, inseparável de toda a vida humana. Não vos posso esconder - e com alegria pois sempre preguei e procurei viver a verdade de que, onde está a Cruz, está Cristo, o Amor - que a dor apareceu muitas vezes na minha vida; e mais de uma vez tive vontade de chorar. Noutras ocasiões, senti crescer em mim o desgosto pela injustiça e pelo mal. E soube o que era a mágoa de ver que nada podia fazer, que, apesar dos meus desejos e dos meus esforços, não conseguia melhorar aquelas situações iníquas.

Quando vos falo de dor, não vos falo apenas de teorias. Nem me limito a recolher uma experiência de outros, quando vos confirmo que, se sentis, diante da realidade do sofrimento, que a vossa alma vacila algumas vezes, o remédio que tendes é olhar para Cristo. A cena do Calvário proclama a todos que as aflições hão-de ser santificadas, se vivermos unidos à Cruz.

Porque as nossas tribulações, cristãmente vividas, se convertem em reparação, em desagravo, em participação no destino e na vida de Jesus, que voluntariamente experimentou, por amor aos homens, toda a espécie de dores, todo o gênero de tormentos. Nasceu, viveu e morreu pobre; foi atacado, insultado, difamado, caluniado e condenado injustamente; conheceu a traição e o abandono dos discípulos; experimentou a solidão e as amarguras do suplício e da morte. Ainda agora, Cristo continua a sofrer nos seus membros, na Humanidade inteira que povoa a Terra e da qual Ele é Cabeça, Primogênito e Redentor'.
                                                                                                                         (É Cristo que Passa)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

RUMO À SANTIDADE (IV/Final)

Quando a fé fraqueja, o homem tende a imaginar Deus como se estivesse longe e mal se preocupasse dos seus filhos. Pensa na religião como algo justaposto, quando não há outro remédio; sem saber por quê, espera manifestações aparatosas, acontecimentos insólitos. Em contrapartida, quando a fé vibra na alma, descobre-se que os passos do cristão não se separam da própria vida humana corrente e habitual. E que essa santidade grande, que Deus nos reclama, se encerra aqui e agora, nas coisas pequenas de cada jornada. 

Gosto de falar de caminho, porque somos viajadores, dirigimo-nos para a casa do Céu, para a nossa Pátria. Mas reparemos que um caminho, embora possa apresentar trechos de dificuldades especiais, embora uma vez por outra nos obrigue a desviar um rio ou a atravessar um pequeno bosque quase impenetrável, habitualmente é coisa corrente, sem surpresas. O perigo é a rotina: imaginar que Deus está ausente das coisas de cada instante por serem tão simples, tão triviais! 

Caminhavam aqueles dois discípulos em direção a Emaús. Andavam a passo normal, como tantos outros que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, apareceu-lhes Jesus, e caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo já crescido, e as oliveiras velhas, com os ramos prateados à luz tíbia. Jesus, no caminho. Senhor, és sempre tão grande! Mas tu me comoves quando te abaixas a seguir-nos, a procurar-nos, na nossa diária roda-viva. Senhor, concede-nos a ingenuidade de espírito, o olhar límpido, a mente clara, que permitam entender-te quando vens sem nenhum sinal externo da tua glória. 

Termina o trajeto ao chegar à aldeia, e aqueles dois que - sem darem por isso - foram feridos no fundo do coração pela palavra e pelo amor do Deus feito homem, sentem que Ele se vá embora. Porque Jesus se despede com gesto de quem vai prosseguir. Nunca se impõe, este Senhor Nosso. Quer que o chamemos livremente, depois de entrevermos a pureza do Amor que nos meteu na alma. Temos que detê-lo à força e rogar-lhe: 'Fica conosco porque é tarde e o dia está já declinando' (Lc 24, 29), faz-se noite. Somos assim: sempre pouco atrevidos, talvez por insinceridade, talvez por pudor. No fundo, pensamos: Fica conosco, porque as trevas nos rodeiam a alma, e só Tu és luz, só Tu podes acalmar esta ânsia que nos consome. Porque dentre as coisas formosas, honestas, não ignoramos qual é a primeira possuir: sempre a Deus. 

E Jesus fica. Abrem-se os nossos olhos como os de Cléofas e o seu companheiro, quando Cristo parte o pão; e embora Ele volte a desaparecer da nossa vista, seremos também capazes de retomar a caminhada - anoitece - para falar dEle aos outros, pois não cabe num peito só tanta alegria. Caminho de Emaús. O nosso Deus impregnou de doçura este nome. E Emaús é o mundo inteiro, porque o Senhor abriu os caminhos divinos da terra. 

Peço ao Senhor que, durante a nossa permanência neste chão que pisamos, não nos afastemos nunca do Caminhante divino. Para tanto, aumentemos também a nossa amizade com os Santos Anjos da Guarda. Todos necessitamos de muita companhia: companhia do Céu e da terra. Sejamos devotos dos Santos Anjos! E muito humana a amizade, mas é também muito divina; tal como a nossa vida, que é divina e humana. Lembramo- -nos do que diz o Senhor? 'Já não vos chamo servos, mas amigos' (Jo 15,15). Ensina-nos a ter confiança com os amigos de Deus, que já moram no Céu, e com as criaturas que convivem conosco, incluídas as que parecem afastadas do Senhor, para as atrairmos ao bom caminho. 

E vou terminar, repetindo com São Paulo aos Colossenses: 'Não cessamos de orar por vós e de pedir a Deus que alcanceis pleno conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e inteligência espiritual' (Cl 1, 9). Sabedoria que nos proporciona a oração, a contemplação, a efusão do Paráclito na alma. Afim de que tenhais uma conduta digna de Deus, agradando-o em tudo, produzindo frutos de toda a espécie de boas obras e progredindo na ciência de Deus; corroborados em toda a sorte de fortaleza pelo poder da sua graça, para terdes sempre uma perfeita paciência e longanimidade acompanhada de alegria; dando graças a Deus-Pai, que nos fez dignos de participar na sorte dos santos, iluminando-nos com a sua luz; que nos arrebatou ao poder das trevas e nos transferiu para o reino de seu Filho muito amado. 

Que a Mãe de Deus e Mãe nossa nos proteja, afim de que cada um de nós possa servir a Igreja na plenitude da fé, com os dons do Espírito Santo e com a vida contemplativa. Realizando cada um os deveres que lhe são próprios, cada um no seu ofício e profissão, e no cumprimento das obrigações do seu estado, honre gozosamente o Senhor. Amai a Igreja, servi-a com a alegria consciente de quem soube decidir-se a esse serviço por Amor. E se virmos que alguns andam sem esperança, como os dois de Emaús, aproximemo-nos deles com fé - não em nome próprio, mas em nome de Cristo - para lhes garantir que a promessa de Jesus não pode falhar, que Ele vela por sua Esposa sempre: que não a abandona; que passarão as trevas, porque somos filhos da luz e fomos chamados a uma vida perene. 

E Deus lhes enxugará todas as lágrimas dos olhos, já não haverá morte, nem pranto nem clamor; não mais haverá dor, porque as coisas de antes passaram. E disse Aquele que estava sentado no trono: Eis que renovo todas as coisas. E ordenou-me: Escreve, porque todas estas palavras são digníssimas de fé e verdadeiras. E acrescentou: É um fato. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. Ao sedento, eu darei de beber gratuitamente da fonte da água da vida. Aquele que vencer possuirá todas estas coisas, e eu serei o Seu Deus e ele será meu filho (Ap 21, 4-7). 

(Parte IV/Final da Homilia 'Rumo à Santidade', pronunciada em 26/11/1967, por São Josemaria Escrivá)