sábado, 12 de maio de 2018

O TESTEMUNHO DA CONSCIÊNCIA

É esta a nossa glória: o testemunho de nossa consciência. Há homens de juízo temerário, detratores, maldizentes, murmuradores, suspeitosos do que não vêem, procurando acusar o que nem mesmo suspeitam. Contra gente assim, o que nos resta a não ser o testemunho de nossa consciência? Mas, irmãos, também em relação àqueles a quem queremos agradar, não procuramos nossa glória nem a devemos buscar, mas a salvação deles, de modo que não se extraviem aqueles que nos seguem, se andarmos bem. Sejam nossos imitadores, se o formos de Cristo. Se não formos imitadores de Cristo, que eles o sejam! Pois o Senhor apascenta o seu rebanho e junto com todos os bons pastores, ele é o único, porque todos estão nele.

Por isso, não temos em vista nosso proveito quando buscamos agradar aos homens, mas queremos alegrar-nos com eles, alegrarmo-nos por sentirem prazer com o bem, para vantagem deles, não para nossa honra. Claramente se percebe contra quem disse o Apóstolo: 'Se quisesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo' (Gl 1,10). Também se percebe a favor de quem ele disse: 'Agradai a todos em tudo, assim como também eu lhes agrado em tudo'. Ambas as coisas puras, ambas sem perturbação. Quanto a ti, come e bebe tranquilamente; mas não pises os pastos, nem turves as águas.

Na verdade, também ouviste Nosso Senhor Jesus Cristo, o Mestre dos apóstolos: 'Brilhem vossas obras diante dos homens, para que vejam o bem que fazeis e glorifiquem vosso Pai que está nos céus' (Mt 5,16). Ele vos fez assim: nós, gente de suas pastagens e ovelhas de suas mãos (Mt 10,1-5). Louvor a Ele que te fez bom, se és bom, e não a ti que, por ti mesmo só poderias ser mau. Por que queres torcer a verdade, de modo que quando fazes algum bem, queres ser elogiado e, quando fazes o mal, queres que o Senhor seja criticado? De fato, aquele que disse: 'Brilhem vossas obras diante dos homens', é o mesmo que, na mesma exortação, declarou: 'Não façais vossa justiça diante dos homens '(Mt 6,1). Como no Apóstolo, também no Evangelho estes ditos te parecem contraditórios. Se, porém, não turvares a água de teu coração, aí encontrarás o acordo das Escrituras e terás paz também com elas.

Esforcemo-nos, pois, irmãos, não apenas para sermos bons, mas ainda para convivermos bem com os homens. Não procuremos apenas ter uma boa consciência, mas, na medida em que permitirem nossas limitações, vigilantes sobre a fragilidade humana, empenhemo-nos em nada fazer que levante dúvidas para o irmão mais fraco. Não aconteça que, comendo ervas boas e, bebendo águas límpidas, espezinhemos as pastagens de Deus, fazendo com isso, que as ovelhas fracas comam a erva pisada e bebam a água turva.

(Dos Sermões de Santo Agostinho)

sexta-feira, 11 de maio de 2018

SOBRE A ETERNIDADE DAS PENAS DO INFERNO


Ponderação - A eternidade das dores do inferno se opõe à justiça de Deus; é injusto punir eternamente um pecado que durou apenas alguns instantes.

Refutação - Nenhum crime é punível pelo tempo que se leva para cometê-lo, mas pela gravidade intrínseca que contém. A justiça humana, às vezes, não condena à prisão perpétua e até mesmo à pena de morte, o transgressor que cometeu um crime em um instante? Levando-se em conta que o pecado - sobretudo aquele cometido contra o próprio Deus com vontade e malícia obstinada - contém uma certa malícia infinita, por causa da distância infinita que separa o infrator da vítima, é justo que ele seja punido com uma penalidade também infinita. E esta não sendo possível pela intensidade, tem que ser pelo menos em extensão. Assim, a eternidade das dores do inferno não apenas não se opõe à justiça de Deus, mas é dela uma exigência e um postulado elementar.

P. - É muito difícil para mim conceber a infinita malícia do pecado, pois uma criatura não pode realizar um ato infinito.

R. - O ato infinito relativo ao pecado não se vincula ao ato em si mesmo ou objetivamente considerado, mas da distância infinita entre o pecador e Deus. Ao pecar livre e voluntariamente, o pecador se apega a uma criatura que o distancia ou separa de Deus. E esse afastamento é, em si mesmo, infinito e naturalmente irreparável.

P. - O pecador não comete seu pecado prevendo e aceitando essa projeção eterna; a maioria dos homens peca simplesmente 'por um tempinho', esperando se arrepender mais tarde.

R. - Essa esperança em um futuro arrependimento é uma ilusão tão vã quanto imoral. Vã porque o pecador não poderá abandonar seu pecado sem a graça do arrependimento, que Deus não está obrigado a lhe conceder e que pode inclusive negá-la como castigo de tanta ingratidão. Aquele que se enfia em um poço não pode sair sem ajuda de cordas e corre o risco de lá ficar se os que se encontram do lado de fora - que não têm a obrigação de ajudar um tal desmemoriado - não o ajudarem de fato. E é também imoral, porque o pecador se apega precisamente à misericórdia de Deus para ofendê-lo com maior comodidade.

P. - De qualquer forma, o pecador peca por um tempo, por que então puni-lo na eternidade?

R. A partir do momento que o pecador coloca realmente seu fim último em uma criatura, renunciando ao seu fim sobrenatural eterno, mostra muito claramente que se entregaria ao pecado com maior consentimento se pudesse desfrutar eternamente o prazer momentâneo que este lhe oferece. Se por um momento de alegria, fugaz e passageiro, aceita a possibilidade de ficar sem o seu fim sobrenatural, quanto mais seria tentado a cometer esse pecado se pudesse permanecer nele impunemente por toda a eternidade! Neste sentido, São Tomás de Aquino disse, com muita profundidade, que o pecador, ao se separar de Deus, peca em sua eternidade subjetiva. Portanto, se o pecador ofendeu a Deus em sua eternidade, é justo que Deus o castigue na sua, como disse Santo Agostinho. Eis as palavras de São Tomás: 'Dizemos que alguém peca em sua eternidade, não somente pela continuação do ato que perdura toda a sua vida, mas porque, pelo simples fato de ter posto fim ao pecado, tem a vontade de pecar eternamente. Como disse São Gregório (Los Morales c.19: ML 76, 738), 'os ímpios querem viver para sempre para permanecer sem fim em suas iniquidades' (I-II, 87, 3 ad 1; ver Supl., 99, I).

Em sua magnífica Suma contra os Gentios, São Tomás insiste no mesmo argumento com as seguintes palavras: 'Antes do julgamento divino, a vontade é consignada pelo fato porque o homem só vê o exterior, mas Deus olha o coração (Reg 16, 7). Agora, quem em troca de um bem temporal se desviou do último fim, que se possui por toda a eternidade, antepôs o usufruto temporal do dito bem ao usufruto eterno do último fim, que teria sido muito melhor desfrutar do que um bem provisório. Então, de acordo com o julgamento de Deus, ele deve ser castigado como se tivesse pecado eternamente. E não há dúvida de que um pecado eterno deve receber uma pena eterna. Portanto, quem se desvia do fim último do homem deve receber um castigo eterno' (Suma contra os Gentios, III, 144.)

P. - Mas a malícia subjetiva do pecado não depende do grau de conhecimento e voluntariedade com que procedeu o pecador?

R. - Certamente que sim.

P. - E que pecador se dá conta, quando comete o pecado, do alcance e da transcendência do seu ato? Seria necessário para ele ter uma ideia muito clara da grandeza de Deus e da incomensurável eternidade.

R. - O pecado cometido nestas condições seria de uma malícia verdadeiramente satânica. Esse foi o pecado dos anjos rebeldes, cuja malícia foi tal que Deus negou-lhes para sempre o benefício da redenção, que ele ofereceu, porém, ao homem pecador.

P. - Então você mesmo confessa que o pecado do homem não possui a malícia satânica de demônios e, portanto, ...

R. - Portanto, Deus se compadeceu dele e lhe ofereceu o benefício da redenção, que negou os anjos rebeldes. Exatamente por isso, a reincidência voluntária do homem no pecado, mesmo depois do derramamento de sangue do Filho de Deus encarnado para a sua redenção, assume um elevado grau de ingratidão, e uma maior malícia subjetiva. E isto basta para que este pecado, cometido livre e voluntariamente, tenha força suficiente para separar o pecador eternamente de Deus como seu último fim sobrenatural.

Além disso, como disse com muita propriedade um teólogo dos  nossos dias: 'o homem que suspeita e insiste em desconhecer a grandeza misteriosa do Pai e do sacrifício incomparável do Filho em nosso favor, não se torna muito responsável por isso? Nós que conhecemos a grandeza incomensurável do nosso Deus, da sua ternura infinita e da sublimidade do sacrifício da cruz, podemos nos desculpar de que não somos responsáveis ​​diante do mistério da graça, sob o pretexto de que, no momento do pecado, nossa imaginação e nossa inteligência não tinham plenamente este conhecimento?'.

P. - Mas por que Deus então cria aqueles que Ele sabe que vão ser condenados?

R. - Entre outras razões que transcendem infinitamente a pobre inteligência humana, deve-se dizer que, de outro modo, ter-se-ia uma grande imoralidade, o que é repugnante à infinita santidade de Deus. Com efeito, se Deus, imbuído de sua infinita misericórdia, não criasse apenas os homens que haveriam de se salvar, estes poderiam zombar impunemente de Deus, conspurcando um por um todos os mandamentos da lei divina. Não seria necessário nem que eles se prestassem a arrepender pelos seus pecados, pois Deus teria que perdoá-los forçosamente mais cedo ou mais tarde. Assim, um pecador, mesmo depois de sofrer na vida após a morte um castigo temporal mais ou menos longo, poderia adentrar o Céu sem ter-se arrependido do seu pecado, sem ter pedido perdão a Deus. Quem não vê que isso seria uma monstruosidade escandalosa, mil vezes mais inconcebível do que o fato de Deus criar um homem sabendo que ele há de se condenar?

Além disso, uma coisa é bastante clara na teologia da salvação, seja qual for a escola teológica a que pertença: Deus não cria nem nunca criará qualquer pessoa para ser condenada haja o que houver, mas somente, a despeito de saber disso, que a pessoa se condene voluntariamente (como punição ao pecado voluntariamente cometido). De quem é a culpa, portanto, se o pecador é condenado? Seria o cúmulo da imoralidade pedir contas a Deus por punir com justiça um crime que foi livre e voluntariamente cometido por exclusiva culpa do pecador.

P. - Mas por que a pena do pecado deve ser eterna? Não bastaria um castigo temporário - ainda que muito duradouro - para satisfazer as exigências da justiça divina?

R. - De modo nenhum. A obstinação do pecador, perpetuamente apegado ao seu pecado, obriga a uma pena mantida eternamente. O pecador não se arrepende e nem se arrependerá jamais e, nestas condições, a punição tem que ser necessariamente eterna. Enquanto permanecer a culpa, não se pode desfazer a pena, como exposto por São Tomás de Aquino: 'A culpa permanece eternamente, uma vez que não pode ser remediada sem a graça, que homem algum pode adquirir após a morte. Portanto, a pena não deve cessar enquanto a culpa persistir' (Suppl., 99, 1).

P. - Por que aquele que morre no pecado não pode mais se arrepender?

R. - Porque, com a morte, o tempo do arrependimento termina. Tempo que o pecador teve por toda a vida e que, teimosa e obstinadamente, rejeitou até o último suspiro. A culpa é exclusivamente sua. O que Deus poderia fazer mais do que fez? Não derramou o sangue por ele na cruz e não lhe ofereceu sua graça redentora até o momento da morte?

P. - A misericórdia de Deus é infinita e, portanto, parece absurdo estabelecer um limite determinado a partir do qual ela não pode mais ser exercida.

R. - A misericórdia de Deus é infinita, certamente. Porém, a sua atuação e manifestação estão regulados pelos outros atributos de Deus, especialmente por sua santidade, sua justiça e sua sabedoria. A santidade exige que não se dê ao pecador oportunidade de continuar zombando perpetuamente da misericórdia de Deus; a justiça clama pela punição inexorável do pecador definitivamente obstinado no seu pecado. A sabedoria divina impõe um marco limite para o pecador corrigir-se de suas culpas e nenhum limite é mais oportuno que o da hora da morte.

P. - Por quê?

R. - Porque com a morte tem fim a nossa condição de peregrinos - a viagem da nossa vida - e nós penetramos no estado final da eternidade imutável. É natural que o destino final que o pecador escolheu livremente, no último segundo de sua vida de viajante, permaneça para sempre na imutável eternidade.

P. - E por que o pecador não continua sendo livre?

R. - Para escolher o seu destino, não. A morte para sempre lhe arrebatou o estado de livre arbítrio e definitivamente o fixou - o fossilizou, poderíamos dizer - no fim que ele escolheu livremente.

P. - E por que o espírito pode mover-se nesta vida entre o bem e o mal e não poderia fazê-lo no outro?

R. - Porque assim o exigem, em comum, a psicologia da alma separada do corpo e a justiça de Deus.

P. - Por favor, explique melhor esse mistério.

R. - Não é tão difícil como você pensa. A simples filosofia nos diz que a alma separada não está mais sujeita à oscilação das paixões e às impressões caprichosas do mundo material e sensível. Desligada por completo da matéria, a alma age tal como os espíritos puros, anjos e demônios. Ela não apreende nada por meio do discurso, mas pela intuição e, assim, o que o entendimento lhe apresenta como conveniente e bom, ela o quer uma vez e para sempre. Na eternidade, ninguém corrige o bem ou o mal.

P. - E por que Deus não nos coloca novamente em uma posição de poder escolher outra vez?

R. - Porque o impede sua justiça divina e sua infinita seriedade. A justiça divina estabeleceu um prazo definido para o exercício incontido e transbordante da misericórdia divina: a hora da morte. E a infinita seriedade de Deus não O faz voltar atrás e oferecer ao pecador uma nova oportunidade para se converter, depois de ter definitivamente zombado dEle.

P. - Mesmo que o pecador não mereça, não seria isso um transbordamento de amor e da misericórdia digno da grandeza soberana de Deus?

R. - De jeito nenhum. Pelo contrário, seria um grande escândalo, que deixaria sem sentido a infinita santidade de Deus.

P. - Por quê?

R. - Porque seria o mesmo que autorizar o pecador a zombar eternamente de Deus.

P. - Eu não entendo.

R. - É muito simples. Se, apesar de continuar obstinadamente no pecado e de não merecer, portanto, o perdão, o pecador fosse perdoado por Deus, ele poderia se deleitar eternamente no pecado, zombando de Deus.

P. - Houve um Santo Padre, favorável a uma bela opinião de Orígenes, que imaginou o perdão final para o próprio Satanás e todos os seus seguidores angélicos e humanos.

R. - O apocatástase [restauração final de todas as coisas em Deus] de Orígenes de Alexandria foi expressamente condenado pela Igreja (Denz., 211) e tal hipótese, além de não ser bonita, constitui uma monstruosidade inconcebível.

P. - Faça o favor de provar isso.

R. - Escute, pois, o que seria o discurso que Satanás, anunciando o perdão de Deus, pronunciaria a todos os demônios e condenados do inferno: 'Amigos: eu já sabia que este final assim teria que vir algum dia. Por isso me rebelei resolutamente contra Deus e os arrastei a todos nesta minha rebelião. E como o meu orgulho não podia sofrer a humilhação de pedir perdão a Deus, nunca o pedi e nem o farei agora. Foi Ele quem teve que se render à inflexibilidade da minha atitude. Eu não me curvei nem me prostrarei jamais diante dele; Ele é quem teve de se submeter a mim. Tenho certeza de que todos vocês, meus súditos e amigos fiéis, compartilham plenamente estes meus sentimentos. Nenhum de vocês jamais pedirá perdão a Deus ou acatará as suas ordens. Eu sou o seu único chefe. E agora - e então Satanás deixará escapar uma gargalhada sarcástica - vamos ir para o Céu e sentar sobre os tronos de glória junto à Santa Mãe de Deus, eternamente rindo dEle por nos ter acessado o Céu sem que tenhamos arrependido dos nossos pecados e sem necessidade de prostrarmos diante a sua Divina Majestade'.

P. - Baseado em que se afirmaria que Satanás pronunciaria este discurso?

R. - Na sua obstinação diabólica. Ouvi o diálogo travado entre o demônio - que falava pela boca de um energúmeno [possuído pelo demônio] de Paris - e o padre que o exorcizou em nome da Igreja:

Sacerdote: qual é o seu nome?
Energúmeno: legião, porque somos muitos.
Sacerdote: vocês gostariam de ser aniquilados por Deus?
Energúmeno: não!
Sacerdote: entendo; se Deus os aniquilassem, vocês deixariam de sofrer e isso seria um grande bem a vocês.
Energúmeno: deixaríamos de sofrer, é verdade; mas deixaríamos também de odiar a Deus e, então, preferimos continuar a odiá-lO eternamente.
[Arrighini, Credo in vitam aeternam; Turim 1935, p. 280]. 

P. - Este diálogo tem algum registro histórico?

R. - Isto é para mim completamente indiferente. Eu não a reproduzi como prova histórica, mas apenas como exemplo, para expressar uma realidade indiscutível. Seja histórica ou não, a verdade é que o ódio e a obstinação contra Deus constituem as disposições habituais de Satanás e de todos os condenados. Estes fatos são expressos categoricamente pela teologia, uma vez que incorporam uma consequência inevitável de um estado de condenação.

P. - Por que ser assim e não simplesmente aniquilar as criaturas perversas, em vez de conservá-las eternamente em existência?

R. - Este aniquilamento - como já o dissemos - implicaria uma reordenação da obra de Deus, e é a criatura culpada e não o Criador que deve se retificar. Além disso, Deus não pode estabelecer uma mesma punição para todos os condenados que pecaram, em graus muito diferentes do mal. Finalmente, o aniquilamento impediria a manifestação permanente e eterna da justiça vingativa de Deus, instrumento também da sua glória diante toda a criação.

(Excertos da obra 'Teologia da Salvação', do Pe. Royo Marín, tradução do autor do blog)

quinta-feira, 10 de maio de 2018

VERSUS: PADRES LOBOS X PADRES SANTOS

'Rezemos muito pelos sacerdotes; as suas almas precisam ser mais lúcidas e mais puras do que o cristal'
(Santa Terezinha do Menino Jesus)

'Um padre santo faz o povo santo e um padre que não é santo, podemos chamá-lo não inútil, mas muito perigoso para o próximo'
(São Pio X)




'O maior sinal da ira de Deus sobre um povo e a mais terrível punição que sobre ele pode descarregar neste mundo é permitir que, em castigo dos seus crimes, venha a cair nas mãos de pastores que mais o são de nome do que de fato, que mais exercitam contra ele a crueldade de lobos famintos que a caridade de solícitos pastores, e que, em lugar de o alimentar cuidadosamente, o dilacera e devora com crueldade; que, em vez de levar o povo a Deus, o vende a Satanás; que em lugar de o encaminhar para o Céu, o arrasta com eles para o inferno; e, em vez de serem o sal da terra e a luz do mundo, são o seu veneno e as suas trevas.

Porque nós, sacerdotes e pastores, disse São Gregório, o grande, seremos condenados diante de Deus como 'assassinos das almas que, todos os dias, vão para a morte eterna pelo nosso silêncio e nossa negligência'. Diz também este mesmo Santo: 'Nada há que tanto ultraje a Nosso Senhor (e, por conseguinte, que mais provoque a Sua ira e atraia mais maldições sobre os pastores e sobre o rebanho, sobre os sacerdotes e sobre o povo) como os exemplos de uma vida depravada dados por quem Ele estabeleceu para correção dos demais; quando pecam os que devem reprimir pecados'; quando os sacerdotes não cuidam da salvação das almas, quando não se preocupam mais do que em satisfazer as suas inclinações, quando todas as suas afeições terminam em coisas da terra; quando se alimentam com avidez da vã estima dos homens; quando para satisfazerem as suas ambições abandonam os trabalhos de Deus para se entregarem aos do mundo; quando, ocupando um lugar de santidade, se ocupam de questões terrenas e profanas e não mais pregam a verdadeira fé, a única que indica o Caminho, a Verdade e a Vida.

Quando Deus permite que isto suceda é prova muito certa de que está encolerizado contra o seu povo, sendo este o maior castigo que lhe pode enviar neste mundo. Por isso Nosso Senhor diz incessantemente a todos os católicos: 'Convertei-vos a Mim e dar-vos-ei pastores segundo o Meu Coração'. O maior efeito da misericórdia de Deus dirigido ao seu povo e a mais preciosa graça que pode outorgar-lhe é dar-lhe sacerdotes segundo o seu Coração, que não buscam mais do que a sua glória e a eterna salvação das almas'.
(São João Eudes)

quarta-feira, 9 de maio de 2018

FOTO DA SEMANA

'A duração da vida humana é quando muito cem anos. No dia da eternidade esses breves anos serão contados como uma gota de água do mar, como um grão de areia' (Ec 18,8)

terça-feira, 8 de maio de 2018

CATECISMO MAIOR DE PIO X (VI)

Os hebreus no deserto

48. Após a passagem do Mar Vermelho, os hebreus entraram no deserto, e em curto espaço de tempo poderiam ter chegado à terra prometida, a Palestina, se fossem obedientes à lei divina e às ordens de seu líder Moisés; mas havendo prevaricado e rebelando-se muitas vezes, Deus os entreteve quarenta anos no deserto, deixando morrer ali todos os que haviam saído do Egito, menos dois: Caleb e Josué. Durante todo esse tempo Deus os proveu para sua manutenção com uma espécie de geada branca em pequenos grãos, chamada maná, que todas as noites cobria a terra e de madrugada a recolhiam. Mas na noite anterior ao sábado, dia festivo para os judeus, o maná não caía, pelo qual recolhiam em dobro na madrugada de sábado. Para beber, Deus proveu-lhes de água, que muitas vezes brotou milagrosamente das rochas feridas pelo cajado de Moisés. Uma grande nuvem, que de dia os defendia dos raios do sol e de noite, transformando-se em coluna de fogo, iluminava e mostrava o caminho, acompanhava-os na viagem.

Os dez mandamentos da lei de Deus

49. No terceiro mês de sua saída do Egito, os hebreus chegaram ao pé do Monte Sinai. Foi lá, entre relâmpagos e trovões, que Deus falou e promulgou sua lei em dez mandamentos, escritos em duas tábuas de pedra, que entregou a Moisés no alto da montanha.

50. Mas quando desceu, depois de quarenta dias, falando com o Senhor, Moisés viu que os hebreus tinham caído em idolatria e adoravam um bezerro de ouro. Abrasado de santo zelo por tamanha ingratidão e impiedade, ele quebrou as tábuas da lei, reduziu o bezerro a pó e castigou com a morte os principais instigadores de tão grave pecado. Voltando a subir a montanha, ele implorou o perdão do Senhor, recebeu outras tábuas da lei, e quando desceu o povo caiu atônito ao ver que de seu rosto resplandeciam raios de luz que a transfiguravam de glória e esplendor.

O Tabernáculo e a Arca

51. Ao pé do Sinai, Moisés construiu, por ordem de Deus, e de acordo com as divinas prescrições, o Tabernáculo e a Arca. O Tabernáculo era uma grande tenda na forma de templo, que se erguia no meio do campo, quando os hebreus acampavam. A arca era um cofre de madeira preciosíssima, guarnecido por dentro e por fora de ouro puríssimo, onde foram colocados posteriormente as tábuas da lei, um vaso de maná do deserto e a vara florida de Aarão.

52. Muitas vezes os hebreus no deserto, por murmurações contra Moisés e contra o Senhor, atraíram para si graves castigos. Notável entre estes foi o das cobras venenosas, por cuja picada pereceu grande parte do povo; muitos, arrependidos depois, sararam das mordeduras mirando uma serpente de metal que, levantada por Moisés em uma haste, apresentava a figura da cruz. A virtude deste emblema era símbolo da virtude que havia de ter a Santa Cruz para curar as chagas do pecado. 

Josué e a entrada na terra da promissão

53. Depois de os haver detido por quarenta anos no deserto, Deus introduziu os homens na terra da promissão. Moisés viu de longe, mas não entrou, Josué lhe sucedeu no governo do povo.

54. Precedidos pela Arca, atravessaram o rio Jordão, cujas águas tinham parado para deixar livre a passagem pelo rio: tomaram a cidade de Jericó, subjugaram os povos que habitavam a terra de Canaã e a dividiram em doze partes, segundo o número de tribos. Então, Deus castigou por meio de seu povo os gravíssimos delitos daquelas nações. Estas tribos tomaram o nome de Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zebulom, Dã, Naftali, Gade, Aser, Benjamim, filhos de Jacó, e Efraim e Manassés, filhos de José. Mas a tribo de Levi não tinha outro território. Deus a chamou ao ofício sacerdotal e quis ser Ele mesmo sua porção e sua herança. Da tribo de Judá, segundo profetizara Jacó na hora da morte, nasceria mais tarde o Redentor do mundo.


55. Por aqueles tempos vivia na Idumeia um príncipe muito rico e justo, por nome Jó, o qual temia Deus e guardava-se de praticar o mal. Quis o Senhor fazer dele um modelo de paciência nas maiores dificuldades da vida, permitindo que Satanás o tentasse com tribulações sem precedentes. Em poucos dias lhe arrebataram suas imensas posses, a morte o privou de sua numerosa família e ele mesmo viu-se ferido em todo o corpo de úlceras malignas. Jó atribulado com tantas desgraças, não pecou por impaciência; caiu com a face por terra, adorou o Senhor, e disse: 'O Senhor me deu, o Senhor me tomou; bendito seja o nome do Senhor'. Deus, em recompensa à sua submissão, abençoou-o e devolveu-lhe a saúde, dando-lhe mais prosperidades do que antes. Tudo isso é descrito luminosamente em um dos livros sagrados intitulados Jó.

(Do Catecismo Maior de Pio X)

domingo, 6 de maio de 2018

'PERMANECEI NO MEU AMOR'

Páginas do Evangelho - Sexto Domingo da Páscoa


Neste Sexto Domingo da Páscoa, somos chamados a vivenciar em plenitude o amor de Deus. Jesus encontra-se no Cenáculo, pouco antes de sua ida até o Horto das Oliveiras e da sua prisão e morte na cruz. E acaba de revelar aos seus discípulos amados, mais uma vez, a identidade do amor divino entre o Pai e o Filho: 'Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor' (Jo 15, 9). 'Permanecei no meu amor'; sim, porque o Amor precisa ser amado e é na reciprocidade deste amor que procede do Pai e do Filho, por intermédio do Espírito Santo, que se vive em plenitude a graça de sermos Filhos de Deus. E a posse dessa graça suprema se dá no despojamento do eu e na estrita observância aos mandamentos do Senhor: 'Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor' (Jo 15, 10).

O maior tributo da graça divina é o mandamento do amor. 'Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei' (Jo 15, 12). Sim, como Cristo nos amou. Na nossa impossibilidade humana de amar como Cristo nos ama, isso significa amar sem rodeios, amar sem vanglória, amar sem zelos de gratidão, amar de forma despojada e sincera aos que nos amam e aos que não nos amam, a quem não conhecemos, a quem apenas tangenciamos por um momento na vida, a todos os homem criados pelos desígnios imensuráveis do intelecto divino, à sombra e imersos na dimensão do infinito amor de Cristo por nós.

Ainda que na nossa proposição distorcida e acanhada do amor divino, o amor humano se projeta a alturas inimagináveis de santificação, quando expressa a sua identificação de forma incisiva no projeto de redenção de Cristo: 'Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos.' (Jo 15, 13). Eis aí a essência do novo mandamento: amar, com igual despojamento, toda a dimensão da humanidade pecadora, a exemplo de um Deus que se entregou à morte de cruz para nos redimir da morte e mostrar que o verdadeiro amor não tem limites nem medida alguma.

O mandamento do amor é fundamentado num conceito inteiramente novo, cujo significado vai muito além dos sentimentos efêmeros deste mundo e que exclui quaisquer padrões de interesses desordenados e subterfúgios: a amizade sincera com Jesus. Neste amor, já não somos servos, mas amigos do Senhor e co-participantes de sua glória, escolhidos desde toda a eternidade: 'Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça' (Jo 15, 15 - 16). Eis o princípio fundamental do mandamento do amor: amar ao próximo como se ama a Cristo, e sermos frutos de salvação para muitos e arrastar conosco almas, muitas almas, às moradas eternas do Pai, como instrumentos silentes e perfeitos do puro amor de Deus.