sábado, 20 de janeiro de 2018

20 DE JANEIRO - SÃO SEBASTIÃO

São Sebastião foi um oficial romano, do alto escalão da Guarda Pretoriana do imperador Diocleciano (imperador de Roma entre 284 e 305 de nossa era e responsável pela décima e última grande perseguição do Império Romano contra o Cristianismo), que pagou com a vida sua devoção à fé cristã. Denunciado ao imperador por ser cristão e acusado de traição, foi condenado a morrer de forma especial: seu corpo foi amarrado a um tronco servindo de alvo a flechas disparadas por diferentes arqueiros africanos.

Primeiro Martírio: São Sebastião flechado

Abandonado pelos algozes que o julgavam morto, foi socorrido e curado e, de forma incisiva, reafirmou a sua convicção cristã numa reaparição ao próprio imperador. Sob o assombro de vê-lo ainda vivo, São Sebastião foi condenado uma vez mais sendo, nesta sua segunda flagelação, brutalmente açoitado e espancado até a morte. O seu corpo foi atirado num canal de esgotos, de onde foi depois retirado e levado até as catacumbas romanas. Suas relíquias estão preservadas na Basílica de São Sebastião, na Via Apia, em Roma. É venerado por toda a cristandade como modelo de vida cristã, mártir da Igreja e defensor da fé e como padroeiro de diversas cidades brasileiras, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sua festa é comemorada a 20 de janeiro, data de sua morte no ano 304.

Segundo Martírio: São Sebastião espancado até a morte

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (VI)

XIX 

CONSERVAÇÃO DOS SERES E PROVIDÊNCIA DO MUNDO 

Que entendeis, quando afirmais que Deus é Soberano Senhor de todas as coisas? 
Que todos os seres do mundo estão sujeitos ao governo e domínio supremo, único e absoluto de Deus (CIII, 1, 2)*. 

Explicai-me o que quereis dizer? 
Queremos dizer que coisa alguma existe no mundo espiritual, material e humano, independente da ação divina, a qual conserva a existência de todos os seres e os conduz ao fim para que foram criados (CIII, 4, 8).

Qual é o fim que Deus tem em vista na conservação e governo do mundo? 
Deus mesmo, isto é, a sua própria glória (CIII, 2). 

Por que?
Porque, se Deus rege e conserva o universo, é para que na ordem e concerto do mundo se possa refletir e manifestar o pensamento Daquele que o criou, o conserva e o governa (Ibid). 

Logo, o concerto e a ordem admirável do universo proclamam e manifestam a glória de Deus? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Pode haver conjunto mais perfeito e grandioso que a obra da Criação, conservação e governo do Universo? 
No plano atual da Providência, não, Senhor. 

Por que dizeis 'no plano atual da Providência?' 
Porque Deus é onipotente, e, sendo-o, nenhuma criatura, nem conjunto delas, por perfeitas que sejam, podem exaurir o seu poder infinito.

XX

AÇÃO PESSOAL DE DEUS NO GOVERNO DO MUNDO: O MILAGRE

De que modo governa Deus o universo?
Conservando-o no ser e conduzindo-o ao fim para que foi criado (CIII, 4).

É o próprio Deus quem conserva a existência dos seres?
Sim, Senhor; posto que é também certo, utilizar-se de uns para conservar outros, segundo a ordem de dependência que Ele mesmo estabeleceu ao criá-los (CIV, 1, 2).

Que quereis dizer, quando afirmais que Deus conserva por si mesmo todas as coisas?
Entendemos que todas as criaturas recebem de Deus diretamente, e sem intervenção estranha, o que nelas há de mais íntimo, aquilo, em virtude do que todas participam do fato da existência (CIV).

A conservação do universo, assim como a Criação, são obra própria e exclusiva de Deus?
Sim, Senhor; porque ambas têm por fim direto e imediato a existência, e a existência é efeito privativo de Deus (CIV, 1).

Pode Deus aniquilar o mundo?
Sim, Senhor (CIV, 3).

Que seria necessário para o realizar?
Seria bastante que Ele suspendesse por um instante a ação, por virtude da qual lhe dá e continua dando em cada momento o ser.

Logo, a existência das coisas só se mantém debaixo da ação direta, absoluta e constante de Deus?
Sim, Senhor; do mesmo modo que a luz do dia depende em absoluto da presença e atividade solar; com a notável diferença, porém, de que o sol emite necessariamente os seus resplendores e, pelo contrário, a ação divina é toda liberdade e bondade infinitas.

Destruiu Deus alguma parte da criação?
Não, Senhor (CIV, 4).

Destruí-la-á no futuro?
Também não (Ibid.).

Por quê?
Porque o fim da Criação é a sua glória e esta glória exige, não a destruição, mas a conservação do criado (Ibid.).

Experimentam as criaturas mudanças e transformações?
Sim, Senhor; mais ou menos profundas, em conformidade com cada espécie, e dentro da mesma espécie, conforme os seus diversos estados.

Estão previstas estas transformações no plano da Providência?
Sim, Senhor; posto que podem contribuir, e de fato contribuem, para o fim previsto, que é a glória de Deus e o bem do universo.

São algumas delas devidas à ação direta e imediata de Deus?
Sim, Senhor (CV, 1-8).

Quais são?
As que se efetuam nos últimos elementos componentes dos seres materiais, ou nas faculdades afetivas dos espirituais, e o princípio de qualquer ação em toda criatura (CV, 6, 7).

A quem devem atribuir-se as mudanças e transformações produzidas nos seres materiais, quando as causas segundas são incapazes ou insuficientes para efetuá-las, atento o curso ordinário da natureza?
Devem atribuir-se a Deus e se chamam milagres (CV, 1, 2, 4, 5).

Logo, Deus faz milagres?
Sem duvida; Deus faz milagres que podemos agrupar em três categorias: aqueles, para cuja execução são impotentes todas as forças criadas; os que estas forças não poderiam efetuar pela razão do sujeito em que se realizam e os que não se podem atribuir a forças naturais, pelo modo como se efetuam (CV, 8).

Por que Deus fez e faz milagres?
Deus faz milagres quando apraz ao seu divino beneplácito, para fazer sentir ao homem a sua grandeza e obrigá-lo a reconhecer como intervém no mundo, para a sua glória e bem dos homens.

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular).

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

ZELO CONTRA OS PECADOS VENIAIS

A alma deve evitar todos os pecados veniais, especialmente os que abrem caminho ao pecado grave. Ó minha alma, não chega desejar firmemente antes sofrer a morte do que cometer um pecado grave. É necessário ter uma resolução semelhante em relação ao pecado venial. Quem não encontrar em si esta vontade, não pode sentir-se seguro. 

Não há nada que nos possa dar uma tal certeza de salvação eterna do que uma preocupação constante em evitar o pecado venial, por insignificante que seja, e um zelo definido e geral, que alcance todas as práticas da vida espiritual — zelo na oração e nas relações com Deus; zelo na mortificação e na negação dos apetites; zelo em obedecer e em renunciar à vontade própria; zelo no amor de Deus e do próximo. 

Para alcançar este zelo e conservá-lo, devemos querer firmemente evitar sempre os pecados veniais, especialmente os seguintes:
  • O pecado de dar entrada no coração de qualquer suspeita não razoável ou de opinião injusta a respeito do próximo.
  • O pecado de iniciar uma conversa sobre os defeitos de outrem ou de faltar à caridade de qualquer outra maneira, mesmo levemente.
  • O pecado de omitir, por preguiça, as nossas práticas espirituais ou de as cumprir com negligência voluntária.
  • O pecado de manter um afeto desregrado por alguém.
  • O pecado de ter demasiada estima por si próprio ou de mostrar satisfação vã por coisas que nos dizem respeito.
  • O pecado de receber os santos sacramentos de forma descuidada, com distrações e outras irreverências, e sem preparação séria.
  • Impaciência, ressentimento, recusa em aceitar desapontamentos como vindos da Mão de Deus; porque isto coloca obstáculos no caminho dos decretos e disposições da Divina Providência quanto a nós.
  • O pecado de nos proporcionarmos uma ocasião que possa, mesmo remotamente, manchar uma situação imaculada de santa pureza.
  • O pecado de esconder propositadamente as nossas más inclinações, fraquezas e mortificações de quem devia saber delas, querendo seguir o caminho da virtude de acordo com os caprichos individuais e não segundo a direção da obediência.
(Santo Antônio Maria Claret)

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

DA VIRTUDE DA SIMPLICIDADE

Sede, portanto, simples para fazer de Deus vosso objetivo, para O procurardes como último fim, para considerá-lo como termo de vossas ações. Sede simples para vos apoiardes em Deus como meio. Simples para serdes humildes, para reconhecerdes que nada podeis fazer por vós mesmas, e que, abandonadas às próprias forças, vos será impossível realizar qualquer bem, como vos declara Nosso Senhor: 'Sem mim, nada podeis fazer' (Jo 15, 5).

Sede simples também para serdes confiantes, para vos persuadirdes de que, apoiando-vos em Deus e contando com a sua graça, não sereis enganadas, e que 'tudo podereis naquele que vos fortifica' (Fp 4,3). Simples, para verificar vosso nada, vossa miséria, vossos pecados, para vos desprezardes profundamente. Simples, para considerar o coração e o amor de Deus, sua infinita bondade, e para repousar na sua graça com a mais inabalável segurança.

Sede simples nas menores como nas maiores coisas, principalmente nas menores, porque as ocasiões de praticá-las se sucedem com freqüência e porque são muito agradáveis a Deus. 'Feriste o meu coração, exclama o esposo no Cântico dos Cânticos, arrebataste o meu coração com um dos teus olhos e com um dos teus cabelos' (Ct 4, 9).

Que haverá de mais admirável, essencial e importante do que um olho? Que haverá de mais vil que um fio de cabelo? Preparai-vos para sofrer, para carregar pesadas cruzes, levando o vosso amor até o martírio, oferecendo a Nosso Senhor o que tiverdes de mais caro, até vossos olhos e, se necessário, vossa vida, e assim comovereis o seu coração por essas grandes coisas. Não negligencieis, porém, as menores, e, de acordo com o conselho expresso do Apóstolo, oferecei a Deus o que há de mais corriqueiro em vossa vida, até o alimento e o sono, e assim comovereis o seu coração também pelas pequeninas coisas.

Quando Santa Catarina de Sena se entregava às mais sublimes meditações e caía em êxtase, quando ensinava aos grandes da terra, arrebatava o coração do celeste esposo pelo olho da sabedoria e da contemplação. Mas O agrava menos do que quando, por obediência ao pai, aplicava-se aos mais humildes serviços caseiros e tranquilamente continuava suas meditações no meio desses mesquinhos trabalhos. Considerando o pai como Nosso Senhor, a mãe como a Santíssima Virgem e os irmãos como os apóstolos, dedicava-se com alegria a tudo que lhe mandavam fazer.

E vós, embora vos devoteis às grandes coisas, às mais importantes e às mais excelentes obras, praticai também por Deus as pequenas e humildes virtudes que nascem como flores aos pés da cruz: suportar um pequeno sofrimento, uma enfermidade passageira, uma contrariedade, decepções, mágoas, humilhações e todas as insignificantes ocupações que existem no lar ou fora dele. Como tais ocasiões se repetem a cada instante, que fonte de riquezas espirituais poderíeis acumular, se as soubésseis aproveitar!

Não compreendeis, então, que o que mais vos falta é a simplicidade? Oh! que vos faltaria se fosseis verdadeiramente simples, simples em tudo, e qualquer encontro com Deus, com os outros e até convosco? Tendes bom coração e o sabeis, disso dais prova e com isso concordais. Às vezes, chegais a dizer que o sentis demasiado, tanto ele vos faz sofrer!  Tendes energia e força de vontade, e cada dia as desenvolveis e as despendeis sem conta. E, às vezes, é incalculável o quanto as utilizais em proveito de vossas paixões. Tendes delicadeza, tato, sutileza, que causam vossos mais belos triunfos! Tendes nobres e generosas aspirações e impulsos admiráveis! Sois formadas na abnegação e no devotamento!  

De posse de tão admiráveis qualidades e tão poderosas virtudes, como podeis levar tantas vezes uma vida frívola, nula e inútil, e até detestável, culpada e escandalosa? Que vos falta? Repito-o, falta-vos a simplicidade. Não sabeis orientar vossas qualidades, vossas forças não as sabeis utilizar; deixais que se percam e esqueçam, porque não sois simples. A simplicidade tudo exalta, tudo dirige, e faz com que tudo concorra para a glória de Deus.

Olhai a pomba! É maravilhosamente constituída para elevar-se nos ares, pairar e atingir em tempo as mais altas e longínquas regiões. De quê necessita para isso? De uma única coisa: abrir as asas e servir-se delas. Digo-vos ainda: a pomba sois vós! A asa toda poderosa é a simplicidade. Que esperais, então, para utilizá-la? Abri, abri as asas! E, em pouco tempo, com voo poderoso e rápido, transporeis incomensuráveis distâncias e chegareis a Deus!

(Excertos da obra 'A Simplicidade Segundo o Evangelho', de Monsenhor de Gilbergues, 1945)

domingo, 14 de janeiro de 2018

APÓSTOLOS SOB A CÁTEDRA DE PEDRO

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo do Tempo Comum


Estando naquele dia em presença de dois dos seus discípulos mais amados, João Batista vai manifestar, uma vez mais, o testemunho do Messias, aquele de quem dissera pouco antes: 'Eu não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias' (Jo 1, 27). A grandeza do Precursor é enfatizada por Jesus naquele que recebeu privilégios tão extraordinários para ser o profeta da revelação de tão grandes mistérios de Deus à toda a humanidade: Jesus Cristo é o Unigênito do Pai, o Filho de Deus Vivo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E, desta vez, dá testemunho direto dEle, 'vendo Jesus passar' (Jo 1, 35): 'Eis o Cordeiro de Deus!' (Jo 1, 36).

Ao ouvir estas palavras, André e João, não vacilam um único instante e tomam a firme disposição de seguir Jesus. Seguir Jesus! Eis aí o amoroso convite de Jesus a todos os homens: assumir o jugo suave do Senhor em todos os nossos caminhos, ao longo de toda a nossa vida! Para seguir Jesus, temos que responder a pergunta dos dois discípulos que ecoa pelos tempos: 'Onde moras?' (Jo 1, 38). Onde moras, Jesus? Seguir Jesus é ir onde Jesus está, para que Jesus possa morar em nós. Eis o mistério da graça que cada um deve percorrer nesta vida para a plena busca da Verdade e a contemplação definitiva do Reino de Deus.

Mas os dois discípulos fizeram ainda mais do que isso; o zelo e o fervor pelos novos ensinamentos do Messias fizeram deles os primeiros apóstolos. E a Verdade exaltada, vivida e compartilhada pela pregação humana das primícias do apostolado cristão vai chegar a ninguém menos que Simão Pedro, irmão de André, e que viria a ser a pedra angular da futura Igreja de Cristo. Pedro não vacilou também, não fez concessões e nem imposições, mas acreditou! E imediatamente foi ter com Jesus.

Jesus, que conhecia Pedro desde a eternidade e Pedro, que nascia para a eternidade, estavam juntos pela primeira vez: 'Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas' (Jo 1, 42). Jesus estabelece neste primeiro momento, a vinculação direta entre a ação do apostolado e a pedra (Cefas) fundamental sobre a qual haveria de edificar a sua Igreja, mistério da graça muito além da possível percepção histórica daqueles homens. O apostolado é, pois, missão inerente a toda a cristandade e deve estar indissoluvelmente ligada à pedra fundamental da Igreja, como dizia Santo Ambrósio de Milão: 'Não podem ter a herança de Pedro os que não vivem sob a cátedra de Pedro'. 

sábado, 13 de janeiro de 2018

VIDA DESONESTA, MORTE IMPENITENTE!

Uma certa noite estava Martinho Lutero no terraço de um hotel ao lado de Catarina Bora, sua companheira de pecado. A temperatura era suave, o céu estava lindo e milhares de estrelas brilhavam no firmamento. Catarina, cansada talvez daquela vida de remorso, voltou-se de repente para Lutero e lhe disse:

— 'Olha Martinho, como é lindo o céu!'

Àquelas palavras, Martinho exclamou com um suspiro profundo:

— 'Sim, Catarina, o céu é lindo, mas não é mais para nós!'

O infeliz sentia que ia perder o Paraíso, mas se confessava incapaz de ressurgir e morria pouco depois naquele mesmo hotel, dando mostras do mais terrível desespero. 

******************

Teodoro Beza, sucessor de Calvino e chefe da reforma protestante, atingido por uma enfermidade mortal, foi visitado por São Francisco de Sales. Este com o seu zelo ardente tentou todos os meios possíveis para induzi-lo a abjurar o erro, voltar para o seio da Igreja Católica, e preparar-se para uma morte cristã. 

'Impossível' repetia, suspirando, o doente de quando em quando 'impossível'. Por fim, como o Santo insistia para saber o porquê daquela palavra 'impossível', Teodoro com esforço, apoiou-se num cotovelo, puxou uma cortina que fechava uma alcova, e, mostrando uma mulher ali escondida: 'Eis aí', exclamou, 'a razão da impossibilidade de me converter e de me salvar'! Preferiu a morte e o inferno, mas não deixou o pecado. 

******************

Na cidade de Spoleto, vivia uma jovem dissoluta, cuja existência era unicamente dedicada à vaidade e aos bailes. Aconselhada mais de uma vez a corrigir-se desprezava com soberba os avisos e fazia pouco caso deles. Sua própria mãe, orgulhosa da beleza e do brio da filha, sentia imenso prazer em vê-la cortejada por um bom número de amantes, e deixava as coisas correrem na esperança de encontrar um bom partido; de mais a mais acreditava que, passado o ardor da mocidade, ela acabaria sossegando.

Oh, mães cegas e imprudentes, que não só não se preocupam, mas ainda traem suas filhas, quando não são elas próprias que as arrastam à desonra e à ruína! E o que aconteceu? A infeliz moça caiu gravemente enferma. Pessoas sérias e respeitáveis da vizinhança aconselharam-na a chamar o sacerdote, a receber os sacramentos, preparar-se para a morte, enfim. Mas a pobre teimava:

— 'Qual, repetia, é impossível, que eu tão moça e bela, morra; eu não devo, não devo morrer!'

Por fim, veio o sacerdote; este por sua vez suplicava-lhe que tivesse juízo, que rezasse a Maria Santíssima porque a morte poderia surpreendê-la.

— 'Qual morte, qual nada! Eu devo é viver! Eu não posso, não quero morrer!'

Como a insistência aumentasse, por fim, percebendo que as forças começavam a faltar-lhe, com um esforço supremo, exclamou com ira:

— 'Pois bem, se é assim, se é que eu vou mesmo morrer, vem tu, satanás, e toma a minha alma para ti!' E, cobrindo o rosto com o lençol, entregou ao demônio a alma desesperada. 

******************

Um cavalheiro vivia com uma moça de maus costumes. Aos que o aconselhavam abandoná-la, ele respondia sempre com um desdenhoso 'não posso'. Mas a morte chegou para desuni-los. O infeliz cavalheiro adoeceu gravemente, e, como estava nas últimas, chamaram um sacerdote para prepará-lo para dar o passo terrível. Tão caridoso e paciente foi o padre que o enfermo, humildemente, respondeu:

— 'Com prazer! Apesar de ter levado uma vida má, desejo ter uma boa morte com uma santa confissão'.
— 'O senhor quererá receber também os Sacramentos como um bom cristão?'
— 'É com prazer que os receberei, se vos dignardes de o administrar'.
— 'Mas isto não será possível se o senhor não despedir primeiro aquela moça'.
— 'Ah, isso, padre, eu não posso fazer'.
— 'E por que não pode? Pode e deve fazê-lo, meu caro senhor, se quiser salvar-se'.
— 'Mas eu repito não posso!'
— 'Mas o senhor não vê que, com a morte, tão próxima, será obrigado a deixá-la por força?'
— 'Não posso, padre, não posso!'
— 'Mas assim, eu não o absolvo, não lhe administro os sacramentos e o senhor perderá o paraíso, será precipitado no inferno!'
— 'Não posso!'
— 'Será possível que eu não posso obter do senhor outra palavra? Pense na sua honra, na sua estima se morrer excomungado'.
— 'Não posso', repetiu o infeliz pela última vez. E, agarrando a moça por um braço, puxou-a para si apertando-a com força ao peito, e assim, nos braços daquela mulher indigna, expirou.

(Excertos da obra 'Confessai-vos bem!' do Pe. Luiz Chiavarino)