quarta-feira, 10 de maio de 2017

DOCUMENTOS DE FÁTIMA (III)

INTERROGATÓRIO DOS VIDENTES (27 DE SETEMBRO DE 1917)*

No intuito de completar as impressões colhidas no dia treze do corrente mês de setembro e habilitar-me com os elementos indispensáveis para fundamentar, tanto quanto possível, um juízo seguro acerca dos acontecimentos que nos últimos cinco meses se têm desenrolado a três quilómetros ao sul da aldeia de Fátima, no local denominado Cova da Iria, fui pela segunda vez na quinta-feira última, vinte e sete, àquela pitoresca aldeia, graciosamente alcandorada num dos contrafortes da majestosa serra de Minde. 

Eram três horas da tarde quando me apeei do trem que de Torres Novas me conduzira por Vila Nova de Ourém à humilde povoação, cujo nome é hoje pronunciado como uma esperança fagueira de bênçãos e graças celestes por dezenas de milhares de lábios, de um extremo ao outro de Portugal. O reveendo pároco a quem logo procurei, não estava em casa: tinha saído para fora da freguesia e só à noite devia voltar. Pesaroso por não poder trocar algumas palavras com ele sobre o assunto que ali me levava, resolvi ir a casa das crianças que se dizem favorecidas com aparições da Virgem Santíssima e ouvir da boca delas a narrativa pormenorizada dos estranhos sucessos cuja notícia tem atraído dia a dia à Fátima um sem número de pessoas de todas as classes e condições sociais.

À distância de dois quilômetros da igreja paroquial e do presbitério, num insignificante lugarejo chamado Aljustrel, pertencente à freguesia, ficam situadas as modestas habitações das famílias dos pastorinhos. As duas crianças mais novas estavam ausentes. Dirigi-me à casa da mais velha, onde a mãe me convidou a entrar e sentar-me, convite a que acedi. A uma pergunta minha sobre o paradeiro da filha, que eu procurava, respondeu-me que ela andava a vindimar numa pequena propriedade que lhe pertencia e que ficava dois quilômetros distante. Alguém se prestou logo a ir chamá-la de ordem da mãe. 

Entretanto, as duas crianças mais novas, que tinham regressado do campo, sabendo pelas vizinhas que eu lhes desejava falar, vieram ter comigo. São dois irmãos, um menino e uma menina. Chegou primeiro a menina. Chama-se Jacinta de Jesus, tem sete anos de idade e é filha de Manuel Pedro Marto e de Olímpia de Jesus. Bastante alta para a sua idade, um pouco delgada sem se poder dizer magra, de rosto bem proporcionado, tez morena, modestamente vestida, descendo-lhe a saia até à altura dos artelhos, o seu aspecto é o de uma criança saudável, acusando perfeita normalidade no seu todo físico e moral. 

Surpreendida com a presença de pessoas estranhas, que me tinham acompanhado e que não esperava encontrar, a princípio mostra um grande embaraço, respondendo por monossílabos e num tom de voz quase impercetível, às perguntas que eu lhe dirijo. Momentos depois aparece o irmão, rapaz de nove anos de idade, que entra com um certo desembaraço no quarto, onde estávamos, conservando o barrete na cabeça, decerto por não se lembrar de que devia descobrir-se. Um sinal que a irmã lhe fez nesse sentido não foi percebido por ele. Convidei-o a sentar-se numa cadeira ao meu lado, obedecendo imediatamente sem nenhuma relutância. Principiei sem demora a interrogá-lo sobre o que tinha visto e ouvido desde maio último na Cova da Iria no dia treze de cada mês durante o tempo da aparição. Estabeleceu-se entre mim e ele o curto diálogo que segue:

– Que é que tens visto na Cova da Iria nos últimos meses? 
– Tenho visto Nossa Senhora. 
– Onde é que ela aparece? 
– Em cima duma carrasqueira.
– Aparece de repente ou tu vê-la vir de alguma parte? 
– Vejo-a vir do lado onde nasce o sol e colocar-se sobre a carrasqueira.
– Vem devagar ou depressa? 
– Vem sempre depressa. 
– Ouves o que ela diz à Lúcia?
– Não ouço. 
– Falaste alguma vez com a Senhora? Ela já ted irigiu a palavra?
– Não, nunca lhe perguntei nada; fala só com a Lúcia. 
– Para quem olha ela, também para ti e para a Jacinta, ou só para a Lúcia?
– Olha para todos três; mas olha durante mais tempo para a Lúcia. 
– Já alguma vez chorou ou se sorriu? 
– Nem uma coisa nem outra; está sempre séria. 
– Como está vestida? 
– Tem um vestido comprido e por cima um manto que lhe cobre a cabeça e desce até à extremidade do vestido.
– Qual a cor do vestido e do manto? 
– É branca, tendo o vestido riscos dourados. 
– Qual é a atitude da Senhora? 
– É a de quem está a rezar. Tem as mãos postas à altura do peito. 
– Traz alguma coisa nas mãos? 
–Traz entre a palma e as costas da mão direita umas contas que estão pendentes sobre o vestido. 
– E nas orelhas o que tem? 
– As orelhas não se veem, porque estão cobertas com o manto.
– De que cor são as contas? 
– São também brancas. 
– A Senhora é bonita?
– É, sim. 
– Mais bonita do que aquela menina que tu ali vês? 
– Mais. 
– Mas há senhoras muito mais bonitas que aquela menina... 
– É mais bonita que qualquer pessoa que eu visse. 

Concluído o interrogatório do Francisco, chamei de parte a Jacinta que andava a brincar na rua com outras crianças, fi-la sentar num banquinho ao pé de mim e submeti-a também a um interrogatório, logrando obter dela respostas completas e minuciosas, como as do irmão: 

– Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada mês desde maio para cá?
– Tenho visto. 
– Donde é que ela vem? 
– Vem do Céu, do lado do sol. 
– Como está vestida?
– Tem um vestido branco, enfeitado a ouro, e na cabeça tem um manto, também branco.
– De que cor são os cabelos? 
– Não se lhe veem os cabelos, que estão cobertos com o manto.
– Traz brincos nas orelhas? 
– Não sei, porque também não se lhe veem as orelhas. 
– Qual é a posição das mãos? 
– As mãos estão postas à altura do peito, com os dedos voltados para cima. 
– As contas estão na mão direita ou na mão esquerda? 

A esta pergunta a criança responde primeiro que estavam na mão direita, mas em seguida, devido à insistência propositada e capciosa da minha parte, mostra-se perplexa e confusa, não sabendo precisar bem qual das suas mãos correspondiaà mão com que a Aparição segurava o Rosário. 

– O que é que a Senhora recomendou à Lúcia com mais empenho? 
– Mandou que rezássemos o terço todos os dias. 
– E tu reza-o? 
– Rezo-o todos os dias com o Francisco e a Lúcia. 

Meia hora depois de terminado o interrogatório de Jacinta de Jesus, aparece Lúcia de Jesus. Vinha, como já disse de uma pequena propriedade de sua família, situada a dois quilômetros de distância, onde tinha estado a vindimar. Mais alta e mais nutrida que as outras duas crianças, de tez mais clara, robusta e saudável, apresenta-se diante de mim com um desembaraço que contrasta singularmente com o acanhamento e a timidez excessiva da Jacinta. Singelamente vestida como esta, a sua atitude não denota e o seu rosto não traduz nenhum sentimento de vaidade nem de confusão. 

Sentando-se, a um aceno meu, numa cadeira, ao meu lado, presta-se da melhor vontade a ser interrogada sobre os acontecimentos de que ela é a principal protagonista, sem embargo de se sentir visivelmente fatigada e abatida, mercê das visitas incessantes que recebe e dos inquéritos repetidos e prolongados a que é submetida. Filha de Antônio dos Santos, de cinquenta anos de idade, e de Maria Rosa, de quarenta e oito anos, tem um irmão e quatro irmãs, todos mais velhos do que ela: Maria, de vinte e seis anos, já casada, Teresa, de vinte e quatro, Manuel, de vinte e dois, Glória, de vinte, e Carolina, de quinze. Completou dez anos de idade em vinte e dois de março do corrente ano. 

Tinha oito anos quando fez a sua primeira comunhão. A mãe, tipo da mulher cristã, e da boa dona de casa, entregue às lides domésticas, procurou sempre inspirar aos filhos o santo temor de Deus e levá-los ao cumprimento de todos os seus deveres morais e religiosos. Altamente preocupada com os sucessos que atraem a todo o momento as atenções de milhares de pessoas para a sua pobre habitação, até há pouco tempo ignorada do mundo, nota-se desde logo que o seu espírito hesita, numa ansiedade inquieta, entre a esperança de que sua filha seja realmente privilegiada com a aparição da Virgem e o receio de que ela seja vítima de uma alucinação que lhe traga desgostos e cubra de ridículo toda a sua família. 

A uma pergunta minha acerca da piedade da sua Lúcia, responde que não acha nela nada de extraordinário neste particular, vendo-a rezar da mesma forma e com o mesmo fervor que antes das aparições, exatamente como fazem as suas irmãs. Dou princípio ao interrogatório da vidente:

 – É verdade que Nossa Senhora te tem aparecido no local chamado Cova da Iria? 
– É verdade. 
– Quantas vezes já te apareceu?
– Cinco vezes, sendo uma cada mês.
– Em que dia do mês?
– Sempre no dia treze, exceto no mês de agosto, em que fui presa e levada para a vila (Vila Nova de Ourém) pelo senhor administrador. Nesse mês vi-a só alguns dias depois, a dezenove, no sítio dos Valinhos.
– Diz-se que a Senhora te apareceu também o ano passado. Que há de verdade a este respeito? 
– O ano passado nunca me apareceu, nem antes de maio deste ano; nem eu disse isso a pessoa alguma, porque não era exato. 
– Donde é que ela vem? Das bandas do nascente? 
– Não sei; não a vejo vir de parte alguma; aparece sobre a azinheira, e quando se retira é que toma a direção do ponto do céu em que nasce o sol. 
– Quanto tempo se demora? Muito ou pouco? 
– Pouco tempo. 
– O suficiente para se recitar um Padre Nosso e uma Avé Maria, ou mais? 
– Mais, bastante mais, mas nem sempre o mesmo tempo; talvez não chegasse para rezar o terço. 
– Da primeira vez que a viste não ficaste assustada? 
– Fiquei, e tanto assim que quis fugir com a Jacinta e o Francisco, mas Ela disse-nos que não tivéssemos medo, porque não nos faria mal. 
– Como é que está vestida?
– Tem um vestido branco, que desce quase até aos pés, e cobre-lhe a cabeça um manto, da mesma cor, e do mesmo comprimento que o vestido. 
– O vestido não tem enfeites? 
– Veem-se nele, na frente, dois cordões dourados, que descem do pescoço e se eunem por uma borla, também dourada, à altura do meio do corpo. 
– Tem algum cinto ou alguma fita? 
– Não tem. 
– Usa brincos nas orelhas? 
– Usa umas argolas pequenas. 
– Qual das mãos segura as contas? 
– A mão direita. 
– Eram um terço ou um rosário? 
– Não reparei bem. 
– Terminavam por uma cruz? 
– Terminavam por uma cruz branca, sendo as contas também brancas. A cadeia era igualmente branca. 
– Perguntaste-lhe alguma vez quem era? 
– Perguntei, mas declarou que só o diria a treze de outubro. 
– Não lhe perguntaste de onde vinha? 
– Perguntei de onde era, e ela respondeu-me que era do Céu. 
– E quando foi que lhe fizeste essa pergunta? 
– Da segunda vez, a treze de junho. 
– Sorriu alguma vez ou mostrou-se triste? 
– Nunca sorriu nem se mostrou triste, mas sempre séria. 
– Recomendou-te, e aos teus primos, que rezassem algumas orações? 
– Recomendou-nos que rezássemos o terço em honra de Nossa Senhora do Rosário, a fim de se alcançar a paz para o mundo.
– Mostrou desejos de que no dia treze de cada mês estivessem presentes muitas pessoas durante a aparição na Cova da Iria? 
– Não disse sobre esse assunto.
– É certo que te disse um segredo, proibindo que o revelasses a quem quer que fosse? 
– É certo. 
– Diz respeito só a ti ou também aos teus companheiros? 
– A todos três. 
– Não o podes manifestar ao menos ao teu confessor? A esta pergunta guardou silêncio, parecendo um tanto enleada e julguei não dever insistir, repetindo a pergunta. 
– Consta que, para te veres livre das importunações do senhor administrador, no dia em que foste presa, lhe contaste, como se fosse o segredo uma coisa que o não era, enganando-o assim e gabando-te depois de lhe teres feito essa partida: é verdade? 
– Não é; o senhor administrador quis realmente que eu lhe revelasse o segredo, mas como não o podia dizer a ninguém, não lho disse, apesar de ter insistido muito comio para que lhe fizesse a vontade. O que fiz foi contar tudo o que a Senhora me disse, exceto o segredo, e talvez por esse motivo o senhor administrador ficasse julgando que eu lhe tinha revelado também o segredo. 
– A Senhora mandou-te aprender a ler? 
– Mandou, sim, da segunda vez que apareceu. 
– Mas se Ela disse que te levaria para o Céu no mês de outubro próximo, para que te serviria aprenderes a ler? 
– Isso não é verdade: a Senhora nunca disse que me levaria para o Céu em outubro, e eu nunca afirmei que ela me tivesse dito tal coisa. 
– O que declarou a Senhora que se devia fazer ao dinheiro que o povo deposita ao pé da azinheira na Cova da Iria? 
– Disse que o devíamos colocar em dois andores, levando eu, a Jacinta e mais duas meninas um deles, e o Francisco, com mais três rapazes, o outro, para a igreja da freguesia. Parte desse dinheiro seria destinado ao culto e festa da Senhora do Rosário e a outra parte para ajuda de uma capela nova. – Onde quer ela que seja edificada a capela? Na Cova da Iria? 
– Não sei: ela não o disse. 
– Estás muito contente por Nossa Senhora te ter aparecido? 
– Estou. 
– No dia treze de outubro Nossa Senhora virá só? 
– Vem também São José com o Menino, e pouco tempo depois, será concedida a paz ao mundo. 
– Nossa Senhora fez mais alguma revelação? 
– Declarou que no dia treze fará um milagre para que todo a povo acredite que ela realmente aparece. – Por que razão não raro baixas os olhos deixando de fitar a Senhora? 
– É que ela às vezes cega. 
– Ensinou-te alguma oração? 
– Ensinou; e quer que a recitemos depois de cada mistério do rosário. 
– Sabes de cor essa oração? 
– Sei. 
– Diz lá... 
– Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno e aliviai as almas do Purgatório, principalmente as mais abandonadas. 

(* realizado pelo Visconde de Montello e transcrito na sua obra 'Os Episódios Maravilhosos de Fátima', Casa Editora, 1921)

terça-feira, 9 de maio de 2017

FOTO DA SEMANA

'Meu Deus é a minha rocha, onde encontro o meu refúgio, meu escudo, força de minha salvação e minha cidadela' (Sl 17, 3)

(mosteiro da Santíssima Trindade / Grécia)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

ORAÇÃO DE TODAS AS HORAS

Se refletirmos alguns instantes no que somos, não tardaremos a verificar que os momentos mais decisivos de nossa vida não são as horas em que falamos, nem tampouco aquelas em que agimos diante dos homens. As horas mais importantes de nossa vida são justamente as mais silenciosas. Porque é no silêncio da alma que se elaboram as resoluções aparentemente mais repentinas, e é em segredo que se continuam e consumam as desagregações e as ruínas, e que se fortificam também, lentamente, as fidelidades que se mostram inalteráveis na provação. O que se vê nada é ao lado do que permanece escondido em nós.

Sabemos que há no fundo de toda alma humana um refúgio que nenhuma afeição pode entreabrir, nenhuma violência forçar. Conselhos, ameaças e ordens podem chover sobre esse abrigo interior; jamais conseguirá alguém infiltrar-se sorrateiramente nesse retiro que nos pertence exclusivamente a nós, ou nele penetrar à viva força. Ninguém pode querer em nosso lugar, amar por nós ou viver em nosso nome. A responsabilidade do que quer que façamos é nossa, e só nossa; apesar das aparências, vivemos sós, morremos sós, pecamos sós, e só a nós pertence a iniciativa do arrependimento.

E, todavia, isto não é inteiramente verdadeiro. No momento em que penetramos no deserto interior, verificamos que ele é habitado por uma presença invisível; no momento em que nos fechamos no cenáculo íntimo, vemo-nos repentinamente em face de alguém a quem nenhuma porta fechada pode impedir a entrada, pois onde quer que se ache está sempre em sua casa; no momento em que nos acreditamos sós, descobrimos que a solidão é impossível, e que na origem de nossa consciência, no ponto de partida de nossas decisões, aquele que nos criou e nos redimiu, se interessa por nós, vigia, dirige e colabora conosco, somos invadidos, ocupados, não podemos fugir a esse Deus cujo verdadeiro nome é o Inevitável; e quando fechamos os olhos para não ver, não o suprimimos, do mesmo modo que o sono não faz cessar a tempestade.

Por isso o cristão que ora recolhe-se, isto é, encontra-se a si mesmo, desliga-se de todos os mestres fúteis, de todas as mãos estranhas, de todos os desejos tenazes, que o dividem e impedem de ser o que é. Olhos fechados – Para se recolher, fecha os olhos. Será para nada ver, como fazem os tímidos e os hipócritas? Não, mas para ver tudo, sem ser fascinado por coisa alguma. Imaginamos que o verdadeiro céu é o céu dos dias luminosos. Não, o verdadeiro céu é o céu da noite, e a claridade o esconde logo que brilha o sol. Fechemos os olhos para contemplar na noite pacífica o céu de nossa alma, constelado de luzes da graça.

O velho gesto tradicional das mãos postas e dos olhos fechados tem um sentido profundo, que os distraídos ignoram. Olhos fechados! Para orar, basta isso, se as palavras não acorrem aos vossos lábios e se não achais nada a dizer àquele que é a Verdade. Olhos bem fechados, como os daqueles que recebem o anúncio de alegrias inesperadas, cuja amplitude ultrapassa as maiores esperanças; olhos bem fechados, como os daqueles que ouvem a notícia de infortúnios demasiado grandes para lágrimas e procuram no último recesso da alma uma certeza a que se apegar; olhos bem fechados, como os dos servos fiéis, dos vossos servos, ó meu Deus, que dormem na paz de seu último sono, envolvidos no vosso perdão redentor... Todos esses conservam os olhos fechados, porque não querem saber da luz crua do sol, e porque já nada significa para eles o brilho falaz das coisas.

Dai-me viver assim, de olhos fechados, num recolhimento isento de ignorância e de inércia, mas penetrado de concentração ardente e de luz interior. Porque é justamente isso que se passa nos recônditos de minha alma que é vossa obra por excelência; e minhas horas silenciosas são aquelas em que falamos, os dois, olhando-nos face a face. Nunca entrei em mim, sem vos encontrar sentado à minha porta. É na verdade em mim que deve operar-se a vossa redenção, se sou destinado a não vos permanecer estranho para sempre.

Tudo em mim vos lembra, tudo me fala de vós, desde que eu consinta em considerar a minha vida como uma conquista de meu Deus, desde que busque em mim os traços de vosso amor e as relíquias de vossa Encarnação. Vede: tenho nomes que só a vós pertencem; sou uma coisa santa, por causa de tudo o que abençoastes e consagrastes em mim. Infeliz de mim, que sou tantas vezes expulso de mim mesmo por devaneios estúpidos, preocupações, cóleras e pesares! Por que passo a maior parte de meus dias numa espécie de sonambulismo estranho, sem que meus gestos sejam verdadeiramente meus, e sem que minhas conversas contenham mais que palavras?

Não vivo em profundidade. Meu cenáculo está profanado. Introduzi nômades em vossa morada; e o infiel acampou em Sião. Só vós podeis repelir o invasor e restituir-me a mim mesmo no recolhimento pacífico. Olhos fechados – Não deveria eu habituar-me ao gesto que será o último de minha vida, e para não faltar aos divinos encontros, não deveria vigiar os caminhos de minha alma e só guiar-me pela luz do Cordeiro? O recolhimento ensinar-me-ia a estimar a fé, curar-me-ia de meus frenesis impotentes e eu fecharia os olhos como aqueles que já não duvidam e consentem em morrer.

Apressai em mim o momento da paz. É preciso que ela venha na sua hora, como as espigas que amadurecem todas no mesmo dia em toda a extensão da seara. Só estarei tranquilo quando eu compreender que nada me falta de tudo aquilo que devo ter, quando meus desejos não forem mais vastos que a vossa vontade, e meus tesouros cumularem todos os meus desejos. No dia em que não possuir nem ver outra coisa senão vós, então compreenderei – de olhos fechados – que é muito bom ser vosso filho.

(Excertos da obra 'La Pière de Toutes les Heures', de Pierre Charles, tradução de Valeriano de  Oliveira, Ed. Flamboyant, 1962)

domingo, 7 de maio de 2017

O BOM PASTOR

Páginas do Evangelho - Quarto Domingo da Páscoa


No Quarto Domingo da Páscoa, ressoa pela cristandade a imagem e a missão do Bom Pastor: 'Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz' (Jo 1, 2 - 4). Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade. Criadas para o deleite eterno das bem-aventuranças, redimidas pelo sacrifício do calvário e alimentadas pela sagrada eucaristia, Jesus acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia. 

E Jesus, plasmado pelo amor divino, conhece cada uma das suas ovelhas pelo nome. Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

Jesus toma sobre os ombros a ovelha de sua predileção, cada um de nós, a humanidade inteira, para a conduzir com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17), onde Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos. E nos mostra o caminho: 'Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem' (Jo 1, 9). Somos chamados a uma vida de predileção na Casa do Pai, que homem algum jamais pôde sequer imaginar o que poderia ser viver a eternidade na glória de Deus: 'Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância' (Jo 1, 10).

Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro, cuja bondade perdura para sempre e cujo amor é fiel eternamente (Sl 99,5). Como ovelhas do Bom Pastor, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-Lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, até o dia dos tempos em que estaremos abrigados eternamente na tenda do Pai, lavados e alvejados no sangue do cordeiro (Ap 7, 14b).  

sábado, 6 de maio de 2017

PRIMEIRO SÁBADO DE MAIO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
 DEVOÇÃO PARA O QUINTO SÁBADO 


ATO DE DESAGRAVO
AO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

em reparação contra as blasfêmias daqueles que ultrajam as imagens  de Nossa Senhora

Ó Coração Doloroso e Imaculado de Maria, transpassado de dor pelas injúrias com que os pecadores ultrajam vosso santo nome e vossas excelsas prerrogativas; eis prostrado aos vossos pés vosso indigno filho, que, oprimido pelo peso das próprias culpas, vem arrependido vos oferecer este ato de reparação contra as injúrias, blasfêmias, indiferenças e injustiças cometidas contra vós pela impiedade dos homens que não vos conhecem.

Neste Quinto Sábado, ó Coração Doloroso e Imaculado de Maria, desejo reparar particularmente as blasfêmias daqueles que ultrajam o vosso santo nome em vossas imagens, ó Mãe Imaculada. Virgem Maria, por vossas imagens chegam ao meu coração as doces alegrias que exultam os céus, os anjos e os arcanjos, e a terra inteira. E contra este tesouro de graças, homens ímpios ousam vos blasfemar... Feliz, porém, aquele que Vos ama, ó Maria, Mãe Santíssima, e possa proclamar as bem-aventuranças do vosso Santo Nome em vossas imagens nos confins de toda a terra. Que este meu pequeno ato de puro amor e devoção seja depositado no repositório de graças da Santa Igreja em desagravo e reparação às blasfêmias daqueles que, por meio de vossas imagens, ousam ultrajar o vosso Santo Nome. 

E que meu ato de amor seja também um ato de  esperança e de súplica à vossa misericordiosa mediação: concedei-me, ó Imaculado e Doloroso Coração de Maria, o firme propósito de vos ser fiel todos os dias de minha vida, de defender a vossa honra de todos os ultrajes, de propagar com entusiasmo vosso culto e vossas glórias a todos os homens, de amar Vosso Filho de todo o meu coração  e a graça suprema de estar convosco e com Jesus no Céu por toda a eternidade. Amém. 

(rezar 3 Ave Marias em desagravo ao Imaculado Coração de Maria pelas blasfêmias daqueles que ultrajam as imagens de Nossa Senhora)

Orações e Práticas da Devoção neste Quinto Primeiro Sábado de 2017:

Confissão*
Sagrada Comunhão
Rezar o Terço
Meditação dos Mistérios do Rosário (15 minutos)

* A confissão pode não ser realizada neste sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte. Caso não tenha sido realizada, fazê-la com esta intenção explícita numa próxima confissão.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi de 1675...

         'Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra'.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

LUZ NAS TREVAS DA HERESIA PROTESTANTE (XII)

Oitava, Nona e Décima Objeções* do crente: apresentar um texto das Sagradas Escrituras que prove que o vinho da Ceia do Senhor deve ser tomado apenas pelos padres, que prove a existência da Missa Romana e que prove que os padres têm o poder de mudar o pão em corpo, sangue, alma e divindade de Jesus Cristo.

O crente, no afã de produzir objeções, confunde tudo e tudo mistura. Prova que ele mesmo não compreende o que está ensinando. Na 8ª objeção, fala no vinho da ceia; na 9ª, da missa romana e na 10ª, do poder dos padres de mudar o pão e o vinho no corpo e no sangue do Senhor. Não vê que tudo isso é uma só e mesma coisa! É como quem perguntasse: O que é uma casa? É uma morada? Uma habitação? Um prédio? Uma vivenda? Tudo isso é mais ou menos a mesma coisa! Uma tal mixórdia mostra que tais crente vão copiando um dos outros estas objeções, sem lhes compreenderem a significação.

Pois bem, escute, amigo crente, eu vou por em ordem lógica as suas elucubrações e fazer brilhar nesta balbúrdia obscura uma luz tão clara, que, não tapando os olhos com os dois punhos, há de distinguir a verdade e será obrigado (se o seu orgulho o permitir) a exclamar: 'O Padre tem razão'! e 'Eu estou enganado!' ou melhor: 'Eu não sabia, porém agora sei, compreendo, prostro-me de joelhos, e adoro o que estava blasfemando'.

Para não deixar subsistir a mínima dúvida ou obscuridade, tenho de provar-lhe aqui quatro coisas importantíssimas, todas quatro negadas pelos protestantes.
1. Jesus está verdadeiramente presente na Eucaristia.
2. A missa foi instituída por Jesus Cristo.
3. O padre tem o poder de mudar o pão e o vinho no corpo e sangue de Cristo.
4. Basta a comunhão de uma espécie.

Eis o resumo pleno e completo das três objeções 8,9, 10 e mais qualquer coisa, que não soube objetar porque o ignorava. Podia limitar-me em citar simplesmente o texto pedido, porém, escrevendo, tanto para robustecer a fé dos católicos, quanto para refutar os erros protestantes, quero fazer uma exposição sucinta, clara e insofismável, do mais belo e mais sublime mistério da nossa santa religião: a sagrada, a divina Eucaristia.

I. A presença real

A palavra Eucaristia provém de duas palavras gregas eu e cháris: ação de graças e designa a presença real e substancial de Jesus Cristo sob as aparências de pão e vinho. Os protestantes hodiernos, pelas suas contínuas mudanças, são milhares de divisões em seitas, não acreditam mais na presença de Jesus na hóstia sagrada.

Lutero, menos tolo que seus netinhos, sempre acreditou na presença real de Cristo na Eucaristia, e encarregou-se de responder ele mesmo às objeções de seus degenerados filhos. Em carta a seu amigo Argentino (De euch. Dist. I, art.) falando sobre o texto evangélico 'Isto é o meu corpo', ele diz: 'Eu quereria que alguém fosse assaz hábil para persuadir-me de que na Eucaristia não se contém senão pão e vinho: esse me prestaria um grande serviço. Eu tenho trabalhado nessa questão a suar; porém confesso que estou encadeado, e não vejo nenhum meio de sair daí. O texto do Evangelho é claro demais' (Textus Evangelicus est nimis apertus).

O mesmo Lutero diz ainda: 'Que me apresentem a sua Bíblia, e mostrem-me onde se acham estas palavras: 'Isto é o sinal do meu corpo!' Uns torturam o pronome isto; outros apegam-se ao verbo é; um terceiro dilacera a palavra corpo; outros, enfim, tratam como algoz o texto inteiro (alii totum textum excarnificant) (In Ap. Com. Dom. V, 17, p. 100).

II. A negação desta verdade

Escutai o vosso pai, ó protestantes, só esta desviação e mudança é uma prova clara de que estais fora da verdade. A verdade não muda: O vosso ensino mudou e muda; está, pois, errado. Escutai ainda Lutero refutar a vossa ousadia: 'A despeito de todos os meus desejos' – diz ele – 'e de todos os meus esforços, jamais pude impelir o meu espírito a essa negação atrevida' (Ep. Cor. amic.). Em outra parte ele diz: 'A negação da presença real é uma evidente blasfêmia, uma negação da veracidade divina'. Ele chama aqueles que a negam: 'Um bando de miseráveis endiabrados'.

Mas então, ó protestantes, qual é a vossa religião? Não é a da Bíblia. Pois a Bíblia diz o contrário. Não é de Jesus Cristo, pois Cristo diz o contrário. Não é a da Igreja católica, ela também diz o contrário. Não é a de Lutero, pois o próprio Lutero diz o contrário. Donde vem a vossa religião? De onde? Se não vem nem de Deus, nem dos homens? De onde vem? Respondei: só sendo do demônio!

Pobres protestantes, a vós, também, Cristo poderia repetir as palavras que dirigiu aos fariseus (Jo 8, 43-45): 'Por que não podeis ouvir a minha palavra? Vós tendes por pai o demônio, e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque não há verdade nele. Quando diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas a mim, quando falo a verdade, não credes'. Eis o que Cristo vos brada. Ele afirma que está presente e vós o negais. Lutero, vosso pai, apesar de seu desejo de negar este mistério, declara ser impossível fazê-lo, porque o evangelho é claro demais – e entretanto vós, protestantes, tendes a ousadia de fazer tal negação. Só o demônio: Vos ex patre diabolo estis (Jo 8,44).

III. Os culpados do erro

Tenho dó e compaixão dos pobres ignorantes, iludidos pelos pastores satânicos, que enganam por interesse ou orgulho; porém sinto a indignação invadir-me contra aqueles que Lutero chama 'um bando de miseráveis endiabrados'. Notai isso, pastores! O epíteto não é meu, é um mimo do vosso pai Lutero. Vós, pastores, ou sois ignorantes estupendos, ou sois perversos desavergonhados.

No primeiro caso, precisais estudar para conhecer a verdade; no segundo caso, é preciso ter sinceridade para não enganar os pobres cristãos, que fazeis apostatar, renegar a fé de seus pais, para adotar uma seita em que vós mesmos não acreditais, nem podeis acreditar. Um homem inteligente não pode acreditar no protestantismo, porque é uma balbúrdia, um labirinto sem saída, uma pura negação.

Sois vós os culpados, ó pastores, vós que vos intitulais 'ministros', sem missão e sem autoridade. Vós que explicais a Bíblia, dizendo ao mesmo tempo que a Bíblia não precisa de explicação, porque é clara como a água cristalina. Sois vós os culpados! Ó fariseus, sois bem aqueles mestres mentirosos, que introduzem seitas de perdição, dos quais predisse São Pedro (2 Ped 2,1) e que depois, reconhecendo o erro – pois é impossível que um homem de bom senso não o reconheça – sustentais este erro por orgulho ou por sórdido interesse.

Se São Paulo ainda estivesse na terra, vos escreveria com mais veemência ainda do que escrevia aos Romanos (2, 19-23). Confiais, ó pastores, que sois guias dos cegos, e luz dos que estão nas trevas; instruidores dos néscios, mestres de crianças, que tendes a forma da ciência e da verdade na lei. Vós, pois, que ensinais aos outros, não vos ensinais a vos mesmos? Vós que pregais, que vos gloriais na lei, desonrais a Deus pela transgressão da lei.

IV. Quem tem razão?

A Igreja Católica, apoiada sobre a palavra positiva de Cristo, diz: 'Jesus Cristo está verdadeiramente presente na Eucaristia'. O protestante hodierno diz: 'Cristo não está presente, porque eu digo que não está'; é a única razão da negação. Quem dos dois terá razão: Cristo-Deus – ou o protestante revoltoso?
Vamos examinar o fato, não somente com um texto, mas com uma série de textos, que o crente (se ainda acredita na Bíblia) terá a bondade de verificar e de meditar, porque é uma página divina, que vou citar aqui, a qual se devia ler de joelhos e em atitude de adoração.

Eis, em São João, os termos de que Jesus Cristo serviu, falando a primeira vez deste grande sacramento (6, 48-59): 'Eu sou o pão da vida: vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo, que desci do céu. Se alguém comer deste pão, viverá eternamente, e o pão que eu darei é a minha carne, para a vida do mundo'. Que clareza nestas palavras! Que quer dizer isso, ó crente: 'Eu sou o pão vivo – o pão que eu darei é a minha carne. É ou não é a carne de Cristo? É ou não é Cristo que será o pão que deve ser comido? Deixe de cegueira e compreenda a palavra de Deus. Deus sabia falar e compreendia a significação das palavras! Ou o amigo quer dar a Cristo uma lição de gramática ou sintaxe?

V. Uma página divina

E não é só isso! Cristo continua, cada vez mais positivo e mais claro: 'Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. O que comer a minha carne e beber o meu sangue terá a vida eterna. Porque a minha carne é verdadeiramente comida, e o meu sangue é verdadeiramente bebida. O que come a minha carne e bebe o meu sangue, fica em mim e eu nele. O que me come viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu. O que come este pão, viverá eternamente'.

Quanta página divina! Oh! Diga-me, pobre crente, trata-se do corpo de Cristo feito pão para ser comido ou não? Ou trata-se simplesmente de um pedaço de pão de padaria? Minha carne é comida – o que me come... Não é isso o próprio Jesus Cristo feito pão para ser comido? Como se pode interpretar isto de outro modo? Ou o amigo não acredita na Bíblia, na palavra de Cristo, ou deve confessar que Cristo se deu verdadeiramente como comida aos homens, na sagrada eucaristia. Então: ou rasgue a sua bíblia ou se faça católico! Não há logicamente outra saída. Protestante não pode ficar! Ou ateu ou católico. Ou não acredite em nada ou tem de acreditar no ensino católico!

VI. Cristo e o protestante

Cristo afirma, repete, reafirma, e explica que o pão que ele vai dar é o seu próprio corpo – que seu corpo é uma comida – que seu sangue é uma bebida – que é um pão celeste que dá a vida eterna. E tudo isso é positivo, repetido mais de 50 vezes, sem deixar subsistir a mais leve hesitação. E tu, ó protestante, tens a audácia de dizer: 'Cristo não está na Eucaristia! O corpo de Cristo não é comida. Tudo isso é uma imagem, é uma representação, é uma ceia, onde se come um pedaço de pão em lembrança de Cristo'.

Pobre, pobre protestante! Tu és um cego, ou um ímpio – ou tu és mais que o próprio Deus, ou tu és Satanás. Cristo diz: 'Este pão é o meu corpo'. O protestante exclama: 'Não, Senhor, é um pedaço de pão!' Cristo ajunta: 'Minha carne é verdadeiramente comida'. O protestante objeta: 'Não, Senhor, este pão não é tua carne!' Cristo completa: 'O que me come...viverá por mim'. O protestante insiste: 'Não, Senhor, não comemos a ti, é simplesmente um pedaço de pão!' Cristo repete: 'O que come a minha carne, fica em mim'. O protestante blasfema: 'Não, Senhor, não é a tua carne, porque eu não o quero; é uma ceia, uma simples lembrança! Tu estás enganado, ó Cristo, não entendes a bíblia. De tudo o que tu afirmas, nada é verdade. Este pão do céu não existe. Este pão não é o teu corpo. Este vinho não é o teu sangue. Teu corpo não é comida. Teu sangue não é bebida'.

VII. Pobre protestante

E se Cristo, num gesto de infinita compaixão para o louco protestante, lhe perguntasse: 'Mas por que não o é? Eu, que sou Deus onipotente, eu digo que é, como podes tu dizer o contrário?' O protestante responderia: 'Não, este pão não é o teu corpo, teu corpo não é comida porque eu não o quero!' Pobre protestante! Reflete um instante, e compreenderás que estás em revolta contra Deus. Fazes da tua Bíblia um ídolo que adoras, e desprezas as verdades que a Bíblia ensina.

Oh! como São Paulo teve razão quando escreveu aos Romanos (1, 21-22): 'Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, antes desvaneceram. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos'. Ó homens de bom senso, cujo coração não está ainda obcecado, dizei quem tem razão: nós, os católicos, que aceitamos a palavra de Deus em seu sentido óbvio, natural e positivo, ou o pobre protestante que a deturpa, violenta ou rejeita?

Quem diz a verdade: Jesus Cristo, que é Deus, ou o protestante, que é um revoltoso? Quem conhece melhor a bíblia: Cristo que afirma ou o protestante que nega? Oh! deixa de graças, pobre crente, deixa de blasfemar contra Deus, sê maometano, sê budista, ou judeu, se quiseres, porém deixa de dizer-te discípulo de Cristo, renegando e insultando o ensino do mesmo Cristo. Um tal procedimento revolta o bom senso, a lealdade, a consciência humana.

Se Cristo voltasse à terra, com que veemência ele repetiria em frente das vossas casas de culto, dirigindo-se aos vossos falsos ministros: 'Ai de vós, fariseus hipócritas, que fechais aos homens o reino dos céus, porque nem vós entrais, nem deixais entrar aqueles que o desejam' (Mt 23,13). 'Ai de vós, hipócritas, porque percorreis mar e terra para fazer um prosélito, e depois de o ter ganho, o fazeis filho do inferno, duas vezes mais do que vós' (Mt 23,15). Viva Cristo: ele só possui a verdade! Abaixo os blasfemadores e protestantes, que, com Judas, beijam Cristo na fronte para melhor atraiçoá-lo e vendê-lo! Vai! O brasileiro é católico e não vende nem a sua fé e nem a sua alma!

VIII. Promessa da Eucaristia

Para não deixar subsistir a mínima dúvida a respeito de sua presença real, na sagrada Eucaristia, Jesus Cristo permite que haja oposição da parte dos judeus e como escândalo da parte dos seus próprios apóstolos. As palavras que ele acaba de proferir: 'Minha carne é verdadeiramente comida. O que me come, vive por mim' (Jo 6, 56-58) são tão positivas e tão claras que os judeus não são iludidos. Eles entendem que se trata verdadeiramente da carne de Cristo, que deve ser comida, e a prova é que se revoltam.

'Como', dizem eles, 'pode este dar-nos a sua carne a comer?' (Jo 6,53). Jesus ouve, compreende e sabe que os judeus vão afastar-se dele por não poderem suportar uma verdade tão nova e inverossímil. Retiram-se murmurando. é duro demais, quem pode ouvir uma tal linguagem! (Jo 6,61). Até no meio dos discípulos está se produzindo uma divisão: 'Desde então, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele' (Jo 6,67). Que fará Jesus? Irá buscá-los? Se fosse simplesmente uma comparação, uma figura, um tropo, não devia ele dissipar o equívoco?

Entretanto nada disso. Vira-se do lado dos seus apóstolos, e num tom que não admite réplica, pergunta a queima-roupa: 'E vós também quereis abandonar-me?' (Jo 6,68). É como se dissesse: 'É tomar ou deixar! A verdade é esta, e não muda. E foi nesta hora que São Pedro lançou este sublime brado de fé: 'Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens as palavras de vida eterna. E nós cremos e conhecemos que tu és Cristo, o Filho de Deus!' (Jo 6, 67-70).

IX. Crer ou blasfemar

Como tudo isso é sublime e divino! É a cena da promessa da Eucaristia, não é a instituição ainda, porém vê-se como Jesus preparava o espírito dos seus apóstolos para a cena inaudita da instituição deste divino sacramento. Ó pobre protestante, seja sincero e diga-me: seria possível Cristo ser mais claro e mais positivo? E de outro lado, seria possível – seria o extremo do ridículo! Seria possível Cristo empregar palavras tão majestosas, para prometer-nos simplesmente um pedaço de pão, que devemos comer em sua lembrança?

Não sentes, ó crente, que seria indigno de Deus!? Fazer um tal discurso, expor-se a perder seus discípulos fiéis, escandalizar judeus e apóstolos, unicamente por causa de um pedaço de pão! Não! É impossível! Jesus Cristo fala aqui de seu próprio corpo, que deve, na sagrada eucaristia, ser o alimento vivo das nossas almas. O erro é impossível, não há outra saída senão a revolta e a blasfêmia.
É o que disseram os discípulos infiéis, é o que estais fazendo, pobres protestantes! Crer ou blasfemar! Não quereis crer na palavra divina e por isso blasfemais a mais sublime das invenções do amor de Deus repetindo, em pleno século de luz, o brado revoltoso dos fariseus do Evangelho: Não é a carne de Cristo, é simplesmente um vulgar pedaço de pão.

X. A instituição

O espírito dos apóstolos estava admiravelmente preparado para receber o dom da Eucaristia. Por isso, na última ceia, não há mais nem discussão, nem contestação, nem admiração. Os apóstolos conhecem o coração do divino Mestre; conhecem o seu poder; sabem o que ele vai fazer. Calam-se e adoram. Leia as palavras da instituição, tudo é de uma simplicidade divina e de uma clareza mais divina ainda.
O dia está escolhido; é a véspera da sua morte, em meio das ternuras lacerantes do adeus, neste momento onde, deixando aqueles que se amam, fala-se com mais coração e com mais firmeza, porque, estando para morrer, não se estará mais para explicar ou interpretar as próprias palavras. Neste momento, pois, num festim preparado com solenidade (Lc 22,12), impacientemente desejado (Lc 22,15), eis que se passa:

Quando estavam ceando, Jesus tomou o pão, benzeu- e partiu-o, e deu-o a seus discípulos, dizendo: 'Tomai e comei, isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim' (Lc 22,19). E tomando o cálice, deu graças, e o deu a eles, dizendo: 'Bebei deste todos, porque isto é o meu sangue do novo testamento, que será derramado por muitos, para a remissão dos pecados' (Mt 26, 27-28). Que simplicidade e que precisão nos termos, que ausência de frases; sente-se em cada palavra uma autoridade divina!

O original grego é mais forte ainda: 'Isto é o meu corpo, meu próprio corpo, o mesmo que é dado por vós. Isto é o meu sangue, meu próprio sangue da nova aliança, o sangue derramado por vós em remissão dos pecados'. E no texto siríaco, tão antigo como o grego, feito no tempo dos apóstolos, diz-se: O que se nos dá 'é o próprio corpo de Jesus, seu próprio sangue'. Que simplicidade! Ainda uma vez. Leia isso, pobre crente, e veja se há jeito de dar a estes textos outro sentido senão o da presença real do corpo e do sangue de Cristo, no pão e no vinho eucarísticos!

Se Jesus quisesse dar um simples sinal, ele o teria dito. Quando ele usa de parábolas, de tropos ou similitudes, ele o faz de modo que todos o compreendam. Aqui, sem nada explicar, nem antes, nem depois, Jesus diz: 'isto é o meu corpo'. Ó Jesus! Que precisão e, ao mesmo tempo, que autoridade! Quanto poder nestas palavras: 'Lázaro, sai do sepulcro!' E Lázaro sai imediatamente. 'Mulher, estás curada'! E ela fica curada. 'Isso é meu corpo'! E esse é o corpo do Cristo.

Estas palavras, diz Melanchthon, um dos fundadores do protestantismo, têm o brilho do relâmpago, e o espírito nada lhes pode objetar. (De verit. Corpo. Christi in 1 Ep. ad. Cor.). Eis a verdade, meu caro crente, a verdade clara, positiva, irrefutável, a verdade fulgurante como o relâmpago, imponente como a majestade divina. Ainda uma vez – pois é a conclusão que se impõe: ou crer ou blasfemar! Ou aceitar a verdade católica, ou tornar-se um miserável ímpio. Medita isso e tem coragem de escutar a tua consciência e a voz de Deus, e de repetir com a Igreja Ctólica: Cristo está verdadeiramente presente no santíssimo sacramento do altar! Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé!

XI. Uma conclusão necessária

Que tal, amigo crente, não basta ainda textos da Sagrada Escritura, para provar as verdades que tens ousadia de atacar? Já citei uns vinte textos, que provam explicitamente que Jesus Cristo está verdadeiramente presente na sagrada Eucaristia. Podia duplicar estes 20 textos e citar muitos outros, podia até perfazer um total de 100 textos, porém, pedindo apenas um, e tendo já citado uns vinte, para que serviria a lista comprida e necessariamente fastidiosa de tantos textos que provam a mesma verdade? Tantos textos, caro amigo, provam clara e publicamente as seis seguintes verdades:

1° que o amigo não conhece a Bíblia;
2° ou que está de má fé, conhecendo tais textos, e não lhes dando crédito;
3° ou que é escravo do respeito humano, e não tem coragem de voltar à Igreja Católica, na qual nasceu;
4° ou não sabe o que está pedindo; e, neste caso, não passa de um louco;
5° ou está agindo sob a influência de qualquer analfabeto endinheirado e, neste caso, é um vulgar vendido;
6° ou, enfim, está na boa fé e procura conhecer a verdade; e, neste último caso, conhecendo a verdade exposta nestas linhas, deve abraçá-la e voltar ao grêmio da Igreja verdadeira, que é a de São Pedro, ou de Roma.

O resultado há de provar a qual destas categorias pertence: e qual o epíteto que merece. Para completar a grande verdade exposta por São Mateus, São Marcos e São Lucas, eis mais uns textos do grande São Paulo, cujos escritos os protestantes apreciam. Para não abusar da paciência de ninguém, citarei apenas este trecho da 1ª Epístola aos Coríntios (11, 23-30):

'Eu recebi do Senhor... que, na noite em que foi traído, tomou o pão. E tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei: isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Esta é a nova aliança no meu sangue, fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que venha. Portanto, qualquer que come este pão ou beber o cálice indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para si mesmo sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes e muitos que dormem' (o sono da morte).

XII. Refutação do erro protestante

Vamos lá agora, meu amigo crente, e diga-me, com sinceridade: acredita na Sagrada Escritura, ou não acredita? Qual é o sentido óbvio dos textos citados? São Paulo diz, com esta lógica que lhe é peculiar: 'Quem comer este pão indignamente, será culpado do corpo do Senhor' (1 Cor 11,27) – e ainda no mesmo sentido: 'O que come indignamente, come a sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor' (1 Cor 11,29). O que quer dizer isso? Uma criança é capaz de responder.

São Paulo diz que, comungando indignamente, somos culpados do corpo de Jesus Cristo. Ora, como é que alguém pode ser culpado do corpo de Cristo, se este corpo não estiver no pão que come? Comer pão da padaria, sem devoção e com a alma manchada pelo pecado, pode ser um crime? É ridículo, caro amigo, tal asserção. Para comer o pão da padaria, é o bastante ter fome, nenhuma disposição da alma pode ser exigida. E como alguém pode comer a sua própria condenação, engolindo um pouco de pão? Tudo isso é o cúmulo do ridículo! E só um crente obcecado é capaz de sustentar um tal absurdo.

Aliás São Paulo é positivo; e como para refutar de antemão as ímpias asserções dos 'crentes', ele ajunta e explica: 'É culpado do corpo do Senhor e come sua própria condenação, quem não discerne o corpo do Cristo de um vulgar pedaço de pão' (1 Cor 27,29) e come este pão indignamente sem purificar a sua alma e o seu coração. A gente só responde por aquilo que come. Se o crente tomar uma dose de mercúrio ou de estricnina, é culpado de ter tomado estes venenos; mas tomando simplesmente pão, não pode ser culpado de ter tomado veneno.

Prova de que este pão celeste, de que fala São Paulo, e de que tanto falou o próprio Jesus, é verdadeiramente o corpo de Cristo. Por isso, conclui o Apóstolo: Examine-se o homem para ver se está em graça com Deus, antes de comer deste pão. A dúvida é, pois, impossível! Ou é preciso rejeitar a Bíblia inteira ou declarar-se ateu; ou é preciso aceitar a verdade, cem vezes repetida, explicada e comentada pela mesma Bíblia.

Porém ler a bíblia – dizer que se acredita na bíblia – proclamar-se crente da bíblia, e negar uma verdade cristalina, positiva e afirmada tantas vezes na bíblia, seria de uma inconseqüência de louco, ou então da obcecação de um ímpio. Escolhei, pobres protestantes, pobres vítimas do fanatismo cego, ignorante e interessado de uns homens sem consciência, que se intitulam 'pastores' e que são, no dizer de Cristo, lobos devoradores, vestido de pele de cordeiros para mais facilmente iludir, enganar e perder as almas.

Queridos brasileiros, lembrai-vos que sois filhos de católicos e que fostes batizados na Igreja Católica, que é a única e verdadeira – lembrai-vos que recebestes a fé católica com o leite materno e que talvez os vossos pais adormeceram para sempre, murmurando os doces nomes de Jesus e de Maria – e vós tereis a ousadia de desprezar e de negar a fé destes pais queridos, para aceitardes o espírito de revolta, de ódio e de satânica cegueira de uns vendidos, de uns apóstatas, sem fé, sem crença, sem convicção, que ontem eram católicos e que hoje se intitulam pastores protestantes, porque são pagos pelos americanos para fazerem propaganda e para semearem a desunião em nosso querido Brasil?

Aqui tendes mais uma prova insofismável da má fé e da ignorância supina destes pastores cegos. As verdades aqui expostas são irrefutáveis. Se tendes uma bíblia, pobres 'crentes', procurai verificar os textos citados, e dizei se, sim ou não, Cristo está presente na Hóstia Sagrada. Convencidos, como haveis de ficar convencidos, deveis confessar que os vossos pastores andam errados, estão fora da verdade e, em vez de ensinar-vos as verdades contidas na Bíblia, ensinam-vos as idéias grotescas e ímpias de suas próprias cabeças. Em vez de voz mostrarem o caminho do céu, levam-vos ao Inferno.

Refleti, meus amigos. O protestantismo, que é falso neste pontos, o é nos outros, como continuarei a prová-lo. E convido, provoco mesmo, qualquer um destes pastores ignorantes e de má fé a refutar as teses aqui defendidas. Encarrego-me de desmascará-los imediatamente e demonstrar, a nu, ou seus chifres de demônio ou então as suas orelhas de lobo. Viva, pois, Cristo, o Salvador, o pai querido, verdadeiramente presente na Eucaristia, triunfador e vencedor de seus blasfemadores e de seus inimigos, os protestantes!

* Estas 'objeções' foram propostas por 'um crente' como um desafio público ao Pe. Júlio Maria e que foi tornado público durante as festas marianas de 1928 em Manhumirim, o que levou às refutações imediatas do sacerdote, e mais tarde, mediante a inclusão de respostas mais abrangentes e detalhadas, na publicação da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', ora republicada em partes neste blog.

(Excertos da obra 'Luz nas Trevas - Respostas Irrefutáveis às Objeções Protestantes', do Pe. Júlio Maria de Lombaerde)