domingo, 22 de novembro de 2015

22 DE NOVEMBRO - SANTA CECÍLIA


Cecília, virgem e mártir romana do século III sob o império de Marco Aurélio, foi a primeira santa da Igreja exumada com corpo incorrupto, muitos séculos após a sua morte, fato que a tornou de imediato uma das santas mais veneradas da Idade Média e que levou o seu nome a figurar no próprio Cânon da Missa.

Os poucos dados disponíveis de sua vida foram relatados na obra 'Paixão de Santa Cecília', do século V. Sabe-se que, desde muito cedo, Cecília perdeu os pais e ofereceu-se a Deus como Esposa de Cristo. Contra as suas pretensões, foi prometida pelos seus parentes em casamento a Valeriano, um jovem nobre romano. Como esposa de Valeriano, conseguiu a conversão do marido e a sua aceitação a uma vida conjugal como irmãos. Mais tarde, Tibúrcio, irmão de Valeriano, também abraçou plenamente a fé cristã.

Em função da perseguição romana aos que professavam a fé cristã e, uma vez denunciados, Valeriano e Tibúrcio foram decapitados. Quanto a Cecília, foi condenada inicialmente à morte por asfixia em uma câmara úmida sob elevadas temperaturas. Ilesa diante dessa condenação, Cecília foi levada a um templo para ser decapitada e, mesmo mortalmente ferida, agonizou ainda por muito tempo. Seu corpo foi sepultado, na mesma posição de sua morte, nas catacumbas romanas.

Em 1599, o túmulo de Santa Cecília foi encontrado e, uma vez aberto, revelou o corpo intacto da santa em uma posição de suave repouso, imagem que foi reproduzida e ratificada em uma célebre escultura de puro mármore feita pelo artista Stefano Maderno (1566-1636). É considerada a padroeira da música sacra e dos músicos, sendo comumente representada com um instrumento musical porque, durante os festejos do seu casamento, durante músicas e canções festivas, teria elevado o pensamento a Deus em piedosa aspiração: 'Senhor, guardai sem mancha meu corpo e minha alma, para que eu não seja confundida'. 

(decapitação de Santa Cecília)

(estátua em mármore de Santa Cecília)


Santa Cecília, rogai por nós!

JESUS CRISTO - REI DO UNIVERSO

Páginas do Evangelho - Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo


Jesus Cristo é o Rei do Universo. Como Filho Unigênito de Deus, Ele é o herdeiro universal de toda a criação, senhor supremo e absoluto de toda criatura e de toda a existência de qualquer criatura, no céu, na terra e abaixo da terra. A realeza de Cristo abrange, portanto, a totalidade do gênero humano, como expresso nas palavras do Papa Leão XIII: 'Seu império não abrange tão só as nações católicas ou os cristãos batizados, que juridicamente pertencem à Igreja, ainda quando dela separados por opiniões errôneas ou pelo cisma: estende-se igualmente e sem exceções aos homens todos, mesmo alheios à fé cristã, de modo que o império de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da verdade, o gênero humano inteiro' (Encíclica Annum Sacrum, 1899).

E, neste sentido, o domínio do seu reinado é universal e sua autoridade é suprema e absoluta. Cristo é, pois, a fonte única de salvação tanto para as nações como para todos os indivíduos. 'Não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual nós devamos ser salvos' (At 4, 12). O livre-arbítrio permite ao ser humano optar pela rebeldia e soberba de elevar a criatura sobre o Criador, mas os frutos de tal loucura é a condenação eterna.

Diante a interrogação de Pilatos: 'Tu és o rei dos judeus?' (Jo 18, 33), Jesus manifesta sem rodeios a sua realeza eterna: 'Eu sou rei' (Jo 18, 37) e 'o meu reino não é deste mundo' (Jo 18, 36). A realeza de Cristo é, portanto, de natureza espiritual. Provam-no com toda evidência as palavras da Escritura acima referidas, e, em muitas circunstâncias, o proceder do próprio Salvador. Quando os judeus, e até os Apóstolos, erradamente imaginavam que o Messias libertaria seu povo para restaurar o reino de Israel, Jesus desfez o erro e dissipou a ilusória esperança. Quando, tomada de entusiasmo, a turba, que O cerca O quer proclamar rei, com a fuga furta-se o Senhor a estas honras temerárias e se oculta em oração junto do Pai. Diante de Pilatos, vai declarar plenamente a sua verdadeira majestade, soberano senhor de um reino que 'não é deste mundo'.

Este reino é destinado aos que se abrem à Verdade, pois 'todo aquele que é da verdade escuta a minha voz' (Jo 18, 37). Ninguém pode ser nele admitido sem a fé e o batismo. Este reino opõe-se ao reino de Satanás e ao poder das trevas e, de seus adeptos, exige o desprendimento não só das riquezas e dos bens terrestres, como também a prática cotidiana da mansidão, da fome e sede da justiça, da aceitação plena das dores e sofrimentos desta vida. Foi para adquirir a Igreja que Cristo, enquanto 'Redentor', verteu o seu sangue; para isto é, que, enquanto 'Sacerdote', se ofereceu e de contínuo se oferece como vítima. Pois foi por sua paixão, morte e ressurreição, que Cristo, rei do Universo, atraiu para si a humanidade inteira, libertada do pecado e da morte, que será o último adversário a ser vencido.

sábado, 21 de novembro de 2015

BREVIÁRIO DIGITAL - CATECISMO ILUSTRADO DE 1910 (XXVII)







(Catecismo Ilustrado de 1910, parte XXVII)

ORAÇÃO AO PAI

 

Pai,
confortai os vossos filhos que choram,
tantos que padecem de dores físicas e espirituais,
os que se perderam pelos caminhos do mundo
e não sabem voltar às fontes da graça.
Olhai com especial misericórdia
os que se inclinam sob o peso dos erros
pela insensatez de conhecer pela malícia
os limites do nada.

Fazei com que os réprobos e os cativos do mal
conheçam a vossa misericórdia
e se refaçam como arautos de todo o bem;
envolvei com carinho paternal
os desiludidos do mundo
os que não têm mais sentido de viver
porque perderam a capacidade de sonhar.

Tornai a volver aos vossos olhos clementes
os que se angustiam nas visões do inferno
e se debatem nas trevas do pecado,
e plantai nos corações eunucos do silêncio
a suavidade do vosso chamado,
reerguendo da lama dos vozerios da terra
a vossa cruz bendita e salvadora.

Retende nos contrafortes de tantas misérias
a doçura do vosso clamor de perdão;
Atraí para o Céu os desmemoriados da vida
ensandecidos de prazeres e volúpias
e mostrai a todos os vossos filhos
que toda e qualquer glória humana 
é mais vã que o tempo que passou.

Penetrai no mais íntimo das almas
e refazei vontades e arbítrios,
transformai em preces e bênçãos
tantas pedras deixadas nos caminhos;
levantai do chão as vossas criaturas
e fazei com que a Jerusalém celeste
seja de todos o único destino.

E, então, nos limites da divina providência,
 os que se consolam sejam consolados,
de uma a outra extremidade da terra,
para que possam cantar por toda a eternidade
a vossa glória, ó Pai!

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

OS 21 PASSOS DA CONFISSÃO PERFEITA


1. A confissão é um sacramento de misericórdia; devemos por isso aproximar-nos dela com uma piedosa alegria e inteira confiança. 

2. Se vos acontece esquecerdes algumas faltas leves, nem por isso deixam de ser perdoadas. Reparai numa judiciosa observação de São Francisco de Sales: 'Não devemos inquietar-nos quando nós não lembramos as faltas, para as confessarmos; porque não é crível que uma alma que faz muitas vezes o exame da sua consciência, o não faça de modo que se lembre das suas faltas graves. Não devemos ser tão delicados que queiramos confessar tantas imperfeições pequenas, tantas faltas leves: um ato de humildade interior, um suspiro basta para as apagar'. Não digais que tendes pecados ocultos que não confessais. Isso é um artifício do demônio para vos inquietar. Recordai-vos ainda de que a relação minuciosa das vossas faltas não é o que as perdoa, assim como uma enumeração exata das dívidas não apaga nada ao credor.

3. Tende a certeza que quanto mais examinardes, menos encontrareis. Além disso, um exame prolongado fatiga o espírito e entorpece o coração.

4. A instrução seguinte de São Francisco de Sales será, pois de uma grande importância prática:  'Quando não virdes claramente que destes alguma espécie de consentimento aos acessos da cólera ou de qualquer outra tentação, deveis dizê-lo ao vosso diretor espiritual, a fim de serdes instruídos como haveis de proceder ... Estando em dúvida se cometestes alguma falta, deveis examinar seriamente se essa dúvida tem fundamento, e depois falar dela com simplicidade. No caso contrário deveis calar-vos, ainda que sintais por isso um pesar'.

5. Também o santo não quer que façamos certas acusações gerais, que muitas pessoas fazem por costume, e a que ele chama supérfluas. Por exemplo: de não ter amado a Deus e ao próximo quanto era do nosso dever; de não ter rezado as orações ou de não ter recebido os sacramentos com o respeito conveniente e coisas semelhantes; porque, acrescenta ele, todos os santos do paraíso e todos os homens do mundo podiam dizer o mesmo, se se confessassem.

6. Tende sempre presente ao espírito este aviso tão útil de São Francisco de Sales: 'Não somos obrigados a confessar os pecados veniais: mas quando os confessamos, devemos ter a resolução de emendar-nos deles: aliás, seria um abuso dá-los por matéria da confissão sacramental'.

7. Depois da confissão fica tranquilo. É absolutamente proibido deixar-vos vencer de temores a respeito do exame de consciência, da contrição ou de qualquer outra coisa que seja. Estes temores são artifícios do vosso inimigo, que deseja tornar-vos amargo um sacramento de consolação e de amor.

8. Devemos arrepender-nos dos nossos pecados, mas não perturbar-nos por causa deles; o arrependimento é feito por amor de Deus; a perturbação, do amor próprio. No mesmo ato de sincero arrependimento devemos dar graças a Deus de que, pela sua misericórdia, não procedemos pior. Prometei-lhe depois sincera emenda, não confiando senão na sua bondade. Ainda que caísses cem vezes por dia, deveis sempre esperar e prometer séria emenda. Num instante Deus pode transformar as pedras em verdadeiros filhos de Abraão, isto é, em grandes santos. Assim o fará se constantemente confiardes n'Ele.

9. A dor dos pecados consiste numa determinação da vontade que detesta as faltas passadas e não quer cometê-las para o futuro. Para a verdadeira contrição não são precisas lágrimas, nem suspiros, nem emoções sensíveis: podemos até ter nosso coração contrito santo e justificante no meio da maior aridez, que nos parecerá ser insensibilidade. Não vos deixeis vencer por nenhum temor a este respeito.

10. Não façais nunca esforço algum para excitardes em vós a contrição; este esforço perturba e fatiga a alma sem lhe dar o que procura. Pelo contrário, estabelecei no vosso coração uma profunda paz, e dizei amorosamente ao vosso Deus que desejareis não o ter ofendido, e que com o seu auxílio não quereis ofendê-lo mais para o futuro: eis a contrição. Ela é um efeito do amor, e o amor procede sempre com tranquilidade.

11. São Francisco de Sales diz que o ato de contrição se faz em um instante com dois rápidos olhares. Um sobre nós com o detestar do pecado, outro sobre Deus com a promessa de nos emendarmos na esperança do seu socorro. Um dos penitentes mais contritos foi Davi: e a sua contrição encerrou-se nesta palavra: 'Pequei' -  pecavi; e com esta só palavra se justificou.

12. Dizeis que quereis ter a contrição; mas que não podeis tê-la. São Francisco de Sales responde-vos: 'É poder muito, muito poder querer. O desejo da contrição prova que há contrição. O fogo que está debaixo da cinza não se sente e não se vê, e contudo existe'. O desejo de sentir a contrição nasce muitas vezes de uma complacência interesseira da nossa parte, que não satisfeita de contentar a Deus, queria também contentar-se a si; e na sua sensibilidade pessoal ter a certeza do seu estado de graça e da sua virtude.

13. Deus não vos faz conhecer a vossa contrição para vos alcançar o mérito da obediência, a qual vos impõe o dever de ficardes em paz. Acredite, pois, humildemente, obedecei desafogadamente, e obtereis uma dupla coroa. Muitas vezes os santos mais elevados julgavam não ter contrição nem amor, mas no meio das suas trevas seguiram a luz da obediência com uma heroica submissão.

14. Não julgueis que não tendes contrição ou que vos confessais mal, porque tornais a cair em faltas. É preciso fazer distinção entre as faltas: devemos corrigir-nos com vigor das que nascem de uma vontade depravada que ama o pecador, quer o pecado e deseja perseverar no pecado; mas as faltas que nascem da surpresa, da fraqueza, da fragilidade, nos acompanharão em parte até a morte. 'Será muito', diz o nosso santo, 'podermos nos curar de certos defeitos um quarto de hora antes de morrermos'. E em outra parte: 'Devemos suportar não só as fraquezas do próximo, mas também as nossas, e ter paciência à vista das nossas imperfeições'. Procuremos emendar-nos com paz e sem ansiedade, porque não podemos ser anjos antes do tempo.

15. Nas vossas confissões acrescentai em geral alguma falta da vossa vida passada, de que experimentais uma dor particular. Dizei por exemplo: confesso-me dos pecados de impureza, de ódio ou de vingança da vida passada. Deste modo a matéria necessária para o sacramento será muito mais certa.

16. Repeli os temores de terdes omitido pecados nas vossas confissões gerais ou particulares, ou de não os terdes declarado como deveis: A Igreja, que é o intérprete da vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo, pede a integridade sacramental e não a integridade material. A primeira consiste na confissão dos pecados lembrados depois de um exame razoável, e proporcionado ao estado atual da nossa alma. A integridade material consiste na declaração material de todos os pecados que cometemos, do seu número, das suas circunstâncias sem omitir nenhuma. A Igreja pede a primeira integridade, porque não exige a segunda, sabendo muito bem que no nosso exame nos poderá escapar alguma coisa ou sobre o número ou sobre as circunstâncias. Em suma: ela não pede aos fiéis senão uma confissão humilde e sincera de tudo o que lhes vem à lembrança depois de um exame conveniente, persuadida de que a boa vontade dos penitentes supre então a falta involuntária da sua memória.

17. Tendo satisfeito abundantemente à integridade sacramental, repeli, pois todas as apreensões e dúvidas como verdadeiras tentações.

18. Lembrai-vos ainda de que se vos parecer que não tendes tido com o vosso exame o cuidado conveniente, o confessor prudente supre esta falta pelas suas interrogações; e se ele não faz nenhuma é porque tem o conhecimento necessário da qualidade dos vossos pecados e do estado da vossa alma, que é o fim, da acusação sacramental.

19. Daí vem o erro dos que querem repetir as suas confissões gerais com o medo de não terem tido as disposições suficientes no seu exame ou na sua contrição; daí a censurável facilidade dos confessores que se prestam a isso. Se devêssemos dar ouvidos a semelhantes apreensões, seria preciso passar a vida inteira a renovar as confissões gerais, porque os mesmos receios se podem apresentar sempre, ainda nos maiores santos; e assim a confissão se transformará em verdadeiro cavalete, em tortura da alma; ora, isto é uma proposição herética, fulminada pelo Concilio de Trento.

20. A doutrina de todos os santos e de todos os teólogos esclarecidos é que, depois de ter feito a vossa confissão geral com sinceridade de coração e desejo de vos emendardes, deveis ficar tranquilo e não a repetir de modo algum. Aquele que obra de outra sorte traz a memória o que devia esquecer e perturba o espírito em vez de sossegá-lo. Tanto mais que como diz São Filipe Nery: 'Quanto mais se varre, mais pó se levanta'.

21. Para chegardes a tranquilizar a vossa alma, achareis um poderoso socorro neste sentimento universal dos santos, de que o temor do pecado deixa de ser salutar quando é excessivo.

(Excertos da obra ' Maria falando ao Coração das Donzelas', do Abade A. Bailey)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

DA AGONIA DO GETSÊMANI


Espírito Divino, iluminai a minha inteligência, inflamai o meu coração, enquanto medito na Paixão de Jesus. Ajudai-me a penetrar nesse mistério de amor e sofrimento do meu Deus que, feito homem, sofre, agoniza, morre por mim. Ó Eterno, ó Imortal, descei até nós para sofrer um martírio inaudito, a morte infame sobre a cruz no meio dos insultos, de impropérios e ignomínias, a fim de salvar a criatura que o ultrajou e continua a atolar-se na lama do pecado.

O homem saboreia o pecado e, por causa do pecado, Deus está mortalmente triste; os tormentos de uma agonia cruel fazem-no suar sangue! Não, não posso penetrar neste oceano de amor e de dor sem a ajuda da Vossa graça, ó meu Deus. Abri-me o acesso à mais íntima profundidade do coração de Jesus, para que eu possa participar da amargura que o conduziu ao Jardim das Oliveiras, até às portas da morte — para que me seja dado consolá-lo no seu extremo abandono. Ah! Pudesse eu unir-me a Cristo, abandonado pelo Pai e por si próprio, a fim de expirar com Ele! Maria, Mãe das Dores, permiti que eu siga Jesus e participe intimamente da sua Paixão e do seu sofrimento! Meu Anjo da guarda, velai para que as minhas faculdades se concentrem todas na agonia de Jesus e nunca mais se desprendam. 

No termo da sua vida terrestre, depois de se nos ter inteiramente entregue no sacramento do seu amor, o Senhor dirige-se ao Jardim das Oliveiras, conhecido dos discípulos, mas de Judas também. Pelo caminho, ensina-os e prepara-os para a sua Paixão iminente e convida-os, por seu amor, a sofrer calúnias, perseguições até à morte, para os transfigurar à semelhança d'Ele, modelo divino. No momento de começar a sua Paixão amarguíssima, não é n'Ele que pensa; pensa em ti. Que abismos de amor não contém o seu Coração! A sua Santa Face é toda tristeza, toda ternura. As suas palavras jorram da profundidade mais íntima do seu coração, e são todas palpitação de amor.

Ó Jesus, o meu coração perturba-se quando penso no amor que Vos obriga a correr ao encontro da Vossa Paixão. Ensinastes-nos que não há amor maior que dar a vida por aqueles a quem se ama. Eis que estais prestes a selar estas palavras com o Vosso exemplo. No Jardim da Oliveiras, o Mestre afasta-se dos discípulos e só leva três testemunhas da sua Agonia: Pedro, Tiago e João. Eles, que o viram transfigurado sobre o Tabor, terão força para reconhecer o Homem-Deus neste ser, esmagado pela angústia da morte?

Ao entrar no Jardim disse-lhes: 'Ficai aqui! Velai e rezai para não cairdes em tentação. Acautelai-vos, porque o inimigo não dorme. Armai-vos antecipadamente com as armas da oração para não serdes surpreendidos e arrastados para o pecado. É a hora das trevas'. Tendo-os exortado, afastou-se à distância de uma pedrada e prostrou-se com a face em terra. A sua alma está mergulhada num mar de amargura e extrema aflição. É tarde. Na lividez da noite, agitam-se sombras sinistras. A Lua parece injetada de sangue. O vento agita as árvores e penetra até aos ossos. Toda a natureza como que estremece de secreto pavor! Ó noite, como nunca houve outra semelhante.

Eis o lugar onde Jesus vem orar. Ele despoja a sua santa Humanidade da força à qual tem direito pela sua união com a Divina Pessoa, e mergulha-a num abismo de tristeza, de angústia, de abjeção. O seu espírito parece submergir-se. Via antecipadamente toda a sua Paixão. Vê Judas, seu apóstolo tão amado, que o vende por alguns dinheiros. Ei-lo a caminho de Getsêmani, para o trair e entregar! Todavia, ainda há pouco não o alimentou com a sua carne, não lhe deu a beber o seu sangue? Prostrado diante dele, lavou-lhe os pés, apertou-os contra o coração, beijou-os com os seus lábios. Que não fez ele para o reter à beira do sacrilégio, ou pelo menos para o levar a arrepender-se! 

Não! Ei-lo que corre para a perdição. Jesus chora. Vê-se arrastado pelas ruas de Jerusalém onde ainda há alguns dias o aclamavam como Messias. Vê-se esbofeteado diante do sumo sacerdote. Ouve os gritos: 'À morte!' Ele, o autor da vida, é arrastado como um farrapo de um para outro tribunal. O povo, o seu povo tão amado, tão cumulado de bênçãos, vocifera contra Ele, insulta-o, reclama aos gritos a sua morte, e que morte, a morte sobre a cruz. Ouve as suas falsas acusações. Vê-se flagelado, coroado de espinhos, escarnecido, acusado como falso rei. Vê-se condenado à cruz, subindo ao Calvário, sucumbindo ao peso do madeiro, trêmulo e exausto... 

Ei-lo chegado ao Calvário, despojado das roupas, estendido sobre a cruz, impiedosamente trespassado pelos pregos, ofegante entre indizíveis torturas. Meu Deus! Que longa agonia de três horas, até sucumbir no meio dos apupos da gentalha, ébria de cólera! Ei-lo com a garganta e as entranhas devoradas por sede ardente. Para estancar essa sede, dão-lhe vinagre e fel. Vê o Pai que o abandona, e a Mãe, aniquilada pela dor. Para acabar, a morte ignominiosa no meio de dois ladrões. Um reconhece-o, e pôde salvar-se; o outro blasfema e morre réprobo. Vê Longinus, que se aproxima para lhe trespassar o coração. Ei-la, consumada, a extrema humilhação do corpo e da alma, que se separam...

Tudo isto, cena após cena, passa diante dos seus olhos, apavora-o, acabrunha-o. Recusará? Desde o primeiro instante tudo avaliou, tudo aceitou. Porque, pois, este terror extremo? É que expôs a sua santa humanidade como escudo, captando os ataques da Justiça, ultrajada pelo pecado. Sente vivamente no espírito, mergulhado na maior solidão, tudo o que vai sofrer. Para tal pecado, tal pena. Está aniquilado, porque se entregou, Ele próprio, ao pavor, à fraqueza, à angústia.

Parece ter chegado ao auge da dor. Está de rastos, com a face em terra, diante da Majestade do Pai. Jaz no pó, irreconhecível, a santa Face do Homem-Deus, que goza da visão beatífica. Meu Jesus! Não sois Deus? Não sois o Senhor do Céu e da Terra, igual ao Pai? Para que haveis de abaixar-Vos até perder todo o aspecto humano? Ah, sim, compreendo! Quereis ensinar-me, a mim, orgulhoso que, para entender o Céu, devo abismar-me até ao fundo da Terra. É para expiar a minha arrogância que Vos deixais afundar no mar da agonia. É para reconciliar o Céu com a Terra que vos abaixais até à terra como se quisésseis dar-lhe o beijo da paz...

Jesus ergue-se, volve para o céu um olhar suplicante, ergue os braços, reza. Cobre-lhe o rosto uma mortal palidez! Implora ao Pai que se desviou d'Ele. Reza com confiança filial, mas sabe bem qual o lugar que lhe foi marcado. Sabe-se vítima a favor de toda a raça humana, exposta à cólera de Deus ultrajado. Sabe que só Ele pode satisfazer a Justiça infinita e conciliar o Criador com a criatura. Quer, reclama que seja assim. A sua natureza, porém, está literalmente esmagada. Insurge-se contra tal sacrifício. Todavia, o seu espírito está pronto à imolação e o duro combate continua. Jesus, como podemos pedir-Vos para sermos fortes, quando Vos vemos tão fraco e acabrunhado? Sim, compreendo! Tomastes sobre Vós a nossa fraqueza. Para nos dardes a Vossa força, Vos tornastes a vítima expiatória. Quereis ensinar-nos como só em Vós devemos depositar confiança, até quando o céu nos parece de bronze.

Na Sua Agonia, Jesus clama ao Pai: 'Se é possível, afasta de mim este cálice'. É o grito da natureza que, prostrada, recorre cheia de confiança ao Céu. Embora saiba que não será atendido, porque não deseja sê-lo, contudo ora. Meu Jesus, por que pedis o que não podeis obter? Que mistério vertiginoso! A mágoa que Vos dilacera Vos faz mendigar a ajuda e conforto, mas o Vosso amor por nós e o desejo de nos levar a Deus vos faz dizer: 'Não se faça a minha vontade, mas a tua'. O seu coração desolado tem sede de ser confortado, tem sede de consolação.

Docemente, Ele se levanta, dá alguns passos vacilantes; aproxima-se dos discípulos; eles, pelo menos, os amigos de confiança, hão de compreender e partilhar da sua mágoa. Encontra-os mergulhados no sono. De súbito sente-se só, abandonado! 'Simão, dormes?' pergunta docemente a Pedro. Tu, que há pouco me dizias que querias seguir-me até à morte! Vira-se para os outros. 'Não podeis velar uma hora comigo?'. Uma vez mais, esquece os sofrimentos, não pensa senão nos discípulos: 'Velai e orai para não cairdes em tentação!'. Parece dizer 'Se me esquecestes tão depressa, a mim, que luto e sofro, pelo menos no vosso próprio interesse, velai e orai!'.

Mas eles, tontos de sono, mal o ouvem. Ó meu Jesus, quantas almas generosas, tocadas pelos Vossos lamentos, Vos fazem companhia no Jardim da Oliveiras, compartilhando da Vossa amargura e da Vossa angústia mortal. Quantos corações têm respondido generosamente ao Vosso apelo através dos séculos! Possam eles Vos consolar e, comparticipando do Vosso sofrimento, possam eles cooperar na obra da salvação! Possa eu próprio ser desse número e Vos consolar um pouco, ó meu Jesus!

Jesus volta ao local da oração e apresenta-se-lhe diante dos olhos um outro quadro bem mais terrível. Desfilam diante dele todos os nossos pecados, nos seus mais ínfimos pormenores. Vê a extrema vulgaridade dos que os cometem. Sabe a que ponto ultrajam a divina Majestade. Vê todas as infâmias, todas as obscenidades, todas as blasfêmias que mancham os corações e os lábios, criados para cantar a glória de Deus. Vê os sacrilégios que desonram Pais e fiéis. Vê o abuso monstruoso dos sacramentos, instituídos por Ele para nossa salvação, e que facilmente podem ser causa de nos perdermos. Tem de se cobrir com toda a lama fétida da corrupção humana. Tem de expiar cada pecado à parte, e restituir ao Pai toda a glória roubada. Para salvar o pecador, tem de descer a esta cloaca. Mas, isto não o detém. Vaga monstruosa, essa lama rodeia-o, submerge-o, oprime-o.

Ei-lo em frente do Pai, Deus da Justiça, Ele, Santo dos Santos, vergado ao peso dos nossos pecados, tornando-se igual aos pecadores. Quem poderá sondar o seu horror e a sua extrema repugnância? Quem compreenderá a extensão da horrível náusea, do soluço de desgosto? Tendo tomado todo o peso sobre Ele, sem exceção alguma, sente-se esmagado por monstruoso fardo, e geme sob o peso da Justiça divina, em face do Pai, que permitiu ao seu filho se oferecer como vítima pelos pecados do mundo, e se transformar numa espécie de maldito.

A sua pureza estremece diante desta massa infame; mas, ao mesmo tempo, vê a Justiça ultrajada, o pecador condenado. No seu coração, defrontam-se duas forças, dois amores. Vence a Justiça ultrajada. Mas, que espetáculo infinitamente lamentável! Este homem, carregado com todos os nossos crimes. Ele, essencialmente santidade, confundido, embora exteriormente, com os criminosos. Treme como um folha. Para poder afrontar esta terrível agonia, abisma-se em oração. Prostrado diante da Majestade do Pai, diz: 'Pai, afasta de mim este cálice'. É como se dissesse: 'Pai, quero a tua glória! Quero o cumprimento da tua justiça. Quero a reconciliação do gênero humano. Mas não por este preço! Que Eu, santidade essencial, seja assim salpicado pelo pecado, ah! não, isso não! Ó Pai, a quem tudo é possível, afasta de mim este cálice e encontra outro meio de salvação nos tesouros insondáveis da tua sabedoria. Porém, se não quiseres, que a tua vontade, e não a minha, se faça!'

Desta vez ainda, fica sem efeito a prece do Salvador. Sente a angústia mortal, ergue-se a custo em busca de consolação. Sente como as forças o abandonam. Arrasta-se penosamente até junto dos discípulos. Uma vez mais, encontra-os a dormir. A Sua tristeza torna-se mais profunda. E contenta-se simplesmente em os acordar. Sentiram-se confusos? Sobre isto nada sabemos. Só vemos Jesus indizivelmente triste. Guarda para Ele toda a amargura deste abandono.

Mas Jesus, como é grande a dor que leio no Vosso coração, transbordante de tristeza. Vos vejo afastando-Vos dos Vossos discípulos, ferido, todo magoado! Pudesse eu dar-Vos algum reconforto, consolar-Vos um pouco; mas, incapaz de mais nada, choro aos Vossos pés. Unem-se às Vossas as lágrimas do meu amor e da minha compunção. E elevam-se até ao trono do Pai, suplicando que tenha piedade de nós, que tenha piedade de tantas almas, mergulhadas no sono do pecado e da morte.

Jesus volta ao lugar onde rezara, extenuado e em extrema aflição. Cai, sim, mas não se prostra. Cai sobre a terra. Sente-se despedaçado por angústia mortal e a sua prece torna-se mais intensa. O Pai desvia o olhar, como se Ele fosse o mais abjeto dos homens. Parece-me ouvir os lamentos do Salvador: 'Se, ao menos as criaturas por causa de quem eu tanto sofro quisessem aproveitar-se das graças obtidas através de tantas dores! Se, ao menos reconhecessem pelo seu justo valor, o preço pago por mim para resgatar e dar-lhes a vida de filhos de Deus! Ah! este desamor despedaça-me o coração, bem mais cruelmente do que os carrascos que irão, em breve, despedaçar-me a carne. 

Vê o homem que não sabe, porque não quer saber; e blasfema do Sangue Divino e, o que é bem mais irreparável, serve-se desse Sangue para sua condenação. Quão poucos o hão de aproveitar, quantos outros correrão ao encontro do próprio extermínio! Na grande amargura do seu coração, continua a repetir: 'Quæ utilitas im sanguine meo?' - Quão poucos aproveitaram o Meu Sangue! O pensamento, porém, deste pequeno número basta para afrontar a Paixão e morte. Nada existe, não há ninguém que possa dar-lhe sombra de consolação. O Céu fechou-se para Ele. O homem, embora esmagado ao peso dos pecados, é ingrato e ignora o seu amor. Sente-se submerso num mar de dor e grita no estertor da agonia: 'A minha alma está triste até a morte'.

Sangue Divino, que jorras, irresistivelmente do Coração de Jesus, corres por todos os seus poros para lavar a pobre terra ingrata. Permita-me que eu te recolha, sangue tão precioso, sobretudo estas primeiras gotas. Quero guardar-te no cálice do meu coração. És prova irrefutável deste Amor, única causa de teres sido vertido. Quero purificar-me através de ti, Sangue preciosíssimo! Quero com ele purificar todas as almas, manchadas pelo pecado. Quero oferecer-te ao Pai. É o sangue do Seu Filho Bem-Amado que caiu sobre a Terra para a purificar. É o Sangue do Seu Filho que ascende ao seu trono para reconciliar a Justiça ultrajada. A alegria é na verdade muito mais veemente do que a dor.

Jesus chegou então ao fim do caminho doloroso? Não. Ele não quer limitar a torrente do seu amor! É preciso que o homem saiba quanto ama o Homem-Deus. É preciso que o homem saiba até que abismos de abjeção pode levar amor tão completo. Embora a Justiça do Pai esteja satisfeita com o suor do Sangue preciosíssimo, o homem carece de provas palpáveis deste amor. Jesus seguirá pois até ao fim: até à morte ignominiosa sobre a cruz. O contemplativo conseguirá talvez intuir um reflexo desse amor que o reduz aos tormentos da santa agonia no Jardim das Oliveiras. Aquele, porém, que vive, entorpecido pelos negócios materiais, procurando muito mais o mundo do que o Céu, deve vê-lo também pelo aspecto externo, pregado à cruz, para que, ao menos, o comova a visão do seu sangue e a sua cruel agonia.

Não. O seu coração, transbordante de amor, não está ainda contente! Domina-o a aflição, e ora de novo: 'Pai, se este cálice não pode ser afastado, sem que eu o beba, faça-se a tua vontade'. A partir deste instante, Jesus responde do fundo do seu coração abrasado de amor, ao grito da humanidade que reclama a sua morte como preço da Redenção. À sentença de morte que seu Pai pronuncia no Céu, responde a Terra reclamando a sua morte. Jesus inclina a sua adorável cabeça: 'Pai, se este cálice não pode ser afastado, sem que eu o beba, faça-se a Tua vontade'. E eis que o Pai lhe envia um anjo de consolação. Que alívio pode um anjo oferecer ao Deus da força, ao Deus invencível, ao Deus Todo-Poderoso? Mas este Deus quis tornar-se inerme. Tomou sobre os ombros toda a nossa fraqueza. É o Homem das Dores, em luta com a agonia.

Ora ao Pai por si e por nós. O Pai recusa atendê-lo, pois deve morrer por nós. Penso que o anjo se prostra profundamente diante da Beleza eterna, manchada de pó e sangue, e com indizível respeito suplica a Jesus que beba o cálice, pela glória do Pai e pelo resgate dos pecadores. Rezou assim, para nos ensinar a recorrer ao Céu, unicamente quando as nossas almas estão desoladas como a sua. Ele, a nossa força, virá ajudar-nos, pois que consentiu em tomar sobre os ombros todas as nossas angústias.

Sim, meu Jesus, é preciso que bebais o cálice até ao fundo! Estais votado à morte mais cruel. Jesus, que nada possa separar-me de Vós, nem a vida nem a morte! Se, ao longo da vida, só desejo unir-me ao Vosso sofrimento, com infinito amor, ser-me-á dado morrer convosco no Calvário e convosco subir à Glória. Se Vos sigo nos tormentos e nas perseguições tornar-me-eis digno de Vos amar um dia, no Céu, face a face, convosco, cantando eternamente o Vosso louvor em ação de graças pela cruel Paixão.

Vede! Forte, invencível, Jesus ergue-se do pó! Não desejou Ele o banquete de sangue com o mais forte desejo? Sacode a perturbação que o invadira, enxuga o suor sangrento da face, e, em passo firme dirige-se para a entrada do Jardim. Onde ides, Jesus? Ainda há instantes, não estavas empolgado pela angústia e pela dor? Não Vos vi eu, trêmulo, e como que esmagado sob o peso cruel das provações que vão tombar sobre Vós? Aonde ides nesse passo intrépido e ousado? A quem vais entregar-vos?

'Escuta, Meu filho. As armas da oração ajudaram-me a vencer; o espírito dominou a fraqueza da carne. A força me foi transmitida, enquanto orava, e agora eis-me pronto a tudo desafiar. Segue o meu exemplo e arranja-te com o Céu, como Eu fiz'. Jesus aproxima-se dos apóstolos. Continuam a dormir! A emoção, a hora tardia, o pressentimento de alguma coisa horrível e irreparável, a fadiga — e ei-los mergulhados em sono de chumbo. Jesus tem piedade de tanta fraqueza: 'O espírito está pronto, mas a carne é fraca'. Jesus exclama: 'Dormi agora e repousai'. Detém-se por instante. Ouvem que Jesus se vai aproximando, e entreabrem os olhos...

Jesus continua a falar: 'Basta. É chegada a hora; eis que o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos; eis que se aproxima o que me há de entregar'. Jesus vê todas as coisas com os seus olhos divinos. Parece dizer: 'Meus amigos e discípulos, vós dormis, enquanto que os meus inimigos velam e se aproximam para virem prender-Me! Tu, Pedro, que há pouco te julgavas bastante forte para me seguir até na morte, também tu dormes agora! Desde o princípio tens-me dado provas da tua fraqueza! Estás, porém, tranquilo. 

Aceitei sobre Mim a tua fraqueza e rezei por ti. Depois de confessares a tua falta, serei a tua força e apascentará os meus rebanhos! E tu, João, também tu dormes? Tu, que acabavas de sentir as pulsações do meu coração, não pudeste velar uma hora comigo'... Levantai-vos, vamos partir, já não há tempo para dormir. O inimigo está à porta! É a hora do poder das trevas! Partamos. De livre vontade, vou ao encontro da morte. Judas acorre para trair-me, e Eu vou ao seu encontro. Não impedirei que se cumpram à risca as profecias. Chegou a Minha hora: a hora da misericórdia infinita. Ressoam os passos; archotes acesos enchem o jardim de sombras e púrpura. Intrépido e calmo, Jesus avança seguido pelos discípulos.

'Ó meu Jesus, dai-me a Vossa força quando a minha pobre natureza se revolta diante dos males que a ameaçam, para que possa aceitar com amor as penas e aflições desta vida de exílio. Uno-me com toda a veemência aos Vossos méritos, às Vossas dores, à Vossa expiação, às Vossas lágrimas, para poder trabalhar convosco na obra da salvação. Possa eu ter a força de fugir ao pecado, causa única da Vossa agonia, do Vosso suor de sangue, e da Vossa morte. Afasteis de mim o que Vos desagrada, e imprimi no meu coração com o fogo do Vosso santo amor todos os Vossos sofrimentos. Abraçai-me tão intimamente, em abraço tão forte e tão doce, que nunca eu possa deixar-Vos sozinho no meio dos Vossos cruéis sofrimentos. Só desejo um único alívio: repousar sobre o Vosso coração. Só desejo uma única coisa: partilhar da Vossa Santa Agonia. Possa a minha alma inebriar-se com o Vosso Sangue e alimentar-se com o pão da Vossa dor! Amém'.

(Santo Padre Pio de Pietrelcina)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

MARIA: MEDIANEIRA DA DIVINA MISERICÓRDIA


'Consentis, Senhor, que façamos descer fogo do céu e os consuma?' — assim perguntaram ao Mestre João e Tiago, quando os samaritanos se recusaram a receber Jesus Cristo e sua doutrina. Respondeu-lhes então o Salvador: 'Não sabeis de que espírito sois?' (Lc 9, 55). Queria dizer: 'Sou de um espírito todo de clemência e doçura; para salvar e não para castigar os pecadores, vim do céu e vós quereis vê-los perdidos? Falais em fogo e castigo? Calai-vos e nisso não me faleis mais, porque não é esse meu espírito!' Ora, sendo o espírito de Maria completamente semelhante ao de seu Filho, não podemos por em dúvida o seu natural compassivo. De fato, é chamada Mãe de Misericórdia e foi a própria misericórdia de Deus que tão compassiva e clemente a fez para todos. Assim o revelou a própria Virgem a Santa Brígida. Por isso representa-a São João revestida do sol: 'Apareceu um grande sinal no céu; uma mulher vestida do sol' (Ap 12, 1). Comentando o trecho, diz São Bernardo à Virgem: 'Senhora, revestistes o Sol (Verbo Divino) da carne humana, mas ele vos revestiu também de seu poder e de sua misericórdia'.

Nossa Rainha — continua o Santo — é sumamente compassiva e benigna; quando algum pecador se encomenda à sua misericórdia, ela não se põe a examinar-lhe os méritos, para ver se é digno de ser ouvido ou não, mas a todos atende e socorre. Eis a razão, conforme observa Hildeberto, porque de Maria se diz que é bela como a lua (Ct 6, 9). Assim como a lua ilumina e beneficia os objetos mais inferiores sobre a terra, também ilumina Maria e socorre os pecadores mais indignos. Embora a lua receba do sol toda a sua luz, leva menos tempo que ele para descrever seu curso. É-lhe suficiente um mês, ao passo que o sol gasta um ano a perfazer o seu giro. Isso motiva então as palavras de Eádmero ao afirmar que nossa salvação será mais rápida, se chamarmos por Maria, do que se chamarmos por Jesus. Pelo que Hugo de São Vítor nos adverte que se os nossos pecados nos fazem ter medo de nos chegarmos para Deus, cuja Majestade infinita ultrajamos, não devemos recear de recorrer a Maria; pois nada nela existe que inspire terror. É verdade que é santa, imaculada, rainha do mundo e Mãe de Deus. Mas é uma criatura e filha de Adão, como nós.

Em suma, conclui São Bernardo, tudo o que pertence a Maria é cheio de graça e de piedade, porque, como Mãe de misericórdia, se fez tudo para todos; por sua imensa caridade tornou-se devedora dos justos e dos pecadores; para todos está aberto o seu coração, para que possam receber de sua misericórdia. Se por um lado está o demônio sempre procurando a quem dar a morte, como no-lo atesta São Pedro (l Pd 5, 8), de outro lado está buscando Maria almas a quem possa dar a vida e salvar, segundo afirma Bernardino de Busti.

Devemos, pois, saber que a eficácia e a expansão do patrocínio de Maria vão além das nossas noções, diz São Germano. Por que, outrora, tão grande era o rigor de Deus para com os pecadores, quando agora, na Lei Nova, usa de tanta misericórdia com eles? Fá-lo por amor de Maria e em vista de seus merecimentos. Assim pergunta e assim responde Pelbarto. Há muito tempo teria já cessado de existir o mundo, assevera Fabio Fulgêncio, se não o tivesse Maria sustentado com suas preces. Podemos, entretanto, ir seguramente a Deus e dele esperar todos os bens, diz Arnoldo de Chartres, agora que temos o Filho como nosso medianeiro, junto ao Pai, e a Mãe como nossa medianeira junto ao Filho. Como poderia o Pai deixar desatendido ao Filho, quando este lhe mostra as chagas recebidas por amor aos pecadores? E como poderia o Filho desatender à Mãe, mostrando-lhe esta os seios que o sustentaram? Enérgicas e belas são as palavras de São Pedro Crisólogo: 'A excelsa Virgem hospedou a Deus em seu ventre; em paga de tal hospitalidade dele exige a paz para o mundo, a salvação para os perdidos, a vida para os mortos'.

Oh! exclama o Abade de Ceies, quantos que, dignos do inferno segundo a justiça divina, são salvos pela compaixão de Maria! Sim, porque ela é o tesouro de Deus, e a tesoureira de todas as graças; em suas mãos está por isso a nossa salvação. Por conseguinte recorramos sempre a essa grande Mãe de Misericórdia, firmes na esperança de nos salvarmos por sua intercessão. Pois não lhe chama Bernardino de Busti nossa salvação, nossa vida, nossa esperança, nosso conselho, nosso refúgio e nosso auxílio? Realmente, diz São Antonino, é Maria aquele trono de graça ao qual nos cumpre confiadamente recorrer para obter a divina misericórdia e todos os auxílios que nos são necessários, conforme a exortação de São Paulo: 'Marchemos, pois, cheios de confiança para o trono de graça, a fim de obtermos misericórdia e alcançarmos a graça no socorro oportuno' (Hb 4, 16). Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Maria de distribuidora da divina misericórdia.

Concluamos por conseguinte com a elegante e terna exclamação de São Boaventura: 'Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria!' Ó Maria, sois clemente para com os miseráveis, compassiva para com os que vos invocam, doce para com os que vos amam; sois clemente para com os penitentes, compassiva para com os justos, doce para com os perfeitos. Mostrai vossa clemência, em nos livrando dos castigos; vossa piedade, em nos dispensando as graças; vossa doçura, em nos dando a quem vos procura.

('Glórias de Maria', de Santo Afonso Maria de Ligório)