domingo, 25 de outubro de 2015

25 DE OUTUBRO - SANTO ANTÔNIO GALVÃO


Um homem marcado pela caridade e por um profundo espírito missionário: este foi o compromisso de fé que levou à santidade Antônio Galvão de França - o Frei Galvão, nascido em 1739 em Guaratinguetá, cidade do interior do estado de São Paulo, e falecido na cidade de São Paulo, em 23 de dezembro de 1822.

A devoção cristã permeou a sua vida desde a infância, levando-o a estudar com os jesuítas na Bahia e, mais tarde, a proceder os votos solenes como franciscano da Ordem Terceira (adotando, então, o nome de Antônio Sant'Ana Galvão) e à ordenação sacerdotal, em 11 de julho de 1762, no Rio de Janeiro. Após a ordenação, tornou-se pregador da ordem franciscana e confessor do Recolhimento de Santa Teresa, onde viviam algumas monjas e que, naquela época, constituía o único estabelecimento de religiosas então existente em São Paulo. Nesta instituição, sob a inspiração da Irmã Helena Maria do Sacramento, Frei Galvão fundou e construiu um novo recolhimento na cidade, no local chamado campo da Luz, hoje Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, e ali foi enterrado. 

Era dotado de dons prodigiosos, como levitação e a bilocação. Particularmente interessantes são as chamadas 'pílulas de Frei Galvão'. Diante de um homem padecendo muitas dores devido a cálculos renais, o santo teve a súbita inspiração de escrever em um papelote a seguinte frase do ofício da Santíssima Virgem Maria: Post partum Virgo inviolata permansisti: Dei Genitrix intercede pro nobis - 'Depois do parto, ó Virgem, permanecestes intacta; Mãe de Deus, intercedei por nós' e o deu ao homem como remédio, que expeliu em seguida um grande cálculo renal. Utilizando-se deste meio outras tantas vezes, as pílulas logo tornaram-se de uso generalizado até os nossos dias, para curar problemas renais ou de parto ou quaisquer outras dores ou enfermidades. Por sua intercessão, os Céus realizaram muitos milagres e curas sobrenaturais.

Frei Galvão se fez servo de todos e para todos tinha uma enorme generosidade de acolhimento, de perdão, de serenidade e de direção espiritual e, como 'filho e escravo perpétuo de Maria', dedicou toda a sua vida ao apostolado e à salvação das almas e, em meio a tantas glórias e virtudes, só recentemente foi elevado aos altares. Frei Galvão Frei Galvão foi beatificado pelo papa João Paulo II em 25 de outubro de 1998 e canonizado em 11 de maio de 2007 pelo papa Bento XVI, em São Paulo, tornando-se, então, o primeiro santo da Igreja nascido no Brasil. A sua festa litúrgica acontece em 25 de outubro, data de sua beatificação.

(Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, século XVIII, atual Mosteiro da Luz)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

AS SEIS VIAS DA SANTIDADE PELA PACIÊNCIA

O apóstolo São Tiago dizia que a paciência era por excelência a obra perfeita de uma alma. A terra é lugar onde se conquistam merecimentos e, portanto, não é lugar de descanso, mas de trabalho e padecimento: e aquele que não sofre com paciência, sofre menos e salva-se; ao passo que sofre muito mais quem sofre com impaciência, e pode condenar-se. A paciência deve ser praticada:

1. Nas enfermidades

Estas são a pedra de toque, para discernir o espírito das pessoas. Algumas há que são devotas, e até, ao parecer, fervorosas, enquanto gozam boa saúde: mas se a enfermidade as visita, impacientam-se, queixam-se de todos, entregam-se a tristeza e cometem muitas outras faltas.

2. Na morte dos parentes 

Quantos há que pela perda de um parente ficam inconsoláveis, a ponto de deixarem a oração, os sacramentos e todas as obras de piedade, chegando alguns a queixar-se até do próprio Deus! Que temeridade!

3. Na pobreza

Soframos com resignação a perda de nossos interesses, confiando no Senhor, pois Ele não deixará de socorrer a quem a Ele se confia.

4. Nos desprezos e perseguições

Pois se Jesus, sendo a própria inocência, padeceu tanto por nosso amor; que muito será que nós padeçamos alguma coisa por Ele. Diz o Apóstolo que, todo aquele que quiser viver neste mundo, unido com Jesus Cristo, deverá ser perseguido.

5. Nas angústias de espírito

Estes são os sofrimentos mais duros e custosos de suportar a uma alma que ama a Deus: são, porém, um meio de que Deus se serve para provar os seus escolhidos. Nestas circunstâncias deve haver sumo cuidado em não omitir nenhuma das obras de piedade costumadas, como orações, devoções, visitas, leituras espirituais etc. Pois que, ainda quando tudo pareça perdido, por se fazer com tédio e dificuldade, cumpre-se, com inteiro agrado de Deus, à sua Santíssima Vontade.

6. Nas tentações 

Almas há, tão pusilânimes, que se a tentação for mais demorada, assustam-se e julgam-se abandonadas de Deus. E, não obstante, Deus nunca permite que sejamos tentados além do que as nossas forças comportam e, a cada tentação vencida, correspondem muitas graças de glória. É necessário, sem dúvida, pedir ao Senhor que nos livre das tentações, mas quando elas chegam, não é menos necessário resignar-nos com a vontade de Deus e pedir-lhe força para resistir a elas e vencê-las.

(Excertos da obra 'Sagrada Família', por um padre redentorista, 1910)

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

SEQUÊNCIA DAS SETE VIRTUDES DE MARIA


1° DIA: Fazer-se humilde como Maria

Maria se lembrava que tudo nela era dom de Deus. Guardava em segredo, mesmo diante de seu esposo, as graças e favores divinos com que era agraciada por Deus. Ela oferecia ao Senhor os louvores que recebia. Ela se comprazia em servir ao próximo e a se colocar sempre em último lugar. Ela não temia o desprezo; ela não foi vista em Jerusalém no Domingo de Ramos, na ocasião em que o povo recebeu seu Filho com todas as honrarias. Mas não teve medo de comparecer ao Calvário, onde foi reconhecida como a mãe de um condenado.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, rogai por mim quando eu quiser me valorizar diante do próximo, revestindo-me com o manto da vossa humildade.

'Ó Maria, dai-nos a virtude da humildade'.

2° DIA: Amar a Deus e ao próximo como Maria

Cristo nos deu este mandamento: amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e a teu próximo como a ti mesmo. Maria cumpriu plenamente este preceito. Segundo São Bernardo, o amor de Jesus entrou como uma espada no coração de Maria e o transpassou de um lado ao outro a fim de que nenhuma dobra e nenhuma prega ficasse sem o ferimento de amor. O coração de Maria tornou-se, então, fogo e chama: fogo por causa do amor que a queimava interiormente e chama resplandecendo no exterior, através da prática da caridade.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, como em Caná, rogai por mim ao vosso Filho, dizendo-lhe: 'Eles não têm mais amor', e concedei-me a graça de praticar a caridade, como vós. Que o teu exemplo e a tua doação incondicional me lembre o amor a Deus e ao próximo, quando eu der preferência a mim, dentre os outros. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude do amor'.

3° DIA: Crer como Maria

Foi pela sua fé que Maria foi proclamada bem-aventurada por sua prima Isabel. Na Paixão de Jesus, os discípulos foram tomados por dúvidas e somente a Virgem Maria se manteve firme na fé. A fé é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, uma virtude. É um dom de Deus, enquanto luz que Ele próprio faz resplandecer sobre a alma. É uma virtude quando a alma a põe em prática. O verdadeiro cristão vive segundo a sua fé. Assim viveu a Virgem Maria.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, rogai por mim quando eu duvidar; dai-me olhos que visualizem toda a luz da fé. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da fé'.

4° DIA: Esperar com confiança como Maria

A esperança nasce da fé. A Virgem Maria demonstrou quão grande era a sua confiança em Deus, plenamente confiante de que Deus preservaria sua inocência, sua honra e sua vida. E mesmo quando ela se viu excluída das hospedarias e constrangida a buscar abrigo num estábulo, e ainda na sua fuga para o Egito, um país estrangeiro e desconhecido e, sobretudo nas Bodas de Caná, quando seu pedido foi primeiramente recusado por Jesus, Maria estava confiante de que seu Filho lhe concederia a graça solicitada.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, vós sois, depois de Jesus, toda a minha esperança, ensinai-me a praticar o abandono, a entrega à Providência Divina. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da esperança'.

5° DIA: Viver a castidade como Maria

Deus nos deu, em Maria, o modelo perfeito em relação ao amor de Deus. Maria consagrou-se inteiramente a Deus, abrindo o caminho para muitas outras jovens. No entanto, o chamado evangélico à castidade dirige-se a todos os cristãos, seja qual for seu estado civil. Trata-se de um apelo a não usar o próximo apenas para o seu próprio prazer. A castidade é um modo livre de viver, respeitando o outro.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, que o vosso nome, pronunciado com confiança, seja o meu recurso quando eu tiver que renunciar às paixões do espírito e da carne, para deixar Deus passar. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da castidade'.

6° DIA: Fazer-se pobre como Maria

Vemos Maria entrar no Templo não com um cordeiro, que seria a oferenda das pessoas ricas, mas com um par de rolinhas, que constituía a oferenda dos pobres. Havia concordado em desposar José, que vivia exclusivamente do árduo trabalho de suas mãos. Partira para o Egito para salvar seu filho, abandonando tudo o que tinha. Quando a virtude da pobreza nos faz sentir seus espinhos em nossa própria carne, que fonte de consolo encontramos na pobreza de Maria e José!

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, que dizeis, em vosso sublime cântico: Minha alma exulta no Senhor. Dai-me a graça de poder sempre ter a Deus como prioridade na minha vida. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da pobreza'.

7° DIA: Praticar a obediência e a paciência como Maria

A Virgem Santa era de tal modo apegada ao Senhor que se intitulou serva do Senhor. Maria, com humildade, viveu sua vida em total adesão à vontade de Deus. Do momento que a mulher do Evangelho, dirigindo-se a Jesus, exclamou: 'Feliz o seio que te trouxe ao mundo!', Jesus respondeu: 'Mais felizes são aqueles que escutam a palavra de Deus e a põe em prática'. Naquele episódio, Maria surge como a primeira discípula de seu Filho.

Ó Maria, Virgem Imaculada, Mãe de Deus e nossa Mãe, dai-me a graça de obedecer fielmente à vontade de Deus, de suportar em paz as cruzes e amar a Deus cada vez mais. 

'Ó Maria, dai-nos a virtude da obediência e da paciência'.

Em cada oração, pode-se oferecer uma rosa aos pés de Maria e rezar:

Pai Nosso - Ave Maria - Glória ao Pai


Oração Final

Ó Maria Santíssima, cuja vida é modelo de santidade, fazei que floresça em nossas vidas as tuas virtudes, a fim de que possamos, também nós, alcançarmos a santidade.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

SÍMBOLOS CRISTÃOS (I)

ROSA

Na arte cristã, a rosa vermelha é símbolo do martírio, a rosa branca constitui símbolo da pureza e uma grinalda de rosas é um símbolo da eterna alegria celestial. A rosa amarela (ou dourada) é o símbolo da perfeição. 

A rosa é um símbolo por excelência de Nossa Senhora; com efeito Maria é  a Rosa das rosas, Rosa Mística (como é invocada na Ladainha Lauretana), Rainha das Rosas, Nossa Senhora do Rosário, do latim Rosarium, que significa 'Coroa de Rosas'. O rosário pode ser considerado como uma coroa simbólica de rosas vermelhas, brancas e amarelas: os Mistérios Gozosos, que são relacionados com os acontecimentos felizes da vida de Maria seriam as rosas brancas; os Mistérios Dolorosos, aqueles relacionados com o sofrimento, seriam as rosas vermelhas e os Mistérios Gloriosos, relativos aos eventos triunfantes, são simbolizados por rosas amarelas ou douradas. 

Maria é a rosa sem espinhos, por ter nascido isenta do pecado original (na simbologia cristã, a rosa nascida no éden não tinha espinhos e passou a tê-los, uma vez transplantada à terra depois da queda de Adão e Eva, como uma memória perene pelos pecados cometidos pelo homem, mantendo, entretanto, a beleza e o aroma, como reflexos da perfeição do Paraíso). As rosas brancas de cinco pétalas fazem referência às cinco alegrias de Maria e às cinco letras do seu nome, sendo símbolo da Natividade, pois há brotar sempre no Natal, fechar-se como morta durante a Paixão e reflorescer triunfante na Ressurreição do Senhor.

CRAVO

Símbolo do amor puro e do verdadeiro amor maternal. Na simbologia cristã, a flor teria nascido das lágrimas derramadas por Maria ao seguir Jesus no caminho do Calvário. Por correlação direta, tornou-se o símbolo da fidelidade e do matrimônio cristão. Em outra simbologia, estas flores representam os cravos que pregaram as mãos e os pés de Cristo durante a Crucificação.

LÍRIO

O lírio constitui o símbolo da pureza e da natureza humana e divina de Cristo, da Virgem Maria e do homem: da semente aparentemente inútil, brota uma flor de beleza ímpar, ou seja, do corpo sepultado sem vida, nasce uma alma para a vida eterna. A flor-de-lis é um lírio estilizado, comumente composto por três pétalas, simbolizando a Santíssima trindade.

domingo, 18 de outubro de 2015

QUEM ESTARÁ À DIREITA OU À ESQUERDA DO SENHOR?

Páginas do Evangelho - Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum


A glória humana alimentava o pedido despropositado de Tiago e João, filhos de Zebedeu, feito a Jesus quando da sua derradeira subida a Jerusalém: 'Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!' (Mc 10, 37). Aqueles dois homens (que representam o conjunto de todos os demais apóstolos, que se 'indignaram' depois pela audácia deles), mais do que moldados pela graça, ainda estavam envoltos pela penumbra das glórias terrenas e, na dimensão dos poderes de um reino fictício no mundo dos homens, pleiteavam os postos mais elevados 'à direita e à esquerda' do Senhor.

Jesus vai prometer a ambos uma glória muito maior que qualquer poder concedido na escala dos homens. Os poderes e as glórias do mundo, por maiores que sejam, são instáveis e passageiros; Jesus tem a oferecer a eles heranças eternas. Na busca dos valores humanos, imperam a cobiça, a ambição, a disputa desenfreada por aplausos e pompas; a eternidade é moldada pelo recolhimento interior, pela oração e despojamento do ser, pela via do sofrimento e da dor: 'Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?' (Mc 10, 38).

Quando ambos afirmam que 'sim', estão sendo apenas suscetíveis à crença de superação de dificuldades passageiras. Não conseguem vislumbrar os eventos tão próximos da Paixão e Morte do Senhor, o drama do Calvário, tantas vezes mencionado e reafirmado por Jesus em outras ocasiões. Jesus vai, num primeiro momento, confirmar este 'sim': 'Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado' (Mc 10, 39). Com efeito, São João, o discípulo amado, acompanhou Jesus até o instante derradeiro da Paixão e Morte na Cruz; São Tiago foi o primeiro apóstolo a colher as palmas do martírio.

Mas, em seguida, Jesus os alerta que as moradas eternas estão destinadas àqueles forjados pela Santa Vontade do Pai: 'não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado' (Mc 10, 40). Na escala dos valores eternos, o maior é o que serve a todos, o posto mais alto será destinado ao que, por amor a Deus, tornar-se o menor entre os seus irmãos. A verdadeira glória passa pelo Calvário, por uma senda de dor e de sofrimento, e quem estará 'à direita ou à esquerda' de Jesus será aquele que viver e morrer, com maior semelhança, a própria vida e morte do Senhor: 'Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos' (Mc 10, 45). 

sábado, 17 de outubro de 2015

ANJOS E DEMÔNIOS (III): SANTA GEMMA GALGANI


Não admira que este vivo afeto, numa alma simples e ingênua, desse origem a uma familiaridade que pode parecer excessiva. Ao ouvir as conversas de Gemma com o seu querido Anjo, ao ouvi-la discutir vivamente para o levar a ter a sua opinião, dir-se-ia que se tratava com um igual. Eu mesmo a princípio fiquei admirado, adverti-a de que era mau o seu proceder e disse-lhe que era orgulhosa, pois levava a familiaridade até ao ponto de tratar por ‘tu’ a um espírito puro em vez de tremer diante dele. Para a experimentar, proibi que ultrapassasse certos limites. A donzela baixou a cabeça e respondeu com toda a humildade: 'Tendes muita razão, Padre; hei de corrigir-me. Daqui por diante direi sempre ‘vós’ ao Anjo; e quando me for dado vê-lo, testemunhar-lhe-ei grande reverência, conservando-me a cem passos atrás dele'.

Na primeira visita do celeste guarda, Gemma advertiu-o da norma de conduta: 'Tende paciência, querido Anjo, o Padre não está contente, preciso de mudar de procedimento'. E absteve-se de ultrapassar o limite marcado enquanto não levantei a proibição. Pela força do hábito, acontecia-lhe muitas vezes enganar-se e misturar o ‘tu’ com o ‘vós’, mas corrigia-se, mesmo em êxtase. Algumas vezes o Anjo não aparecia só, mas com outros espíritos celestes para fazerem alegre companhia à angélica irmãzinha. Logo que tive conhecimento disso, mostrei estar muito descontente e escrevi a Gemma dizendo, sempre para por à prova a sua virtude, que era tempo de acabar. Gemma respondeu: 'Na verdade, Padre, não compreendo nada disso. Os outros, quando estão a rezar, vêem o seu Anjo da Guarda. Se eu também o vejo, ralhais e afligi-vos. Mas ontem, dia em que eles se festejavam, despedi-os a todos. O meu não quis partir, nem o outro em que vos falei; ora que hei de eu fazer? Não vos zangueis outra vez, serei boa e obediente'.

A familiaridade de Gemma com o Anjo da Guarda era simples, espontânea, cheia de humildade, como testemunham as duas seguintes aparições, tomadas entre mil e contadas pela própria menina: 'Estava eu no leito, muito atormentada, quando me senti subitamente possuída de um profundo recolhimento. Juntei as mãos e com toda a força do meu fraco coração fiz o ato de contrição com uma viva dor dos meus inúmeros pecados. Estando o meu espírito absorvido pela lembrança das minhas ofensas, notei o Anjo junto do leito. Fiquei envergonhada de me ver em sua presença. Ele, ao contrário, com uma amabilidade cheia de encanto, disse-me: 'Jesus tem uma grande afeição por ti, ama-O muito'. Depois acrescentou: 'Amas a Mãe de Jesus? Envia-lhe muitas vezes as tuas saudações. Ela fica muito contente em as receber e nunca deixa de as retribuir. Se não o faz sempre sensivelmente, é para experimentar a tua fidelidade'. Abençoou-me e desapareceu'.

Outra visão: 'Enquanto fazia as minhas orações da noite, o Anjo da Guarda aproximou-se de mim e, batendo-me no ombro, disse: ‘Gemma, como é que tu levas tanto desgosto para a oração'? – 'Não é desgosto', respondi, 'há dois dias que não me sinto bem'. Ele continuou: ‘Faze o teu dever com cuidado e Jesus te amará mais'. Roguei-lhe que fosse pedir a Jesus permissão para passar a noite junto de mim. Desapareceu imediatamente e, obtida a permissão, voltou para o meu lado. Oh! Como se mostrou bom! Quando estava para partir, pedi-lhe que não me deixasse ainda. ‘Não posso', respondeu, 'é conveniente que eu vá’. – 'Está bem, ide', eu lhe disse, 'saudai a Jesus por mim'. Lançando-me um último olhar, acrescentou: ‘Não quero que tenhas conversações com as criaturas. Quando quiseres falar, fala com Jesus e com o teu Anjo da Guarda'.

Tal é, pouco mais ou menos, o gênero das outras aparições. Daqui se pode concluir como devia ser amada de Deus esta virgem que recebia a honra de ser assim visitada, assistida e dirigida por espíritos angélicos nos caminhos da santidade. Não lhe tenhamos inveja, porque também nós recebemos do mesmo Pai celeste um Anjo para nos guardar, e se formos, como Gemma, muito puros, muito humildes, simples de coração, cheios de fé e de santos desejos de perfeição, ele também nos cercará da mesma solicitude e do mesmo amor.

(...)

Diz-nos o Espírito Santo que satanás, nos últimos momentos da nossa vida, sabendo que tem pouco tempo para [nos] fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como um leão que vê a presa prestes a escapar-lhe. Que supremos e furiosos ataques não devia dirigir contra a angélica donzela, a quem tinha perseguido durante toda a vida com ódio mortal, e procurado vencer ou ao menos desanimar com uma guerra sem tréguas! De outros santos se lê que, no fim dos seus dias, tiveram que suportar assaltos do demônio mais ou menos longos e terríveis, mas passageiros. Gemma, porém, suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompidos por curtos intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo, porque é unanimemente atestado por todas as pessoas que assistiram a jovem virgem durante a sua última doença. 

O espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios para encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, o quadro de sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as privações de toda ordem; fazia-lhe passar por diante dos olhos os agentes da força pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores, sequestrar os bens da sua casa, depois exclamava: 'Eis o resultado de todas as tuas fadigas no serviço de Deus'. Aproveitando o estado de extrema aridez espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a deixava para mais purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os artifícios para a persuadir de que estava irremediavelmente abandonada por Deus e que, de modo algum, escaparia à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe que as suas heróicas virtudes e mesmo os mais insignes favores divinos não eram mais que ilusão e hipocrisia. (...)

Procurou mais uma vez [o infernal inimigo] insultar o pudor virginal da santa menina. Sabia muito bem com que amor e cuidado este anjo tinha guardado, durante toda a vida, o casto tesouro, com que heroísmo tinha já sustentado, neste campo, lutas terríveis, coroadas sempre de triunfo, mas queria, senão alcançar uma vitória que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas derrotas por meio daquelas tentações que sabia serem as mais próprias para encher de amargura os últimos dias da inocente pomba. 

O quarto da enferma pareceu então estar convertido num vestíbulo do inferno. Não eram pensamentos, imaginação, impulsos lascivos, aos quais não podia ser sensível uma alma daquela têmpera; eram aparições reais sob formas sempre novas e de um cinismo brutal. 'Padre, Padre, escrevia-me Gemma do seu leito de dor, este sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por qualquer outro. Enviai, mesmo de longe, maldições e esconjuros para afastar o velhaco do demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe daqui'. 

Vencido em todos os campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores. A enfermeira da Serva de Deus escrevia-me por várias vezes: 'Esta besta hedionda acaba-nos com a querida Gemma. Saio sempre de junto dela a chorar; este horrível demônio consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. São pancadas ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza. Corremos em seu auxílio, lançando água-benta no quarto, o barulho cessa, mas para recomeçar pouco depois com mais raiva'.

Até onde o invisível inimigo do homem levou a crueldade para com a doce vítima! Gemma sentiu melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos. Satanás, porém, estava de atalaia; logo que apresentavam a comida à doente, parecia-lhe coberta de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar-se de nojento. Perante a repugnância do estômago, era forçoso retirar tudo. Animais repelentes, reais ou imaginários, entravam-lhe no leito, iam-lhe para o corpo e torturavam-na de mil maneiras, sem que se pudesse ver livre deles. Dizia muitas vezes à irmã enfermeira, com acentos de terror, que sentia uma serpente a envolvê-la da cabeça até aos pés e procurando sufocá-la. 

Pediu muitas vezes que se fizessem exorcismos mas, como julgassem que não deviam atender aos seus pedidos, ela mesma, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado, exclamou: 'Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos está destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu bom Deus'.” Depois, voltada para a sua Mãe Celeste, começou a dizer: 'Minha Mãe, encontro-me em poder do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de Jesus. Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a Jesus por mim. De noite, estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada em todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder mexer. Viva Jesus'!

De tempos a tempos, o Divino Mestre vinha reanimar-lhe a coragem e sossegá-la, fazendo-lhe sentir a sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras: 'Minha filha, por que é que, em vez de te entristeceres com as perseguições do inimigo, não aumentas a tua esperança em Mim? Humilha-te sob a minha poderosa mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à vitória'. 

Outras vezes era o Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas estes momentos felizes duravam pouco, em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de novo, mais furioso que nunca. Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os dias, as semanas, os meses. Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gemma, na hora terrível da morte!

Excertos da obra 'Gema Galgani, Virgem de Luca', do Pe. Germano de Santo Estanislau, tradução do Pe. Matos Soares, 1923).