sábado, 1 de agosto de 2015

01 DE AGOSTO - SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO


'Quem reza se salva, quem não reza se condena!'

Hoje é o dia da celebração da festa de Santo Afonso Maria de Ligório, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor e autor de 'Glórias de Maria', obra prima de devoção mariana. Nasceu em Marianella, pequena comunidade próxima a Nápoles, em 27 de setembro de 1696, de família nobre e, aos 16 anos, já era doutor em direito civil e canônico. Abandonando uma promissora carreira de advogado, consagrou-se a Nossa Senhora e ordenou-se sacerdote em 1726. Em 09 de novembro de 1732, fundou a Congregação do Santíssimo Redentor. Em 1762, foi nomeado Bispo de Santa Ágata dos Godos, cidade perto de Nápoles, retornando à devoção exclusiva à sua ordem somente em 1775. Faleceu no dia 1º de agosto de 1787, aos 91 anos, sendo canonizado pelo Papa Gregório XVI em 1839; Pio IX o declarou Doutor da Igreja em 1871 .

A santificação não é um processo único e específico, mas todos os santos têm em comum um extraordinário senso de auto-sacrifício e uma devoção ardente à Vontade Divina. Santo Afonso correspondeu à graça vencendo dolorosas doenças, perseguições e tentações.  A pior de todas as suas doenças foi um ataque terrível de febre reumática durante o seu episcopado, que durou de maio de 1768 a junho de 1769, que o deixou paralisado até o fim de seus dias. Por esta razão, a sua imagem é comumente retratada com seu queixo avançando proeminente em direção ao peito, reflexo da violenta curvatura que dobrou sua coluna vertebral para a frente e que limitava enormemente seus movimentos. As perseguições vieram principalmente do seu zelo fervoroso no combate às heresias do jansenismo e as tentações surgiram principalmente no final de sua vida quando, ao longo de três anos, passou por terríveis provações e diabólicas tentações contra todas as suas virtudes.

Tão notável quanto a intensidade com que Santo Afonso trabalhou é a enorme quantidade de trabalhos que produziu, sendo que esta prodigiosa coleção de obras teve início quando o santo já contava com cerca de 50 anos de idade. O primeiro esboço de sua obra 'Teologia Moral', por exemplo, só apareceu por volta de 1748. Entre o grande número de suas obras dogmáticas e ascéticas, 'Glórias de Maria', 'A Selva' e 'Meditações para Todos os Dias e Festas do Ano' são as mais conhecidas. Foi também poeta, músico e até pintor (o crucifixo abaixo foi pintado pelo santo). Amparava-se no princípio de não ser admissível perder um um único momento do seu tempo em render graças a Deus, como ilustrado exemplarmente neste seu sermão sobre o valor do tempo.


VALOR DO TEMPO

Fili, conserva tempus et devita a malo: 'Filho, guarda o tempo e evita o mal' (Ecl. 4, 23)

Sumário. Um só momento de tempo vale tanto como Deus, porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna. E tu, meu irmão, em que empregas o tempo tão precioso? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje?... Reflete que o tempo passado já não te pertence; que o futuro não está em tua mão. Só tens o tempo presente para fazeres o bem, e este é brevíssimo! Mister é, pois, que o aproveites depressa, se não o quiseres chorar depois como perdido irremediavelmente.

I. Meu filho, diz o Espírito Santo, sê cuidadoso em conservar o tempo, porque é a coisa mais preciosa e o maior dom que Deus pode dar ao homem na terra. Até os próprios pagãos sabiam o que vale o tempo. Dizia Sêneca que não há valor igual ao do tempo: Nullum temporis pretium. Os Santos, porém, avaliaram muito melhor ainda o valor do tempo. Diz São Bernardino de Sena que um só momento vale tanto como Deus; porque o homem pode a cada instante, por um ato de contrição ou de amor, adquirir a graça de Deus e aumentar a glória eterna: Tempus tantum valet, quantum Deus.

O tempo é um tesouro que só se acha nesta vida; não se encontra na outra, nem no inferno, nem no céu. No inferno o grito contínuo dos réprobos é este: Oh, si daretur hora! 'Oxalá se nos desse uma hora!' Comprariam por todo o preço uma hora de tempo, que lhes bastaria para reparar a sua ruína; mas essa hora não a terão mais. No céu não há tristeza; mas se os bem-aventurados pudessem estar tristes, a sua única tristeza seria de terem perdido tempo nesta vida, tempo em que podiam adquirir maior glória e que não existe mais para eles.

Uma religiosa beneditina apareceu, depois da morte, com a auréola da glória, a uma pessoa e disse-lhe que estava plenamente contente; mas, se pudesse desejar alguma coisa, seria voltar à terra e sofrer para merecer mais glória. Acrescentou que de boa mente consentiria em sofrer até o dia do juízo a doença dolorosa que tinha sofrido antes de morrer, para adquirir a glória que corresponde ao merecimento de uma só Ave-Maria. - 'E tu, meu irmão, em que empregas o tempo? Porque adias sempre para amanhã o que podes fazer hoje?'

II. Reflete que já não te pertence o tempo passado; que o futuro não está em teu poder: só tens o tempo presente para praticares o bem. Pelo que te avisa São Bernardo: 'Desgraçado! como ousas contar com o futuro, como se Deus tivesse posto o tempo à tua disposição?' E Santo Agostinho acrescenta: 'Diem tenes, qui horam non tenes?' ('Como te podes prometer o dia de amanhã, se nem sequer sabes se te é dada mais uma hora de vida?') Em suma, conclui Santa Teresa: 'Se não estás pronto hoje para a morte, teme morrer mal'.

Ó meu Deus, agradeço-Vos o tempo que me dais para reparar as desordens da minha vida passada. Se chegasse a morte neste momento, uma das minhas maiores penas seria pensar no tempo que perdi. Ah! meu Senhor, destes-me o tempo para Vos amar, e empreguei-o em Vos ofender! Merecia ser enviado ao inferno desde o instante em que Vos voltei as costas; Vós, porém, me chamastes à penitência e me perdoastes. Prometi nunca mais ofender-Vos, mas quantas vezes tornei a injuriar-Vos, e Vós ainda me perdoastes! Bendita seja para sempre a vossa misericórdia! Se não fosse infinita, como poderíeis suportar-me tanto tempo? Quem poderia ter para comigo a paciência que Vós tivestes? Quanto sinto ter ofendido um Deus tão bom!

Meu amado Salvador, a vossa paciência para comigo deveria ser suficiente para me inflamar de amor para convosco. Por quem sois, não permitais que viva por mais tempo ingrato ao amor que me haveis dedicado. Desligai-me de tudo, e atraí-me todo ao vosso amor. Não, meu Deus, não quero perder outra vez o tempo que me dais para reparar o mal que fiz; quero empregá-lo todo em vosso serviço e em vosso amor. Fortalecei-me, dai-me a santa perseverança. Amo-Vos, ó bondade infinita, e espero amar-Vos sempre. Graças vos dou, ó Maria! Tendes sido a minha advogada para impetrar-me o tempo que estou gozando. Assisti-me agora, e fazei que o empregue sem reserva a amar o vosso divino Filho, meu Redentor, e a vós, minha Rainha e minha Mãe (II 50).

Santo Afonso Maria de Ligório: 'Valor do tempo' em Meditações para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II. Herder & Cia, 1921, p. 252-254, disponível em www.obrascatolicas.com

Santo Afonso de Ligório, rogai por nós!

PRIMEIRO SÁBADO DE AGOSTO


Mensagem de Nossa Senhora à Irmã Lúcia, vidente de Fátima: 
                                                                                                                           (Pontevedra / Espanha)

‘Olha, Minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todo o momento Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que a todos aqueles que durante cinco meses seguidos, no primeiro sábado, se confessarem*, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes à hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação.’
* Com base em aparições posteriores, esclareceu-se que a confissão poderia não se realizar no sábado propriamente dito, mas antes, desde que feita com a intenção explícita (interiormente) de se fazê-la para fins de reparação às blasfêmias cometidas contra o Imaculado Coração de Maria no primeiro sábado seguinte.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

UMA VOZ ALÉM DA MORTE


Clelia Barbieri nasceu em Le Budrie, perto de Bologna, na Itália, em 13 de fevereiro de 1847 e morreu aos 23 anos em 13 de julho de 1870. Sua curta vida foi marcada por uma intensa vida apostólica (foi a fundadora de mais tenra idade de uma comunidade religiosa na história da Igreja Católica - a Congregação das Irmãs Mínimas de Nossa Senhora das Dores) e por prodígios maravilhosos.

Clelia tinha apenas 20 anos quando, já tendo feito os votos privados de pobreza, de castidade e de obediência, inspirou uma pequena comunidade de jovens mulheres devotas a uma vida de apostolado, caridade e assistência aos mais pobres. A primeira casa religiosa foi inaugurada em Le Budrie em primeiro de maio de 1868; as mulheres dedicavam-se à oração, leitura espiritual e trabalho, que consistia de costura, fiação e tecelagem. E diversos fatos sobrenaturais como curas, premonições e donativos que chegavam nas horas mais precisas, marcaram o início da pequena comunidade. Clélia prenunciou ainda o desenvolvimento da congregação e sua morte para breve. 

Com efeito, doente de tuberculose, morreu em 13 de julho de 1870, com apenas 23 anos de idade, quando a comunidade tinha somente cerca de uma dezena de jovens mulheres. Suas últimas palavras foram proféticas: 'Sede corajosas porque eu estou indo para o Paraíso; mas vou permanecer sempre convosco e nunca vos abandonarei'! Seus restos mortais repousam na capela da igreja da ordem em Le Boudrie (que foi elevada a santuário em 1993). A congregação recebeu posteriormente a denominação e a aprovação formal pelo Vaticano e atualmente compreende trinta e cinco instituições na Itália, e casas da ordem foram abertas na Índia e na Tanzânia, fundamentadas nas regras de vida de sua santa e jovem fundadora. Mas o seu maior prodígio estaria além da morte.

Exatamente um ano após a morte de Clelia, as irmãs estavam reunidas em oração na capela, quando começaram a entoar um coro. Neste momento, ocorreu um fato espantoso: o som claríssimo de uma voz aguda, harmoniosa e celestial começou a acompanhá-las no coro; uma voz extraordinária - a voz de Clelia - que podia ser ouvida e sentida como um fluxo de ar entre as irmãs. Tomadas de espanto, mas também de um júbilo especial, as irmãs encerraram o coro. Em seguida, resolveram passar a noite em adoração ao Santíssimo Sacramento, em uma igreja próxima (porque não disponível na capela). E o fato extraordinário se reproduziu: a mesma voz as acompanhou durante todas as orações e por toda a noite! E, desde aquele dia, tem sido uma companhia constante às casas da ordem, nos mais diversos ambientes e condições.

Há quase 150 anos, desde a sua morte, a voz celestial de Clelia tem sido periodicamente ouvida nas casas da ordem, acompanhando as irmãs em seus hinos, orações e leituras religiosas; acompanhando o sacerdote durante a celebração da Santa Missa na comunidade; em italiano em Le Budrie, na língua suaíli na missão da Tanzânia, na língua malayalam na missão na Índia e em latim, quando as irmãs rezam nesta língua. A escuta da voz de Clelia tem sido confirmada por centenas de testemunhas, que confirmam ouvi-la de forma claríssima como uma voz celestial, tão doce e tão harmoniosa, que não se compara a nada que possa existir neste mundo. Dezenas destes testemunhos, sob juramento perante tribunais eclesiásticos que investigaram o prodígio, levaram à beatificação solene de Clelia Barbieri em 27 de outubro de 1968 e à sua canonização pelo Papa João Paulo II, em 9 de abril de 1989. No ano seguinte, foi outorgada a ela o título de 'padroeira das catequistas'.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

CATECISMO DA IGREJA: OS MISTÉRIOS DE MARIA

MARIA NO MISTÉRIO DE CRISTO

488 − «Deus enviou o seu Filho» (GI 4, 4). Mas, para Lhe «formar um corpo» (129), quis a livre cooperação duma criatura. Para isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe do seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré, na Galileia, «virgem que era noiva de um homem da casa de David, chamado José. O nome da virgem era Maria» (Lc1, 26-27).

492 − Este esplendor de uma «santidade de todo singular», com que foi «enriquecida desde o primeiro instante da sua conceição» (141), vem-lhe totalmente de Cristo: foi «remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de seu Filho» (142). Mais que toda e qualquer outra pessoa criada, o Pai a «encheu de toda a espécie de bênçãos espirituais, nos céus, em Cristo» (Ef 1, 3). «N'Ele a escolheu antes da criação do mundo, para ser, na caridade, santa e irrepreensível na sua presença» (Ef 1, 4).

501 − Jesus é o filho único de Maria. Mas a maternidade espiritual de Maria (169) estende-se a todos os homens que Ele veio salvar: «Ela deu à luz um Filho que Deus estabeleceu como "primogênito de muitos irmãos" (Rm 8, 29), isto é, dos fiéis para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe» (170)

506 − Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» (177) e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus (178). É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador: «Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi – Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo» (179).

507 − Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja (180): «Por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efetivamente, pela pregação e pelo Batismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo» (181).

MARIA NO MISTÉRIO DA IGREJA

964 − O papel de Maria em relação à Igreja é inseparável da sua união com Cristo e decorre dela diretamente. «Esta associação de Maria com o Filho na obra da salvação, manifesta-se desde a concepção virginal de Cristo até à sua morte» (527). Mas é particularmente manifesta na hora da sua paixão.

967 − Pela sua plena adesão à vontade do Pai, à obra redentora do Filho e a todas as moções do Espírito Santo, a Virgem Maria é para a Igreja o modelo da fé e da caridade. Por isso, ela é «membro eminente e inteiramente singular da Igreja» (533) e constitui mesmo «a realização exemplar»,o typus, da Igreja (534).

968 − Mas o seu papel em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. Ela «cooperou de modo inteiramente singular, com a sua fé, a sua esperança e a sua ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural. É, por essa razão, nossa Mãe, na ordem da graça» (535).

971 − «Todas as gerações me hão-de proclamar ditosa» (Lc 1, 48): «a piedade da Igreja para com a santíssima Virgem pertence à própria natureza do culto cristão» (539). A santíssima Virgem «é com razão venerada pela Igreja com um culto especial. E, na verdade, a santíssima Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o título de "Mãe de Deus", e sob a sua proteção se acolhem os fiéis implorando-a em todos os perigos e necessidades [...]. Este culto [...], embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta por igual ao Verbo Encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e favorece-o poderosamente» (540). Encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (541) e na oração mariana, como o santo rosário, «resumo de todo o Evangelho» (542).

972 − Depois de termos falado da Igreja, da sua origem, missão e destino, não poderíamos terminar melhor do que voltando a olhar para Maria, a fim de contemplar nela o que a Igreja é no seu mistério, na sua «peregrinação da fé», e o que será na pátria ao terminar a sua caminhada, onde a espera, na «glória da santíssima e indivisa Trindade» e «na comunhão de todos os santos» (543), Aquela que a mesma Igreja venera como Mãe do seu Senhor e como sua própria Mãe: «Assim como, glorificada já em corpo e alma, a Mãe de Jesus é imagem e início da igreja que se há-de consumar no século futuro, assim também, brilha na terra como sinal de esperança segura e de consolação, para o povo de Deus ainda peregrino» (544).

MARIA NO MISTÉRIO DA ORAÇÃO

2675 − Foi a partir desta singular cooperação de Maria com a ação do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na pessoa de Cristo manifestada nos seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas em que esta oração se exprime, alternam habitualmente dois movimentos: um «magnifica» o Senhor pelas «maravilhas» que fez pela sua humilde serva e, através d'Ela, por todos os seres humanos (23); o outro confia à Mãe de Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois Ela agora conhece a humanidade que n'Ela foi desposada pelo Filho de Deus.

2679 − Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando Lhe oramos, aderimos com Ela ao desígnio do Pai, que envia o seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo amado, nós acolhemos em nossa casa (28) a Mãe de Jesus que se tornou Mãe de todos os viventes. Podemos orar com Ela e orar-Lhe a Ela. A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria. Está-lhe unida na esperança (29).

quarta-feira, 29 de julho de 2015

SERMÕES DO CURA D'ARS (IV)

SOBRE A PUREZA


Nós lemos no Evangelho, que Jesus Cristo, querendo ensinar ao povo que vinha em massa, aprender dele o que era preciso fazer para ter a vida eterna, sentou-se e lhes disse: 'Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus'. Se nós tivéssemos um grande desejo de ver a Deus, meus irmãos, só estas palavras não seriam acaso suficientes para nos fazer compreender quanto a pureza nos torna agradáveis a Ele, e quanto ele nos é necessária? Pois, segundo Jesus Cristo, sem ela, nós não o veremos jamais! 

'Bem-aventurados', nos diz Jesus Cristo, 'os puros de coração, porque eles verão o bom Deus'. Pode-se acaso esperar maior recompensa que a que Jesus Cristo liga a esta bela e amável virtude, a saber, a posse das Três Pessoas da Santíssima Trindade, por toda a eternidade? São Paulo, que conhecia bem o preço desta virtude, escrevendo aos coríntios, lhes diz: 'Glorificai a Deus, pois vós o levais em vossos corpos; e sede fiéis em conservá-los em grande pureza. Lembrai-vos bem, meus filhos, de que vossos membros são membros de Jesus Cristo, e que vossos corações são templos do Espírito Santo. Tomai cuidado de não os manchar pelo pecado, que é o adultério, a fornicação, e tudo aquilo que pode desonrar vossos corpo e vosso coração aos olhos de Deus' (I Cor, 6, 15-20).

Ó meus irmãos, como esta virtude é bela e preciosa, não somente aos olhos dos homens e dos anjos, mas aos olhos do próprio Deus. Ele faz tanto caso dela que não cessa de a louvar naqueles que são tão felizes de a conservar. Também, esta virtude inestimável constitui o mais belo adorno da Igreja, e, por conseguinte, deveria ser a mais querida dos cristãos. Nós, meus irmãos, que no Santo Batismo fomos aspergidos com o sangue adorável de Jesus Cristo, que é a própria pureza; neste sangue adorável que gerou tantas virgens de um e outro sexo; nós, a quem Jesus Cristo fez participantes de sua pureza, tornando-nos seus membros, seu templo!

Mas, ai! meus irmãos, neste infeliz século de corrupção em que vivemos, não se conhece mais esta virtude, esta celeste virtude que nos torna semelhantes aos anjos! Sim, meus irmãos, a pureza é uma virtude que nos é necessária a todos, pois que, sem ela, ninguém verá o Bom Deus. Eu queria fazer-vos conceber desta virtude uma ideia digna de Deus, e vos mostrar quanto ela nos torna agradáveis a seus olhos, dando um novo grau de santidade a todas as nossas ações, e o que nós devemos fazer para conservá-la.

I – Quanto a pureza nos torna agradáveis a Deus

Seria preciso, meus irmãos, para vos fazer compreender bem a estima que devemos ter desta incomparável virtude, para vos fazer a descrição de sua beleza, e vos fazer apreciar bem seu valor junto de Deus, seria preciso, não um homem mortal, mas um anjo do céu. Ouvindo-o, vós diríeis com admiração: como todos os homens não estão dispostos a sacrificar tudo antes que perder uma virtude que nos une de uma maneira íntima com Deus? Procuremos, contudo, conceber dela alguma coisa, considerando que dita virtude vem do céu, que ela faz descer Jesus Cristo sobre a terra, e que eleva o homem até o céu, pela semelhança que ela dá com os anjos, e com o próprio Jesus Cristo. 

Dizei-me, meus irmãos, de acordo com isto, acaso não merece ela o título de preciosa virtude? Não é ela digna de toda nossa estima e de todos os sacrifícios necessários para conservá-la? Nos dizemos que a pureza vem do céu, porque só havia o próprio Jesus Cristo que fosse capaz de no-la ensinar e nos fazer sentir todo o seu valor. Ele nos deixou o exemplo prodigioso da estima que teve desta virtude. Tendo resolvido na grandeza de sua misericórdia, resgatar o mundo, Ele tomou um corpo mortal como o nosso; mas Ele quis escolher uma Virgem por Mãe. 

Quem foi esta incomparável criatura, meus irmãos? Foi Maria, a mais pura entre todas e por uma graça que não foi concedida a ninguém mais, foi isenta do pecado original. Ela consagrou sua virgindade ao Bom Deus desde a idade de três anos, e oferecendo-lhe seu corpo, sua alma, ela lhe fez o sacrifício mais santo, o mais puro e o mais agradável que Deus jamais recebeu de uma criatura sobre a terra. Ela manteve este sacrifício por uma fidelidade inviolável em guardar sua pureza e em evitar tudo aquilo que pudesse mesmo de leve empanar seu brilho. 

Nós vemos que a Virgem Santa fazia tanto caso desta virtude, que Ela não queria consentir em ser Mãe de Deus antes que o anjo lhe tivesse assegurado que Ela não a perderia. Mas, tendo-lhe dito o anjo que, tornando-se Mãe de Deus, bem longe de perder ou empanar sua pureza de que Ela fazia tanta estima, Ela seria ainda mais pura e mais agradável a Deus, consentiu então de bom grado, a fim de dar um novo brilho a esta pureza virginal. Nós vemos ainda que Jesus Cristo escolhe um pai nutrício que era pobre, é verdade; mas ele quis que sua pureza estivesse por sobre a de todas as outras criaturas, exceto a Virgem Santa. Dentre seus discípulos, Ele distingue um, a quem Ele testemunhou uma amizade e uma confiança singulares, a quem Ele fez participante de seus maiores segredos, mas Ele toma o mais puro de todos, e que estava consagrado a Deus desde sua juventude.

Santo Ambrósio nos diz que a pureza nos eleva até o céu e nos faz deixar a terra, enquanto é possível a uma criatura deixá-la. Ela nos eleva por sobre a criatura corrompida e, por seus sentimentos e seus desejos, ela nos faz viver da mesma vida dos anjos. Segundo São João Crisóstomo, a castidade duma alma é de um preço aos olhos de Deus maior que a dos anjos, pois que os cristãos só podem adquirir esta virtude pelos combates, enquanto que os anjos a têm por natureza. Os anjos não têm nada a combater para conservá-la, enquanto que um cristão é obrigado a fazer uma guerra contínua a si mesmo. São Cipriano acrescenta que, não somente a castidade nos torna semelhantes aos anjos, mas nos dá ainda um caráter de semelhança com o próprio Jesus Cristo. Sim, nos diz este grande santo, uma alma casta é uma imagem viva de Deus sobre a terra.

Quanto mais uma alma se desapega de si mesma pela resistência às suas paixões, mais ela se une a Deus; e, por um feliz retorno, mais o bom Deus se une a ela; Ele a olha, Ele a considera como sua esposa, como sua bem-amada; faz dela o objeto de suas mais caras complacências, e fixa nela sua morada para sempre. 'Bem-aventurados', nos diz o Salvador, 'os puros de coração, porque eles verão ao bom Deus'. Segundo São Basílio, se encontramos a castidade numa alma, encontramos aí todas as outras virtudes cristãs, ela as praticará com uma grande facilidade, 'porque' – nos diz ele – 'para ser casto é preciso se impor muitos sacrifícios e fazer-se uma grande violência. Mas uma vez que alcançou tais vitórias sobre o demônio, a carne e o sangue, todo o resto lhe custa muito pouco, pois uma alma que subjuga com autoridade a este corpo sensual, vence facilmente todos os obstáculos que encontra no caminho da virtude'. 

Vemos também, meus irmãos, que os cristãos castos são os mais perfeitos. Nós os vemos reservados em suas palavras, modestos em todos os seus passos, sóbrios em suas refeições, respeitosos no lugar santo e edificantes em toda sua conduta. Santo Agostinho compara aqueles que têm a grande alegria de conservar seu coração puro aos lírios que se elevam diretamente ao céu e que difundem em seu redor um odor muito agradável; só a vista deles nos faz pensar naquela preciosa virtude. Assim a Virgem Santa inspirava a pureza a todos aqueles que a olhavam. Bem-aventurada virtude, meus irmãos, que nos põe entre os anjos, que parece mesmo elevar-nos por sobre eles!

II - O amor que os santos tinham por esta virtude

Todos os santos fizeram o maior caso dela e preferiram perder seus bens, sua reputação e sua própria vida a descorar esta virtude. Nós temos um belo exemplo disto na pessoa de Santa Inês. Sua formosura e suas riquezas fizeram com que, à idade de doze anos, ela fosse procurada pelo filho do prefeito da cidade de Roma. Ela lhe fez saber que estava consagrada ao bom Deus. Ela foi presa sob o pretexto de que era cristã, mas em realidade para que consentisse nos desejos do rapaz. Ela estava de tal modo unida a Deus que nem as promessas, nem as ameaças, nem a vista dos carrascos e dos instrumentos expostos diante de si para amedrontá-la, não a fizeram mudar de sentimentos. 

Não tendo conseguido nada dela, seus perseguidores a colocaram em cadeias, e quiseram colocar uma argola e anéis em seu pescoço e em sua mãos; eles não puderam fazê-lo, tão débeis eram suas pequenas mãos inocentes. Ela permaneceu firme em sua resolução, no meios destes lobos enraivecidos, ela ofereceu seu corpinho aos tormentos com uma coragem que espantou aos carrascos. Arrastam-na aos pés dos ídolos; mas ela confessa bem alto que só reconhece por Deus a Jesus Cristo, e que os ídolos deles não são mais que demônios. O juiz, cruel e bárbaro, vendo que não consegue nada, crê que ela será mais sensível diante da perda daquela pureza que ela estimava tanto. Ele ameaça expô-la num lugar infame; mas ela responde com firmeza; 'Vós podeis fazer-me morrer, mas não podereis jamais fazer-me perder este tesouro: o próprio Jesus Cristo é zeloso deste tesouro'. 

O juiz, morrendo de raiva, manda conduzi-la ao lugar das torpezas infernais. Mas Jesus Cristo, que velava por ela duma maneira particular, inspira um tão grande respeito aos guardas, que eles só a olhavam com uma espécie de pavor, e manda aos seus anjos que a protejam. Os jovens que entram naquele quarto, inflamados de um fogo impuro, vendo um anjo ao lado dela, mais belo que o sol, saem dali abrasados do amor divino. Mas o filho do prefeito, mais perverso e mais corrompido que os outros, penetra no quarto onde estava Santa Inês. Sem ter consideração por todas aquelas maravilhas, ele se aproxima dela na esperança de contentar seus desejos impuros; mas o anjo que guarda a jovem mártir fere o libertino que cai morto a seus pés. 

Rapidamente se espalha em Roma o boato de que o filho do prefeito tinha sido morto por Inês. O pai, enfurecido, vem encontrar a santa e se entrega a tudo o que seu desespero lhe pode inspirar. Ele a chama de fúria do inferno, monstro nascido para a desolação de sua vida, pois tinha feito morrer seu filho. Santa Inês lhe responde tranquilamente: 'É que ele quis fazer-me violência, então o meu anjo lhe deu a morte'. O prefeito, um pouco acalmado, lhe diz: 'pois bem, pede a teu Deus para ressuscitá-lo, para que não se diga que foste tu que o mataste'. –'Sem dúvida', diz-lhe a Santa,' vós não mereceis esta graça; mas para que saibais que os cristãos nunca se vingam, mas, pelo contrário, eles pagam o mal com o bem, saí daqui, e eu vou pedir ao bom Deus por ele'. 

Então Inês se pôs de joelhos, prostrada com a face em terra. Enquanto ela rezava, seu anjo lhe apareceu e lhe disse: 'Tenha coragem'. No mesmo instante o corpo inanimado retoma a vida. O jovem ressuscitado pelas orações da santa, se retira da casa, corre pelas ruas de Roma gritando: 'Não, não, meus amigos, não há outro Deus que o dos cristãos, todos os deuses que nós adoramos não são mais que demônios que nos enganam e nos arrastam ao inferno'. 

Entretanto, apesar de um tão grande milagre, não deixaram de a condenar. Então o tenente do prefeito manda que se acenda um grande fogo, e faz lançá-la nele. Mas as chamas entreabrindo-se, não lhe fazem nenhum mal e queimam os idólatras que acudiram para serem espectadores de seus combates. O tenente, vendo que o fogo a respeitava e não lhe fazia nenhum mal, ordena que a firam com um golpe de espada na garganta, a fim de lhe tirar a vida; mas o carrasco treme como se ele mesmo estivesse condenado à morte. Como os pais de Santa Inês chorassem a morte de sua filha, ela lhes aparece dizendo-lhes: 'Não choreis minha morte, pelo contrário, alegrai-vos de eu Ter adquirido uma tão grande glória no Céu'.

Estais vendo, meus irmãos, o que esta santa sofreu para não perder a sua virgindade? Formai agora ideia da estima em que deveis ter à pureza, e como o Bom Deus se compraz em fazer milagres para se mostrar-se seu protetor e guardião. Como este exemplo confundirá um dia estes jovens que fazem tão pouco caso desta bela virtude! Eles jamais conheceram o seu preço. O Espírito Santo tem, portanto, razão de exclamar: 'Ó, como é bela esta geração casta; sua memória é eterna, e sua glória brilha diante dos homens e dos anjos!' É certo, meus irmãos, que cada um ama seus semelhantes; também os anjos, que são espíritos puros, amam e protegem duma maneira particular as almas que imitam sua pureza.

Nós lemos na Sagrada Escritura que o anjo Rafael, que acompanhou o jovem Tobias, prestou-lhe mil serviços. Preservou-o de ser devorado por um peixe, de ser estrangulado pelo demônio. Se este jovem não tivesse sido casto, é certíssimo que o anjo não o teria acompanhado, nem lhe teria prestado tantos serviços. Com que gozo não se alegra o anjo da guarda que conduz uma alma pura!

Não há outra virtude para conservação da qual Deus faça milagres tão numerosos como os que ele prodiga em favor duma pessoa que conhece o preço da pureza e que se esforça por salvaguardá-la. Vede o que Ele fez por Santa Cecília. Nascida em Roma, de pais muito ricos, ela era muito instruída na religião cristã, e seguindo a inspiração de Deus, ela lhe consagrou a sua virgindade. Seus pais, que não o sabiam, prometeram-na em casamento a Valeriano, filho de um senador da Cidade. Era, segundo o mundo, um partido bem considerado. Ela pediu a seus pais um tempo para pensar. 

Ela passou este tempo no jejum, na oração e nas lágrimas, para obter de Deus a graça de não perder a flor daquela virtude que ela estimava mais do que a sua vida. O Bom Deus lhe respondeu que não temesse nada e que obedecesse aos seus pais; pois, não somente não perderia esta virtude, mas ainda obteria maiores. Consentiu, pois, no matrimônio. No dia das núpcias, quando Valeriano se apresentou, ela lhe disse: 'Meu caro Valeriano, eu tenho um segredo a lhe comunicar'” Ele lhe respondeu: 'Qual é este segredo?' – 'Eu consagrei a minha virgindade a Deus e jamais homem algum me tocará, pois eu tenho um anjo que vela por minha pureza; se você atentar contra isto, você será ferido de morte'. 

Valeriano ficou muito surpreso com esta linguagem, porque sendo pagão, não compreendia nada de tudo isto. Ele respondeu: 'Mostre-me este anjo que a guarda'. A santa replicou: 'Você não pode vê-lo porque você é pagão. Vá ter com o Papa Urbano, e peça-lhe o batismo; você em seguida verá o meu anjo'. Imediatamente ele partiu e, depois de ter sido batizado pelo papa, voltou a encontrar a sua esposa. Entrando no seu quarto, vê o anjo velando com Santa Cecília. Ele o acha tão bonito, tão brilhante de glória, que fica encantado e tocado por sua formosura. Não somente permite à sua esposa permanecer consagrada a Deus, mas ele mesmo faz voto de virgindade. Em breve eles tiveram a alegria de morrerem mártires. Estais vendo como o Bom Deus toma cuidado de uma pessoa que ama esta incomparável virtude e trabalha por conservá-la?

Nós lemos na vida de Santo Edmundo que, estudando em Paris, ele se encontrou com algumas pessoas que diziam tolices; ele as deixou imediatamente. Esta ação foi tão agradável a Deus, que Ele lhe apareceu sob a forma de um belo menino e o saudou com um ar muito gracioso, dizendo-lhe que com satisfação o tinha visto deixar seus companheiros que mantinham conversas licenciosas; e, para recompensá-lo, prometia que estaria sempre com ele. Além disto, Santo Edmundo teve a grande alegria de conservar sua inocência até a morte. 

Quando Santa Luzia foi ao túmulo de Santa Águeda para pedir ao Bom Deus, por sua intercessão, a cura de sua mãe, Santa Águeda lhe apareceu e lhe disse que ela podia obter, por si mesma, o que ela pedia, pois que, por sua pureza, ela tinha preparado em seu coração uma habitação muito agradável ao seu Criador. Isto nos mostra que o Bom Deus não pode recusar nada a quem tem a alegria de conservar puros o seu corpo e a sua alma.

Escutai a narração do que aconteceu a Santa Pontamiena que viveu no tempo da perseguição de Maximiano. Esta jovem era escrava de um homem dissoluto e libertino, que não cessava de a solicitar para o mal. Ela preferiu sofrer todas as sortes de crueldades e de suplícios a consentir nas solicitações de seu senhor infame. Este, vendo que não podia conseguir nada, em seu furor, entregou-a como cristã nas mãos do governador, a quem prometeu uma grande recompensa se a pudesse conquistar. 

O juiz mandou que a conduzissem diante o seu tribunal, e vendo que todas as ameaças não a faziam mudar de sentimentos, fez a santa sofrer tudo o que a raiva pôde lhe inspirar. Mas o Bom Deus concedeu à jovem mártir tanta força que ela parecia ser insensível a todos os tormentos. Aquele juiz iníquo, não podendo vencer a sua resistência, fez colocar sobre um fogo bem ardente uma caldeira cheia de breu e lhe disse: 'Veja o que lhe preparam se você não obedece ao seu senhor'. 

A jovem santa respondeu sem se perturbar: 'Eu prefiro sofrer tudo o que vosso furor puder vos inspirar a obedecer aos infames desejos de meu senhor; aliás, eu jamais teria acreditado que um juiz fosse tão injusto de me fazer obedecer aos planos de um senhor dissoluto'. O tirano, irritado por esta resposta, mandou que a lançassem na caldeira. 'Ao menos mandai', disse-lhe ela, 'que eu seja lançada vestida. Vós vereis a força que o Deus que nós adoramos dá aos que sofrem por Ele'. Depois de três horas de suplício, Pontamiena entregou a sua bela alma ao seu Criador, e assim alcançou a dupla palma do martírio e da virgindade.

III - Como esta virtude é pouco conhecida e apreciada no mundo

Ai, meus irmãos, como esta virtude é pouco conhecida no mundo, quão pouco nós a estimamos, quão pouco cuidado nós colcamos em conservá-la, quão pouco zelo temos em pedi-la a Deus, pois que não a podemos ter de nós mesmos. Não, nós não conhecemos esta bela e amável virtude que ganha tão facilmente o coração de Deus, que dá um tão belo brilho a todas as nossas outras boas obras, que nos eleva acima de nós mesmos, que nos faz viver sobre a terra como os anjos no céu!

Não, meus irmãos, ela não é conhecida por este velhos infames impudicos que se arrastam, se atolam e se submergem na lama de suas torpezas, cujo coração é semelhante àqueles... sobre o alto das montanhas... queimados e abrasados por estes fogos impuros. Ai! Bem longe de procurar extingui-lo, eles não cessam de acendê-lo e abrasá-lo por seus olhares, por seus pensamentos, seus desejos e suas ações. Em que estado estará esta alma, quando aparecer diante de Deus, a própria Pureza? 

Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por esta pessoa, cujos lábios não são mais que uma abertura e um tubo de que o inferno se serve para vomitar suas impurezas sobre a terra, e que se alimenta disto como de um pão cotidiano. Ai! A alma deles não é mais que um objeto de horror para o céu e para a terra! Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por estes jovens cujos olhos e mãos estão profanados por estes olhares e... ó Deus, quantas almas este pecado arrasta para o inferno!

Não, meus irmãos, esta bela virtude não é conhecida por estas moças mundanas e corrompidas que tomam tantas precauções e cuidados para atraírem sobre si os olhos do mundo; que, por seus enfeites exagerados e indecentes, anunciam publicamente que são infames instrumentos de que o inferno se serve para perder as almas; estas almas que custaram tantos trabalhos, lágrimas e tormentos a Jesus Cristo! Vede estas infelizes, e vós vereis que mil demônios circundam sua cabeça e o seu coração. 

Ó meu Deus, como a terra pode suportar tais sequazes do inferno? Coisa mais espantosa ainda, como mães as suportam num estado indigno de uma mãe cristã! Se eu não temesse ir longe demais, eu diria a estas mães que elas valem o mesmo que as suas filhas. Ai, este infeliz coração e estes olhos impuros não são mais que uma fonte envenenada que dá a morte a qualquer um que os olha e os escuta. Como tais monstros ousam se apresentar diante de um Deus santo e tão inimigo da impureza! Ai! A vida deles não é mais que uma acumulação de óleo que eles estão juntando para inflamar o fogo do inferno por toda a eternidade. Mas, meus irmãos, deixemos uma matéria tão desagradável e tão revoltante para um cristão, cuja pureza deve imitar à do próprio Jesus Cristo; e voltemos à nossa bela virtude da pureza que nos eleva até o céu, que nos abre o coração adorável de Jesus Cristo e nos atrai todas as bênçãos espirituais e temporais.

domingo, 26 de julho de 2015

O MILAGRE DA PARTILHA: CINCO PÃES E DOIS PEIXES

Páginas do Evangelho - Décimo Sétimo Domingo do Tempo Comum



Depois da morte do Precursor João Batista, 'Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos' (Jo 6, 3) para um momento de recolhimento e oração. Mas eis que uma grande multidão, uma esplêndida multidão, saiu das cidades e veio ao seu encontro. Tomado de amor e compaixão, Jesus abandona o seu intento inicial e passa a atender com zelo extremado aquela gente durante todo o dia. E, ao final do dia, famintos de Deus, a multidão agora está faminta de pão. 

Jesus pergunta, então, a Filipe: 'Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?' (Jo 6, 5). Sabendo em princípio que tal resposta era insondável, o Mestre coloca o seu discípulo à prova. No meio de um campo aberto e relvado, afastado das cidades, uma enorme multidão, cansada e faminta, veio ficar perto de Deus. Não havia condições de alimentação ali e nem perto dali, porque eram centenas de centenas e 'nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um' (Jo 6, 7). Mas para Deus não existe nada que seja impossível. Movido pela compaixão, Jesus vai realizar ali, diante de todos, um dos seus mais portentosos milagres. E o Cordeiro de Deus há de saciar a todos com o pão da existência e prepará-los também para lhes dar alimento de vida eterna, na Santa Eucaristia.

Pois Deus não nos abandona nunca; não nos cria perspectivas de vida eterna pela insensibilidade de nossas necessidades humanas. Jesus vai dizer em outro momento que 'nem só de pão vive o homem'. Não só de pão, mas também de pão. E, para a incredulidade dos seus discípulos, ordena então: 'Fazei sentar as pessoas' (Jo 6, 10). E, como em tudo o mais, Deus faz uso da graça como fruto da contrapartida humana; Jesus toma o que os homens têm ali a oferecer: cinco pães e dois peixes. Diante de oferta tão singela, vai realizar a partilha do pouco (que é tudo em Deus) entre muitos (que é nada sem Deus), configurando, assim, o prenúncio da partilha do seu Corpo e Sangue na Sagrada Eucaristia.

'Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes (Jo 6, 11). E os poucos pães e os poucos peixes se multiplicaram em muitos pães e em muitos peixes, que alimentaram com fartura a multidão, a ponto de serem recolhidos ainda doze cestos cheios (símbolo da partilha universal da graça divina) no final, pois Deus usa sempre da superabundância da graça para pagar o tributo da oferta sincera do homem. Este prodígio extraordinário é o prenúncio de outro milagre ainda maior que subsiste pelos tempos, a cada Santa Missa: na multiplicação das hóstias, o mesmo Deus é entregue aos homens na plenitude da graça, hoje, ontem e até a consumação dos séculos.