sábado, 14 de fevereiro de 2015

POEMAS PARA REZAR (XVII)

CUIDA...

Cuida de andares por retos caminhos
sem desvios ou atalhos
busca o silêncio das coisas simples
e foge do escarcéu do mundo
que nenhuma palavra inútil
seja feita pela tua vontade
e que nenhuma espuma de cólera
assome livre até os teus lábios;
que a tua face expresse a alegria
dos que amam sem reservas
e que teu olhar revele de pronto
a imagem de um coração puro.

Cuida de não cederes às lamentações
das pequenas coisas da vida
e não dês demasiada importância
às provações de hora marcada
liberta-te das preocupações comezinhas
e do afago das vaidades passageiras
ri um pouco mais, reza sempre,
aprende a agradecer os favores mais simples,
a dominar os instintos e a ira
a brincar mais com os teus filhos
e a ser homem de oração.

Cuida dos teus pensamentos
e refreia a imaginação sem limites
não te acostumes a acalentar revezes
contra os que te caluniam
para não levar assim o mal das ruas
para dentro da tua casa;
Tem sempre tempo para ouvir o outro
e que nada te custe um conselho
sê duro contra o pecado alheio
e muito mais contra teus próprios erros
aprende a perdoar sem medidas
e a não pesar os bens que compartilhas.

Cuida de não fazer tantos planos
em ter ou possuir mais do que precisas
limpa os celeiros de tantas coisas fúteis
e a poeira das tuas ruínas
exponha o rosto ao sol e ao vento
e respira fundo o ar de todas as manhãs
domina a inquietude de fazer tudo sempre
e a fazer sempre um pouco de cada vez
Aproveita um tempo para estar sozinho
e para meditar sobre a tua pequenez
Ama ser nada e no seu nada oferecer
tudo o que fazes por amor ao Pai.

Cuida de não te dar a orgulhos insensatos
e à vertigem das honrarias humanas
acautela-te diante dos elogios
e das promessas de conquistas fáceis
faz nascer a caridade costumeira
no lodo dos vãos ressentimentos
cultiva a paciência e a tolerância
entre as masmorras de tanta inquietude
não sejas pedra de escândalo
nem ilusão para os desvalidos
tem alma de apóstolo por inteiro
levando Jesus em todos os lugares.

Cuida, antes de tudo, de ver em todos,
sem restrições ou distinção alguma
e sem a sombra das formas humanas,
as almas que cercam teus caminhos;
porque elas são obras primas do Pai
criadas muito além das aparências,
que nasceram para viver com a tua
a grande caminhada rumo aos Céus;
E cuida de amar Nossa Senhora,
alma mais bela de toda a humanidade,
para que ela seja a estrela-guia
que leve milhões de almas como a tua
para a a eternidade junto de Deus.

(Arcos de Pilares)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

HORA SANTA DE FEVEREIRO


Ditosa solidão do Sacrário! Como descansa a alma assim, entre as sombras do santuário, aos pés de Jesus Cristo, que é a Luz! Deixemos, sequer por um momento, o mundo de vaidades e falsidades, e aproximemo-nos ao Paraíso do Coração Sagrado de Jesus. Ele está aqui e nos chama. Roguemos-Lhe confiantemente que feche os olhos a todas as nossas culpas e que nos abra, nesta Hora Santa, a chaga de seu peito, na qual salva os pecadores, donde santifica os bons e na qual adoça as amarguras da vida e os horrores da morte. 

(Pausa) 

(Pedi-Lhe que aceite esta Hora Santa como uma oração de reparação por todas as nossas famílias) 

(Lento) 

O céu interrompeu seu cântico de glória, os anjos se estremeceram de emoção ao ver Jesus Cristo chorar por amor do homem! Nesta Hóstia, guardou Maria este lamento, para nós, os amigos, os fieis que agora Lhe adoramos. Oh! Se cada lágrima de Jesus houvesse sido vencedora de uma alma! Se cada gemido seu houvesse conquistado para sempre uma família! Todavia, é tempo para dar a Ele a posse desta terra ingrata, que Ele veio redimir. A Hora Santa apressará o seu triunfo. 

(Façamos, pois, uma santa violência ao Coração abandonado do Mestre, para que apresse seu reinado no vencimento decisivo de seu amor. Falemos a Ele sem mais demora e com todo fervor de nossas almas) 

'Jesus amado, atraídos a Vós por Vossos clamores, compadecidos por Vossa solidão e sedentos da vinda do Vosso Reino, ei-nos aqui, ó Divino agonizante do Getsêmani, tristes com a Vossa mortal tristeza, esquecidos deste mundo que Vos esquece, aqui nos tem, pobres de fé, enfermos de espírito, irrequietos da vida, decepcionados da terra, doentes e caídos; aqui nos tem reclamando nossa parte de agonia e de dor na dor e na agonia de Vosso doce Coração! 

Abre-nos nesta Hora Santa Vossa ferida preciosíssima, a fim de nos dar nela uma esperança e um consolo que Vos aliviem. Ah! E amanhã, com a Vossa graça, Vos daremos uma glória imensa, no triunfo social de Vosso Sagrado Coração. Apressai-Vos, Senhor, e reinai, em lembrança de Vossa agonia crudelíssima do Horto!

(Meditemos a solidão e as angústias do Getsêmani e do Sacrário) 

Almas piedosas, penetremos em espírito naquele jardim tão cheio de pérfidas sombras para Jesus Cristo. Ah! que firmeza de fé tão consoladora nos alenta e nos alumia! Aquele que está na Hóstia, mudo, silencioso, mas sempre agonizante e redentor, é o mesmo Nazareno que desfaleceu entre as oliveiras, ao peso de angústias infinitas. Surpreendamo-LO, o quereis? Surpreendamo-IO em sua agonia eucarística, pois temos mais direito que os anjos. 

Vede-O, está moribundo e, ó dor, está sempre sozinho. Seus inimigos fazem um complô. Os indiferentes têm preocupações da terra e não têm nem amor nem tempo para o pobre Jesus Cristo. Os amigos, os apóstolos de sua predileção, com exceção raríssima, estão fadigados do combate e muitos dormem, enquanto o Mestre aguarda desamparado e triste, a morte e a traição. Não vós, crentes, que estais nesta hora, compartilhando a amargura de sua solidão, adoçai-a com um cântico, cuja suavidade lhe faça esquecer a ingratidão do homem. 

(Façamos uma solene ação de graças e, todos de joelhos, bendigamos ao Senhor pela inesgotável grandeza de Seu amor) 

(Lento e com devoção) 

As almas 

Por haver-nos prevenido com o dom gratuito e preciosíssimo da fé... 

(Todos em voz alta) 

Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 

Pelo tesouro da graça e pela virtude da esperança naquele céu que é o término das dores desta vida... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pela arca salvadora de vossa Igreja, perseguida e sempre vencedora...
Graças infinitas ao Vosso amável Coração!
Pela piedade incompreensível com que perdoais toda culpa, nos sacramentos do Batismo e da Santa Confissão.. 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pelas ternuras que esbanjais às almas doloridas que, sofrendo, vos bendizem em suas penas e na Cruz... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pelos prodígios santos de Vossa caridade na conversão maravilhosa dos mais empedernidos pecadores... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pelos bens da paz ou da prova, da enfermidade ou da saúde, da fortuna ou da pobreza, com que sabeis resgatar a tantas almas... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pelos singulares benefícios a tantos ingratos, infelizes, que abusam de situação, de dinheiro e de talentos, que somente a Vós, Jesus, Vos devem... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Pelo obséquio que nos fizeste ao nos confiar à honra e à custódia de Vossa Mãe, o Coração de Maria Imaculada...
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
Por vossa Eucaristia sacrossanta, por este cativeiro e por Vossa companhia deliciosa, prometida até a consumação dos tempos... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração! 
E enfim, por aquele inesperado Paraíso, que quisestes nos revelar na pessoa de Vossa serva Margarida e pelo dom maravilhoso, incompreensível, de Vosso Sagrado Coração... 
Graças infinitas ao Vosso amável Coração!

(Meditemos na prisão de Jesus Cristo na Quinta-Feira Santa, continuada na Santa Eucaristia) 

Havíeis pensado alguma vez nesta frase, insondável no mistério de caridade que até assusta: 'Jesus cativo, Jesus encarcerado por amor no Sacrário'. Olhai-O através dessa grade; atrás daqueles muros do tabernáculo, está Jesus Cristo prisioneiro, conquistado pelo seu próprio Coração. Assim, há vinte séculos, na Quinta-Feira Santa, pela noite, se deixou conduzir de mãos atadas, do Horto da agonia à prisão em que Lhe ousou colocar o iníquo juiz.

E essa noite vergonhosa, horrenda na solidão e desamparo do Mestre, e longe de todos os que Ele amava, se prolonga em todos os Sacrários da Terra. A blasfêmia, a negação, a indiferença, a impureza, a soberba, o sacrilégio... todo esse clamor deicida, toda essa torrente de lama e de ignomínia, tem o triste privilégio de subir até o seu rosto e profaná-lo com o beijo do traidor. E Jesus Cristo não se vai! É o Cativo do amor! Está aí, envolto no ultraje humano; está aí, sentado no banco dos réus... tem um grande delito: ter amado, com paixão de Deus, ao homem! Vede-O, como este assim lhe paga, com esquecimento e solidão!

As almas 

Oh, amabilíssimo Cativo, encarcerai também estas almas, que querem compartilhar a solidão de Vossa prisão. Vos pedem que seu cativeiro, como o Vosso, seja eterno e Vos suplicam para isso que lhes dê por cárcere, na vida e na morte, o abismo insondável de Vosso peito ferido. Sim, lançai-nos nele a todos, como reféns pelos grandes pecadores, por aqueles que renegam Vosso altar e blasfemam contra Vossa Cruz! Queremos que se salvem para Vós, e pela glória de Vosso nome. Redimi-os, Jesus Sacramentado, cabalmente a estes, os carrascos deste Gólgota, em que viveis perdoando suas ofensas!

Divino Salvador das almas, coberto de perturbação, me prostro em vossa presença, e dirigindo minha vista ao solitário tabernáculo, sinto oprimido o coração, ao ver o esquecimento em que tanto vos têm relegado os redimidos. Porém, já que com tanta condescendência, permitis que, nesta Hora Santa, una minhas lágrimas às que verteu Vosso humilde Coração, Vos rogo, Jesus, por aqueles que não rogam, Vos bendigo por aqueles que Vos maldizem e com todo o ardor de minha alma, Vos louvo e adoro, com esta grande súplica, em todos os Sacrários da terra. Aceitai, Senhor, o grito de expiação que um sincero pesar arranca de nossas almas afligida: elas Vos pedem piedade. 

Por meus pecados, pelo dos meus pais, irmãos e amigos... 

(Todos em voz alta) 

Piedade, ó Divino Coração! 

Pelas infidelidades e os sacrilégios... 
Piedade, ó Divino Coração! 
Pelas blasfêmias e profanações dos dias santos... 
Piedade, ó Divino Coração! 
Pela libertinagem e pelos escândalos públicos... 
Piedade, ó Divino Coração!
Pelos corruptores da infância e da juventude...
Piedade, ó Divino Coração!
Pela desobediência sistemática à Santa Igreja... 
Piedade, ó Divino Coração!
Pelos crimes nas famílias, pelas faltas de pais e dos filhos... 
Piedade, ó Divino Coração! 
Pelos atentados cometidos contra o Romano Pontífice... 
Piedade, ó Divino Coração!
Pelos transtornadores da ordem pública, social e cristã... 
Piedade, ó Divino Coração!
Pelo abuso dos Sacramentos e o ultraje ao Vosso Santo Tabernáculo... 
Piedade, ó Divino Coração!
Pela covardia dos ataques da imprensa, pelas maquinações de seitas tenebrosas... 
Piedade, ó Divino Coração!
E por fim, Jesus, pelos bons que vacilam, pelos pecadores que resistem à graça... 
Piedade, ó Divino Coração!

(Pausa) 

(Meditemos na condenação de Jesus, e em sua ignomínia ao ser tratado como louco: mistérios de caridade e de dor que se perpetuam no Sacramento do Altar). 

Calemos um breve instante, e que se faça silêncio no fundo desse pobre tabernáculo. Ai! o mundo, entretanto, segue e seguirá condenando em seu clamor de culpa ao Prisioneiro do Altar e, se consente em libertá-IO, é somente para exibi-IO como louco, para levá-IO depois ao deserto do esquecimento humano e daí à morte injuriosa em uma Cruz. Porém, ouvi ao mesmo Jesus, exposto aí onde O podeis ver, como quando lhe apresentou Pilatos ao povo enfurecido: o Homem-Deus quer queixar-se docemente a vós, seus amigos. Escutai-O, crentes fervorosos, como lhe ouviu São João, no pulsar angustioso de seu Coração despedaçado: 'Falai-nos Vós, Mestre!'. 

(Lento e com devoção) 

Jesus 

Alma tão querida, olhai minha fronte, marcada com a sentença de morte, fulminada por uma de Minhas próprias criaturas. Meu amor é infinito, o vosso tem sido pobre, a sentença Me deste também vós. Olhai Minhas mãos atadas por aqueles que pedem vergonhosa liberdade. Não tendes vós, às vezes, vossas horas de licença e pecado? Minhas cadeias, as forjastes também vós. Olhai-Me, coberto com um manto branco de insensatez; tenho amado tanto, e o mundo me condena como louco; sim, o fui de amor no Meu Calvário; e o sou na Hóstia do altar, não vos envergastes nunca da loucura redentora de Jesus? Não Me tendes ferido com respeito humano também vós? 

Olhai-Me desprezado, porque quis dar a paz ao mundo. Olhai-Me desamparado. Sou vergonha dos sábios, sou refugo dos grandes, sou risada dos povos, sou o réu dos governantes; porém, para todos, quando choram seu pecado, para todos sou Jesus! Dizei-Me: e vós não tendes sido infieis, ou não Me tendes ferido nunca? Não Me tendes abandonado em Minha Paixão? Respondei-Me; eu quero dar-vos, nesta Hora Santa, o ósculo da paz, e do perdão. Respondei-Me! 

(Breve pausa) 

As almas 

Que tenho eu, ó Divino prisioneiro, que Vós não me haveis dado? 
Que sou eu, se não estou ao Vosso lado? 
Que mereço eu, se a Vós não estou unido? 
Perdoai-me os erros que contra Vós tenho cometido! 
Pois me criastes sem que o merecesse; 
E me redimistes sem que Vos pedisse; 
Muito me fizestes em me criar; 
Muito em me redimir; 
E não serieis menos poderoso em me perdoar 
Pois o muito sangue que derramastes, 
E a morte atroz que padecestes, 
Não foi pelos anjos que vos louvam, 
Senão por mim e demais pecadores que Vos ofendem. 
Se Vos tenho negado, deixai-me reconhecer-Vos; 
Se Vos tenho injuriado, deixai-me louvar-Vos; 
Se Vos tenho ofendido, deixai-me servir-Vos; 
Porque é mais morte que vida, 
A que não está empregada em Vosso santo serviço.

(Pausa) 

(Consideremos a solidão da Sexta-Feira Santa, prolongada em todos os Sacrários) 

Que sombrio devia ser no Calvário, e também no Sepulcro, o anoitecer da Sexta-Feira Santa! Lá, na montanha, no Gólgota, as manchas de um sangue divino pisoteado com furor. Mais abaixo, na cova da tumba, a inércia, o silêncio e o frio da dureza e da morte. Aí tendes nesse altar o Gólgota; aí tendes a tumba no Sacrário! Contemplai e dizei se não é verdade que Jesus Cristo segue sendo a vítima do homem. 

Lá fora, ruge a tempestade da negação e a blasfêmia. Estamos agora reparando esse ultraje, num momento de oração mas, dentro de um instante, terminada à Hora Santa, fechadas as portas deste templo, ficará Jesus sozinho com os seus anjos, naquele sepulcro e esperando que a alvorada lhe traga o eco de um clamor humano. Ah, e se soubéssemos a vida de recordação, de súplica permanente por nós, a vida de perpétua imolação do Coração de Jesus Cristo nessa Hóstia! Que Ele mesmo nos diga.

(Com devoção) 

Jesus 

'Meus filhos: estou angustiado, estou ferido, venho chorando uma imensa desventura; de longe chego com o Coração atravessado; aqui Me tendes lançado ao leito da agonia como um desgraçado moribundo! Tendes me rechaçado porque dizes que é justo e que não necessitais de Mim; dizeis que morreis tranquilo, sem deixar que Eu vos abrace e vos perdoe; tendes expirado sem olhar a Minha Cruz, sem bendizerdes Minhas chagas; morrestes sem Me aceitardes. E vos havia amado tanto! Havia-vos redimido com o Meu sangue, e não tivestes para Mim nem o último suspiro, nem o seu último olhar! Vós, que me amais, consolai-Me dessa ferida, adoçai-a, orando com fervor pelos pobres moribundos!'

(Pedi pelos agonizantes) 

Aproximai-vos. Deixai-me sentir o calor do afeto de vossas almas fidelíssimas. Tenho aguardado, em vão, que um lar me dê a hospedagem que se dá ao último e ao mais pobre peregrino. Tenho chamado, oferecido a Minha paz, necessitavam-na tanto! E aqui me tendes, chego com a amargura do rechaço; entretanto, quanto sofre essa família desgraçada! Não há felicidade nela, não há consolo, nem resignação, nem amor... 

(Breve pausa) 

Dai-Me vosso amor, prestai-me o fervor de vossas orações, oferecei-Me o holocausto de vossos sacrifícios, para vencer a tantos obstinados, que lutam contra a ternura do Meu Coração, que os persegue sem descanso. Contai os espinhos de Minha coroa: eles poderão enunciar os consolos e as flores de carinho, rechaçados pelas almas queridas de vosso próprio lar, por tantos seres muito amados de vossos corações e do Meu. Oremos juntos para que vença neles a paciência e a misericórdia de meu Coração, que os espera aqui, na Santa Eucaristia! Tenho sede de ver-Me rodeado nessa Hóstia pelos pródigos vencidos, pelas ovelhas recuperadas, pelos filhos convertidos pela doçura da censura, por minhas lágrimas, pelas graças especiais concedidas nas primeiras Sextas-Feiras e aqui, na Hora Santa. Que aguardais? Pedi, ó sim, pedi com fé! Pois este vosso Deus quer vingar seu cativeiro, fazendo a felicidade do mundo. Clamai à ferida de meu peito, e se abrirá de par em par meu Coração. Pedi, pois, quero ser Jesus, cumprindo convosco  as Minhas promessas! 

(Pausa) 

As almas 

Ó bom Jesus, escondido em Vossas dores, confundido por Vossa solidão e Vossas tristezas, tenho esquecido meus pedidos e as necessidades de minha alma pobrezinha! Adivinhai Vós as fraquezas do Vosso servo, e curai suas feridas mais secretas. Meu lar também espera nesta Hora Santa a bênção de Vosso Coração agonizante; não suprimi nele, se assim é Vossa vontade; não esgotais o manancial de lágrimas de minha família atribulada: mas aproximai-Vos aos meus e ensinai-lhes a padecer amando, tendo os olhos em Vossos olhos celestiais, e protegidas suas almas combatidas em Vossa alma divinamente angustiada! Que minha casa seja Nazaré e Betânia em Vosso Coração, Senhor Jesus! 

E olhai, amabilíssimo Mestre; abençoai também desde a Hóstia as pessoas de nosso lar que nos foram roubadas pela morte; lembrai-Vos de nossos mortos, e dai-lhes já o descanso eterno do vosso céu. Temos padecido com essas ausências dilaceradoras, mas, ao ver-Vos agonizar também por nosso amor, dizemos, conformados: 'Faça- se a Vossa vontade!'. Não Vos esqueçais deles e lembrai-Vos também, ó bom Nazareno, daqueles que no mundo vivem eternamente órfãos, dos esquecidos pelos homens no banquete da vida, de tantos que a terra menospreza em sua soberba, e que padecem fome de amor e de justiça. Vós sabeis como fere aquele desdém dos irmãos. Rogo-Vos, pois, que vos apiedais deles, em Vossa grande misericórdia! 

(Pausa) 

Teria que pedir-Vos muito mais em minha indigência, mas tudo isso o remediarás Vós, que velais pelas flores e as avezinhas do Santuário. Quero que os últimos momentos desta Hora Santa expirem no esquecimento de mim mesmo, e Vos leveis somente as minhas ânsias incontáveis, minha aspiração apaixonada por Vosso triunfo no Reinado de Vosso amante Coração. 

Sim, para todos estes aqui que Vos amam, Vossos interesses são os nossos; queremos, todos, Vosso Reinado. Pedimos, pois, Senhor, que cumprais conosco as promessas que fizestes à Vossa confidente Margarida Maria, em benefício das almas que vos adoram, na formosura indizível, na ternura inefável, no amor incompreensível do vosso Sagrado Coração! Por isso, gemendo com a vossa Santa Igreja, Vos suplicamos pela Virgem Mãe, Vos exigimos pela honra inviolável de Vosso nome, que estabeleçais já, que apresse o Reinado de Vosso amante Coração! 

(Todos) 

Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 

Prontamente, Jesus, sim, reinai agora, antes que satanás e o mundo Vos roubem as almas e profanem em Vossa ausência todos os estados de vida... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração!  
Apressai-Vos, Jesus, e triunfai no lares; reinai neles pela paz inalterável, prometida às famílias que Vos têm recebido com hosanas... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
Não demoreis, Mestre muito amado, porque muitos destes padecem aflições e amarguras, que somente Vós prometestes remediar... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
Vinde, porque sois forte, Vós, o Deus das batalhas da vida, vinde nos mostrando Vosso peito ferido, como esperança celestial na agonia da morte... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
Sede Vós o êxito prometido em nossos trabalhos, somente Vós a inspiração e recompensa em todas as obras... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
E Vossos prediletos, isto é, os pecadores, não esqueçais que para eles, sobretudo, revelastes a ternura Incansável de Vosso amor... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração!  
Ah, são tantos os tíbios, Mestre, tantos os indiferentes a quem deveis inflamar com esta admirável devoção! 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
'Aqui está a vida', nos dissestes, nos mostrando Vosso peito atravessado... permiti, pois, que aí bebamos o fervor, a santidade a que aspiramos... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração!  
Vossa imagem, a pedido Vosso, tem sido entronizada em muitas casas; em nome delas Vos pedimos que seguísseis sendo, em todas, o Soberano e o Amigo muito amado...
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
Ponde palavras de fogo, persuasão irresistível, vencedora, naqueles sacerdotes que Vos amam e que Vos pregam como São João, Vosso apóstolo amado...
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
E aos que ensinam esta devoção sublime, a quantos publiquem suas inefáveis maravilhas, reservai-lhes, Jesus, uma fibra de Vosso Coração, semelhante àquela em quem tende gravado o nome de Vossa Mãe... 
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 
E, por fim, Senhor Jesus, dai-nos o céu de Vosso Coração a nós que temos compartilhado Vossa agonia na Hora Santa, por essa hora de consolo e pela Comunhão das primeiras Sextas-Feiras, cumpri conosco Vossa promessa infalível; nós Vo-lo pedimos na agonia decisiva da morte...
Venha a nós o reinado do Vosso amante Coração! 

(Pausa) 

Devemos nos separar, Jesus, pois vai terminar a hora mil vezes doce e santa em vossa inefável companhia. Ó vinde oculto em minha alma, ao ninho do lar, onde sereis Esposo, Pai, Irmão, Amigo, o Rei da família. Vinde! E ao nos despedir, deixo aqui ante Vosso Coração Sacramentado, o meu ser inteiro, no clamor de uma última prece; escutai-a, Jesus benigno! 

(Com devoção) 

Quando os anjos do Vosso Santuário Vos bendizer na Hóstia sacrossanta e eu me encontre em agonia... seus louvores são os meus. Lembrai-Vos do pobre servo de Vosso Divino Coração. 
Quando as almas justas da terra Vos aclamem incendiadas no amor e eu me encontre na agonia... suas dores e suas lágrimas são as minhas... Lembrai-Vos do pródigo vencido por Vosso Divino Coração.
Quando os sacerdotes, as virgens do templo e os Vossos apóstolos, Vos aclamem soberano, Vos preguem às almas e Vos entronizem nos povos e eu me encontre na agonia... seus céus e seus ardores são os meus. Lembrai-Vos do apóstolo de Vosso Divino Coração. 
Quando a vossa Igreja ora e geme ante o altar, para resgatar convosco o mundo e eu me encontre na agonia... seu sacrifício e sua prece são as minhas. Lembrai-Vos do fiel amigo de Vosso Divino Coração. 
Quando na Hora Santa, Vossas almas presenteadas, amando, sofrendo e reparando, Vos façam esquecer perfídias e traições e eu me encontre na agonia... seus colóquios contigo e seus consolos são os meus. Lembrai-Vos deste altar e desta vítima de Vosso Divino Coração. 
Quando Vossa divina Mãe Vos adorar na Sagrada Eucaristia e reparar ali os crimes sem conta da terra e eu me encontre na agonia... suas adorações são as minhas. Lembrai-Vos do filho de vosso Divino Coração.
Mas, não, Senhor, me esqueçais se quiser; tal que, na minha morte, me deixeis esquecido para sempre, na chaga venturosa de Vosso amável Coração. 

(Pausa) 

Que tenho eu, Senhor Jesus, que Vós não me tenhais dado? Despojai-me de tudo, de Vossos próprios dons, mas abrasai-me na fogueira de Vosso ardente Coração! Que sei eu, que Vós não me tenhais ensinado? Esqueça eu a ciência da terra e da vida, mas Vos conheça melhor a Vós, ó Divino Coração! Que valho eu, se não estou a vosso lado? Que mereço eu, se a Vós não estou unido? Uni-me, pois, a Vós com vínculo que seja eterno; renuncio a todas as delícias de Vosso amor, a fim de possuir perfeitamente este outro Paraíso, o de Vosso terno Coração! E nele sepultai, ó sim, os erros que contra Vós tenho cometido e castigai e vingais-Vos de todos eles, ferindo com dardo de incendiada caridade a mim que tanto Vos tenho ofendido. 

E se Vos tenho negado, deixai-me reconhecer-Vos na Eucaristia em que Vós viveis. 
Se vos tenho ofendido, deixai-me servir-vos em eterna escravidão do amor eterno porque é mais morte que vida a que não se consome no amar e fazer amar o Vosso esquecido, o Vosso amante, o Vosso Divino Coração. 
Venha a nós o Vosso Reino! 

Pai-Nosso e Ave-Maria pelas intenções particulares dos presentes. 
Pai-Nosso e Ave-Maria pelos agonizantes e pecadores. 
Pai-Nosso e Ave-Maria pedindo o reinado do Sagrado Coração mediante a Comunhão frequente e diária, a Hora Santa e a Cruzada da Entronização do Rei Divino nos lares, sociedades e nações. 

(Cinco vezes) 

Coração Divino de Jesus, venha a nós o Vosso Reino! 

Ato Final de Consagração 

Dulcíssimo Jesus, Redentor do gênero humano, olhai-nos prostrados humildemente diante de Vosso altar; Vossos somos e Vossos queremos ser, e a fim de estar mais firmemente unidos a Vós, eis aqui o dia em que cada um de nós se consagra espontaneamente ao Vosso Sagrado Coração. Muitos, Senhor, nunca Vos conheceram; muitos Vos desprezaram, ao desobedecer Vossos mandamentos; compadecei-Vos, Jesus, de uns e outros e atraí-os todos ao Vosso Santo Coração. Sejais Rei, ó Senhor, não só dos fieis que jamais se separaram de Vós, mas também dos filhos pródigos que Vos abandonaram; fazei com que voltem logo para a casa paterna, para que não pereçam de miséria e de fome. Sejais Rei para aqueles a quem enganaram com opiniões errôneas e, desunindo a discórdia, trazei-os ao porto da verdade e à unidade da Fé, para que logo não reste mais que um só rebanho e um só Pastor. 

Sejais Rei dos que ainda seguem envoltos nas trevas da idolatria e do islamismo. A todos dignai-Vos atrair à luz de Vosso Reino. Olhai, finalmente, com olhos de misericórdia, aos filhos daquele povo, que em outro tempo foi o Vosso predileto (judeus); que também desça sobre eles, como batismo de redenção e de vida, o sangue que reclamou um dia contra si. Concedei, Senhor, à Vossa Igreja segurança e liberdade; outorgai a todos os povos a tranquilidade da ordem. Fazei que de um a outro polo da Terra ressoe somente esta aclamação: Venha a nós o Vosso Reino! 

Fórmula de consagração individual ao Sagrado Coração de Jesus, composta por Santa Margarida Maria 

Eu (nome) Vos dou e consagro, ó Sagrado Coração de Jesus Cristo, minha pessoa e minha vida, minhas ações, penas e sofrimentos, para não querer mais servir-me de nenhuma parte de meu ser senão para Vos honrar, amar e glorificar. É esta minha vontade irrevogável: ser todo Vosso e tudo fazer por Vosso amor, renunciando de todo o meu coração a tudo quanto Vos possa desagradar. Tomo-Vos, pois, ó Sagrado Coração, por único objeto do meu amor, protetor de minha vida, segurança de minha salvação, remédio de minha fragilidade e de minha inconstância, reparador de todas as imperfeições de minha vida e meu asilo seguro na hora da morte. 

Sede, ó coração de bondade, minha justificação diante de Deus, Vosso Pai, para que desvie de mim Sua justa cólera. Ó coração de amor! Deposito toda a minha confiança em Vós, pois tudo temo de minha malícia e de minha fraqueza, mas tudo espero de Vossa bondade! Extingui em mim tudo o que possa desagradar-Vos, ou se oponha à Vossa vontade. Seja o Vosso puro amor tão profundamente impresso em meu coração, que jamais possa eu esquecer-Vos, nem separar-me de Vós. Suplico, por Vosso infinito amor, que meu nome seja escrito em Vosso coração, pois quero fazer consistir toda a minha felicidade e toda a minha glória em viver e morrer como Vosso escravo. Amém. 


(Hora Santa de Fevereiro, pelo Pe. Mateo Crawley - Boevey)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (V)

Da Terceira Carta de Consolação

No Céu, os bem-aventurados não se afligem pela condenação de pessoa alguma

Não têm já afeição alguma por um condenado – Ele não conserva um só elemento de amabilidade – A vontade dos bem-aventurados é inteiramente conforme à de Deus, mesmo para a reprovação dum amigo, como disse Santa Catarina de Sena, Honório e os teólogos.

O Céu é amor e luz; não digais, pois que imensa será a aflição dum santo ao lembrar-se do parente ou do amigo que jamais irá reunir-se a ele. Das sublimidades da glória, descobre-se melhor o horror e a justiça de sua condenação. Sol do mundo moral, Deus é o centro cuja atração livremente sujeita mantém nossa alma na órbita da salvação, apesar das paixões que sempre nos impelem a afastar-nos dela. Das eternas colinas, os santos seguem atentamente as vicissitudes desta luta, cujos resultados devem ocasionar às pessoas que lhes são queridas, o Céu ou o Inferno. 

Veem, desde há muito tempo, a divina atração, que é a mesma força da misericórdia, obrar sobre o pecador e vencer resistências insensatas ou culpadas. Mas, enfim, veem este pródigo obstinado, este homem que uma segunda vez crucifica a Jesus Cristo, ceder voluntariamente às seduções do pecado e ao ímpeto das paixões, e sair inteiramente da órbita da salvação. Como um astro extinto ou quebrado, projetado no espaço, corre veloz, afastando-se cada vez mais do seu centro, e chega assim, pela condenação, a uma infinita distância de Deus. Ora, a afeição dos bem-aventurados, por qualquer pessoa, enfraquece e diminui em proporção da distância em que esta se achar do soberano bem; e como é infinita a distância que medeia entre Deus e o condenado, nenhuma afeição pode haver por este.

O afeto que lhe consagravam na terra não era mais do que uma irradiação dos atrativos divinos. Esta afetuosa inclinação será destruída pela reprovação divina, e o raio que os iluminava e atraía voltará para Deus da mesma forma que, no mundo material, quando uma nuvem se mete de permeio entre o sol e um corpo, o raio que iluminava este corpo desaparece no mesmo instante, e volta para o astro donde saíra. Rompida assim a cadeia do afeto, esta criatura, que outrora nos era tão querida, deixou inteiramente de o ser. Só veremos nela uma estranha, uma inimiga, a inimiga do nosso Deus, do nosso Pai, do nosso bem supremo. 

Não teremos de fazer esforço nem violência para nos desligar dela. Proferida a sentença de reprovação pelo supremo Juiz, o afeto que nutríamos pela pessoa condenada desaparecerá de nosso coração como por encanto. Porque entre nós e ela não havia atrativo necessário, assim como não há qualidade alguma de atração entre dois fragmentos de ferro antes de um deles ser tocado pelo ímã, ou depois de ter perdido esta propriedade emprestada. Não podemos, é verdade, eximir-nos de um imenso desgosto na vida presente, lembrando-nos desta separação. Mas aqui é só a sensibilidade que raciocina e se entristece; a fé não entra nisto: não é mesmo propriamente a sensibilidade, que é um dom de Deus e tem uma razão de ser. Pelo contrário, esta perseverança na afeição por criaturas, que já não têm elemento algum de amabilidade, é um contrassenso e uma espécie de aberração: é a ilusão da sensibilidade. As recordações das nossas antigas e verdadeiras afeições fixam-se em nós e molestam-nos, como as impressões dum sonho, quando se está meio acordado, apesar mesmo de uma suficiente luz para nos demonstrar a sua frivolidade.

A nossa sensibilidade em relação a estas afeições está atualmente neste estado que tem uma espécie de meio entre o sonho e a vigília; mas apenas soe o eterno despertar, veremos claramente que tudo eram fantasmas, e a nossa sensibilidade não se preocupará mais delas. Esta objeção é, algumas vezes, apresentada e sustentada por pessoas que se consolam muito facilmente com a indiferença prática ou triste fim de seus parentes, e que pouco fazem por convertê-los neste mundo, ou socorrê-los no outro. Mas, será possível porventura que no Céu amemos pessoas condenadas a eternas penas mais do que a nós mesmos? Todavia cada um de nós saberá quais foram as suas próprias faltas, verá os graus de glória que estas lhe fizeram perder, e nem por isso seremos infelizes, nem mesmo nos entristeceremos. Será possível que os amemos ainda mais do que os amaram Deus e Jesus Cristo? Contudo a felicidade de Deus não é perturbada pela sua condenação, e Jesus Cristo não se aflige com a perda de Judas.

Finalmente, como só amam o que Ele ama, os bem-aventurados querem unicamente o que o Senhor quer. Assim dizia Ele a uma grande santa: 'Os habitantes do Céu têm os seus desejos inteiramente completos, e nunca estão comigo em desacordo. O seu livre arbítrio está de tal sorte ligado pela caridade, que eles só podem querer o que eu quiser. A sua vontade está tão conforme e unida à minha que os pais que veem seus filhos no Inferno, ou filhos que vêem seus pais condenados, não se afligem por isso; regozijam-se até de vê-los punidos pela minha justiça, visto que estes filhos ou estes pais se obstinaram em ser meus inimigos'. 

Honório exprime, por outros termos e com não menos energia, este pensamento: 'Os bem-aventurados não se afligirão à vista dos condenados e de seus tormentos. Quando mesmo o pai vir seu filho no meio dos suplícios, o filho a seu pai, a filha a sua mãe ou esta àquela, não só se não entristecerão, mas ainda se deleitarão à vista deste espetáculo, como nos acontece quando vemos os peixes brincarem num lago. Não está escrito (Sl 57, 11): ‘O justo se alegrará quando vir tirar a vingança dos pecadores?'.

Neste mundo, segundo o parecer do Cardeal Caetano, um pai cristão, um bom pai, não seria feliz se soubesse que seu filho estaria condenado às penas eternas; mas, no Céu é ainda feliz na mesma hipótese, ainda que se possa dizer que, em certo sentido, tem pesar desta condenação. E por que será ele feliz? Porque uma grande parte da nossa eterna felicidade, segundo Vasquez, consistirá na inteira conformidade da nossa vontade com a divina. Efetivamente, na eterna glória, a nossa vontade e a vontade divina estarão tão perfeitamente de acordo, como estão os olhos do mesmo rosto, um dos quais não pode olhar para um objeto sem que o outro o siga.

Veremos, pois, todas as coisas como Deus as vê: assim como cada um de nossos olhos encontra no mesmo objeto a mesma aparência. Mas, ouço-vos repetir-me o que me dissestes por tantas vezes: 'Como nos consolaremos neste mundo depois da desgraçada morte duma pessoa querida que se viu expirar sem alguma aparência de reconciliação com Deus?' Ainda que esta proposta se afaste um pouco do meu objeto, não quero deixá-la sem resposta. Vou, pois, acrescentar algumas páginas a esta carta para vos dizer: Consolai-vos, orando. Previstas por Deus, vossas atuais orações talvez obtivessem, antes da morte, a secreta conversão do pecador cuja perda chorais.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A BÍBLIA EXPLICADA (XIV)

A HERESIA DA 'MALDIÇÃO HEREDITÁRIA'

A chamada 'maldição hereditária' ou 'pecados de descendência' é uma proposição herética bastante recente, oriunda da interpretação descuidada ou maliciosa de excertos isolados de textos bíblicos do Velho Testamento. Neste contexto formal, os pecados dos nossos ancestrais poderiam ser transmitidos (tal como alguma doença infecciosa) até nós, ao longo de gerações. Assim, tal como o pecado original da herança adâmica, existiria também um pecado de descendência gerado pela herança genealógica. Ao batismo, impor-se-ia, então, a necessidade de uma chamada 'cura de gerações' para nos livrar do lastro dos pecados e maldições impostas aos nossos antepassados diretos. Manifestações públicas destas curas têm sido eventos comuns e bastante ruidosos em muitos ritos de diferentes seitas neopentecostais. No testemunho de tais preceitos, são comumente explicitados os seguintes trechos bíblicos:

Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Ex 20, 5 - 6).

O Senhor passou diante dele, exclamando: 'Javé, javé, Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade, que conserva sua graça até mil gerações, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado, mas não tem por inocente o culpado, porque castiga o pecado dos pais nos filhos e nos filhos de seus filhos, até a terceira e quarta geração' (Ex 34, 6-7).

O Senhor é lento para a cólera e rico em bondade; ele perdoa a iniquidade e o pecado, mas não tem por inocente o culpado, e castiga a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e a quarta geração (Num 14, 18).

Não te prostrarás diante delas para render-lhes culto, porque eu, o Senhor, teu Deus, sou um Deus zeloso, que castigo a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Deut 5, 9 - 10).

Todas estas proposições, consideradas isoladamente do contexto original, fazem a mesma referência quanto a um castigo divino pela iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira ou quarta geração. Na verdade, todas são repetições do seguinte trecho original do Êxodo, num contexto mais abrangente: 

'Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face. Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, obre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. Não pronunciarás o nome de Javé, teu Deus, em prova de falsidade, porque o Senhor não deixa impune aquele que pronuncia o seu nome em favor do erro. Lembra-te de santificar o dia de sábado... (Ex 20, 2 - 8).

A proposição está inserida no contexto de uma aliança com um povo, o povo judeu, e na rejeição explícita , nos termos desta aliança, em relação à idolatria a outros deuses. Neste contexto, incluem-se a santificação do dia do sábado, o culto das imagens e, portanto, a maldição hereditária. A raiz dessa concepção herética é, portanto, a mesma da santificação do sábado ou a indefectível postulação de que 'os católicos veneram imagens'. Deus não está pregando o pecado da descendência, tal como não está proibindo taxativamente a confecção de imagens. Deus está aqui condenando a idolatria como pecado gravíssimo, que inclui a transgressão ao dia destinado ao Senhor, a produção de imagens de ídolos que roubam a adoração devida somente a Deus, bem como as repercussões tremendas deste pecado abominável tanto nos ímpios que os praticaram como na sociedade como um todo na qual este clã ou povo está inserido, e isso por muito tempo. Numa livre abordagem de cunho generalista, como se explicaria, então, o preceito claramente extrapolado da infinita misericórdia que Deus concede aos seus filhos que O amam e que guardam os seus mandamentos pela expressão 'até a milésima geração'?

O pecado é inerente ao próprio pecador e somente a ele, assim ensina a autêntica fé cristã. A salvação eterna de cada homem é fruto do livre arbítrio e de suas escolhas pessoais, não sendo afetada pelo reflexo do destino ou de um viés de fatalidade, imposto pelos pecados dos nossos antepassados diretos. A misericórdia de Deus é o fruto das sementes que plantamos e que cultivamos, ao longo de nossas vidas, no caminho da graça, sem repercussões de pecados alheios, como tão claramente explicitado em Ez 18 (ver o texto por inteiro):

É o pecador que deve perecer. Nem o filho responderá pelas faltas do pai nem o pai pelas do filho. É ao justo que se imputará sua justiça, e ao mau a sua malícia (Ez 18, 20).

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (IV)

Da Quarta Carta de Consolação

Reconhecimento dos parentes ou da família no Céu

II - A segurança de se reconhecerem os parentes no Céu tem consolado todos os santos – O Beato Henrique Suso – São Tomás de Aquino – São Francisco Xavier – Santa Tereza – O seu pensar a respeito da felicidade de uma mãe – Felizes são os pais que têm filhos religiosos.

Esta certeza de uma especial união com os nossos parentes na eterna bem-aventurança é uma consolação tão pura e tão doce que tem chegado a fazer as delícias dos próprios santos. Por todos os ventos do Céu, do Oriente, do meio dia, do Ocidente e do Setentrião, nos chegam vozes que testemunham esta verdade. A Alemanha apresenta-nos, entre muitos outros, o Beato Henrique Suso, religioso da Ordem de São Domingos. O seu nome era Henrique Besg, mas preferiu o nome de Suso, que era o de sua mãe, para honrar a sua piedade e recordar-se dela incessantemente. Esta virtuosa mãe morreu numa sexta-feira santa, à mesma hora em que Nosso Senhor foi crucificado. Henrique estudava então em Colônia. 

Ela apareceu-lhe durante a noite, toda resplandecente de glória: 'Meu filho', lhe disse, 'ama com todas as tuas forças o Deus onipotente, e fica bem persuadido de que ele nunca te abandonará em teus trabalhos e aflições. Deixei o mundo; mas isto não é morrer, pois que vivo feliz no Paraíso, onde a misericórdia divina recompensou o imenso amor que eu tinha à Paixão de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo' – 'Ó minha santa mãe, ó minha terna mãe' exclamou Henrique, 'amai-me sempre no Céu, como fizestes na Terra, e não me abandoneis jamais nas minhas aflições!' A bem-aventurada desapareceu, mas seu filho ficou inundado de consolação. Em outra ocasião viu a alma de seu pai, que tinha vivido muito apegado ao mundo. Apareceu-lhe cheia de sofrimentos e aflições, fazendo-lhe assim compreender os tormentos que sofria no Purgatório, e pedindo-lhe o socorro das suas orações. Henrique derramou tão ferventes lágrimas que alcançou quase logo a sua entrada no Paraíso, donde ele veio agradecer-lhe a sua felicidade.

A alma de São Tomás de Aquino não estava absorvida pela ciência, mas a caridade conservava em seu coração um lugar distinto para seus irmãos e irmãs segundo a natureza. Durante a sua estada em Paris, uma de suas irmãs lhe apareceu para dizer-lhe que estava no Purgatório. Pediu-lhe que dissesse um certo número de missas, esperando que a bondade de Deus e a intercessão de seu irmão a livrariam das chamas. O santo pediu aos seus alunos que orassem e dissessem missas pela alma de sua irmã. Depois disto, quando ele estava em Roma, tornou-lhe a aparecer, dizendo que estava livre do Purgatório e já gozava da glória do Céu, por virtude das missas que ele tinha dito ou feito dizer. 'E quanto a mim, minha irmã, exclamou o Santo, nada sabeis?' – 'Quanto a vós, meu irmão, sei que a vossa vida é agradável ao Senhor. Vireis muito breve reunir-vos a mim; mas o vosso diadema de glória será muito mais belo do que o meu' – 'E onde está meu irmão Landulfo?' – 'Está no Purgatório' – 'E meu irmão Reinaldo?' – 'Está no Paraíso entre os mártires, porque morreu pelo serviço da Santa Igreja'.

Na Espanha, encontramos São Francisco Xavier, partindo para as Índias, e passando perto do castelo de seus pais. Excitaram-no para que entrasse em casa de sua família, representando-lhe que, deixando a Europa para talvez nunca mais a ver, não podia honestamente dispensar-se de visitar os seus naquela ocasião, e de dizer um último adeus a sua mãe que ainda vivia. Não obstante todas estas solicitações, o santo seguiu caminho direto, e somente respondeu que se reservava para ver seus pais no Céu, não de passagem e com o pesar que os adeuses causam ordinariamente, mas para sempre e com uma alegria verdadeiramente pura.

Encontramos a ilustre reformadora do Carmelo, a seráfica Teresa de Jesus. Dentro das grades do seu convento, apesar da austeridade da sua vida, cultivava em seu coração as puras afeições da família; e esperava que Deus, que promete o cêntuplo a quem deixar tudo pelo seu nome (Mat 19, 29), lhe restituiria centuplicado o amor dos seus parentes no Céu. Uma tarde, Teresa, encontrava-se tão incomodada e aflita que julgava não poder fazer oração, e tomou o seu Rosário para orar verbalmente sem algum esforço de espírito. Que fez Nosso Senhor para a consolar? Ela mesma no-lo diz por estas palavras: 'Tinham decorrido apenas alguns instantes, quando um arrebatamento veio, com irresistível impetuosidade, roubar-me a mim mesma. Fui transportada em espírito ao Céu, e as primeiras pessoas que vi foram meu pai e minha mãe'.

Sabeis, Senhora, que uma igual graça foi concedida à Senhora Acaria, que depois veio a ser carmelita no mesmo convento de Pontoise, onde uma de vossas irmãs ora por vós e se santifica entre as filhas de Santa Teresa, e que é agora honrada sob o nome de Beata Maria da Encarnação? Ela viu um dia seu esposo, um ano depois dele ter falecido, no meio dos santos do Paraíso. Deus compraz-se em tomar o coração da esposa cristã, como recebeu em suas mãos o pão no deserto (Mc 6, 41), para o multiplicar, abençoando-o tantas vezes quantas lhe dá filhos, que estão esfaimados do seu amor, aos quais ela deve saciar, não só para glória do Senhor, mas também para a sua própria felicidade. Santa Teresa louva uma piedosa senhora que, para ter posteridade, praticava grandes devoções e dirigia ao Céu ferventes súplicas. 'Dar filhos à luz que, depois da sua morte, pudessem louvar a Deus, era a súplica que incessantemente dirigia ao Céu. Sentia muito não poder, depois do seu último suspiro, reviver em filhos cristãos, e oferecer ainda por eles ao Senhor um tributo de bênçãos e de louvores'. A austera carmelita diz de si mesma: 'Penso algumas vezes, Senhor, que vos comprazeis em derramar sobre aqueles que vos amam a preciosa graça de lhes dar, em seus filhos, novos meios de vos servir'.

Disse ainda: 'Demoro-me muitas vezes neste pensamento: Quando estes filhos gozarem no Céu das eternas alegrias, e conhecerem que as devem a sua mãe, com que ações de graças lhe não testemunharão o seu reconhecimento, e com que reduplicada ventura se não sentirá palpitar o coração desta mãe em presença da sua felicidade!'. Eis o que pensaram, eis o que disseram, a respeito da família recomposta no Céu, santos que têm direito à auréola da virgindade, e que passaram nalguma ordem ou comunidade religiosa quase toda a sua vida. Livrai-vos, pois, de acreditar que o filho que, desde seus primeiros anos, se consagra a Deus para sempre, olvide seu pai, sua mãe e seus irmãos. Pelo contrário, o seu coração torna-se o depósito da caridade. 

Se, pelas fendas das paixões, ela se escapasse de todos os outros para só deixar neles a indiferença e o esquecimento, o seu guardaria este precioso tesouro para incessantemente o derramar por todos os canais da virtude. Tanto o religioso ancião, como o jovem, é ouvido muitas vezes pelo seu bom anjo durante o silêncio do sacrifício ou da oração, dizendo ao Senhor: 'Memento, lembrai-vos de meus parentes que ainda vivem; memento, lembrai-vos de meus parentes que já morreram; e abençoai uns e outros para além de quanto o meu coração pode desejar'. Feliz mãe que tivestes a ventura de poder dar a Jesus dois filhos e duas filhas para glória do seu nome e amor do seu Coração; não temais que estes filhos sejam infieis ao quarto preceito da lei divina. Frutos separados da família, os religiosos, voltam-se muitas vezes, pela mesma força da sua tendência à perfeição da caridade, para a árvore que os produziu, a fim de a louvar e abençoar. Todas as bênçãos, temporais ou espirituais, que lhe obtêm de Deus, serão conhecidas somente no Céu.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS (III)

Da Quarta Carta de Consolação

Reconhecimento dos parentes ou da família no Céu

I - Reflexo dos três principais mistérios da nossa religião na família cristã – A família recomposta no Céu – Palavras de Tertuliano – Exemplo de Nosso Senhor – Tocante espetáculo que oferecerá o Paraíso – Jesus e Maria reconhecem-se – Maria tem cuidado de Jesus no Sacramento do seu amor – Ela conserva sobre o seu Coração um soberano poder.

Desejaríeis saber, particularmente, o que acontece à família no Céu, isto é, se Deus ali a recompõe, e se a esperança de possuir vossos parentes na pátria celeste é uma consolação de que possais gozar sem receio, sem escrúpulo e sem imperfeição. Podereis duvidá-lo, quando tantos santos personagens vô-lo afirmam, tanto por seus exemplos como por suas palavras? Deus coroou de glória e honra a família cristã, e faz brilhar em sua fronte o reflexo dos três principais mistérios da nossa religião. Vede por onde ela começa: por um Sacramento que é o sinal sagrado da união do Verbo de Deus com a natureza humana, da união de Jesus Cristo com a sua Igreja, e da união do mesmo Deus com a alma justa.

Quem o disse? Um grande Papa, Inocêncio III. Vede por onde continua: 'Maridos, amai vossas mulheres como Jesus Cristo amou a sua Igreja e se entregou por ela; mulheres, amai vossos maridos como a igreja ama a Jesus Cristo e se entrega por Ele'. Quem o disse? O grande apóstolo São Paulo (Ef 5, 25). Vede por onde acaba: pelas relações de origem que os anjos nos enviam, tanto elas nos recordam as da Trindade e nos procuram alegrias; porque o homem é do homem como Deus é de Deus. Homo est de homine, sicut Deus de Deo. Assim o disse um grande doutor, São Tomás de Aquino.

Mas teria mais poder o sopro da morte para destruir esta obra prima, do que a virtude da força para lhe conservar o esplendor? E visto que o amor é forte como a morte (Cant 6, 6), dar-se-á que a caridade de Deus, que criou a família, que a caridade do homem que lhe santifica o uso, não queira ou não possa refazer eternamente no Céu o que a morte desfez temporariamente na terra? Tertuliano dizia: 'Na vida eterna, Deus não separará aqueles que unira na terra, cuja separação também não permite nesta vida inferior. A mulher pertencerá a seu marido, e este possuirá o que há de principal no matrimônio – o coração. A abstenção e ausência de toda a comunicação carnal, nada lhe fará perder. Não será tanto mais honrado um marido quanto mais puro for?'

Aquele que nos deu este preceito: 'Não separe o homem o que Deus uniu' (Mat 19, 6), deu-nos também o exemplo. O Verbo contratou com a humanidade um divino desponsório: repudiou ele porventura a sua esposa subindo ao Céu? Pelo contrário, fê-la assentar consigo à direita do seu Eterno Pai. O Homem Deus tem uma Mãe que é bendita entre todas as mulheres: abdicou-se Ele de fazê-la participante da sua glória? Depois de associá-la à sua Paixão na terra, fê-la gozar das alegrias da sua Ressurreição e dos esplendores do seu triunfo, atraindo ao Céu, após de si, o seu corpo e sua alma. 

Jesus Cristo tinha dado a alguns homens o nome de irmãos: desconhecê-los-ia mais tarde? Não. Reconheceu os seus Apóstolos no martírio que sofreram por Ele, e fez-se reconhecer por eles no esplendor de que os cerca na Corte Celeste. Mas o Filho de Deus que assim se dignou recompor, em redor de si, a sua família por natureza e por adoção, não quereria recompor da mesma forma, no Paraíso, esta cristã e religiosa família, que é a vossa e também a sua? Quer, sim, e o Céu oferecerá um espetáculo não menos tocante do que admirável. Assim como a primeira pessoa da Augustíssima Trindade, dirigindo-se à segunda, lhe diz: 'Tu és meu Filho, eu hoje te gerei' (At 13, 33); e a segunda diz à primeira, com o acento da piedade filial: 'Meu Pai, Pai justo, Pai santo, guarda aqueles que me foram dados em teu nome para que sejam um, como nós somos um, vós em mim e eu neles' (Jo 17, 11, 22-25): assim também uma criatura humana se voltará para outra e lhe dirá com ternura: 'Meu filho, minha filha!' E do coração desta subirá para aquela, esta exclamação de amor: 'Meu Pai!' Assim como o único Filho de Deus se regozija de poder dizer a uma mulher: 'Vós sois minha Mãe'; também inumeráveis escolhidos exultarão de alegria dizendo igualmente a uma mulher: 'Minha mãe!'

Ora, se fosse verdade que os membros da mesma família se não reconhecessem no Céu, Jesus não reconheceria já sua Mãe nem seria reconhecido por ela. Não será horrível pensar nisto e muito mais dizê-lo? Um piedoso autor estava por certo mais bem inspirado, quando escrevia: 'A Santíssima Virgem conserva intacta a sua autoridade maternal sobre o corpo do seu Filho, Nosso Senhor, mesmo depois da Ressurreição e Ascensão; porque o seu direito é perpétuo e inalienável. Depois de se ter deleitado, durante a sua vida mortal, na submissão a Maria, Jesus compraz-se ainda em mostrar-se seu filho na bem-aventurada imortalidade, e em reconhecê-la por sua Mãe. Temos a prova disto nessas numerosas aparições, em que ele se tem feito ver sob a forma de um menino entre os braços de sua Mãe, e se tem mesmo dado a alguns santos por suas virginais mãos. Na glória, os parentes conservam um contínuo cuidado de seus próximos, e particularmente dos filhos, que são uma parte deles mesmos, e por assim dizer, outros eles. É, pois, indubitável que a Mãe de Jesus tem sempre o pensamento unido a tudo o que toca ao corpo do seu querido Filho, tanto na obscuridade do Sacramento como nos esplendores da glória. Segue-o, do alto do Céu, com a vista e com o coração em todos os lugares em que se encontra presente na terra, pela consagração eucarística'. 

A eterna duração desta maternal ternura e desta filial piedade explica e justifica o belo titulo de Nossa Senhora do Sagrado Coração, dado a Maria pelos nossos contemporâneos. 'Tomando a natureza humana', disse o sr. Bispo de Rodes, 'o Verbo Divino apropriou-se de todos os elementos que a compõem, no estado de perfeição a que a elevou a união hipostática – Debuit per omnia fratribus similiari (Heb 2, 17). Nosso Senhor possui no mais alto grau o sentimento do amor filial, um dos mais nobres do coração humano, e longe de se despojar dele depois da ressurreição e da sua gloriosa ascensão, tê-lo-ia dilatado, fortificado e elevado no seu mais sublime poder, se fora permitido dizê-lo, no seu estado de bem-aventurada transfiguração, em que está assentado à direita de seu Pai. Daqui é fácil de concluir que a augusta Virgem Maria possui sobre o seu divino Coração um soberano poder, de que ela é verdadeiramente a Senhora ou a Rainha'.

(Excertos da obra 'No Céu nos reconheceremos', do Pe. F. Blot, 1890)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

SOFRIMENTO, APOSTOLADO E ORAÇÃO

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo do Tempo Comum


No Evangelho deste Quinto Domingo do Tempo Comum, Jesus manifesta aos homens três grandes pilares da fé cristã: o sofrimento, o apostolado e a oração. Todos eles estão intrinsecamente associados, todos eles são essenciais no plano salvífico do Pai: a saúde do corpo e da alma (cura) implica o apostolado (a necessidade de servir ao outro) e a força de ambos emana e se alimenta da oração, fruto da intimidade do homem com si mesmo e diante de Deus.

Jesus, assim que chegou à casa de André e Simão, sanou de imediato a febre alta que prostrava na cama a sogra de Pedro. Na febre desta mulher, estão representados todos os males físicos e e espirituais da humanidade, que constituem os sofrimentos e as tentações inevitáveis à condição humana e que somente podem ser curados em nome do Senhor. Naquele dia exaustivo, 'Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios' (Mc 1, 34).

'Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los' (Mc 1, 31). A alma, consolada em Deus sente, então, o impulso imperativo de praticar o bem, de acolher e de servir. O homem incensado por Deus tem alma de apóstolo e sua ação se transforma em missão: levar o Evangelho aos que o cercam e levar a todos ao Senhor da Vida. Jesus demonstra isso, ainda no início de sua pregação pública, indo a todos os lugares e andando por toda a Galileia, para proclamar a Boa Nova: 'Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim' (Mc 1, 38). A semente deve ser lançada pela terra inteira, e dará fruto ou não, se for ou não for aceita, se for ou não acolhida.

A saúde do corpo e da alma e a vocação para o apostolado emanam da oração nascida da sincera entrega do homem diante de sua consciência, na intimidade com Deus. Os Evangelhos descrevem muitas situações em que Jesus está em oração em um lugar retirado, como esta de hoje: 'De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto' (Mc 1, 35). Nestes momentos de profunda meditação, Jesus vai buscar consolo e alento no diálogo amoroso com o Pai e nos revela, com soberana clareza, que a superação de todos os nossos sofrimentos e mazelas, de corpo e de alma, tem como única fonte e remédio a oração profunda com Deus nos mistérios da graça. 

Ver os comentários de todos os evangelhos deste ano (Ano C) no link 'Páginas do Evangelho (2015)', na Biblioteca Digital do SENDARIUM.