sexta-feira, 31 de agosto de 2018

DAS VAIDADES DO MUNDO

'Quem me segue não anda nas trevas', diz o Senhor (Jo 8,12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser iluminados e livres de toda cegueira de coração. Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo.

A doutrina de Cristo é mais excelente que a de todos os santos, e quem tiver seu espírito encontrará nela um maná escondido. Sucede, porém, que muitos, embora ouçam frequentemente o Evangelho, sentem nele pouco enlevo: é que não possuem o espírito de Cristo. Quem quiser compreender e saborear plenamente as palavras de Cristo, é-lhe preciso que procure conformar à dele toda a sua vida.

Que te aproveita discutires sabiamente sobre a Santíssima Trindade, se não és humilde, desagradando, assim, a essa mesma Trindade? Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma, a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isso sem a caridade e a graça de Deus? 'Vaidade das vaidades, tudo é vaidade' (Ecle 1,2), senão amar a Deus e só a ele servir. A suprema sabedoria é esta: pelo desprezo do mundo tender ao reino dos céus.

Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedoras e confiar nelas. Vaidade é também ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade, seguir os apetites da carne e desejar aquilo pelo que depois serás gravemente castigado. Vaidade é desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade é só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade é amar o que passa tão rapidamente e não buscar pressuroso a felicidade que sempre dura.

Lembra-te sempre do provérbio: 'Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir' (Ecle 1,8). Portanto, procura desapegar teu coração do amor às coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis: pois aqueles que satisfazem seus apetites sensuais mancham a consciência e perdem a graça de Deus.

(Imitação de Cristo, do Pe. Tomás de Kempis)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

CATECISMO MAIOR DE PIO X (X)

Debate de Jesus no Templo

91. Tendo Jesus completado doze anos, seus pais o levaram a Jerusalém para as festas de Páscoa, que duravam sete dias. Terminadas as celebrações, José e Maria partiram para Nazaré, mas Jesus, sem que eles percebessem, permaneceu em Jerusalém. Depois de um dia de caminho procuraram-no em vão entre os parentes e conhecidos, regressando em seguida aflitos para Jerusalém. Encontrando-o ao terceiro dia no Templo, sentado entre os doutores ouvindo-os e interrogando-os, a Mãe docemente lhe perguntou por que havia feito se procurar assim. A resposta de Jesus foi a primeira declaração de sua divindade: 'E por que me procuráveis? Não sabíeis que preciso tratar das coisas de meu Pai?' Depois disso, voltou com eles para Nazaré. Deste ponto até a idade de trinta anos, nada de particular nos conta o Evangelho sobre Ele, resumindo toda a história desse tempo nestas palavras: 'Jesus vivia obediente a Maria e José, e crescia em idade, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens'. Pelo fato de Jesus ter passado em Nazaré o tempo de sua vida privada, foi chamado mais tarde: Jesus de Nazaré. 

Batismo de Jesus e seu jejum no deserto 

92. João, filho de Zacarias e Isabel, destinado por Deus, como se disse para ser o Precursor do Messias e preparar os judeus para que o recebessem, havia se retirado para o deserto para viver uma vida de penitente. Chegado o tempo de dar início à sua missão, vestido de peles de carneiro e um cinto de couro na cintura, chegou às margens do Jordão e começou a pregar e batizar. Sua voz era: 'Fazei penitência, pois o Reino dos céus está próximo'. Tendo chegado a idade de trinta anos, um dia Jesus se apresentou entre a multidão do povo, pois devia começar a manifestar-se ao mundo. João, que o reconheceu, quis primeiramente escusar-se, mas logo vencido pela ordem de Cristo, batizou-o. Tendo Jesus saído da água os céus se abriram, e o Espírito Santo em figura de pomba desceu sobre Ele, e uma voz se ouviu, dizendo: 'Este é meu filho muito amado'. Recebido o Batismo e guiado pelo Espírito Santo, Jesus foi para o deserto, onde passou quarenta dias e quarenta noites em vigílias, jejuns e orações. Foi quando quis ser tentado pelo demônio de várias maneiras, para nos ensinar a vencermos as tentações. 

Primeiros discípulos de Jesus e seu primeiro milagre 

93. Depois desta preparação, Jesus deu início à sua vida pública, voltou para as margens do Jordão, onde João continuava pregando. Este, ao vê-lo, exclamou: 'Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo'. Por este e por outros testemunhos em favor de Jesus, repetidos no dia seguinte, dois discípulos de João resolveram seguir o divino Mestre, que os manteve com Ele naquele dia. Um deles, de nome André, encontrando-se com seu irmão chamado Simão, levou-o até Jesus, que olhando-o no rosto lhe disse: 'Tu és Simão, filho de João, de agora em diante te chamarás Pedro'. E estes foram os seus primeiros discípulos. 

94. Muitos outros, ou chamados por Ele, como Tiago, João, Felipe e Mateus, ou movidos por sua palavra, resolveram segui-lo. A princípio não eram contínuos em seu empreendimento mas, depois de ouvir seus argumentos, retornavam para suas famílias e tarefas, e somente algum tempo depois deixavam tudo para não abandoná-lo jamais. Com alguns deles foi uma vez convidado para um casamento em Caná da Galileia. Sua Mãe Maria também havia sido convidada. Esta foi a ocasião em que, por intercessão de sua Mãe Santíssima, transformou uma grande quantidade de água em requintado vinho. Este foi o primeiro milagre de Jesus pelo qual expressou a sua própria glória e confirmou na fé seus discípulos. 

Eleição dos doze Apóstolos 

95. Entre esses discípulos escolheu depois doze, chamados Apóstolos, para que estivessem sempre com Ele e para enviá-los a pregar, a saber: Simão, a quem ele havia dado o nome de Pedro e seu irmão André; Tiago e João, filhos de Zebedeu; Felipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o cananeu e Judas Iscariotes, aquele que o traiu. Para chefe dos Apóstolos escolheu Simão Pedro, que seria, naturalmente, seu Vigário na terra. 

Pregação de Jesus 

96. Acompanhado dos Apóstolos e, outras vezes, precedido por eles, percorreu por três anos toda a Judeia e Galileia, pregando seu Evangelho, e confirmando sua doutrina com um número infinito de milagres. Normalmente, no sábado entrava nas sinagogas e ensinava; mas, apresentando-se a oportunidade, não desdenhava dar seus ensinamentos em qualquer lugar. Lemos, com efeito, que as turbas o seguiam, e que Ele não só pregava nas casas e praças, mas também ao ar livre, nos montes e desertos, na orla do mar e até mesmo no mar, subindo na barca de Pedro. O célebre sermão das oito bem-aventuranças é chamado cabalmente sermão do monte, pelo lugar onde o pronunciou. Pregava mais pelo exemplo do que por palavras. Admirados de sua grande oração, os discípulos pediram-lhe um dia para que lhes ensinasse a orar, e Jesus lhes ensinou a sublime oração do Padre Nosso. 

97. Por várias razões, incluindo a capacidade para acomodar-se à maioria de seus ouvintes e a índole dos povos orientais, Jesus servia-se ordinariamente de parábolas ou ensinamentos semelhantes. São simples e sublimes as do filho pródigo, do samaritano, do bom pastor, dos dez talentos, das dez virgens, do homem rico, do administrador infiel, do servo que não perdoa, dos ramos da vinha, dos convidados às bodas, do grão de mostarda, do semeador, do fariseu e do publicano, dos trabalhadores, da cizânia e outras atualmente bem conhecidas dos bons cristãos que assistem a explicação do Evangelho que se faz nos domingos nas paróquias.

Efeitos admiráveis da palavra e do poder do Redentor 

98. Comumente, após seus discursos, enfermos de toda classe eram-lhe apresentados: mudos, surdos, aleijados, cegos, leprosos e Ele a todos lhes devolvia a saúde. Não apenas nas sinagogas Ele derramava suas graças e favores, mas onde quer que estivesse, apresentando-lhe a ocasião, socorria os desgraçados que, em grande número, levavam-lhe de toda a Palestina e aldeias da região, espalhando até a Síria a fama de seus milagres. Levavam-lhe especialmente possuídos pelo demônio, dos quais não havia poucos naquela época e Ele os livrava dos espíritos malignos, que saíam gritando: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus!'

99. Por duas vezes, com alguns poucos pães milagrosamente multiplicados, deixou fartas e saciadas as multidões que o seguiam pelo deserto; às portas da cidade de Naim, ressuscitou o filho de uma viúva que levavam para enterrar e, pouco antes de sua Paixão, ressuscitou Lázaro, que já cheirava mal na sepultura, pois estava morto há quatro dias. 

100. Infinito é o número de milagres, muitos deles famosíssimos, que operou nos três anos de sua pregação, para mostrar que falava como enviado de Deus, que era o Messias esperado pelos Patriarcas e profetizado pelos Profetas, que era o mesmo Filho de Deus. Tal se manifestou em sua transfiguração pelo resplendor de sua glória e pela voz do Pai que o proclamava seu Filho muito amado. Em vista de tais milagres, muitos se converteram e seguiram-no, muitos o saudaram e, alguma vez, pretenderam fazê-lo rei.
(Do Catecismo Maior de Pio X)

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

29 DE AGOSTO - MARTÍRIO DE SÃO JOÃO BATISTA


Ilustre precursor da graça e mensageiro da verdade, João Batista, tocha de Cristo, torna-se evangelista da Luz Eterna.

O testemunho profético que não cessou de dar com a sua mensagem, com toda a sua vida e a sua atividade, assinala-o hoje com o seu sangue e o seu martírio.


Sempre tinha precedido o Mestre: ao nascer, anunciara a sua vinda a este mundo.

Ao batizar os penitentes do Jordão, tinha prefigurado Aquele que vinha instituir o seu batismo.


E a morte de Cristo redentor, seu Salvador, que deu a vida ao mundo, também João Batista a viveu antecipadamente, derramando o seu sangue por Ele, por amor.


Bem pode um tirano cruel metê-lo na prisão e a ferros; em Cristo, as correntes não conseguem prender aquele que um coração livre abre para o Reino.

Como poderiam a escuridão e as torturas de um cárcere sombrio dominar aquele que vê a glória de Cristo, e que recebe Dele os dons do Espírito?

Voluntariamente oferece a cabeça ao gládio do carrasco; como pode perder a cabeça aquele que tem a Cristo por seu chefe?

Hoje sente-se feliz por completar o seu papel de Precursor com a sua partida deste mundo.


Aquele de quem dera testemunho em vida, Cristo que vem e que já aqui está, hoje proclama a sua morte.

Poderia a mansão dos mortos reter esta mensagem que lhe foge?


Alegram-se os justos, os profetas e os mártires, que com ele vão ao encontro do Salvador.

Todos eles rodeiam João com amor e louvores. E com ele suplicam a Cristo que venha finalmente ter com os seus.

Ó grande Precursor do Redentor, Ele não tarda, Aquele que te libertará para sempre da morte.

Conduzido pelo teu Senhor, entra na glória com os santos!

('Hino ao Martírio de São João Batista', de São Beda, o Venerável, Doutor da Igreja, 673 - 735)

terça-feira, 28 de agosto de 2018

28 DE AGOSTO: SANTO AGOSTINHO DE HIPONA


"...Inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti."

Dia 28 de agosto é a festa de um dos grandes santos da Igreja, um dos fundadores da chamada Patrística (a fase inicial da formação da Teologia Cristã e seus dogmas). Santo Agostinho nasceu a 13 de novembro de 354, na pequena cidade de Tagaste, perto de Hipona, na Numídia (atual Argélia), filho de Patrício e Mônica (santa da Igreja Católica, cuja festa é celebrada em 27 de agosto). Da vida promíscua ao desvario da sua inclusão em seitas maniqueístas, Santo Agostinho experimentou desde a indiferença até a descrença completa nas coisas de Deus. A resposta da sua mãe, profundamente dolorosa diante a perspectiva da perda eterna da alma do filho amado, foi sempre a mesma: oração, oração, oração! E a conversão de Agostinho foi lenta e profunda: no ano de 382, em Milão, então com 32 anos de idade, o santo foi finalmente batizado, junto com um amigo e o seu filho Adeodato (que morreria pouco tempo depois) por Santo Ambrósio. E que conversão! Sobre o tapete dos pecados passados, da vida desregrada da juventude (que descreveria com imenso desgosto em sua obra máxima ‘Confissões’), nasceria um santo dedicado por inteiro à glória de Deus, pregando como sacerdote e, mais tarde, como bispo de Hipona, que a verdadeira fonte da santidade nasce, renasce e se fortalece na humildade. Combateu com tal veemência as diversas frentes de heresias do seu tempo, incluindo o arianismo e o maniqueísmo, que foi alcunhado de Escudo da Fé e Martelo dos Hereges. Santo Agostinho, Doutor da Igreja e Defensor da Graça, morreu em 28 de agosto de 430, aos 76 anos de idade.

Excertos da Obra: 'Confissões', de Santo Agostinho:

'Amo-te, Senhor, com uma consciência não vacilante, mas firme. Feriste o meu coração com a tua palavra, e eu amei-te. Mas eis que o céu, e a terra, e todas as coisas que neles existem me dizem a mim, por toda a parte, que te ame, e não cessam de o dizer a todos os homens, de tal modo que eles não têm desculpa. Tu, porém, compadecer-te-ás mais profundamente de quem te compadeceres,e concederás a tua misericórdia àquele para quem fores misericordioso: de outra forma, é para surdos que o céu e a terra entoam os teus louvores. Mas que amo eu, quando te amo? Não a beleza do corpo, nem a glória do tempo, nem esta claridade da luz, tão amável a meus olhos, não as doces melodias de todo o gênero de canções, não a fragrância das flores, e dos perfumes, e dos aromas, não o maná e o mel, não os membros agradáveis aos abraços da carne. Não é isto o que eu amo, quando amo o meu Deus, E, no entanto, amo uma certa luz, e uma certa voz, e um certo perfume, e um certo alimento, e um certo abraço, quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, abraço do homem interior que há em mim, onde brilha para a minha alma o que não ocupa lugar, e onde ressoa o que o tempo não rouba, e onde exala perfume o que o vento não dissipa, e onde dá sabor o que a sofreguidão não diminui, e onde se une o que o que a saciedade não separa. Isto é o que eu amo, quando amo o meu Deus'.

'Aterrorizado com os meus pecados e com o peso da minha miséria, tinha considerado e meditado no meu coração fugir para a solidão, mas tu proibiste-me e encorajaste-me, dizendo: Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que morreu por eles. Eis, Senhor, que eu lanço em ti a minha inquietação, a fim de que viva, e considerarei as maravilhas da tua Lei. Tu conheces a minha incapacidade e a minha fragilidade: ensina-me e cura-me. O teu Unigênito, em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência, redimiu-me com o seu sangue. Não me caluniem os soberbos, porque penso no preço da minha redenção, e como, e bebo, e distribuo, e, pobre, desejo saciar-me dele entre aqueles que dele se alimentam e saciam: e louvam o Senhor aqueles que o procuram'.

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XVI)

XVII 

A LEI NATURAL 

Imprimiu Deus no homem, como nos demais seres, a lei eterna? 
Sim, Senhor (XCIII, 6)*. 

Como se chama a manifestação ou impressão da lei eterna no homem? 
Chama-se lei natural (XCLV, 1). 

Que entendeis por lei natural? 
É o ato da razão e vontade de Deus, que prescreve a observância da ordem moral, proíbe a sua violação, e que se manifesta às criaturas na luz natural da razão. 

Existe algum princípio fundamental no senso prático ou, o que é o mesmo, algum preceito supremo da lei natural? 
Sim, Senhor; assim como o primeiro princípio de toda demonstração especulativa se baseia no conceito do ente, assim as leis do senso prático se apoiam no conceito do bem (XCIV, 2). 

Em que consiste este primeiro preceito da lei natural? 
Em nos ordenar que pratiquemos o bem e evitemos o mal (Ibid). 

Fundamenta-se neste preceito a razão de ser de todos os demais? 
Sim, Senhor, já que os outros são aplicações mais ou menos concretas deste primeiro (Ibid). 

Qual é a aplicação primária e imediata do dito princípio? 
O reconhecimento, por parte da razão, dos três bens de categoria distinta que aperfeiçoam a natureza humana. 

Em que consiste esta primeira determinação do preceito supremo da lei natural? 
Em decretar o seguinte: É bom o que serve para conservar e desenvolver a vida física, também o é, o que serve para perpetuar a espécie; por último, declara-se bom tudo o que aperfeiçoa o homem como.ser racional (Ibid). 

Que se segue da promulgação desta tríplice lei? 
Que a razão prática de cada homem reconhecerá e imporá como obrigatório tudo o que é essencial para conservar os bens enumerados, se bem que estabeleça entre eles a devida subordinação, pois o bem da inteligência precede em dignidade ao da conservação da espécie, e este ao do indivíduo (Ibid). 

Que obrigações essenciais impõe a lei natural a respeito da conservação do indivíduo? 
A de alimentar-se e a de jamais atentar contra a própria vida. 

Quais são as que dizem respeito à conservação da espécie? 
Que haja quem aceite os pesados encargos e também as doçuras da paternidade e da maternidade e que jamais se execute ato algum contrário aos fins da procriação (Ibid). 

Que obrigações se impõem em relação ao bem da razão? 
Provado que o homem é feitura de Deus e é, além disso, ser inteligente e, como tal, destinado ã viver em sociedade, impõe as obrigações de honrar a Deus, como seu soberano, dono e Senhor, e tratar os semelhantes conforme o exija a natureza das relações que com eles mantêm (Ibid). 

E nestes três preceitos fundamentais, convenientemente subordinados, apoiam-se todos os demais preceitos da razão prática? 
Imediatamente ou mediatamente, sim, Senhor (Ibid). 

Os preceitos secundários derivados dos primeiros, por via de consequência mais ou menos afastada, são os mesmos para todos os homens? 
Não, Senhor; porque, à medida que as consequências vão perdendo o contato com os primeiros princípios referentes à conservação e fomento da inteligência, da espécie e do organismo individual, penetra-se nos domínios da lei positiva variável, visto que indefinidamente variáveis são as condições e meios em que os homens vivem (XCLV, 4). 

Quem deduz as ditas consequências e formula os preceitos secundários da lei natural? 
A razão de cada indivíduo da espécie humana, e a autoridade competente, diretora dos diversos agrupamentos chamados sociedades. 

XVIII 

A LEI HUMANA 

O que a lei natural não concretiza pode ser objeto de outra lei? 
Sim, Senhor. 

De qual? 
É o objeto próprio da lei humana (XCV-XCVII). 

Que entendeis por lei humana? 
Um preceito da razão, ordenado ao bem comum da sociedade em particular, emanado da autoridade competente e por ela promulgado (XCVI, 4). 

Têm os membros de cada sociedade a obrigação de acatar e obedecer as suas leis? 
Sim, Senhor (XCVI, 5). 

Este dever obriga em consciência e diante de Deus? 
Sim, Senhor (XCVI, 4). 

Há casos em que não estejam obrigados a obedecer? 
Sim, Senhor (Ibid). 

Quais são? 
Os casos de impossibilidade e dispensa (Ibid). 

Quem pode dispensar do cumprimento de uma lei? 
Seu autor, quem tenha igual ou superior autoridade que ele e as pessoas a quem se delegue este poder (XCVII, 4). 

Está o homem obrigado a obedecer às leis injustas? 
Diretamente, não senhor; mas pode estar indiretamente, se da não obediência se segue escândalo ou outros inconvenientes graves (XCVI, 4). 

Que entendeis por lei injusta? 
A que é dada por quem não tem autoridade; a que se opõe ao bem comum e a que lesa direitos legítimos dos membros da sociedade (Ibid). 

Está o homem obrigado a obedecer a uma lei que é injusta porque se opõe às prerrogativas de Deus e aos direitos essenciais da Igreja? 
Não, Senhor (Ibid). 

Que entendeis por prerrogativas de Deus e direitos essenciais da Igreja? 
Tudo o que se refere à honra e ao culto de Deus e à missão confiada à Igreja Católica, de santificar as almas por meio da pregação e ensino da verdade e da administração dos sacramentos. 

Logo, se uma lei humana se opõe a estes direitos, deve obedecer-se? 
De maneira nenhuma (Ibid).
Será neste caso verdadeira lei? 
Não, Senhor; será uma imposição odiosa e tirânica (XC, 1. ad 3). 

XIX 

DA LEI DIVINA - O DECÁLOGO 

Que entendeis por lei divina? 
A lei que Deus impôs aos homens quando se lhes deu a conhecer na ordem sobrenatural (XCI 4.5). 

Quando foi promulgada? 
Primeiramente no Paraíso, antes da queda de nossos primeiros pais; mais tarde, e também mais particularizada, por meio de Moisés e dos Profetas; ultimamente, e em toda a sua plenitude, por meio de Jesus Cristo e de seus Apóstolos (XCI, 5). 

Como se chama a lei divina dada por meio de Moisés? 
Chama-se a Antiga Lei (XCVIII, 6). 

E a lei dada por meio de Jesus Cristo e dos Apóstolos? 
Lei Nova (XCVI, 3, 4). 

Foi dada a lei antiga a todos os homens? 
Não, Senhor; só ao povo judeu (XCVIII, 4, 5). 

Por que o distinguiu Deus assim? 
Porque estava destinado para que dele saísse o Salvador do Mundo (Ibid). 

Que preceitos obrigavam só ao povo Judeu e caducaram com a Lei Antiga?
Os judiciais e os cerimoniais (XCIX, 3, 4).
Havia na Lei Antiga preceitos que mantêm sua força obrigatória na Nova Lei? 
Sim, Senhor. 

Quais são? 
Os preceitos morais (XCIX, 1, 2). 

Por que passaram para a Lei Nova os preceitos morais da antiga? 
Porque constituem a essência e o fundamento imutável das regras da moralidade que obrigam a todo homem, pelo mero fato de ser homem (C, 1). 

Logo, os preceitos morais foram e serão sempre os mesmos para todos os homens? 
Sim, Senhor (C, 8). 

Identificam-se, portanto, com a lei natural? 
Sim, Senhor (C, 1). 

Por que, pois, dizeis que fazem parte da lei divina? 
Primeiramente, porque Deus houve por bem promulgá-los, por si mesmo, de maneira solene, para evitar que a inteligência, em seus desvarios, os esquecessem ou os distorcessem e, além disso, porque guiam os homens para o fim sobrenatural a que estão destinados (C, 3). 

Que nome tem a coleção dos ditos preceitos? 
Conhece-se com o nome de Decálogo (C, 3, 4). 

Que significa Decálogo? 
É um termo grego que significa dez palavras ou enunciados, porque dez é o número dos mandamentos divinos. 

Quais são? 
Os seguintes: 1.° — Não terás outros deuses distintos de mim; 2.° — Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus; 3.° — Santificarás o dia do Senhor; 4.° — Honrarás a teu pai e a tua mãe; 5.° — Não matarás; 6.° — Não cometerás adultério; 7.° — Não furtarás; 8.° — Não dirás falso testemunho contra teu próximo; 9.° — Não desejarás a mulher de teu próximo; 10.° — Não cobiçarás as coisas alheias (C, 4,5,6). 

É suficiente a observância destes dez mandamentos para que o homem alcance a perfeição de todas as virtudes? 
É suficiente para o exercício das virtudes referentes aos deveres essenciais para com Deus e para com o próximo; mas para adquirir a perfeição de todas as virtudes, foi necessário que os explicassem e completassem, na antiga Lei, os ensinos dos Profetas e os mais amplos e acabados de Jesus Cristo e dos Apóstolos na Nova Lei (C, 3,11). 

Qual é o meio mais apropriado para bem entender os preceitos e as explicações, assim como a sua aplicação à vida moral? 
O de estudá-los em suas conexões com cada virtude em particular. 

Teremos ocasião de fazer este estudo? 
Sim, Senhor; porque o modo de ser de cada virtude manifesta a extensão e o alcance do respectivo preceito. 

Compreenderemos então a nobreza e a perfeição da Nova Lei? 
Sim, Senhor; porque a perfeição desta lei consiste na sua aptidão para levar-nos até ao heroísmo na prática das virtudes (C, 2; CVIII). 

O que tem de especial para conseguir tais resultados? 
O de ajuntar conselhos aos preceitos (CVIII, 4). 

Que entendeis por conselhos? 
Entendo certos convites que Jesus Cristo dirige aos homens de boa vontade, para que, por seu amor e com a esperança de alcançar maior recompensa no céu, se desprendam de certos bens que, apesar de serem lícitos e compatíveis com a salvação eterna, podem, todavia, ser obstáculos para adquirir a perfeição da virtude (CVIII. 4). 

Quantos são os conselhos evangélicos? 
Podem reduzir-se a três: pobreza, castidade e obediência (Ibid). 

Há algum estado em que eles são praticados com perfeição? 
Sim, Senhor; o estado religioso (Ibid).

XX 

DA GRAÇA OU PRINCÍPIO EXTERIOR QUE AUXILIA O HOMEM NA PRÁTICA DO BEM 

É suficiente a tutela da lei para se praticar a virtude e livrar-se do pecado? 
Não Senhor; necessita-se, além disso, o auxílio da graça (CIX - CXIV). 

Que entendeis por graça? 
Um auxílio especial que Deus concede ao homem para ajudá-lo a praticar o bem e fugir do mal. 

Necessita o homem deste auxílio em todas as ocasiões? 
Sim, Senhor. 

Logo, não pode, por suas próprias forças, fazer obras boas nem evitar mal algum? 
Sim, Senhor; pode, mercê de suas faculdades operativas e com os auxílios da ordem natural, exercitar atos de virtude e evitar pecados; porém, se Deus não vem em seu auxílio, remediando os estragos causados na natureza pelo pecado, não poderá praticar todas as virtudes nem evitar todos os pecados. Isto dizemos quando falando de virtudes e pecados na ordem natural, porque, se considerarmos a virtude sobrenatural e seu exercício como meio de se conquistar a glória, absolutamente nada pode fazer o homem sem o auxílio da graça (CIX). 

De quantas maneiras participa o homem, da graça sobrenatural? 
De duas: uma habitual e permanente, e outra em forma de moções sobrenaturais transitórias (CIX, 6). 

Que entendeis por estado habitual de graça? 
Um conjunto de qualidades que Deus produz e conserva na alma com o fim de divinizar sua essência e suas faculdades (CX, 1-4). 

Como se chama a qualidade permanente que diviniza a essência da alma? 
Chama-se graça habitual ou santificante (CX, 1,2,4). 

E as que divinizam as faculdades? 
Virtudes e dons (CX, 3). 

Logo, as virtudes e dons estão vinculados à graça santificante? 
Sim, Senhor; e dela se derivam de tal maneira que é impossível que exista graça na alma sem que os dons e as virtudes adornem suas faculdades. 

A graça, as virtudes e os dons são coisas de grande estima e valia? 
Sim, Senhor; porque conferem ao homem a dignidade de filho de Deus e lhe proporcionam meios para comportar-se como filho de tal Pai. 

A graça, juntamente com as virtudes e os dons, fazem do homem o ser mais perfeito da criação na ordem natural? 
Sim, Senhor; fazem-no superior aos anjos, atenta somente à sua natureza (CXIII, 9, ad 2). 

Haverá, por conseguinte, neste mundo, alguma coisa mais digna de ser ambicionada do que a graça divina? 
De maneira nenhuma pode haver objeto mais digno de desejar-se do que a posse, conservação e aumento da graça, das virtudes e dos dons. 

De que modo podemos alcançá-la, conservá-la e fazer nela progressos? 
Correspondendo fielmente às inspirações do Espírito Santo, que nos convida a preparar-nos para recebê-la, se ainda a não possuímos e a aumentá-la incessantemente, se já temos a dita de possuí-la (CXII, 3; CVIII 3, 5). 

Que nome tem a moção ou a inspiração do Espírito Santo? 
Chama-se graça atual (CIX, 6; CXII, 3). 

Logo é a graça atual a que nos proporciona os meios de dispor-nos para receber a Graça Santificante e para aumentá-la, uma vez adquirida? 
Sim, Senhor. 

Pode a graça atual produzir o seu efeito a contragosto nosso e sem nossa cooperação? 
Não, Senhor (CXIII, 3). 

Logo é necessário que nosso livre arbítrio coopere com a sua ação? 
Sim, Senhor. 

Como se chama esta cooperação? 
Correspondência à graça. 

Que qualidade adquire o ato do livre arbítrio que coopera com a graça atual, quando possuímos a Santificante? 
Adquire a qualidade de ato meritório (CXIV, 1, 2). 

Quantas classes há de méritos? 
Duas: uma chamada de condigno e outra de côngruo (Ibid). 

Que entendeis por mérito de condigno? 
O que dá direito estrito e de justiça à recompensa (Ibid). 

Que condições deve reunir o ato humano para ser meritório de condigno? 
Que se execute debaixo do influxo da graça atual; que proceda da graça santificante por meio da caridade; que se ordene para a consecução da própria felicidade eterna, ou para adquirir maior grau de graça e virtudes (CXIV, 2,4). 

Podemos merecer, de condigno para outro, a vida eterna, a graça Santificante ou seu aumento? 
Não, Senhor; pois só Jesus Cristo pode merecer de condigno para os demais, como chefe e cabeça da Igreja (CXIV, 5, 8). 

Que entendeis por mérito de côngruo? 
O mérito de côngruo fundamenta-se em que Deus, em atenção à intimidade que o une com os justos, recompensa de conformidade com as leis da amizade e não da Justiça, os empenhos de seus amigos por lhes agradar; fazendo-lhes mercê do que pedem e desejam (CXIV, 6). 

Logo, as únicas fontes de mérito, para o homem, reduzem-se à amizade com Deus e à vida da graça e à prática das virtudes sob a inspiração divina do Espírito Santo? 
Sim, Senhor; e quanto, em outras circunstâncias, trabalhe e se afadigue, é inútil, de nenhum proveito para merecer a recompensa eterna (Ibid). 

Podereis explicar-me, de forma concreta, como se fomenta e se desenvolve a vida da graça, visto que ela constitui o objeto principal de nossa passagem por este mundo? 
Sim, Senhor; tal estudo será a matéria tratada a seguir. 

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

domingo, 26 de agosto de 2018

'TU ÉS O SANTO DE DEUS'

Páginas do Evangelho - Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum


Jesus acabara de dizer aos seus discípulos: 'Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós' (Jo 6, 53). Na incompreensão dos mistérios da Eucaristia, muitos já haviam se perguntado: 'Como poderá este dar-nos a sua carne para comermos?' (Jo 6, 52) e agora ainda murmuravam: 'Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?' (Jo 6, 60). Sob a luz irradiante de revelações tão profundas, como poderiam homens de fé tão dúbia entender os divinos mistérios?

E o passo seguinte e natural daqueles homens foi a rejeição. Diante de 'palavras tão duras', onde o pensamento racional não conseguia sustento e amparo, os homens de pouca fé se dispersaram, voltaram atrás e não andavam mais com Jesus. Para eles, era inconcebível Jesus se revelar como 'pão', como 'carne' a ser comida, como 'sangue' a ser bebido, como primícias de vida eterna. O milagre da transubstanciação implica não o aceno morno dos sentidos, mas a experiência definitiva da fé em plenitude.

Jesus vai indagar, então, aos que o cercam: 'Isto vos escandaliza?' (Jo 6, 61) e também aos doze apóstolos em particular: 'Vós também quereis ir embora?' (Jo 6, 67). O caminho do livre arbítrio deve mover o coração humano à acolhida da graça e, por isso, já os alertara previamente: 'É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai' (Jo 6, 65). Ninguém pode ir a Jesus pela metade, aprisionado às mazelas do mundo, subjugado pelos ditames dos sentidos; a vida em Deus exige a entrega total, conformada pela crença definitiva de que Jesus de Nazaré é realmente a Verdade, o Caminho e a Vida: 'As palavras que vos falei são espírito e vida' (Jo 6, 63).

E a plenitude da Verdade é conclamada por todos os seus verdadeiros discípulos pela voz de Pedro: 'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus' (Jo 6, 68 - 69). Eis aí a profissão da autêntica fé cristã que todos nós, apóstolos e discípulos de Jesus, continuamos a entoar através dos tempos: nós cremos, Senhor, que Vós sois verdadeiramente o Santo de Deus, o Filho de Deus Vivo, a Hóstia da Eterna Salvação, o Corpo, Sangue, Alma e Divindade presentes na Santa Eucaristia, que nos é dada, à luz da fé, para que possamos ser e viver, a cada dia na terra, como novos Cristos a caminho dos Céus.

sábado, 25 de agosto de 2018

AOS PÉS DA CRUZ


Como se vive bem no coração de Cristo! Quem se pode queixar por sofrer? Só o insensato, que não adora a Paixão de Cristo, a cruz de Cristo, o coração de Cristo, pode sentir-se desesperado com o seu próprio sofrimento. Que bem se vive junto à cruz de Jesus! 

Cristo Jesus, mostra-me essa sabedoria que consiste em amar o desprezo, as injúrias, o opróbrio; ensina-me a sofrer com a alegria humilde e sem clamor dos santos; ensina-me a ser manso com aqueles que não me amam ou que me desprezam; mostra-me esse conhecimento que Tu, no alto do calvário, mostras ao mundo inteiro. 

Eu sei: uma voz interior, muito suave, explica-me tudo; sinto em mim uma coisa que vem de Ti e que não sei definir, que me decifra muitos mistérios que o homem não pode compreender. Eu, Senhor, à minha maneira, entendo tudo. É o amor. É só isso. Vejo-o, Senhor, não preciso de mais nada. É o amor! Quem pode explicar o amor de Cristo?

Que os homens e as outras criaturas se calem; calemo-nos, para que, no silêncio, escutemos os sussurros do amor, do amor humilde, do amor paciente, do amor imenso, infinito, que Jesus nos oferece, pregado à sua cruz, com os braços totalmente abertos. Mas o mundo, em sua loucura, não O escuta.

('Escritos Espirituais', de São Rafael Arnáiz Barón)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

'AMAI OS POBRES E A POBREZA'

As coisas que possuímos não são nossas. Deus no-las deu para que as cultivemos e quer que as tornemos frutuosas e úteis. Prescindi sempre, portanto, de uma parte dos vossos meios e dai-a aos pobres de bom coração. É verdade que Deus vo-lo devolverá, não só no outro mundo, mas também já neste, porque não há coisa que mais nos faça prosperar do que a esmola; mas, enquanto esperais que Deus vo-lo torne, estareis já mais pobres daquilo que destes, e como é santo e rico o empobrecimento que advém de se ter dado esmola!

Amai os pobres e a pobreza, porque por este amor tornar-vos-eis verdadeiramente pobres, tal como está dito nas Escrituras: 'tornamo-nos naquilo que amamos' (Os 9,10). O amor torna os amantes iguais: 'Quem é fraco, sem que eu o seja também?', diz São Paulo (2 Co 11,29). Poderia ter dito: 'Quem é pobre, sem que eu o seja também?', porque o amor tornava-o igual a quem amava. 

Portanto, se amais os pobres, sereis verdadeiramente participantes da sua pobreza, e pobres como eles. Assim, se amais os pobres, ide com frequência para o meio deles: tende prazer em os receber em vossas casas e em visitá-los; conversai voluntariamente com eles, ficai felizes por eles se aproximarem de vós na igreja, na rua ou em qualquer outro local. Sede pobres de língua para com eles, falando-lhes como amigo, mas sede ricos de mãos, largamente lhes dando dos vossos bens, pois vós os tendes em muito maior abundância. Quereis fazer mais, ainda? Tornai-vos servos dos pobres; ide servi-los com as vossas próprias mãos e a expensas vossas. Maior triunfo há neste serviço do que o que há na realeza.

(Excertos da obra 'Introdução à Vida Devota', de São Francisco de Sales)

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

SOBRE A SEPARAÇÃO DO ESTADO E DA IGREJA

Que seja preciso separar o Estado da Igreja é uma tese absolutamente falsa, um erro perniciosíssimo. Com efeito, baseada nesse princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso ela é, em primeiro lugar, em alto grau injuriosa para com Deus; porquanto o Criador do homem também é o Fundador das sociedades humanas, e conserva-as na existência como nos sustenta nelas. Devemos-lhe, pois, não somente um culto privado, mas um culto público e social para honrá-lo.

Além disto, essa tese é a negação claríssima da ordem sobrenatural. De feito, ela limita a ação do Estado à simples demanda da prosperidade pública durante esta vida, a qual não passa da razão próxima das sociedades políticas; e, como que lhe sendo estranha, de maneira alguma se ocupa da razão última delas, que é a beatitude eterna proposta ao homem quando esta vida, tão curta, houver findado. E, no entanto, achando-se a ordem presente das coisas, que se desenrola no tempo, subordinada à conquista desse bem supremo e absoluto, não somente o poder civil não deve obstar a essa conquista, mas deve ainda ajudar-nos nela.

Essa tese subverte igualmente a ordem muito sabiamente estabelecida por Deus no mundo, ordem que exige uma harmoniosa concórdia entre as duas sociedades. Essa duas sociedades, a sociedade religiosa e a sociedade civil, têm, com efeito, os mesmos súditos, embora cada uma delas exerça na sua esfera própria a sua autoridade sobre eles. Daí resulta forçosamente que haverá muitas matérias que elas ambas deverão conhecer, como sendo da alçada de ambas. Ora, venha a desaparecer o acordo entre o Estado e a Igreja, e dessas matérias comuns pulularão facilmente os germes de contendas, que se tornarão agudíssimos dos dois lados; a noção da verdade será, com isso, perturbada, e as almas ficarão cheias de grande ansiedade.

Finalmente, essa tese inflige graves danos à própria sociedade civil, pois esta não pode prosperar nem durar muito tempo quando não se dá nela o seu lugar à religião, regra suprema e soberana senhora quando se trata dos direitos do homem e dos seus deveres.

Por isto, não têm os Pontífices romanos, segundo as circunstâncias e segundo os tempos, cessado de refutar e de condenar a doutrina da separação entre a Igreja e o Estado. Notadamente o Nosso ilustre Predecessor Leão XIII várias vezes e magnificamente expôs o que, consoante a doutrina católica, deveriam ser as relações entre as duas sociedades. Entre elas, disse ele, 'cumpre necessariamente que uma sábia união intervenha, união que se pode, não sem justeza, comparar à que reúne no homem a alma e o corpo'.

E acrescenta ainda: 'As sociedades humanas não podem, sem se tornarem criminosas, comportar-se como se Deus não existisse, ou recusar preocupar-se com a religião, como se esta lhes fosse coisa estranha ou que de nada lhes pudesse servir... Quanto à Igreja, que tem por autor o próprio Deus, excluí-la da vida ativa da nação, das leis, da educação da juventude, da sociedade doméstica, é cometer um grande e pernicioso erro' (Carta Encíclica Immortale Dei, papa Leão XIII, 1885).

(Papa São Pio X, na Carta Encíclica 'Vehementer Nos')

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

VIDA DO PADRE PIO EM FATOS E FOTOS (II)

CARTAS DO PADRE PIO


Querida filha de Jesus*:

Que o seu coração sempre seja o templo da Santíssima Trindade, que Jesus aumente em sua alma o ardor do seu amor e que Ele sempre lhe sorria como a todas as almas a quem Ele ama. Que Maria Santíssima lhe sorria durante todos os acontecimentos da sua vida, e abundantemente substitua a mãe terrena que lhe falta.

Que seu bom anjo da guarda vele sempre sobre você, que possa ser seu guia no áspero caminho da vida. Que sempre a mantenha na graça de Jesus e a sustente com suas mãos para que você não tropece em nenhuma pedra. Que a proteja sob suas asas de todas as armadilhas do mundo, do demônio e da carne.

Você tem uma grande devoção a esse anjo bom, Anita. Que consolador é saber que perto de nós há um espírito que, do berço ao túmulo, não nos abandona em nenhum instante, nem sequer quando nos atrevemos a pecar! E este espírito celestial nos guia e protege como um amigo, um irmão. É muito consolador saber que esse anjo ora sem cessar por nós, oferece a Deus todas as nossas boas ações, nossos pensamentos, nossos desejos, se são puros. Pelo amor de Deus, não se esqueça desse companheiro invisível, sempre presente, sempre disposto a nos escutar e pronto para nos consolar. Ó deliciosa intimidade! Ó deliciosa companhia! Se pudéssemos pelo menos compreender isso…!

Mantenha-o sempre presente no olho da sua mente. Lembre-se com frequência da presença desse anjo, agradeça-lhe, ore a ele, mantenha sempre sua boa companhia. Abra-se a ele e confie seu sofrimento a ele. Tome cuidado para não ofender a pureza do seu olhar. Saiba disso e mantenha-o bem impresso em sua mente. Ele é muito delicado, muito sensível. Dirija-se a ele em momentos de suprema angústia e você experimentará sua ajuda benéfica. Nunca diga que você está sozinha na batalha contra os seus inimigos. Nunca diga que você não tem ninguém a quem abrir-se e em quem confiar. Isso seria um grande equívoco diante desse mensageiro celestial.

No que diz respeito às locuções interiores, não se preocupe, tenha calma. O que se deve evitar é que o seu coração se una a estas locuções. Não dê muita importância a elas, demonstre que você é indiferente. Não despreze seu amor nem o tempo para essas coisas. Sempre responda a estas vozes: 'Jesus, se és Tu quem está me falando, permite-me ver os fatos e as consequências das tuas palavras, ou seja, a virtude santa em mim'.

Humilhe-se diante do Senhor e confie nele, gaste suas energias pela graça divina, na prática das virtudes, e depois deixe que a graça aja em você como Deus quiser. É a virtude que santifica a alma, e não os fenômenos sobrenaturais. E não se confunda tentando entender que locuções vêm de Deus. Se Deus é seu autor, um dos principais sinais é que, no instante em que você ouve essas vozes, elas enchem sua alma de medo e confusão, mas logo depois a deixam com uma paz divina. Pelo contrário, quando o autor das locuções interiores é o diabo, elas começam com uma falsa segurança, seguida de agitação e um mal-estar indescritível.

Não duvido em absoluto de que Deus seja o autor das locuções, mas é preciso ser cautelosos, porque muitas vezes o inimigo mistura uma grande quantidade do seu próprio trabalho através delas. Mas isso não deve assustá-la; a isso foram submetidos os maiores santos e as almas mais ilustradas, e que foram acolhidas pelo Senhor. Você precisa simplesmente ter cuidado para não acreditar nessas locuções com muita facilidade, sobretudo quando elas digam como você deve se comportar e o que tem de fazer. Receba-as e submeta-as ao juízo de quem a dirige espiritualmente. E siga a sua decisão.

Portanto, o melhor a se fazer é receber as locuções com muita cautela e indiferença constante. Comporte-se dessa maneira e tudo aumentará seu mérito diante do Senhor. Não se preocupe com sua vida espiritual: Jesus a ama muito. Procure corresponder ao seu amor, sempre progredindo em santidade diante de Deus e dos homens.

Ore vocalmente também, pois ainda não chegou a hora de deixar estas orações. Com paciência e humildade, suporte as dificuldades que você tem ao fazer isso. Esteja sempre pronta também para enfrentar as distrações e a aridez, mas nunca abandone a oração e a meditação. É o Senhor que quer tratá-la dessa maneira para seu proveito espiritual. Perdoe-me se termino por aqui. Só Deus sabe o muito que me custa escrever esta carta. Estou muito doente; reze para que o Senhor possa desejar me livrar desse pequeno corpo logo. Eu a abençoo, junto à excelente Francesca. Que você possa viver e morrer nos braços de Jesus.

* Annita Rodote, filha espiritual do Padre Pio