quarta-feira, 23 de abril de 2014

A FÉ EXPLICADA (XIV)

A Igreja permite a cremação dos mortos?

A Igreja sempre manifestou a recomendação pela prática do sepultamento, na crença da dualidade do corpo e da alma que, separados no momento da morte, deverão se reencontrar em momento posterior. Na cultura das religiões pagãs, a nova dimensão do espírito, após a morte, prescinde de um vínculo com a matéria agora inanimada. Assim, o postulado óbvio seria a adoção da cremação do corpo, tornado inútil na concepção de um espírito que se bastaria por inteiro. 

Entretanto, a civilização moderna conduziu a situações práticas que tornam o sepultamento em grande escala virtualmente impossível, seja pela inexistência de áreas livres nas grandes metrópoles e cidades, seja pelos custos elevados naqueles disponíveis. Tais razões impeliram por uma crescente prática da cremação dos falecidos, particularmente nos últimos 20 ou 30 anos. Neste contexto, a cremação está associada a uma necessidade imposta pela sociedade moderna e não por uma crença paganizada, pelo que se torna aceitável pela Santa Igreja.

Esta posição da Igreja é expressa pelo Cânon 1176, § 3, constante do Título III do Código de Direito Canônico de 1983: 'A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã'.

Para os que optam pela cremação por negarem a ressurreição do corpo, a Igreja veta explicitamente as próprias exéquias cristãs, conforme os termos do Cânon 1184, § 1, item segundo: 'Devem ser privados das exéquias eclesiásticas, a não ser que antes da morte tenham dado algum sinal de arrependimento: ... os que escolheram a cremação do corpo próprio, por razões contrárias à fé cristã'.

Estas considerações também constam do ponto 2300 do Catecismo da Igreja Católica: 'Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal, que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo'.

Neste sentido, o tópico seguinte do Catecismo (2301) explicita a posição da Igreja em relação ao manuseio de cadáveres para fins científicos e a doação de órgãos de pessoas falecidas: 'A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é legítimo e até pode ser meritório'. Esta posição da Igreja está diretamente associada à condição do cadáver que, embora seja merecedor de todo o respeito, não configura a posse dos direitos e da dignidade inerentes à pessoa viva e, neste sentido, é moralmente admissível a utilização do mesmo para fins nobres e úteis, desde que constatada plenamente a morte cerebral do indivíduo.