segunda-feira, 19 de junho de 2023

ORAÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS NA PAIXÃO

 

Adorável e amadíssimo Jesus, aos Vossos pés está aquele que tanto contristou o Vosso amável Coração. Ó céu! Como pude encher com tamanha amargura esse Coração que tanto amor me tem e a nada se poupou para merecer que eu o ame! Mas consolai-vos, ouso a dizer-vos, ó meu Salvador; sabei que o meu coração, ferido do vosso santo amor, experimenta agora vivo pesar das suas culpas e dele quisera morrer. Pudesse eu, ó meu Jesus, ter tanta dor dos meus pecados quanta tivestes deles durante a vossa vida! A Vós, Eterno Pai, ofereço a pena e o horror que o vosso divino Filho sentiu das minhas faltas e vos peço, pelos seus merecimentos, dai-me tal arrependimento dos pecados que viva daqui em diante em estado de dor contínua, pensando no desprezo que fiz da vossa amizade. 

E Vós, ó meu Jesus, dai-me no futuro tão grande horror do pecado que evite ainda as faltas mais leves, por vos desagradarem. Vós mereceis que nunca vos ofendamos, pois sois digno de infinito amor. Detesto, ó meu amadíssimo Senhor, tudo o que Vos desagrada e só a Vós quero amar e àquilo que amais. Dignai-vos me ajudar e fortificar; concedei-me a graça de vos invocar sempre, repetindo sem cessar: 'Meu Jesus, dai-me o vosso amor'. E vós, ó Maria, a mais santa das virgens, obtende-me a graça de nunca deixar de vos dizer: 'Minha terna Mãe, fazei que eu ame a Jesus Cristo'.

(Excertos da obra 'As Mais Belas Orações de Santo Afonso', do Pe. Saint-Omer)

DOUTORES DA IGREJA (XIV)

 14São Leão Magno, Papa (†461)

Doutor da Unidade da Igreja

Concessão do título: 1754 - Papa Bento XIV

Celebração: 10 de novembro (Memória Obrigatória)

 Obras e Escritos 

  • Cartas
  • Sermões
  • Textos Litúrgicos

domingo, 18 de junho de 2023

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Nós somos o povo e o rebanho do Senhor(Sl 99)

Primeira Leitura (Ex 19,2-6a) - Segunda Leitura (Rm 5,6-11)  -  Evangelho (Mt 9,36-10,8)

 18/06/2023 - Décimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

30. O SENHOR DA MESSE


'Naquele tempo', tempo de graça inimaginável quando o Senhor estava neste mundo, Jesus se compadece das multidões, 'porque estavam cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor' (Mt 9, 36). E Jesus não via apenas uma multidão diante dele, mas como multidões de homens de todos os tempos, atribulados pelas vicissitudes e aparências deste mundo, nas águas revoltas do cotidiano das últimas vidas atribuladas e insensíveis aos bens que não passam.

Eis uma missão a ser cumprida, missão extrema, desafio universal: é preciso levar a Boa Nova do Reino de Deus a todas as criaturas; é preciso anunciar o Evangelho de Cristo no mundo inteiro. E, diante da realidade, tão portentosa, o Senhor nos ensina a seguir sempre pelas vocações missionárias, sejam elas religiosas ou leigas: 'a Messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!' (Mt 9, 37 - 38). Que nossa oração sincera seja semente profícua que faça brotar novos apóstolos e novos missionários no Coração do Senhor da Messe!

Jesus deu início a esta missão chamando os doze Apóstolos. E lhes deu recomendações expressas: 'Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios' (Mt 10,8). E ainda mais: 'De graça recebestes, de graça deveis dar!' (Mt 10, 8). Ser missionário é se fazer apóstolo, é assumir a mesma missão que constitui as marcas de identidade de um cristão no mundo. De todos os cristãos: os primeiros doze apóstolos, os outros setenta e dois, os cristãos de todos os tempos, eu e você. Como cordeiros entre lobos, como emissários da paz entre promotores das guerras, os cristãos estão no mundo para torná-lo um mundo cristão.

O apostolado começa com o bom exemplo, expande-se com o amor ao próximo, multiplica-se pela caridade. É imperioso o serviço da vocação; os frutos pertencem aos ditames da Providência. O reino de Deus deve ser proclamado para todos, em todos os lugares, mas a Boa Nova será recebida com jubilosa gratidão num lugar ou indiferença profunda em outro; aqui vai gerar frutos de salvação, mais além será pedra de tropeço. Como operários da grande messe do Senhor, Deus nos quer valorosos combatentes da fé, pregadores perseverantes da Verdade Plena. E ainda que sejamos capazes de domar a natureza e realizar prodígios, a felicidade cristã não está nos eventos temporais aqui na terra, mas na Eterna Glória daqueles que souberam combater o bom combate: 'nós nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo' (Rm 5, 11).

sábado, 17 de junho de 2023

OS GRANDES SINAIS PRECURSORES DO JUÍZO FINAL (VI)

    

Et venit unus de septem angelis habentibus fialas plenas septem plagis

'E veio um dos sete Anjos que tinham as sete taças cheias dos sete últimos flagelos' (Ap 21,9)

Segunda Parte

As calamidades públicas são para nós o que os sinais que precedem o último dia serão para aqueles que viverão no fim do mundo. Eles ficarão extremamente aterrorizados e desanimados, 'porque haverá então uma grande tribulação, como nunca houve desde o princípio do mundo até agora'¹⁵. Tal é também o efeito que nos causa as presentes calamidades; elas nos aterrorizam e nos enchem de angústia; quando as sentimos, começamos a temer e a nos angustiar: 'ai de nós, como somos miseráveis!'. E, no entanto, como acontecerá com os sinais do último dia, assim acontece com essas calamidades. Pois que outra coisa não são elas do que provas da misericórdia e bondade de Deus para com os pecadores, cujo único objetivo é confrontar os homens, castigá-los de maneira paternal, fazê-los recolher em si mesmos, arrepender-se dos seus pecados, emendar as suas vidas e, assim, fugir do castigo eterno no inferno? Pois as calamidades públicas nunca são enviadas a um país senão por causa dos pecados do seu povo, a fim de os erradicar e dar um fim a eles. Esta verdade tem sido pregada muitas vezes no púlpito e, por isso, não precisa de mais provas; é uma verdade fundamentada na infalível palavra de Deus e, da qual, portanto, os santos Padres e Doutores da Igreja não têm a menor dúvida.

O seráfico São Francisco, como nos escreve São Boaventura em sua 'Vida', estando certa ocasião em viagem, chegou a um país onde só havia choro e lamentação entre o povo, porque tinham o seu gado devorado pelos lobos e o milho destruído pelas constantes tempestades de granizo. Quando Francisco ouviu isto, disse ao povo: 'Meu povo querido, sabeis qual é a causa dos males que sofreis? Conheceis a mão que os inflige? É Deus que, na sua misericórdia, vos visita pelos vossos pecados e delitos, para que não vos percais eternamente. Quereis libertar-vos desse flagelo? Então a questão está em vós mesmos; eliminai a causa; arrependei-vos e emendai as vossas vidas, e o mal cessará'. E, como é maravilhoso contar isso porque trata-se de uma experiência tão rara porque esta única exortação foi suficiente para induzir o povo a emendar-se; eles fizeram penitência pelos seus pecados e humildemente imploraram a Deus que os perdoasse, pelo que os flagelos cessaram imediatamente¹⁶: os lobos desapareceram; as tempestades de granizo, embora ocorressem ainda de vez em quando e fizessem alguns estragos na vizinhança, diluíam-se antes de atingir as terras daquele povo penitente, como se dissessem: 'não somos mais encarregados pelo Criador de ferir este país'. Quando Constantinopla foi abalada por terríveis terremotos, de tal modo que o povo, cheio de medo e angústia, não sabia para onde se virar, São João Crisóstomo subiu ao púlpito e começou a pregar nos seguintes termos: 'Benditos sejam esses terremotos! O que vós, meus irmãos, pensais deles, não sei; a perturbação e a agitação que manifestais dão-me a entender que os considerais uma calamidade; mas, ao meu juízo, louvo e bendigo o meu Deus por causa deles, e estou convencido de que Ele merece a nossa mais sincera gratidão por nos enviar estes flagelos. Por quê? Porque podeis ver a bondade e a misericórdia de Deus. Os abalos e tremores da terra são uma voz que clama aos nossos corações para que, levados ao arrependimento pelo temor, evitemos um castigo muito pior'¹⁷.

Com um raciocínio semelhante, São Jerônimo calou a boca dos maniqueus. Estes hereges avançaram tanto no erro e na malícia que não hesitavam em acusar Deus de crueldade e tirania, e tentaram apoiar esta afirmação blasfema por meio das palavras do profeta Amós: 'Haverá mal numa cidade que o Senhor não tenha feito?'¹⁸ Vejam, exclamavam eles, que espécie de Deus é esse que causa tanto mal no mundo com pestes e flagelos que matam milhares de pessoas; com estações infrutíferas, que fazem com que muitos fiquem sem alimentação e padeçam fome; com as guerras, que devastam cidades e países e levam os seus habitantes à beira da pobreza e do desespero? Todas essas e outras dificuldades semelhantes provêm de Deus, que persegue os pobres mortais e, além disso, ainda se regala por ser o autor delas. Que tirano alguma vez agiu mais cruelmente para com os seus infelizes súditos do que este Deus com as suas criaturas? Ó hereges perversos, ignorantes e presunçosos, bradava São Jerônimo, o que estais a dizer? Aquilo a que chamais crueldade do Criador, referimo-nos como sendo a plenitude de sua misericórdia¹⁹. Não há mal, conflito, problema, ou qualquer outro nome que lhe possais dar no mundo, que não venha do Senhor. Verdade; verdade infalível! Mas por que isso? Achais que Deus deva permitir que os vossos pecados permaneçam impunes? Deveria o Deus de infinita santidade olhar calmamente enquanto o mundo se transforma num ninho de adúlteros, bêbados, ladrões e assassinos? Onde estaria o governante justo deste mundo se não impusesse uma justa punição para os vícios do seu povo? Sois vós, ó ímpios que, se não houvesse outros pecadores além de vós, obrigaríeis o bom e misericordioso Deus a recorrer a tais castigos. E, além dos vossos pecados, que multidão de pecados não se comete diariamente no mundo? É de admirar, então, que um mundo sem Deus seja castigado por tantas calamidades? Agradeçamos humildemente ao Senhor sempre que Ele nos visita dessa forma. Os castigos são tremendos, de fato, mas ao mesmo tempo são um remédio salutar que podemos e devemos usar para emendar as nossas vidas e alcançar o céu para que, embrutecidos pelo pecado, não sejamos lançados ao inferno. Este foi o sermão pregado então aos hereges por São Jerônimo.

Por isso, meus caros irmãos, também nos nossos tempos, as calamidades e os problemas públicos são provas e efeitos da misericórdia e da bondade divinas para com os pecadores. Mas, infelizmente, tenho de voltar a perguntar: como é que as recebemos? Não agimos geralmente como os ímpios agirão no fim do mundo, quando contemplarem os presságios que anunciam o último dia? Os bons e piedosos rezam e clamam ao Céu, redobram as suas penitências e obras de devoção para evitar os castigos que se abatem sobre nós; mas aqueles que são quase a única causa do mal, que há anos e anos se entregam ao pecado, como agem? Como são afetados? Se não há nada mais do que ameaças no início; se há apenas sinais de flagelos, guerras ou fome ainda distantes para adverti-los, para se arrependerem e se corrigirem, eles pensam, como os incrédulos israelitas quando avisados do castigo iminente pelos profetas, 'o mal não virá sobre nós; não veremos a espada e a fome'²⁰. Não, não há perigo; os pregadores falam dele, mas suas palavras são meras ameaças vazias para assustar as crianças; nós as ouvimos muitas vezes e não as vimos cumpridas. Continuemos no caminho de sempre: 'o mal não virá sobre nós'. Outros poderão até sentir alguma mortificação, mas nós estamos protegidos. 

E, se acaso sentissem também algum efeito destes castigos, de modo que se convencessem de que tais ameaças não eram vãs, como passariam a agir? Modificarão o seu modo de viver? Muitos poucos o fazem; a maioria permanece obstinada e recusa-se a ver o que está diante dos seus olhos. 'Ó Senhor, os teus olhos estão sobre a verdade' - diz o profeta Jeremias a Deus - 'Tu os feriste e eles não se entristeceram; Tu os feriste e eles se recusaram a receber a correção; eles endureceram os seus rostos mais do que a rocha e se recusaram a converter-se'²¹. Mas, santo profeta, como isso é possível? Se eles foram afligidos, certamente devem ter sentido os golpes. Como é que, então, não tiveram tristeza e nem arrependimento? Eu vos direi, responde o profeta: 'eles negaram o Senhor, e disseram: Não é Ele'²². Eles sentem o fio da espada e são feridos, mas recusam-se a acreditar que ela é empunhada pela mão de Deus; não querem reconhecer que é Deus quem os castiga, quem lhes envia guerras, doenças, fome, desgraças e pobreza por causa dos seus pecados. 'Eles disseram: Não é Ele' - o Senhor não fez isso; a doença vem do ar impuro; os príncipes e os potentados são a causa das guerras; este ou aquele homem cruel trouxe desgraça ao nosso país e assim por diante. Colocam, assim, toda a culpa nas criaturas; tentam agarrar-se à espada que os castigam, mas não olham para a mão que a empunha.

E porque isso? Com que objetivo se recusam a reconhecer Deus como o Autor e a Causa das calamidades e dos problemas? Para que não tenham que confessar que tais coisas são enviadas como castigo dos seus pecados e não sejam forçados a arrepender-se e a emendar as suas vidas perversas. 'Ó Senhor, Tu os feriste, e eles não se entristeceram'; sim, não alimentaram o menor pensamento de arrependimento; Tu os pressionaste duramente, mas eles não se convenceram e se 'recusaram a converter-se'. Não é assim na realidade, meus queridos irmãos? Será que o mundo está melhor por causa dos tempos difíceis que temos atravessado então? Há alguma diminuição do orgulho, da vaidade, do luxo e da indecência no vestuário? A avareza é coisa do passado? As pessoas são mais escrupulosas quanto à maneira de ganhar dinheiro? As intimidades ilícitas foram abandonadas? A embriaguez e o mau hábito de praguejar e dizer palavrões foram abolidos? Os pais são mais cuidadosos com os seus filhos? Não é verdade que o mundo é o mesmo que sempre foi? Não parece ter-se tornado pior do que nunca? Não devemos reconhecer, como o profeta Isaías: 'Eis que vos irritastes, e nós éramos culpados'²³?  Ó Senhor, Tu nos castigaste com misericórdia, mas nós continuamos a pecar; continuamos tão maus como antes. Não há como negar a evidência dos nossos próprios olhos.

Parece-me que as coisas estão a acontecer como no navio que transportava o obstinado Jonas. Uma tempestade furiosa irrompeu no mar e expôs o navio ao maior perigo; os marinheiros e remadores correram para cá e para lá assustados; com grande dificuldade, conseguiram içar as velas; bombearam a água para fora, e choraram e gemeram ao céu em sua angústia. Entretanto, o que fazia Jonas, o único causador do desastre? 'Jonas' - diz a Escritura - 'desceu para o interior do navio e caiu em um sono profundo'. Os gritos e o desespero não o perturbaram nem um pouco, de modo que os marinheiros tiveram de o acordar à força: 'E o capitão do navio aproximou-se dele e disse-lhe: Levanta-te! Invoca o teu Deus, se é que Deus se lembra de nós, para que não pereçamos'²⁴. Da mesma forma, repito, agimos nas tempestades e nas calamidades: orações, angústia e gemidos, súplicas por misericórdia e graças a serem enviados do céu; mas por meio de quem? Em geral, por aqueles que são os menos culpados pela tempestade; pelas almas boas e piedosas que sempre foram zelosas na execução de obras de devoção e piedade, e sempre fiéis no serviço de Deus. Mas, por outro lado, o que é que fazem os pecadores que são os únicos culpados do mal, devido à sua vida má e perversa, e por causa dos quais também os inocentes têm de sofrer? Ah, pouco se importam com as aflições alheias! Como Jonas, eles dormem nas profundezas dos seus pecados; as calamidades que sofrem não os fazem mais diligentes em visitar a igreja; eles não sonham em buscar evitar a ira divina fazendo penitência pelos seus pecados.

Não, alguns deles são tão estúpidos que desistem de rezar; o seu desespero leva-os a amaldiçoar quando sentem o flagelo; procuram ainda mais as ocasiões de pecado e as más companhias, e regozijam-se nos prazeres de um carnaval sem fim. São tempos muito bons para se pensar em tais coisas! Pecador, 'por que dormes tão profundamente?' Levanta-te; invoca o teu Deus! Converte-te; ajuda-nos a rezar e a fazer penitência, pois Deus visitou-nos por causa dos teus pecados! Levanta-te, ó ímpio, do seu sono! Abandona a tua impureza, a intimidade com que tens vivido ilegalmente com esta ou aquela pessoa! Invoca o teu Deus; abandona o teu adultério, teus atos vergonhosos, teu amor ilícito que nos impôs este castigo! Levanta-te, ó filha vã do mundo! Abandona tuas vestes escandalosas e se revista da armadura da penitência! Invoca Deus; humilha-te perante Ele, cuja cólera despertaste com o teu orgulho imundo e a tua vaidade! Levanta-te, homem vingativo, e reconcilia-te com o teu inimigo! Invoca a Deus para que perdoe os teus pecados; o teu ódio, a tua cólera, as tuas disputas e as tuas vinganças são a causa dos males que estamos a sofrer! Levanta-te, homem injusto! Devolve o que ganhaste com a usura e a injustiça; a tua ganância pelo ouro levou-nos à pobreza! Levantai-vos, todos vós, e invocai a Deus! Despertai do vosso sono, fazei penitência, porque Deus não se acalmará enquanto não se submeterem a Ele aqueles que são a causa da sua ira. O único objetivo do Todo Poderoso, ao nos castigar assim, é que possamos emendar nossas vidas. Mas de pouco adianta pregar ou exortar. Ao primeiro chamado, Jonas reconheceu que era culpado: 'Levantai-me' - disse ele então - 'e lançai-me ao mar, e o mar se acalmará; porque sei que foi por minha causa que vos sobreveio esta grande tempestade'²⁵. Mas os pecadores em geral ouvem a aflição dos outros e não se importam nem um pouco com isso; continuam no sono do pecado e nunca pensam em se arrepender. Mas ai de nós se não arrependermos pelos flagelos! Pois que outra coisa podemos esperar senão que, depois do mal temporal, que é um efeito da misericórdia divina, teremos de sofrer tormentos eternos no inferno, como efeito da justiça divina?

Não, ó bom Deus, que não cheguemos a este ponto! Se eu sou o Jonas que provocou a tempestade, eis que me entrego a Vós! Entrego-me a Vós e reconheço que mereci ser castigado; imploro humildemente a vossa misericórdia e beijo a mão paternal que agora me castiga. Em verdade, Senhor, agradeço-vos por me terdes assim despertado do torpor do pecado! Expiarei os meus pecados e desde já começo a detestá-los de todo o coração; a minha vida e tudo em mim que até agora vos tenha desagrado será, com vosso auxílio e graça, completamente mudado e emendado. Peço-vos que afasteis de tantas almas inocentes desta cidade e deste país os males que as ameaçam e que me salveis do castigo eterno, pois os males temporais que confesso ter merecido, aceito-os de Vós como expiação dos meus pecados. Amém.

15. Erit enim tunc tribulatio magna, qualis non fuit ab initio mundi, usquemodo (Mt 24,21).
16. Ab illa hora cessaverunt clades.
17. Vidistis Dei benignitatem; ut timore meliores effecti supplicium repellamus.
18. Si erit malum in civitate, quod Dominus non fecerit? (Am 3,6)
19. Nos referamus ad magnitudinem misericordiae (S. Hier. in c. 3. Amos).
20. Neque veniet super nos malum; gladium et famen non videbimus. Prophetae fuerunt in ventum locuti (Jr 5, 12).
21. Dominie, oculi tui respiciunt fidem; percussisti eos, et non doluerunt; attrivisti eos, et resuerunt accipere disciplinam; induraverunt facies suas supra petram, et noluerunt reverti (Jr 5,3).
22. Negaverunt Dominum, et dixerunt: non est ipse (Jr 5,12).
23. Ecce tu iratus es, et peccavimus in ipsis fuimus semper (Is 64,5).
24. Jonas descendit ad interiora navis, et dormiebat sopore gravi. Et accessit ad eum gubernator, et dixit ei: Quid tu sopore deprimeris? Surge, invoca Deum tuum, si forte recogitet Deus de nobis, et non pereamus (Jn 1,5-6).
25. ollite me, et mittite in mare, et cessabit mare a vobis; scio enim ego quoniam propter me tempestas haec grandis venit super vos (Jn 1,12).

(Excertos da obra 'Sermons on the Four Last Things' - Sermon 28, do Rev. Francis Hunolt /1694 -1746/, tradução do autor do blog)

sexta-feira, 16 de junho de 2023

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LVIII)

 

Capítulo LVIII

Auxílio às Santas Almas - O êxtase de João de Alvernia - O exemplo de Santa Madalena de Pazzi - São Malaquias e sua Irmã Imprudente

Os anais da Ordem Seráfica nos falam de um santo religioso chamado João de Alvernia. Amava ardentemente Nosso Senhor Jesus Cristo e, com o mesmo amor, acolhia as almas resgatadas pelo seu Sangue e tão caras ao seu Coração. Aqueles que sofreram nas prisões do Purgatório tiveram grande intercessão por meio de suas orações, penitências e sacrifícios. Um dia Deus quis manifestar a ele os admiráveis ​​e consoladores efeitos do Divino Sacrifício oferecido no Dia de Finados sobre todos os altares. O Servo de Deus celebrava a missa pelos defuntos naquela solenidade quando foi arrebatado em êxtase. Ele viu o Purgatório aberto e as almas saindo libertadas em virtude do Sacrifício da Propiciação; elas se assemelhavam a inúmeras faíscas que escapavam de uma fornalha ardente. Ficaríamos menos surpresos com os efeitos poderosos da Santa Missa se lembrarmos que ela é o mesmo sacrifício oferecido pelo próprio Filho de Deus na Cruz. É o mesmo Sacerdote, diz o Concílio de Trento, é a mesma Vítima, a única diferença está na forma de imolação: na Cruz, a imolação foi sangrenta e, no altar, é incruenta.

Ora, aquele sacrifício da cruz tem valor infinito; a do altar é, aos olhos de Deus, de valor equivalente. Observemos, no entanto, que a eficácia deste Divino Sacrifício é aplicada apenas parcialmente aos mortos e em uma medida conhecida apenas pela justiça de Deus. A Paixão de Jesus Cristo e o seu Preciosíssimo Sangue derramado pela nossa salvação são um oceano inesgotável de mérito e satisfação. É em virtude dessa Paixão que obtemos todos os dons e misericórdias de Deus. A mera comemoração que dela fazemos por meio da oração, quando oferecemos a Deus o Sangue de seu Filho unigênito, para implorar sua misericórdia - a oração unida e assim fortalecida pela Paixão de Jesus Cristo - tem grande poder junto de Deus. Santa Madalena de Pazzi aprendeu com Nosso Senhor a oferecer ao Pai eterno o Sangue do seu divino Filho, como exortação à Paixão. Ela o fazia cinquenta vezes ao dia e, em um de seus êxtases, viu um grande número de pecadores perdoados e suas almas libertadas do Purgatório por essa prática. 'Cada vez' - Jesus lhe falou - 'que uma criatura oferece ao meu Pai o Sangue pelo qual foi redimida, ela oferece a Ele um presente de valor infinito'. Se tal é o valor de uma oferenda que constitui uma mera exortação à Paixão, o que dizer do Sacrifício da Missa, que é a própria renovação dessa mesma Paixão?

Muitos cristãos não conhecem suficientemente a grandeza dos Divinos Mistérios realizados em nossos altares; a fraqueza de sua fé, juntamente com esta falta de conhecimento, os impede de apreciar o tesouro escondido no Divino Sacrifício e os leva a olhá-lo com uma espécie de indiferença. Infelizmente! Eles verão mais tarde, com amargo pesar, como se enganaram. A irmã de São Malaquias, arcebispo de Armagh, na Irlanda, dá-nos um notável exemplo disso.

São Bernardo, em sua bela 'Vida de São Malaquias', elogia muito aquele prelado pela sua devoção às almas do Purgatório. Quando ainda era diácono, gostava de assistir aos funerais dos pobres e à missa que se celebrava por eles; e acompanhava os seus restos mortais até o cemitério com profundo zelo, tanto maior quando costumava ver aquelas infelizes criaturas negligenciadas após a sua morte. Entretanto, uma sua irmã, movida pelo espírito mundano, julgava que tal prática degradava ao próprio irmão e à toda a sua família por associar-se assim aos pobres. Ele a repreendeu, mostrando que, com o seu comportamento, ela não entendia nem a caridade cristã e nem a excelência do Santo Sacrifício da Missa. Malaquias continuou assim o exercício de sua humilde caridade, limitando-se a responder à irmã que ela havia esquecido os ensinamentos de Jesus Cristo e que um dia se arrependeria de sua linguagem infeliz.

O Céu não deixou impune a temeridade imprudente dessa mulher: ela morreu ainda jovem e foi prestar contas ao Soberano Juiz da vida mundana que havia levado. Malaquias bem que tinha motivos para reclamar da sua conduta mas, diante a sua morte, fez questão de esquecer todos os seus erros e, preocupado somente na salvação da sua alma, ofereceu orações e o Santo Sacrifício pela irmã. Com o passar do tempo, porém, tendo muitos outros por quem orar, ele deixou de concentrar as suas intenções pela alma da irmã. 'Podemos acreditar' - diz Pe. Rossignoli - 'que Deus permitiu que ela fosse esquecida, como punição pela falta de compaixão que ela demonstrou pelos mortos'.

Seja como for, em certa ocasião ela se manifestou ao irmão durante o sono. Malaquias a viu então parada no meio do átrio diante da igreja, triste, vestida de luto e implorando a sua compaixão, por ele a ter esquecido em suas orações nos últimos trinta dias. Ele então acordou de repente e lembrou que, na verdade, fazia trinta dias que não celebrava a missa em intenção da sua irmã. No dia seguinte, ele recomeçou a oferecer o Santo Sacrifício por ela. Então a falecida apareceu para ele à porta da igreja, ajoelhada no umbral, lamentando que ainda não tinha permissão para nela entrar. Ele continuou seus sufrágios. Alguns dias depois, ele a viu entrar na igreja e avançar até o meio do corredor, sem conseguir entretanto, apesar de todos os esforços, aproximar-se do altar. Viu, portanto, que era preciso perseverar ainda mais e , assim, continuou a oferecer o Santo Sacrifício pelo repouso de sua alma. Finalmente, depois de alguns dias, ele a viu junto do altar, vestida com trajes magníficos, radiante de alegria e livre de quaisquer sofrimentos. 'Nisto vemos' - acrescenta São Bernardo - 'quão grande é a eficácia do Santo Sacrifício para remir os pecados, para combater os poderes das trevas e para abrir as portas do Céu às almas que deixaram esta terra'.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

FRASES DE SENDARIUM (I)

Maria, minha mãe,

dai-me a vossa dor e o vosso amor:

vossa dor para que eu seja nada,

e vosso amor, para que Deus

faça divino o meu nada.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

'EU SEREI A TUA RECOMPENSA!'

Jesus: Filho não te deixes quebrantar pelos trabalhos empreendidos por meu amor, nem desanimes nas tribulações; mas em tudo que te suceder, te consolem e fortifiquem minhas promessas. Sou assaz poderoso para te recompensar além de todo limite e medida. Não lidarás aqui muito tempo, nem sempre estarás acabrunhado de dores. Espera um pouco e verás em breve o fim de teus males. Hora virá em que cessará todo trabalho e inquietação. É de pouco valor e duração o que passa com o tempo.

2. Faze o que podes fazer, trabalha fielmente em minha vinha, e 'eu serei tua recompensa'. Escreve, lê, canta, geme, cala, ora e sofre varonilmente toda adversidade; a vida eterna é digna dessas e outras maiores pelejas. Virá a paz um dia que o Senhor sabe, e não haverá mais nem dia nem noite¹, como no presente, mas luz perpétua, claridade infinita, paz firme e seguro repouso. Não dirás então: 'Quem me livrará deste corpo de morte?'², nem exclamarás: 'Ai de mim, que se tem prolongado o meu desterro!'³. Porque a morte será destruída e a salvação será eterna; livre de toda ansiedade gozarás deliciosa alegria, em meio de agradável e brilhante companhia.

3. Oh! se visses as coroas imarcescíveis dos santos no céu, e a glória em que já exultam aqueles que outrora, aos olhos do mundo, eram desprezados e reputados quase indignos da vida; com certeza, logo te humilharias até ao pó e desejarias antes obedecer a todos que a um só a mandar. Nem cobiçarias os dias felizes desta vida, mas antes te alegrarias de ser atribulado por amor de Deus, e considerarias grande vantagem o ser tido por nada entre os homens.

4. Oh! Se achasses gosto nessas coisas e elas penetrassem profundamente no coração, como poderias ousar proferir uma só queixa? Porventura haverá pena que não se deva sofrer pela vida eterna? Certo que não é pouco perder ou ganhar o reino de Deus. Ergue, pois, os olhos ao céu. Eis-me aqui com todos os meus santos; eles, que neste mundo sustentaram grandes combates, ora se rejubilam, ora estão consolados e estão seguros, ora gozam o repouso e permanecerão para sempre comigo no reino de meu Pai.

¹ (Zc 14,7)
² (Rm 7,24)
³ Sl 70
(Da 'Imitação de Cristo', Livro III, Cap. XLVII)