terça-feira, 12 de outubro de 2021

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA APARECIDA

A história é bem conhecida: em 1717, Dom Pedro de Almeida Portugal e Vasconcelos (Conde de Assumar), efetivado como governador das Capitanias de São Paulo e Minas Gerais, viajou de navio de Portugal a Santos, com grande comitiva. Tomando posse do governo em São Paulo, seguiu rumo às minas de ouro em Minas Gerais, fazendo uma longa parada em Guaratinguetá, no período de 17 a 30 de outubro. Para a recepção do ilustre viajante, foram-lhe servidos os melhores pratos da culinária local, incluindo os saborosos pescados do Rio Paraíba do Sul.

Para a nobre tarefa de pescar uma grande quantidade de peixes, foram convocados os pescadores Domingos Alves Garcia, seu filho João Alves e Felipe Pedroso, cunhado de Domingos, entre outros. Entretanto, mesmo com o conhecimento enorme que tinham dos melhores pontos de pesca, não conseguiam nada. Mas algo extraordinário estava para ocorrer. Na rede lançada, surgiu primeiro uma pequena imagem em terracota de Nossa Senhora da Conceição, sem a cabeça, que foi recolhida e guardada com zelo pelos pescadores no fundo do barco. E eis que, numa nova investida, mais abaixo no rio, sem nada de peixe, veio a cabeça da imagem. Um objeto de dimensões tão reduzidas coletado do leito largo e vigoroso do Paraíba do Sul! E, surpresa ainda maior, novas investidas da rede trouxeram agora cardumes de peixes, em tão grande quantidade, repetindo-se, no largo do Porto de Itaguaçu, o milagre de Cristo no Mar da Galileia.


Cientes dos fatos extraordinários ocorridos, os pescadores locais recuperaram a imagem e passaram a venerá-la em suas casas, como imagem peregrina, até que a mesma foi colocada em pequeno oratório na casa de Atanásio Pedroso, filho de Felipe, e depois, com o culto já generalizado na ‘Nossa Senhora Aparecida’, erigiu-se uma pequena capela de sua devoção em Itaguaçu, com o apoio do Padre José Alves Vilela, pároco da Igreja de Santo Antônio de Guaratinguetá. Sob a sua coordenação, a devoção recebeu a aprovação episcopal e foi construída, então, a Igreja de Nossa Senhora Aparecida, no chamado Morro dos Coqueiros, inaugurada em 1745, apenas 28 anos após o achado da imagem. Em torno da igreja, implantou-se rapidamente uma comunidade que constitui hoje a cidade de Aparecida. A igreja tornou-se de imediato centro de romarias e de devoções marianas de toda a natureza.


Com a intensa participação popular e, pela ausência de sacerdotes no Brasil, optou-se pela solicitação de auxílio junto a comunidades religiosas europeias. Em 1894, com a chegada dos padres redendoristas alemães, as atividades religiosas, os cultos e as romarias tornaram-se muito mais organizados, favorecendo muito a rápida difusão da evangelização e a consolidação da igreja como santuário de frequente peregrinação. Tais eventos culminaram com a solene coroação da imagem de Nossa Senhora Aparecida em 8 de setembro de 1904 (com manto azul e coroa de ouro cravejada de diamantes e rubis, ofertados pela Princesa Isabel em visita ao santuário em 6 de novembro de 1888) e com a elevação do santuário à condição de Basílica Menor em 29 de abril de 1908. Em 16 de julho de 1930, o Papa Pio XI outorgou o título de Nossa Senhora Aparecida como Padroeira do BrasilEm 1967, ano da comemoração do jubileu dos 250 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, o Papa Paulo VI ofertou ao Santuário Nacional da Padroeira do Brasil uma Rosa de Ouro, ato repetido pelo Papa Bento XVI em 2007. O dia da Padroeira do Brasil é celebrado em 12 de outubro, feriado nacional. 

As enormes e crescentes manifestações populares exigiram a construção de uma nova basílica, com dimensões e infraestrutura compatíveis com o maior centro de peregrinação espiritual do Brasil que se tornou Aparecida. Desta forma, entre 1955 e 1980, foi construída a atual Basílica, inaugurada a 04 de julho de 1980 pelo Papa João Paulo II e elevada a Santuário Nacional em 1984. Que continua a receber milhares de peregrinos, infindáveis romarias, em agradecimento, louvor e veneração à Virgem Padroeira do Brasil. Na Sala das Promessas, em meio a milhares de ex-votos, tem-se uma ideia da admirável senda de prodígios e milagres alcançados por tantos romeiros e fieis, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida.


Em Aparecida, ao contrário de tantos outros centros de peregrinação mariana, a Virgem fez-se aparecer apenas sob a forma de uma pobre e pequena imagem de terracota de 38cm de altura, sem quaisquer visões, mensagens ou prodígios sobrenaturais, para falar aos simples, aos humildes, aos fracos, aos desvalidos, que as almas simples, despojadas de valores intrinsecamente humanos e entregues somente à confiança e à misericórdia de Deus por Maria, são as glórias dos Céus.


ORAÇÃO A NOSSA SENHORA APARECIDA

Ó Senhora da Conceição Aparecida, que fizestes tantos milagres que comprovam vossa poderosa intercessão junto ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, obtende para nossas famílias as graças de que tanto necessitam. Defendei-nos da violência, das doenças, do desemprego e, sobretudo, do pecado, que nos afasta de Vós. Protegei nossos filhos de tantos fatores de deformação da juventude. E concedei a todos os membros de nossas famílias a graça de poderem trilhar o caminho de perfeição e de paz ensinado por Vosso Divino Filho, que afirmou: 'Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em Mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, Eu venci o mundo!' Amém.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

SOBRE O JUÍZO UNIVERSAL


O monge São Metódio (+ 861), que converteu à fé cristã a Bulgária e outras nações bárbaras, era também um bom pintor. Um dia ele foi chamado pelo rei dos búlgaros, de nome Bógoris, o qual lhe disse:

- Deveis fazer-me um belo quadro para eu por em meu palácio, e quero que esse quadro represente coisas que incitem medo a todos os que o olharem.

É mister saber que esse rei era pagão e meio selvagem, e só se deleitava com caçadas de animais ferozes e cenas terríveis. O santo, então, recomendando-se a Deus, pintou o Juízo Universal.

No meio do quadro, via-se Jesus Cristo em sua tremenda majestade entre as nuvens e num trono de glória, rodeado pelos anjos; à direita uma fila de pessoas com os rostos esplendorosos de luz (os justos); à esquerda uma multidão de pessoas monstruosas com caras horríveis, cheias de pavor e de desesperada angústia (os pecadores). Em baixo, afinal, via-se um abismo cheio de figuras horrendas e demônios, e desse abismo saíam chamas ameaçadoras e foscas. Quando o rei viu esse quadro ficou impressionado e perguntou:

- Que espetáculo é esse tão magnífico e pavoroso?

Ao que Metódio lhe deu a seguinte explicação.

- Majestade, esse quadro representa o Juízo Universal. Ficai sabendo que logo após a morte haverá, para todos, o Juízo Particular; isto é, deveremos todos comparecer perante Deus para dar conta do bem e do mal que tivermos feito em vida. Mas além do juízo particular, haverá outro Juízo, que se diz Universal, e este será feito por Jesus Cristo no fim do mundo no Vale de Josafá. Ao Juízo Universal deverá apresentar-se todos os homens do mundo, que existiram, que existem e que existirão; grandes, pequenos, soberanos e súditos, sábios e ignorantes, ricos e pobres, bons e maus.

Ao ouvir isso o rei começou a empalidecer e indagou:

- Quando e como será o Juízo Universal?

- Esse dia ninguém o sabe, nem os Anjos do Céu, exceto o Pai (Mt 24,36). Como se dará o Juízo, isso nos diz a Santa Escritura. Primeiro haverá sinais: guerras espantosas dos povos e dos reinos, que se lançarão uns contra os outros (Mt 24,7). Depois o sol escurecerá, e a lua não dará mais a sua luz, e cairão do céu as estrelas, e haverá a destruição do Universo (Mt 24,29); depois virá do céu um dilúvio de fogo que destruirá tudo (2 Pd 3,10). E então será grande a tribulação, como não houve desde o início do mundo. E tudo isso são verdades de Evangelho.

Quando estiver tudo destruído pelo fogo, os Anjos soarão uma trombeta que se fará ouvir nos quatro ventos; e os mortos ressuscitarão (1 Cor 15,52). E aí se dará um grande espetáculo. Todos os mortos saídos de seus túmulos, da terra, do mar, dos abismos, deverão estar vivos. Mas com que diferença... As almas dos bons, vindas do Céu, retomarão o seu belo corpo, resplendente, impassível (Mt 13,43). As almas dos réprobos, surgidas do inferno, unir-se-ão aos seus corpos que, no entanto, serão disformes, horríveis, esquálidos e fedorentos.

Depois virão os Anjos, e separarão os malvados dos justos (Mt 13, 49). E os justos ficarão à direita, e os pecadores à esquerda. Não vos parece vê-los? Todos os blasfemadores, caluniadores, desonestos, soberbos, ladrões, avarentos, escandalosos, sacrílegos, serão separados dos bons; e, vendo-os, dirão com raiva: 'Eis aqueles de quem zombamos em vida' (Sb 5,3). 'Estultos que fomos! Julgávamos uma insensatez a sua vida; eis, no entanto, como se incluíram entre os filhos de Deus' (Sb 5, 4-5).

Feita a separação, abrir-se-ão os Céus, e entre fileiras de Anjos aparecerá o sinal do Filho do Homem: a Santa Cruz (Mt 24,30). E aí bater-se-ão no peito todas as tribos da terra. Aí os réprobos cairão como fulminados. E que urros de dor! Que pavor! Que desespero! Ao passo que os justos rejubilar-se-ão!

Depois o divino Juiz fará um exame público: manifestará a todas as consciências, revelando as culpas, diante de todos. Depois pronunciará a sentença da bênção sobre os bons e a de maldição sobre os maus; e estes irão para o eterno suplício com os demônios: os justos, ao contrário, para a vida eterna (Mt 24,46). Eis o que ouviste no quadro pintado: a tremenda verdade do Juízo, que é verdade de Evangelho. Assim concluiu o monge São Metódio.

Ao ouvir isso o rei Bógoris ficou aterrorizado: fez-se logo instruir na religião, e, iluminado pela graça de Deus, converteu-se ao Cristianismo, e com ele se converteram também os seus súditos.

(Excertos da obra 'La Parole di Dio per la Via d’Esempi', de G. Montarino)

domingo, 10 de outubro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Saciai-nos, ó Senhor, com vosso amor, e exultaremos de alegria!' 
(Sl 89)

 10/10/2021 - Vigésimo Oitavo Domingo do Tempo Comum

46. O JOVEM RICO E AS CONTINGÊNCIAS DA GRAÇA

'Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?' (Mc 10, 17). Eis a pergunta do jovem rico, ao correr ao encontro de Jesus e lhe atirar aos pés, cheio da iniciativa da graça. Eivado das riquezas do mundo, encontrara tempo e discernimento para buscar valores mais altos e definitivos, que pavimentam caminhos de heranças eternas. Tal santa predisposição, ainda que bela, entretanto, é movida apenas pela natureza humana.

O jovem rico vê em Jesus um santo, um sábio, um mestre, mas não como Deus. Ciente dessa visão, ao vislumbrar o coração do moço cheio de bons propósitos, Jesus vai questioná-lo sobre ser chamado por ele de 'bom', sob uma mera conduta da concessão humana da admiração, quando Ele, por ser Deus, é a própria Bondade Infinita. Em seguida, Jesus o conclama a ir muito mais longe nos mistérios da graça, ciente de suas virtudes em praticar os mandamentos que acabara de enumerar. Consumado de amor, Jesus o invoca aos cumes da vida espiritual: 'Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!' Ao ouvir isso, porém, o jovem 'ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico' (Mc 10, 22).

'Vem e segue-me!' Jesus convidou aquele jovem rico para ser um outro Apóstolo, para herdar desde já a sua herança eterna nos caminhos poeirentos da terra, para tomar posse da verdadeira riqueza, aquela que se guarda no próprio Coração de Deus. E recebeu um não como resposta, cujo eco de insensatez e de vicissitude há de perpassar por todos os tempos e gerações. Um não nascido da tibieza e do orgulho, das mazelas de uma alma enriquecida apenas dos valores humanos na prática dos mandamentos, mas pobre na sabedoria da graça, daquela sabedoria em relação à qual 'todo o ouro do mundo é um punhado de areia e, diante dela, a prata será como a lama' (Sb 7, 9).

A verdadeira riqueza está em Deus. Os valores do mundo, todos os valores do mundo, incluindo a posse de mais ou de menos bens materiais, são efêmeros e incertos. O Reino de Deus é um tesouro impossível de ser encontrado por aqueles que, como o jovem rico, são apegados aos bens e dons desta vida e uma porta aberta, quando trilhado por aqueles que se fazem pobres de espírito para compartilharem as suas misérias com a infinita misericórdia de Deus. Dispor o que se recebe, repartir o que se tem, abandonar todos os apegos terrenos por causa do Evangelho: eis a regra de ouro para se almejar as heranças eternas e acumular tesouros sem limites nos Céus: 'Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna' (Mc 10, 29 - 30).

sábado, 9 de outubro de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XVII)

Capítulo XVII

Dores do Purgatório - Bem aventurada Quinziani  - O Imperador Maurício

Na vida da bem-aventurada Stephana Quinziani, freira dominicana (Auctore Franc. Seghizzo; cf. Merv., 42; Marchese, 2 de janeiro), é feita menção a uma irmã chamada Paula, que faleceu no convento de Mântua, após um longa vida de virtude eminente. O corpo foi levado para a igreja e exposto no coro diante os religiosos. Durante a recitação do ofício, a bem aventurada Quinziani ajoelhou-se próximo ao esquife, recomendando a Deus as almas das religiosas falecidas, que lhe eram muito queridas. 

De súbito, a falecida deixou cair o crucifixo que havia sido colocado entre as mãos e, estendendo o braço esquerdo, agarrou com força a mão direita da Irmã Quinziani, como o esforço final feito a  uma mão amiga de um pobre doente sob o ardor escaldante da febre. Assim permaneceu por um tempo considerável e então, removendo o braço, rearrumou-se outra vez no caixão. 

As religiosas, perplexas diante tal prodígio, pediram uma explicação à Irmã Quinziani. Ela respondeu então que, enquanto a falecida pressionava a sua mão, uma voz inarticulada havia falado ao fundo do seu coração, dizendo: 'Ajudai-me, querida irmã, socorrei-me na terrível tortura que sofro. Ó se conhecêsseis a severidade do Juiz que deseja todo o nosso amor, o grau de expiação que nos exige pelas menores faltas antes de nos admitir à recompensa! Se soubésseis o quão puros devemos ser para ver a face de Deus! Rezai, rezai e fazei penitência por mim, que não posso mais me ajudar!'. A bem aventurada Quinziani, tocada pela oração da amiga, impôs-se toda espécie de penitências e boas obras, até que soube, por uma nova revelação, que Irmã Paula havia sido libertada dos seus sofrimentos e entrado na glória eterna.

A conclusão natural que se segue dessas terríveis manifestações da Justiça Divina é que devemos nos apressar em dar satisfação por nossos pecados nesta vida. Certamente um criminoso condenado a ser queimado vivo não recusaria uma dor mais leve, se a escolha fosse sua. Suponha que lhe seja dito: 'Você pode livrar-se desse terrível castigo com a condição de jejuar por três dias a pão e água'; ele ousaria recusar? Aquele que porventura preferisse a tortura do fogo à penitência leve, não seria considerado alguém que teria perdido a razão? Assim, pois, preferir o fogo do Purgatório à penitência cristã é uma loucura infinitamente maior. 

O imperador Maurício entendeu isso e agiu com sabedoria. A história relata que este príncipe, não obstante suas boas qualidades, que o tornaram querido por São Gregório Magno, já perto do final de seu reinado cometeu uma falta grave, a qual expiou por um arrependimento exemplar (Berault, Histoire Eccles., Ano 602). Tendo perdido uma batalha contra o Khan - rei dos Avari - ele se recusou a pagar o resgate dos prisioneiros, embora tenha sido pedido nesse intento um valor bastante baixo por cada um deles. Essa recusa mesquinha provocou no conquistador bárbaro uma ira tão violenta que ele ordenou imediatamente o massacre de todos os prisioneiros, cerca de doze mil soldados romanos. Caindo em si, o imperador reconheceu a sua culpa e a sentiu tão agudamente, que enviou dinheiro e oferendas para as principais igrejas e mosteiros, implorando a Deus a graça de puni-lo nesta vida e não na próxima. 

E as suas orações foram ouvidas. No ano de 602, o general Pierre - irmão do imperador - resolveu obrigar as suas tropas a passar o inverno na margem oposta do rio Danúbio, o que motivou um motim e a deposição do general, sendo proclamado em seguida como imperador, Focas, um simples centurião. A cidade imperial seguiu o exemplo do exército e o imperador Maurício foi obrigado então a fugir durante a noite, após ter sido privado de todas as honras da realeza, que agora serviam apenas para aumentar os seus temores. 

No entanto, foi reconhecido e preso, junto com a sua esposa, cinco de seus filhos e três filhas - ou seja, quase toda a sua família, exceção feita ao seu filho mais velho, que havia sido coroado como imperador e que, assim, escapou da morte. Maurício e seus cinco filhos foram massacrados impiedosamente perto da Calcedônia. A carnificina começou pela morte dos príncipes, que foram todos mortos diante dos olhos do infeliz pai, sem mesmo uma palavra dele de revolta contra Deus. Lembrando as dores do outro mundo, ele se considerou feliz por sofrer na vida presente, e durante todo o massacre ele não falou outras palavras senão as do salmista: 'Vós sois justo, ó Senhor, e Vosso julgamento é justo' (Salmo 118).

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A TERRA QUE VEMOS...


A Terra que vemos não nos satisfaz. É apenas um começo. Não é mais do que uma promessa de um porvir; nem mesmo na sua maior alegria, quando se cobre de todas as suas flores e mostra os seus tesouros escondidos da forma mais atrativa, mesmo então isso não nos basta. Sabemos que há nela muito mais coisas do que as que conseguimos ver.

Um mundo de santos e de anjos, um mundo glorioso, o palácio de Deus, a montanha do Senhor, a Jerusalém celeste, o trono de Deus e de Cristo: todas essas maravilhas eternas, preciosíssimas, misteriosas e incompreensíveis se escondem por detrás do que vemos. O que vemos não é senão a camada exterior do reino eterno e é nesse reino que fixamos os olhos da nossa fé.

Mostra-Te, Senhor, como no tempo da tua natividade, em que os anjos visitaram os pastores; que a tua glória se expanda como as flores e a folhagem se desenvolvem nas árvores. Pelo teu poder, transforma o mundo visível nesse mundo mais divino que ainda não vemos. Que aquilo que vemos seja transformado naquilo em que cremos.

Por mais brilhantes que sejam o sol, o céu, as nuvens, por mais verdejantes que sejam as folhas e os campos, por mais doces que sejam os cantos dos pássaros, sabemos que isso não é tudo e que não queremos tomar a parte pelo todo. Essas coisas procedem de um centro de amor e de bondade que é o próprio Deus, mas não são a sua plenitude. Falam do céu, mas não são o céu. São apenas, de certa forma, raios dispersos, um tênue reflexo da sua imagem; são apenas migalhas que caem da mesa.

(Cardeal J.H. Newman, 'The Invisible World')

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

GLÓRIAS DE MARIA: NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

  

A palavra Rosário vem do latim Rosarium, que significa 'Coroa de Rosas'. Nossa Senhora é a Rosa das rosas, Rainha das rainhas, sendo chamada, então, Rosa Mística (como é invocada na Ladainha Lauretana), Rainha das Rosas de todas as devoções, Nossa Senhora do Rosário. Se, a cada Ave Maria, adorna-se a Mãe de Deus com uma rosa espiritual, o Rosário adorna Maria com uma Coroa de todas as Rosas.

O Santo Rosário é a oração mais perfeita e o instrumento mais poderoso que nos é concedido pela Divina Providência para vencer o pecado e as tentações diabólicas. Com o rosário, recordamos o memorial da Paixão de Jesus Cristo e meditamos os mistérios de gozo, dor e glória de Jesus e Maria. Pelo Rosário, a terra se une aos céus, e nós a Nossa Senhora, no louvor ao Senhor nosso Deus. Com o Rosário, alcançamos a paz de coração e a salvação eterna da alma. Pelo Rosário, obtemos a remissão pela culpa e pela pena dos nossos pecados, tornamo-nos herdeiros dos méritos infinitos da Paixão de Jesus e invocamos sobre nós e nossas famílias as graças extraordinárias da Misericórdia Divina. 

A origem do Rosário é antiga, mas se formalizou por meio de uma famosa aparição de Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão. No seu ferrenho combate e conversão dos seguidores da seita herética dos albigenses, São Domingos defrontou-se com terríveis dificuldades e perseguições, devido à dureza espiritual daquelas almas. Retirou-se, então, em oração, para um lugar ermo situado nos arredores de Toulouse e suplicou a intercessão da Virgem Maria para os bons propósitos de tão dura missão. 

As suas preces extremadas foram atendidas e o santo recebeu uma aparição de Nossa Senhora que lhe entregou o Rosário (também chamado Saltério de Maria, em referência aos 150 salmos de Davi), ensinando-o como rezá-lo e assegurando ser esta a arma mais poderosa para se ganhar as almas para o Céu. Este evento, respaldado por numerosos documentos pontifícios, é narrado na obra 'Da Dignidade do Saltério', do Bem-Aventurado Alain de la Roche (1428 – 1475), célebre pregador da Ordem Dominicana. Com o Rosário em punho, São Domingos pregou incansavelmente na França, Itália e Espanha a devoção que a própria Senhora do Rosário lhe havia ensinado, convertendo os hereges e os tíbios, e erradicando por completo naqueles países a heresia albigense.


Graças, louvores e indulgências sem conta estão associadas à oração devota do Santo Rosário. Rezai-o sempre, rezai-o todos os dias! O maior milagre que o Rosário pode nos proporcionar é nos fazer plenamente dignos das promessas de Cristo e nos elevar de criaturas humanas na terra a herdeiros diretos do Céu ainda nesta vida.