terça-feira, 2 de abril de 2024

O DOGMA DO PURGATÓRIO (LXXVIII)

 

Capítulo LXXVIII

Razões para o Socorro às Santas Almas - Obras de Satisfação em Favor das Almas do Purgatório pela Serva de Deus Maria Villani - A Marca do Purgatório na Testa dessa Serva de Deus

Já vimos como Santa Catarina de Ricci e vários outros levaram o seu heroísmo ao ponto de sofrerem em lugar das almas do Purgatório. Acrescentemos mais alguns exemplos desta admirável caridade. A serva de Deus Maria Villani, da Ordem de São Domingos, cuja vida foi escrita pelo Padre Marchi (cf Rossignoli, Merv., 41), aplicava-se dia e noite à prática de obras de satisfação em favor dos defuntos.

Um dia - era a Vigília da Epifania - permaneceu muito tempo em oração, suplicando a Deus que aliviasse os sofrimentos das almas do Purgatório em consideração aos próprios sofrimentos de Jesus Cristo, oferecendo nesta intenção as dores da flagelação do nosso Salvador, da sua coroa de espinhos, das suas amarras, dos pregos, do peso da cruz - numa palavra, todas as suas dores amargas e todos os instrumentos da sua Paixão. Na noite seguinte, Deus teve o prazer de manifestar o quanto esta santa prática lhe havia sido agradável. Durante a sua oração, em êxtase, viu uma longa procissão de pessoas vestidas de branco e radiantes de luz. Levavam os emblemas da Paixão e entravam na glória do Paraíso. A serva de Deus compreendeu que eram as almas libertadas pelas suas fervorosas orações e pelos méritos da Paixão de Jesus Cristo.

Em outra ocasião, na festa dos Fieis Defuntos, recebera a intimação de trabalhar na elaboração de um manuscrito e que passasse o dia a escrevê-lo. Tal tarefa, imposta pela obediência, foi uma provação para a sua piedade: sentiu alguma relutância em obedecer, porque queria dedicar todo esse dia à oração, à penitência e a exercícios piedosos para o alívio das almas sofredoras. Esqueceu-se por um momento de que a obediência devia prevalecer sobre tudo o mais, conforme está escrito: Melior est enim oboedientia quam victimae - A obediência é melhor que o sacrifício (1Sm 15,22). Vendo a sua grande caridade para com as santas almas, Deus concedeu-lhe aparecer, para a instruir e consolar. 'Obedece, minha filha' - disse a ela - 'faz o trabalho que te é imposto pela obediência e o oferece pelas almas: cada linha que escreveres hoje, em espírito de obediência e de caridade, conseguirá a libertação de uma alma'. Compreender-se-á facilmente que ela trabalhou então com a maior diligência e escreveu o maior número possível dessas linhas, por ser algo tão agradável a Deus.

A sua caridade para com as santas almas não se limitava à oração e ao jejum; desejava suportar uma parte dos seus sofrimentos. Um dia, enquanto rezava com essa intenção, foi arrebatada em espírito e conduzida ao Purgatório. Lá, em meio a uma multidão de almas sofredoras, viu uma terrivelmete mais atormentada do que as outras, e que lhe despertou a mais terna compaixão. 'Por que' - perguntou ela - 'tens de sofrer tão excruciante tortura? Não recebes nenhum alívio?' 'Tenho estado' - respondeu a alma - 'há muito tempo neste lugar, suportando os mais espantosos tormentos, como castigo pela minha antiga vaidade e escandalosa extravagância. Até agora não recebi o menor alívio, porque Deus permitiu que eu fosse esquecida por meus pais, meus filhos, meus parentes e amigos: eles não fazem uma única oração por mim. Quando estava na terra, ocupada exclusivamente com a minha aparência e frivolidades mundanas, com festas e com prazeres, raramente me dedicava à lembrança de Deus e dos meus deveres cristãos. O meu único desejo efetivo era promover os interesses mundanos da minha família. Como vês, sou bem castigada, pois me encontro completamente esquecida por todos'.

Estas palavras causaram uma dolorosa impressão em Maria Villani. Suplicou a esta alma que lhe permitisse sentir alguma coisa do que ela sofria; e, no mesmo instante, pareceu-lhe que um dedo de fogo lhe tocava a testa, e a dor que sentiu foi tão aguda que fez cessar completamente o seu êxtase. A marca ficou tão profundamente impressa na sua testa que, mesmo dois meses depois, ainda era visível e causava-lhe um sofrimento intolerável. A serva de Deus ofereceu este fato, juntamente com orações e outras boas obras, pela alma a que acabamos de nos referir. Esta alma apareceu a Maria ao fim de dois meses e disse que, tendo sido libertada pela sua intercessão, estava prestes a entrar no Céu. E, neste mesmo instante, a cicatriz da sua testa desapareceu.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Uma alma que transige com seu eu, que se preocupa com a sua sensibilidade, que se entretém em pensamentos inúteis, que se deixa dominar por seus desejos, é uma alma que dispersa suas forças e não está orientada totalmente para Deus. Sua lira não vibra uníssona e o divino Mestre, ao tocá-la, não pode extrair dela harmonias divinas. Tem ainda demasiadas tendências humanas. É uma dissonância. A alma que ainda reserva algo para si em seu reino interior, que não tem suas potencias dispostas em Deus, não pode ser um perfeito louvor de glória. Não está capacitada para cantar eternamente o Canticum Magnum de que fala São João, porque a unidade não reina nela. Em vez de prosseguir com simplicidade seu hino de louvor através de todas as coisas, tem que reunir constantemente as cordas de seu instrumento dispersas por todas as partes. Quão necessária é a bela unidade interior para a alma que quer viver na terra a vida dos bem-aventurados, quer dizer, dos seres simples, dos espíritos! Me parece que o Divino Mestre se referia a ela, quando falava a Marta do unum necessarium' (Lc 10, 41).

(Santa Elisabete da Trindade)

domingo, 31 de março de 2024

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!' (Sl 117)

Primeira Leitura (At 10,34a.37-43) - Segunda Leitura (Cl 3,1-4) -  Evangelho (Jo 20,1-9)

 31/03/2024 - RESSURREIÇÃO DO SENHOR

18. PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO


Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! A mão direita do Senhor fez maravilhas, a mão direita do Senhor me levantou. Não morrerei, mas, ao contrário, viverei para cantar as grandes obras do Senhor! Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Eis o grande dia do Senhor, em que a vida venceu a morte, a luz iluminou as trevas, a glória de Deus se impôs aos valores do mundo. Jesus veio para fazer novas todas as coisas, abrir o caminho para o Céu, eternizar a glória de Deus na alma humana. Cristo Ressuscitado é a razão suprema de nossa fé, penhor maior de nossa esperança, causa de nossa alegria, plenitude do amor humano. Como filhos da redenção de Cristo, cantamos jubilosos a Páscoa da Ressurreição: 'Tende confiança! Eu venci o mundo' (Jo 16, 33).

O Triunfo de Cristo é o nosso triunfo pois o o Homem Novo tomou o lugar do homem do pecado. Mortos para o mundo, tornamo-nos herdeiros da ressurreição da nova vida em Deus: 'Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 1-3).

Entremos com Pedro no sepulcro agora vazio de Jesus: 'Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte' (Jo 20, 6 -7). Este sepulcro vazio é a morte do pecado, a vitória da vida sobre a morte: 'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?' (1 Cor 15, 55). Jesus ressuscitou! Bendito é o Senhor dos Exércitos que, com a sua Ressurreição, derrotou o mundo e nos fez herdeiros do Céu! Este é o dia da alegria suprema, do triunfo da vida, do gáudio eterno dos justos. Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos! 

Hæc est dies quam fecit Dominus. Exultemus et lætemur in ea!

BÊNÇÃO URBI ET ORBI - PÁSCOA 2024

 

SEMANA SANTA MAIOR: PÁSCOA DA RESSURREIÇÃO

   SOLENIDADE DA RESSURREIÇÃO DE NOSSO SENHOR

'Haec est dies quam fecit Dominus. Exultemus et laetemur in ea
— 
'Esse é o dia que o Senhor fez. Seja para nós dia de alegria e felicidade'
 (Sl 117, 24)

Cristo ressuscitou! Eis a Festa da Páscoa da Ressurreição, a data magna da cristandade. Por causa da ressurreição de Jesus, podemos ter fé e esperança, obter o perdão dos nossos pecados e a salvação de nossas almas. Com a ressurreição de Jesus, a morte foi vencida. E as Portas do Céu foram abertas para toda a eternidade.

'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?' 
(1 Cor 15, 55)

sábado, 30 de março de 2024

SEMANA SANTA MAIOR: SÁBADO SANTO

    VIGÍLIA PASCAL

Estamos prostrados em silêncio diante o Santo Sepulcro. Hoje é o dia da bênção do Fogo Novo, do Círio Pascal, da renovação das nossas promessas do batismo. Cantamos o Exultet com Maria. Com Maria, Mãe de todas as vigílias, aguardamos, em súplice espera, a Ressurreição do Senhor.


Vamos nos juntar à devoção com que Maria, o discípulo amado, Maria Madalena e as santas mulheres recolheram, em seus braços, o corpo de Jesus descido da cruz por José de Arimatéia e Nicodemos. Com que ternura e amor Maria considera todas as suas chagas, olha todo o seu corpo dilacerado, beija todas as suas feridas! E o discípulo amado, como se projeta sobre aquele peito em que havia repousado a cabeça na noite anterior! Como o beija e se acende de vontade de se enterrar naquele peito aberto! E Madalena, como abraça os sagrados pés, de quem recebera o perdão; como os lava com as suas lágrimas e os enxuga com os seus cabelos! Entremos nos piedosos sentimentos dessas almas santas.

I - O QUE NOS ENSINA O ENTERRO DE NOSSO SENHOR

Este mistério nos ensina primeiro COMO DEVEMOS COMUNGAR. Depois que o adorável corpo foi deposto da cruz, Nicodemos trouxe cem libras de um perfume precioso, composto de mirra e aloés, para embalsamá-lo. José de Arimatéia ofereceu-se para envolvê-lo em linho branco e para levar o corpo até um sepulcro novo, talhado na rocha, que ainda não tinha sido utilizado; depois, a entrada do túmulo foi fechada por uma pedra, ficando sob a guarda da autoridade pública e a custódia de soldados. 

QUANDO O CORPO DE NOSSO SENHOR CHEGA ATÉ NÓS NA SAGRADA COMUNHÃO, DEVEMOS TAMBÉM ENVOLVÊ-LO COM O PERFUME DAS SANTAS INTENÇÕES, COM O PERFUME DAS BOAS OBRAS, COM A APRESENTAÇÃO DE UM CORAÇÃO PURO DA INOCÊNCIA, FIGURADA NAQUELE LINHO SEM MANCHA; COM UMA RÍGIDA DETERMINAÇÃO DE FAZER O BEM TAL QUAL A PEDRA DO SEPULCRO; UMA CONSCIÊNCIA INTEIRAMENTE RENOVADA PELA PENITÊNCIA; E, DEPOIS DA COMUNHÃO, DEVEMOS CERRAR AS PORTAS DO NOSSO CORAÇÃO COM A PEDRA E O SELO DO NOSSO RECOLHIMENTO, FRENTE A MODÉSTIA, MESURAS E ATENÇÃO COM NÓS MESMOS, COMO GUARDAS VIGILANTES PARA IMPEDIR QUE NOS ARREBATEM O TESOURO PRECIOSO QUE ACABAMOS DE RECEBER.

É assim que fazemos? Este mistério nos ensina, em segundo lugar, AS TRÊS PREMISSAS QUE CONSTITUEM A MORTE ESPIRITUAL A QUE ESTÁ CHAMADO TODO CRISTÃO, segundo a doutrina do Apóstolo: 'tomai-vos por mortos, porque mortos estais e vossa vida está escondida com Cristo em Deus'. O primeiro dessas premissas é AMAR A VIDA OCULTA; estar como morto, em relação a todas as coisas que podem ser ditas ou pensadas sobre nós, não buscar nem ver o mundo, nem ser visto por ele. Jesus, na noite do seu sepultamento, dá-nos esta lição. Que o mundo nos esqueça e até nos possa pisar, pouco nos importa. Nós não devemos nos preocupar com isso, mais do que se importa um morto. A felicidade de uma alma cristã é se esconder em Jesus e em Deus. Nossa perversa natureza se compraz em deleitar-se, em querer ser louvado, amado, ser distinguido de reputação e amizades; não lhe façamos caso; quanto mais sensível e extremado sejamos ao apreço dos outros, mais indigno este se torna e maior é a nossa necessidade de privar-nos dele. Que se nos livre da reputação, para que em nada nos levem em conta, que nem pensem em nós, que nos olhem com horror. Faça-se, Senhor, Vossa Santa Vontade! 

A segunda premissa da morte espiritual é USAR OS BENS SENSÍVEIS POR NECESSIDADE, SEM DAR-LHES NENHUMA IMPORTÂNCIA; não nos deleitar com a preguiça nem com os prazeres da vida, nem os prazeres da gula, nem a satisfação da curiosidade que quer ver e saber de tudo; estar, em suma, como mortos para os prazeres dos sentidos. Nesta segunda premissa é preciso juntar O ABANDONO DE SI MESMO À DIVINA PROVIDÊNCIA, abandono que, tal como um cadáver, nos deixamos levar, sem argumentar e nem querer ou desejar qualquer coisa, indiferentes a todas as coisas e a todas as ocupações. Quando deixarei de me amar desordenadamente? Quando morrerei em mim para viver somente em Vós?

II - O QUE NOS ENSINA A DESCIDA DA ALMA DE JESUS AO LIMBO

Este mistério nos ensina, em primeiro lugar, O AMOR DE JESUS AOS HOMENS. Ao deixar o sagrado corpo, sua santa alma poderia ter-se apresentado diante de Deus para descansar ali todas as suas dores; mas o seu amor para os homens o inspirou a descer ao limbo para consolar os Patriarcas e anunciar-lhes que, dentro de quarenta dias, eles o iriam acompanhar ao paraíso. É assim, pois, que o amor de Jesus não tem repouso. Após sua morte, como em sua vida, fez todo o bem possível aos homens. Obrigado, ó Jesus, mil vezes obrigado por este esforço em nos fazer tanto bem. 

Este mistério nos ensina, em segundo lugar, O NOSSO AMOR A JESUS. À vista dessa santa alma, os justos retidos não podem conter o seu júbilo e entoam cânticos de louvor, gratidão e amor, e entregam todos os seus corações ao Deus libertador. Eis aí os nossos modelos: Por que teríamos menos gratidão e amor, uma vez que Jesus morreu por nós e por eles, porque nos ama como amou a eles e, como a eles, nos prometeu seu Paraíso?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).

sexta-feira, 29 de março de 2024

SEMANA SANTA MAIOR: SEXTA-FEIRA SANTA

  CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO E MORTE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


Nós Vos adoramos, Nosso Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos,
porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.

Penitência, jejum, abstinência, silêncio, oração. Jesus agonizante acabou de pronunciar suas últimas palavras, entregando o Espírito ao Pai. E morre sobre a cruz. José e Nicodemos o descem do lenho das flagelações para os braços da Mãe Dolorosa. E, então, o conduzem para o Santo Sepulcro.


Transportemo-nos em espírito ao Calvário; adoremos ali a Jesus cravado na Cruz por nós e, à vista do seu Corpo transformado em uma única chaga, deixemos transbordar a compaixão dos nossos corações, em ato de agradecimento, contrição, amor e devoção.

I - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE AMOR 

Contemplemos amorosamente o divino Crucificado desde os pés até à cabeça, desde o menor movimento de seu Coração até às suas mais vivas emoções; tudo nos conduz a amá-lo; todo Ele nos diz: 'Meu Filho, dá-me o teu coração'. Seus braços estendidos nos revelam que Ele nos abraça a todos sem distinção; sua cabeça, que não pode repousar a não ser sobre os espinhos que a mantém suspensa, inclina-se para nos dar o beijo da paz e da reconciliação; seu peito, retalhado pelos golpes, ergue-se sob a cadência de um coração cheio de amor; suas mãos e os seus pés, perfurados pelos cravos; sua visão esmaecida, suas veias exangues, sua boca seca pela sede, todas as chagas, enfim, que cobrem o seu corpo, formam um concerto de vozes a nos dizer: 'Vede o quanto Ele nos ama!' 

AH! SE PENETRÁSSEMOS NESTE CORAÇÃO, O VERÍAMOS TODO OCUPADO EM NOS AMAR A TODOS, PEDINDO MISERICÓRDIA POR NOSSAS INGRATIDÕES, NOSSA FRIEZA E NOSSOS PECADOS; PEDINDO POR NÓS TODOS OS SOCORROS DAS GRAÇAS QUE TEMOS RECEBIDO E RECEBEREMOS; OFERECENDO AO PAI A SUA VIDA POR NÓS, O SEU SANGUE, TODAS AS SUAS DORES INTERNAS E EXTERNAS; ENFIM, CONSUMINDO-SE EM ARDORES INDESCRITÍVEIS DE AMOR, SEM QUE NADA POSSA DISTRAÍ-LO.

Ó amor! Seria demasiado morrer de amor por tanto amor? 'Ó Bom Jesus', direi como São Bernardo, 'nada me enternece tanto, nada me abrasa e incendeia meu coração de vosso amor do que a Vossa Paixão'. É ela que me atrai mais a Vós, é ela que me une a Vós mais estreitamente, é ela que, com mais firmeza, me comove. Ó quanta razão tinha São Francisco de Sales ao afirmar que o Monte Calvário é um monte de amor; que ali, nas chagas de Jesus, as almas fieis encontram o mais puro amor e, no próprio Céu, depois da bondade divina, é a Vossa Paixão o motivo da maior alegria, o mais doce e o mais poderoso instrumento para sublimar de amor os bem aventurados! E eu, Jesus, diante disso, ó Jesus Crucificado, poderia ter outra vida que não Vos amar?

II - SEXTA-FEIRA SANTA, DIA DE CONVERSÃO 

PARA PROVAR A JESUS CRUCIFICADO QUE EU O AMO VERDADEIRAMENTE, É PRECISO QUE EU ME CONVERTA, QUE EU DEIXE MORRER, AOS PÉS DA CRUZ, TUDO QUE AINDA EXISTE DO MUNDO EM MIM, todas as minhas negligências e todas as minhas tibiezas, todo o meu amor próprio e meu orgulho; todas as minhas futilidades, desejos de gozos e prazeres, tão grandes inimigos do despojamento e da mortificação; a sensibilidade que, de tudo, se ressente; o espírito de crítica e de maledicência, que de tudo murmura; a tibieza, a dissipação e o espírito errante, que não quer refletir em recolhimento; a intemperança da língua, que fala de tudo que está no nosso interior; enfim, de tudo aquilo que é incompatível com o amor que nos pede Jesus Crucificado. 

Há que se substituir todas estas más inclinações pelas sólidas virtudes que a Cruz nos ensina: a humildade, a mansidão, a caridade, a paciência, o despojamento. Jesus nos pede tudo isso, por todas as suas chagas, por tantos outros modos. Podemos recusar? Poderia eu conservar meus apegos, quando o vejo desnudo na Cruz? Desta nudez não poderia eu me vestir, fazer minha veste dos seus opróbrios, minha riqueza de sua pobreza, minha glória de sua vertigem, minha alegria dos seus sofrimentos?

(Excertos da obra 'Meditações para todos os dias do ano para uso do clero e dos fieis', de Pe. Andrés Hamon, Tomo II).