domingo, 30 de outubro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendirei eternamente o vosso nome; para sempre, ó Senhor, o louvarei!(Sl 144)

 30/10/2022 - Trigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum

49. SOB O DOMÍNIO DA GRAÇA 


A caminho de Jerusalém, para viver a história definitiva de sua Paixão e Morte na Cruz, Jesus estava passando pela região de Jericó, quando se defronta com Zaqueu, o publicano, homem muito rico e de grandes posses. Na condição de judeu cooptado pelos romanos para desempenhar a função de lhes cobrar impostos, Zaqueu era visto como um traidor do seu povo e odiado e desprezado pelos seus conterrâneos.

Mas, ao contrário de muitos outros judeus que o odiavam, 'Zaqueu procurava ver quem era Jesus' (Lc 19,3). 'Procurar ver Jesus' possui aqui dois sentidos bastante distintos, mas essencialmente complementares. No primeiro sentido, Zaqueu foi movido pela graça dos bons propósitos e da conversão sincera. No segundo sentido, 'ver Jesus' estabelecia problemas práticos bastante óbvios, uma vez que, além da sua baixa estatura, Zaqueu encontrava dificuldades extremas em acessar a figura do Mestre, tolhido pela presença da grande multidão que O cercava, extasiada ainda pelo extraordinário milagre da cura do cego encontrado à beira do caminho (Lc 17, 36).

E o que faz este homem rico e de muitas posses? '... ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali' (Lc 19, 4). Acima da murmuração e da agitação extremada do mundo, Zaqueu elevou-se da sua pequenez e colheu frutos abundantes da graça de Deus. Ali, do alto de uma figueira, paciente, confiante, perseverante, esperou. E Jesus veio ao seu encontro, como vai de encontro a toda ovelha perdida e fora do redil: 'Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa' (Lc 19, 5). E Zaqueu recebeu Jesus 'com alegria'.

E aqui são expostos mais uma vez as variantes e os atalhos da alma humana, essencialmente distintos, ainda que movidos pela mesma manifestação da admiração. A multidão mais admirada pelo milagre do que pelo Senhor do milagre, quedou-se à murmuração. Zaqueu, sob o domínio da graça, fez brotar da sua admiração ao Senhor sementes de arrependimento e salvação: 'Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais' (Lc 19, 8) e, como Marta, escolheu definitivamente a melhor parte: 'Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido' (Lc 19, 9-10).

sábado, 29 de outubro de 2022

ORAÇÃO AO SANTO ANJO DA GUARDA DO BRASIL

As nações e os povos, tanto como cada homem individualmente, têm os seus destinos guardados e regidos por um Anjo da Guarda. Assim nos ensina São Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, bem como a Tradição da Igreja. O Brasil, portanto, é guiado, conduzido e amparado por um guardião celeste que, sustentado pelas orações e boas obras do povo brasileiro, intervém na formação e desenvolvimento dessa nação para nos fazer mais próximos dos Céus como um povo santo de uma nação santa. É fato conhecido que o Anjo da Guarda do Brasil era celebrado no dia 7 de setembro e muito honrado no período do Império. Mais ainda, embora esse anjo nunca tenha sido plenamente identificado como sendo o Arcanjo Rafael, alguns bispos consagraram o Brasil no passado a esse arcanjo, como protetor da nação brasileira.

Nestes dias tremendos em que vivemos, em que as nossas escolhas e o nosso livre arbítrio, como filhos de Deus, tendem a nos impelir a todos a um caminho de mazelas e de perdas generalizadas da autêntica catolicidade e da fé cristã, a par as nossas debilidades e deploráveis fraquezas espirituais, elevemos as nossas orações ao Santo Anjo da Guarda do Brasil para nos livrar dos males e do avanço da iniquidade sobre nossas famílias, nossos valores morais, nossa história de Terra da Santa Cruz (Terra Sancta Crucis), nossa herança sagrada de povo santo e nação santa, sempre protegida e amparada por Nossa Senhora da Conceição Aparecida.


1. Deus Eterno e Onipotente, que destinastes a cada nação o seu Anjo da Guarda, concedei que, pela intercessão e patrocínio do Anjo da Guarda do Brasil, sejamos livres de todas as adversidades. Por Jesus Cristo nosso Senhor. Amém. 

2. Ó Deus, cuja providência não conhece limites, Vós nos concedestes um anjo que vela sobre a nossa nação; nós Vos suplicamos que, com o auxílio deste divino guardião, conservemos a fé, a esperança e a caridade, vivendo na paz e na concórdia nesta terra de Santa Cruz. Por nosso Senhor Jesus Cristo Vosso Filho na unidade do Espírito Santo. Amém.

3. Santo Anjo do Brasil, vós fostes encarregado pelo Pai Eterno de guardar esta Terra de Santa Cruz e ajudá-la a crescer e desenvolver-se conforme os seus desígnios benevolentes. Nós cremos no vosso poder junto de Deus e confiamos na vossa prontidão em socorrer-nos. Sede, pois, nosso guia para que cumpramos convosco a nossa missão no mundo. Ajudai a Igreja no Brasil a anunciar Cristo com franqueza e alegria e penetrar toda a sociedade com o fermento do Evangelho. Afastai, com a força da Santa Cruz, todos os poderes inimigos que ameaçam o povo brasileiro. Unimos as nossas preces às vossas. Apresentai-as diante do Trono de Deus, para que, unidas ao sacrifício de Jesus, oferecido diariamente em nossos altares, alcancem aquelas graças que mais precisamos nesta hora de combate espiritual. E guardai-nos, sempre debaixo do manto protetor de Nossa Senhora Aparecida, nossa Mãe e Rainha, para que permaneçamos fiéis no caminho de Jesus, o único que nos conduz da terra ao Céu. Lá na assembleia de todos os povos, unidos como uma só família de Deus, louvaremos e agradeceremos convosco ao Pai Eterno, com seu Filho e o Espírito de Amor, por toda a eternidade. Amém.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

SOBRE A NEGLIGÊNCIA

A negligência é um obstáculo à perfeição, pois entrega os que têm este vício nas mãos dos inimigos. Para que não te tornes escrava deste pecado, é preciso que fujas da curiosidade, do apego aos bens terrenos e de qualquer ocupação que não convenha ao teu estado. É preciso que faças esforço para corresponder com presteza a toda a boa inspiração e a qualquer ordem de teus superiores, fazendo tudo no seu tempo, e do modo que os superiores querem.

Não demores, por pouco que seja, a obedecer. Esta falta de diligência acarretará uma segunda, logo uma terceira e outras muitas. Os sentidos se habituam à negligência e cederás então, mais facilmente que no princípio, pois já estás presa ao prazer que provaste. E assim irás habituando a começar o teu trabalho muito tarde, ou então, deixá-lo-á muitas vezes, como coisa merecida. Pouco a pouco, irá se formando o hábito de negligência, que se tornará totalmente forte de modo que, no momento da falta, reconheceremos que somos muito negligentes e sentiremos repugnância de nós mesmos, mas somente faremos o propósito de mais tarde em outra ocasião, sermos mais solícitos e diligentes.

Esta negligência atingirá toda a nossa alma. Seu veneno infeccionará não somente a vontade, fazendo-a aborrecer aquele trabalho, mas chegará a obstar a inteligência, de modo tal que ela não verá como são vãos aqueles propósitos de resistir, no futuro, diligentemente, às tentações a que agora, voluntariamente, sucumbirmos. Não basta fazer, a qualquer momento, o que devemos fazer. É preciso esperar o seu tempo, que será marcado pela hora de realizá-lo; importa fazê-lo com toda a diligência para que seja cumprido o dever com toda a perfeição possível.

Fazer um trabalho antes do tempo não é diligência, mas finíssima negligência. Fazê-lo apressadamente e sem cuidado, com os olhos fitos no descanso que poderemos desfrutar depois, também não passa de negligência. Estes atos acarretam grande mal à alma, porque não se considera o valor da boa obra, feita no seu tempo, e não se enfrenta, com ânimo resoluto, a fadiga e as dificuldades que o vício da negligência apresenta sempre aos novos soldados.

Deves lembrar-te que uma só elevação da mente a Deus e uma genuflexão em sua honra vale mais que todos os tesouros do mundo. E que, sempre que fazemos violência a nós mesmos e às nossas paixões viciosas, os anjos nos trazem do reino dos céus uma coroa de gloriosa vitória. Aos negligentes, Deus vai tirando as graças que lhes dava e, aos diligentes, as graças vão crescendo para que aquelas almas gozem um dia no Senhor.

Digo o mesmo a respeito da oração. Se ela, por exemplo, deve durar uma hora e isto parece pesado à tua negligência, começa a rezar como se fosse fazer somente durante um oitavo de hora. Passarás depois, com facilidade, ao segundo oitavo, ao terceiro e assim por diante. Mas se, no segundo ou em algum outro oitavo de hora, sentisses que a repugnância e a dificuldade eram fortes demais, deixa para depois a oração para não te cansares em demasia. Mas não te esqueças de retomar, pouco depois, o exercício.

Do mesmo modo deves proceder quanto aos trabalhos manuais, quando acontece que precises fazer muitas coisas e pareçam dificultosas demais, à tua negligência, e te causam aflição. Começa o teu trabalho corajosamente, e empreende uma das obras, como se fosse a única. Cumprirás assim, todo aquele mister que, à tua negligência, parecia de grande fadiga. Se assim não fizeres e não combateres a negligência, prevalecerá em ti este vício que, não somente a fadiga que sentires durante o exercício da virtude te assustará, mas temerás sempre as dificuldades que te advirão dos trabalhos futuros. E estarás sempre ansiosa, temerás sempre os futuros assaltos do inimigo e recearás a todo o momento, que alguém te venha impor alguma coisa desagradável. Viverás sempre inquieta.

E lembro-te, filha, de que este vício da negligência, pouco a pouco, com o seu veneno escondido, não somente ataca as primeiras e pequeninas raízes, que fariam crescer os hábitos das virtudes, mas ferem também os hábitos já adquiridos. É perfeitamente, como o cupim. O vício vai roendo insensivelmente e consumindo o âmago da vida espiritual. O demônio arma este laço contra todos os homens, especialmente contra os mais piedosos. 

Vigia, portanto, reza e pratica o bem e não te demores a tecer a fazenda para a veste nupcial, pois deves estar sempre pronta para ir ao encontro do Esposo. E lembra-te todo o dia, de que quem te dá a manhã não te promete a tarde, e quem te dá a tarde não te promete a manhã. Usa, portanto, de todos os teus segundos e minutos, de acordo com a Vontade Divina, e como se fossem os últimos momentos de tua vida. Além disto, deverás prestar conta minuciosíssima de todos os teus instantes.

Concluo, aconselhando-te a que tenhas como perdido o dia em que, mesmo se trabalhaste muito, não conseguiste muitas vitórias contra as tuas más inclinações e contra a tua vontade própria, ou não agradeceste ao Senhor dos benefícios que te concedeu, particularmente a penosa Paixão que Ele sofreu por ti, e paterno e doce castigo com que te puniu e que te fez digna do tesouro inestimável de algumas tribulações.

(Excertos da obra 'O Combate Espiritual e o Caminho do Paraíso', do Ven. Lourenço Scúpoli, 1939)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

PALAVRAS ETERNAS (XIII)

Beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum Caelorum

'Bem-aventurados os pobres de espírito
porque deles é o Reino dos Céus!' (Mt 5,3)


Era uma vez um rei que tinha duas filhas: uma delas era de singular formosura, porte esbelto, muito atraente e vivaz; a outra, muito feia e sem atrativos, de semblante pálido e trato qualquer. Esta vendo-se tão inferior à outra, foi chorar junto ao pai, lamentando-se que ninguém a tomaria por esposa. Disse-lhe então o pai: 'Aquieta-te filha, que eu tenho determinado que quem escolher a tua irmã não levará mais dote além da sua formosura e boa conversação; mas quem escolher a ti, levará por dote todo o meu reino'. 

Eis aí a sã doutrina! Este rei é Deus e as duas irmãs são a opulência e a pobreza, filhas do mesmo pai porque Deus fez o pobre e o rico: Dives et pauper obviaverunt sibi: et utriusque operator est Dominus (Pv 22, 2). A opulência é formosa aos olhos do mundo, reluz muito, veste-se muito bem, vive contente e onde quer que vá recebe vivas e agrados. Ao contrário, a pobreza é feia e triste, tende a ser repelida e vive abandonada. Quem se casa com a opulência, porém, não leva mais nada além do dote da glória e do brilho do mundo, que logo passam. E quem recebe a pobreza e com ela vive em paz, promete-lhe Deus o Reino do Céu: beati pauperes spiritu, quoniam ipsorum est regnum Caelorum (Mt 5,3).

(Pe. Manuel Bernardes, em 'Sermões e Práticas').

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XLII)

Segunda Parte - O PURGATÓRIO, MISTÉRIO DE MISERICÓRDIA

Capítulo I

Temor e Confiança - A Misericórdia de Deus - Santa Lidwina e o Sacerdote Pouco Confiante - A Boa Vontade - São Claúdio de la Colombière e seu Testemunho Espiritual

Acabamos de considerar os rigores da Justiça Divina na outra vida; eles são tremendos e é impossível pensar neles sem um grande temor. A esse fogo aceso pela justiça divina e a essas dores excruciantes, comparadas com as quais todas as penitências dos santos e todos os sofrimentos dos mártires juntos não são nada, quem ousaria pensar e refletir sobre elas e não estremecer de muito medo?

Este temor é salutar e conforme ao espírito de Jesus Cristo. Nosso Divino Mestre deseja que tenhamos medo e que tenhamos medo não só do Inferno, mas também do Purgatório, que é uma espécie de inferno mitigado. É para nos inspirar este santo temor que Ele nos mostra as masmorras do Supremo Juiz, de onde não sairemos até que tenhamos pago o último centavo (Mt 5, 26). Podemos dizer do fogo do Purgatório o que se diz do fogo do Inferno: 'Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma, mas temei aquele que pode lançar no inferno tanto a alma como o corpo' (Mt 10,28). 

No entanto, não é intenção de Nosso Senhor que tenhamos um medo excessivo e estéril, um medo que nos tortura e desencoraja, um medo sombrio e sem confiança. Não; Ele deseja que nosso medo seja temperado com uma grande confiança em sua misericórdia; Ele deseja que tenhamos medo do mal para preveni-lo e evitá-lo; Ele deseja que o pensamento dessas chamas vingadoras nos estimule ao fervor ao seu serviço, e nos leve a expiar nossas faltas neste mundo e não no outro. 'Melhor é purgar nossos pecados e eliminar os nossos vícios agora' - diz o autor da Imitação - 'do que mantê-los para purificação futura' (Im 1, 24.2). Além disso, se apesar de nossos esforços para viver bem e de satisfazer nossos pecados neste mundo, temos temores bem fundamentados de que teremos que passar por um purgatório, devemos olhar para essa contingência com confiança ilimitada em Deus, que nunca deixa de consolar aqueles a quem Ele purifica pelos sofrimentos. 

Assim, no sentido de dar ao nosso medo esse caráter prático, esse contrapeso de confiança, depois de ter contemplado o Purgatório com todo o rigor de suas dores, devemos considerá-lo sob outro aspecto e de um ponto de vista diferente – o da Misericórdia de Deus, que brilha nele com não menos magnitude que a sua Justiça. Se Deus reserva castigos terríveis na outra vida para as menores faltas, Ele não os inflige sem, ao mesmo tempo, temperá-los com clemência; e nada mostra melhor a admirável harmonia da perfeição divina do que o Purgatório, porque ali se exerce a mais severa Justiça, juntamente com a mais inefável Misericórdia. Se Nosso Senhor castiga as almas que lhe são queridas, é de acordo com o seu amor, segundo as palavras: 'A quem amo, repreendo e castigo' (Ap 3,19). Com uma mão, Ele golpeia e, com a outra, Ele cura. Ele oferece misericórdia e redenção em abundância: quoniam apud Dominum misericordia, et copiosa apud eum redemptio (Sl 129). Esta infinita Misericórdia de nosso Pai Celestial deve ser o firme fundamento de nossa confiança e, a exemplo dos santos, devemos mantê-lo sempre diante dos nossos olhos. Os santos nunca a perderam de vista; e foi por isso que o temor do Purgatório nunca os privou de sua paz e alegria do Espírito Santo. 

Santa Lidwina, que tão bem conhecia a terrível severidade do sofrimento expiratório, estava animada por esse espírito de confiança e se esforçou sempre para o inspirar também aos outros. Certa vez, recebeu a visita de um padre piedoso. Enquanto ele estava sentado ao lado dela, junto com outras pessoas virtuosas, a conversa girava em torno dos sofrimentos da outra vida. Vendo nas mãos de uma mulher um vaso cheio de grãos de mostarda, o padre aproveitou para comentar que tremia ao pensar no fogo do Purgatório. 'No entanto' - acrescentou - 'eu ficaria satisfeito em ir lá por tantos anos quantos grãos de semente houver neste vaso; então, pelo menos, eu poderia ter certeza da minha salvação'. 'O que você está dizendo padre - respondeu a santa - 'por que tão pouca confiança na Misericórdia de Deus? Ah se o senhor tivesse um melhor conhecimento do Purgatório e dos terríveis tormentos que ali são suportados!' 'Seja o Purgatório o que for' - respondeu ele - 'eu mantenho o que falei'. Algum tempo depois, este sacerdote faleceu e quando as mesmas pessoas que estiveram presentes durante a conversa dele com Santa Lidwina, questionaram a santa sobre a sua condição no outro mundo, ela respondeu: 'O falecido está bem por causa de sua vida virtuosa, mas teria sido melhor para ele se ele tivesse mais confiança na Paixão de Jesus Cristo e se tivesse tido uma visão mais branda sobre os assuntos do Purgatório'.

Em que consistia essa falta de confiança que mereceu a desaprovação da santa? Na opinião deste bom sacerdote de que é quase impossível ser salvo e que só entraremos no Céu depois de ter sofrido incontáveis ​​anos de tortura. Essa ideia é completamente equivocada e contrária à confiança cristã. Nosso Salvador veio trazer paz aos homens de boa vontade, e nos impor, como condição de nossa salvação, um jugo que é suave e um fardo que não é pesado. Assim, faça valer sempre a sua boa vontade e você encontrará a paz interior e todas as dificuldades e contrariedades irão desaparecer.  Boa vontade! Isso é tudo. Seja uma pessoa de boa vontade, submeta-se à Vontade de Deus e anteponha a sua Santa Lei acima de tudo, servindo ao Senhor com todo o seu coração e Ele lhe dará uma assistência tão poderosa que você entrará no Paraíso com uma facilidade surpreendente. Eu nunca poderia acreditar - você seria levado a pensar - que era tão fácil entrar no céu! Mais uma vez, repito, para realizar em nós esta maravilha de Misericórdia, Deus pede de nossa parte apenas um coração reto e uma boa vontade.

A boa vontade consiste, propriamente falando, em submeter e conformar a nossa vontade à de Deus, que é o fundamento de toda boa vontade; e esta boa vontade atinge a sua perfeição máxima quando abraçamos a Vontade Divina como o bem soberano, mesmo quando ela nos impõe os maiores sacrifícios e os mais agudos sofrimentos. Ó estado admirável! A alma assim disposta parece perder a sensação de dor e isso porque a alma está animada com o espírito de amor; e, como diz Santo Agostinho, quando amamos não sofremos, ou, se sofremos, amamos o sofrimento - In eo quod amatur, aut non laboratur, aut ipse labor amatur.

São Cláudio de la Colombiere, da Companhia de Jesus, possuía este coração amoroso e esta vontade perfeita, e no seu Retiro Espiritual, exprime assim os seus sentimentos: 'Não devemos deixar de expiar as desordens passadas da nossa vida pela penitência; mas isso deve ser feito sem ansiedade, porque o pior que pode nos acontecer, quando nossa vontade é boa e somos submissos e obedientes, é que tenhamos que passar por muito tempo ao Purgatório, o que se pode dizer com razão não ser isso um grande mal. Eu não temo o Purgatório. Do Inferno nem falarei, pois seria ofender a Misericórdia de Deus por possuir o menor medo do Inferno, embora o tenha merecido mais do que todos os demônios juntos. Mas o Purgatório eu não temo. Gostaria de não o ter merecido, pois não o poderia viver sem ter desagradado a Deus; mas, como o teria merecido, devo aceitar e satisfazer a Justiça divina da maneira mais rigorosa que se possa imaginar, e isso até o Dia do Juízo. Eu sei que os tormentos ali suportados são terríveis, mas sei que eles honram a Deus e não podem prover mais dano às almas; que lá estaremos certos de nunca mais nos opor à Vontade de Deus; que nunca mais nos ressentiremos do rigor de seus juízos, que iremos amar a gravidade da sua justiça e esperaremos com paciência até que toda ela seja apaziguada. Por isso, dou de todo o coração as minhas satisfações às almas do Purgatório, e a elas todos os sufrágios que serão oferecidos por mim depois de minha morte, para que Deus seja glorificado no Paraíso pelas almas que mereceram ser elevadas a um grau mais alto de glória do que eu'.

Eis o que faz esse extravasamento da Caridade e onde o amor de Deus e ao próximo nos leva quando se apodera do nosso coração: transforma e transfigura o sofrimento de tal forma que toda amargura se molda em doçura: 'quando chegares a tal ponto que a tribulação te seja doce e amável por amor de Cristo' (Imit 2,12.11). Tenhamos, pois, grande amor a Deus, uma grande caridade e pouco temor do Purgatório. O Espírito Santo nos acalenta no fundo do nosso coração de que, como filhos de Deus, não precisamos temer os castigos de um Pai.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

terça-feira, 25 de outubro de 2022

ORAÇÃO: 25 DE OUTUBRO DA DIVINA INFÂNCIA


A JESUS SOLITÁRIO

Jesus quis nascer fora da cidade, numa caverna solitária, para nos ensinar a amar a solidão e o silêncio. Com efeito, se entramos nessa gruta, não achamos senão solidão e silêncio: Jesus guarda silêncio na manjedoura; Maria e José o adoram e contemplam em silêncio. Feliz da alma que se retira à solidão de Belém para aí contemplar o amor de um Deus! 

Querido Salvador meu, vós sois o Rei do céu, o Rei dos reis, o Filho de Deus; como, pois, estais nesse estábulo e desamparado de todo mundo? Junto de vós vejo somente José e vossa santa Mãe! Ah! desejo ajuntar-me a eles para vos fazer companhia; não me recuseis esta graça. E' verdade que sou indigno dela; mas sinto que me convidais com os vossos doces atrativos. Sim, a vós venho, ó Amadíssimo Menino, deixo tudo para ficar só convosco, durante toda a minha vida, ó divino Solitário, único amor da minha alma! 

Quão insensato sou! No passado vos abandonei, ó meu Jesus, deixei-vos só, fui mendigar, junto das criaturas, prazeres miseráveis e venenosos; mas agora, iluminado pela vossa graça, não tenho outro prazer que viver só convosco, que quereis viver solitário aqui. Ah! quem me dará asas como as da pomba? (Sl 54, 7). Quem me dará a força de sair deste mundo, onde tantas vezes achei a minha ruína; fugir dele e ficar sempre convosco, alegria do paraíso e amigo verdadeiro da minha alma? 

Senhor, prendei-me ao vosso coração, a fim de que não aparte mais de vós e goze a felicidade de vos fazer indefectível companhia. Pelos merecimentos da vossa solidão na gruta de Belém, concedei-me recolhimento nunca interrompido, criai na minha alma um retiro solitário, no qual a minha única ocupação seja entreter-me convosco e submeter-vos todas as minhas ações e pensamentos, consagrar-vos todos os meus afetos, para que vos ame sempre, e suspire sem cessar pelo momento de sair da prisão do meu corpo, para vos ir amar sem véu na pátria dos santos. Amo-vos, ó Bondade infinita, e espero amar-vos sempre, no tempo e na eternidade. O' Maria, onipotente Maria, pedi a Jesus que me prenda com os laços do seu amor, e não permitais que me suceda perder novamente a sua graça. 


(A Divina Infância de Jesus, celebrada a cada dia 25 do mês, por Santo Afonso Maria de Ligório)