quarta-feira, 11 de maio de 2022

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'A moderação é sem dúvida a mais bela das virtudes... A moderação, com efeito, deve temperar a justiça. Não sendo assim, como poderia alguém a quem tens desaprovação – alguém que pensasse ser objeto de desprezo e não de compaixão para o seu médico – como poderia ele vir ter contigo para ser tratado? Foi por isso que o Senhor Jesus mostrou compaixão para conosco. O seu desejo era chamar-nos a si, e não fazer-nos fugir, assustando-nos. A doçura marca a sua vinda; a sua vinda é marcada pela humildade. Ele disse: 'Vinde a Mim, vós que estais aflitos e Eu vos reconfortarei'. Assim o Senhor Jesus reconforta, não exclui, não rejeita. E com razão escolheu para discípulos homens que, sendo fiéis intérpretes da vontade do Senhor, reuniam o povo de Deus em vez de o afastar'.

(Santo Ambrósio de Milão)

terça-feira, 10 de maio de 2022

BREVIÁRIO DIGITAL - LADAINHA DE NOSSA SENHORA (I)

 

Senhor, tende piedade de nós.

(Ilustração da obra 'Litanies de la Très-Sainte Vierge', por M. L'Abbé Édouard Barthe, Paris, 1801)

NA SOLIDÃO DO DESERTO...


Os santos, os Padres da Igreja, os grandes monges contemplativos buscaram de forma determinada o retiro espiritual, o afastamento do convívio dos homens, a solidão para viver de Deus e para Deus (Imitação de Cristo - Livro I , XX.1). Os textos das Sagradas Escrituras são muitos e diversos neste sentido: Davi habitava o deserto desde tenra idade, João Batista escolheu o deserto, Jesus se retirava a lugares ermos para se colocar em oração:

'Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor te conduziu durante esses quarenta anos no deserto, para humilhar-te e provar-te, e para conhecer os sentimentos de teu coração, e saber se observarias ou não os seus mandamentos' (Dt 8, 2).

'Ele conduziu seu povo através do deserto, porque sua misericórdia é eterna' (Sl 135, 16).

'Uma voz exclama: “Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai reta na estepe uma pista para nosso Deus" (Is 40, 3).

'Eu disse no deserto a seus filhos: não sigais os preceitos dos vossos pais, não imiteis as suas práticas, contaminando-vos com os ídolos' (Ez 20, 18).

'De manhã, tendo-se levantado muito antes do amanhecer, ele saiu e foi para um lugar deserto, e ali se pôs em oração' (Mc 1,35).

'A essa notícia, Jesus partiu dali numa barca para se retirar a um lugar deserto, mas o povo soube e a multidão das cidades o seguiu a pé' (Mt 14, 13).

'À Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente' (Ap 12, 14).

A santificação impõe a solidão, o retiro da alma do mundo, o recolhimento interior. Estar com Deus e em Deus impõe o deserto do corpo e da alma, a libertação do mundo exterior e do mundo interior, o domínio da imaginação, dos sentimentos e da própria vontade:

'É difícil uma árvore plantada à beira de uma estrada conservar os seus frutos até a maturidade; é difícil também para uma alma, no meio dos homens, conservar a sua inocência até o fim' (São Crisóstomo).

'Aquele que ama a solidão é invulnerável aos dardos de seus inimigos: mas aquele que se mistura com a multidão receberá feridas frequentes e cruéis' (São Nilo) . 

'A solidão é o muro e o baluarte das virtudes' (São Bernardo). 

'Aquele que habita em ti, ó solidão, eleva-se acima de si mesmo, porque tendo a alma faminta de Deus, põe-se acima de tudo o que é da terra; fica suspensa na força da contemplação, e separada do mundo, voa para o céu, e esforçando-se para ver o que é superior a tudo, despreza tudo o mais' (São Basílio).

'A solidão é a forma e a regra da sabedoria; a solidão é por si só uma predileção à virtude; afastar-se do mundo é dispor-se a ir para o Céu' (São Jerônimo).

segunda-feira, 9 de maio de 2022

A VIDA OCULTA EM DEUS: CONHECIMENTO DOS ATRIBUTOS DE DEUS


Quando uma alma adentra em Deus pela primeira vez, experimenta a impressão que alguém teria ao entrar de repente em uma sala ampla e cheia dos mais ricos e variados tesouros. Não seria capaz de perceber nenhum deles em detalhes, mas apenas ter uma visão geral de todos eles. Tal visão, entretanto, causaria nela uma alegria única, moldada de certa forma por todas as alegrias que seria possível ser experimentadas se ela pudesse admirar cada um desses tesouros em particular. Os atributos de Deus são esses tesouros. Na sua união com Deus, a alma interior os vê em um único olhar e os absorve todos de uma vez, porque Deus é riqueza e simplicidade ao mesmo tempo, de tal forma que a impressão que  se grava em nosso espírito e em nosso coração é fruto de ambos. Ao encanto desta alegria, tão nova para a alma, acrescenta-se algo inesgotável, infinito, que nela se impregna de forma discreta e indescritível.

Pouco a pouco a alma se acostuma a viver nesta cela interior. Adormece e vive nela; faz dela a sua morada. Quando tem que deixá-la, sofre e pressente-se estranha, como alguém fora do seu lugar próprio. Assim que possível, busca retornar, pedindo humildemente a Deus que seja recebida de volta. Deus nem sempre a atende de imediato. Então ela reza em recolhimento e espera, com confiança e em paz, como uma virgem fiel atenta ao menor sinal que possa anunciar a vinda do Esposo. E chega o momento em que Deus a recolhe outra vez na sua intimidade: novas luzes, novos encantos; novas alegrias e ainda muito mais profundas. Aí está a recompensa pela sua fidelidade: 'Muito bem, servo bom e fiel... vem regozijar-te com teu senhor!' (Mt 25, 21).

Aquele sentimento geral que a alma experimenta em seu primeiro encontro com Deus é gradualmente delineado e forjado. Em sequência, cada um dos atributos divinos pode ser melhor conhecido e melhor experimentado. A alma pode experimentá-los cada vez mais intimamente e de forma consciente, tendendo então a ser aquilo que se ama. Neste caso, as coisas tornam-se ainda mais fáceis porque Deus fez da alma a sua morada, está ao alcance das suas aspirações. Assim que Ele se manifesta, a vontade impele a alma ao seu encontro, tomando-o para si com todas as suas forças. Ocorre então um processo de deificação consciente da alma, que pode ser genérica e confusa ou mais precisa e clara, expressa pela dimensão da comunhão da Fortaleza, Sabedoria, Bondade, Misericórdia ou qualquer outro atributo de Deus. Que também se expressa como uma união, envolvendo a Trindade Santa ou apenas uma das Três Pessoas em particular. Neste caso a alma, ao assimilar uma certa Pessoa da Santíssima Trindade, busca ser um reflexo dela e agir da mesma forma que ela em todas as suas atitudes e manifestações.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

domingo, 8 de maio de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

'Sabei que o Senhor, só Ele, é Deus, nós somos seu povo e seu rebanho' (Sl 99)

 08/05/2022 - Quarto Domingo da Páscoa

24. O BOM PASTOR


No Quarto Domingo da Páscoa, ressoa pela cristandade a imagem e a missão do Bom Pastor: 'As minhas ovelhas escutam a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão' (Jo 10, 27-28). Jesus, o Bom Pastor, conhece e ama, com profunda misericórdia, cada uma de suas ovelhas desde toda a eternidade.

Criadas para o deleite eterno das bem-aventuranças, redimidas pelo sacrifício do calvário e alimentadas pela sagrada eucaristia, Jesus acolhe as suas ovelhas com doçura extrema e infinita misericórdia. E com ânsias de posse calorosa e zelo desmedido: 'Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um' (Jo 10, 29-30).

Nada, nem coisa, nem homem, nem demônio algum, poderá nos apartar do amor de Deus. Porque este amor, sendo infinito, extrapola a nossa condição humana e assume dimensões imensuráveis. Ainda que todos os homens perecessem e a humanidade inteira ficasse reduzida a um único homem, Deus não poderia amá-lo mais do que já o ama agora, porque todos nós fomos criados, por um ato sublime e extraordinariamente particular da Sua Santa Vontade, como herdeiros dos céus e para a glória de Deus: 'Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!' (Rm 11, 36).

Jesus toma sobre os ombros a ovelha de sua predileção, cada um de nós, a humanidade inteira, para a conduzir com segurança às fontes da água da vida (Ap 7, 17), onde Deus enxugará as lágrimas dos nossos olhos. Reconhecer-nos como ovelhas do rebanho do Bom Pastor é manifestar em plenitude a nossa fé e esperança em Jesus Cristo, Deus Único e Verdadeiro, cuja bondade perdura para sempre e cujo amor é fiel eternamente (Sl 99,5). Como ovelhas do Bom Pastor, não nos basta ouvir somente a voz da salvação; é preciso segui-Lo em meio às provações da nossa humanidade corrompida, confiantes e perseverantes na fé, até o dia dos tempos em que estaremos abrigados eternamente na tenda do Pai, lavados e alvejados no sangue do Cordeiro (Ap 7, 14b).

sábado, 7 de maio de 2022

O FUNDAMENTO DA BATALHA ESPIRITUAL

São quatro as armas seguríssimas e muito necessárias para vencer a batalha espiritual que é a continua e duríssima luta contra você mesmo. São as seguintes: a desconfiança de si mesmo, a confiança em Deus, o exercício e a oração... mas há alguns enganos que podem levar à perdição.

O engano mais frequente é o da virtude. Muitos, sem pensar, julgam que ela consiste na austeridade de vida, no castigo da carne, nas longas vigílias, nos jejuns, e em outras penitências e fadigas corporais. Outras pessoas, mulheres especialmente, pensam ter chegado à grande perfeição quando rezam muito, ouvem muitas missas e longos ofícios, frequentam as igrejas e a Sagrada Comunhão. Outros ainda, e entre eles, certamente muitos religiosos de convento, chegaram à conclusão de que a perfeição consiste na frequência ao coro, no silêncio, na solidão e na disciplina. A verdade, porém, é muito outra.

Tais ações são, às vezes, meios de se adquirir o espírito e, às vezes, frutos do espírito. Não se pode, porém dizer que somente nestas coisas consista a perfeição cristã e o verdadeiro espírito. Estas pessoas seguem com grande abnegação, e com sua cruz às costas, o Filho de Deus, frequentam os santos sacramentos, para glória de sua divina Majestade, para mais se unirem com Deus e para adquirirem novas forças contra o inimigo.

Se, porém, põem todo o fundamento de sua virtude nas ações exteriores, estas ações, não por serem defeituosas, pois são santíssimas, mas pelo defeito de quem as usa, serão, às vezes mais do que os próprios pecados, a causa de sua ruína. Pois estas almas que apenas prestam atenção às suas ações, largam o coração às suas inclinações naturais e ao demônio oculto. Este, reparando que já está aquela alma transviada, fora do caminho, deixa que ela continue deleitando-se naquele comportamento enganoso, e até mesmo a estimula, embalando-a com o pensamento das delícias do paraíso. A alma logo se persuade de estar no coro dos anjos e de possuir Deus dentro de si.

Estes estão em grave perigo de cair porque têm o olhar interno obscurecido. É com esse olhar que contemplam a si mesmos e suas obras externas boas, atribuindo-se muitos graus de perfeição. E. com soberba, julgam os outros. A não ser por um auxílio extraordinário de Deus, nada os converterá. É evidente que mais facilmente se converte e se entrega ao bem o pecador declarado e manifesto do que o pecador oculto que, enganado e enganadoramente, se apresenta coberto com o manto das virtudes aparentes.

A vida espiritual não consiste nestas coisas. A virtude outra coisa não é senão o conhecimento da finita bondade e grandeza de Deus, e da nossa inclinação para o erro e para o mal. A virtude está no ódio de nós mesmos e das nossas faltas, tanto quanto no nosso amor a Deus e na nossa confiança em Deus. A virtude está não só na sujeição mas, por seu amor, no amor de todas as criaturas.

O ponto mais alto da virtude consiste no desapropriamento da nossa própria vontade, entregando-lhe o comando de nossa vida e das nossas ações, em acatamento total as suas divinas disposições. Por fim: querer e fazer tudo isto para glória de Deus, para seu agrado, e porque ele quer e merece ser amado e servido. Esta é a lei do amor, impressa pela mão de Deus nos corações de seus servos queridos e fiéis. Esta é a negação de nós mesmos, que ele, como Pai e Criador amantíssimo, nos pede, para o nosso bem. Este é o jugo suave de que falava Jesus, a obediência a que o nosso divino Redentor e Mestre nos chama, com sua voz e seu exemplo.

Este é o combate preliminar de adestramento para a grande batalha. Se você aspira a uma vida em perfeita união com Deus, deverá começar pelo combate generoso contra as suas próprias vontades, grandes e pequenas. Com grande prontidão de ânimo, desde o primeiro instante, é necessário que você se aparelhe para este combate, onde só é coroado o soldado valoroso. Este combate é difícil, mais que nenhum outro, pois combatemos contra nós mesmos. Por maior, porém, que seja a batalha, mais gloriosa e mais cara aos olhos de Deus será a vitória.

(Excertos da obra 'Combate Espiritual', de Dom Lourenzo Scupoli)

sexta-feira, 6 de maio de 2022

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXXI)

Capítulo XXXI

Razões da Expiação no Purgatório - Pecados de Escândalo - Padre Zucchi e a Noviça

Aqueles que tiveram a infelicidade de dar mau exemplo, ferir ou causar a perdição das almas pelo escândalo devem ter todo o cuidado de reparar tudo isso neste mundo, senão serão submetidos às mais terríveis expiações no outro. Não foi em vão que Jesus Cristo proclamou: 'Ai do mundo por causa dos escândalos! Ai daquele homem por quem o escândalo vem!' (Mt 18,7). Ouçamos o que o Padre Rossignoli relata em seu Merveilles du Purgatoire

Um pintor de grande maestria e vida exemplar havia feito uma pintura que não se conformava com as regras estritas da modéstia cristã. Era uma daquelas pinturas que, a pretexto de serem obras de arte, são mantidas sob as melhores famílias, e cuja mera visão causa a perda de tantas almas. A verdadeira arte é uma inspiração do Céu, que eleva a alma a Deus; a arte profana, que apela apenas aos sentidos, que não apresenta aos olhos senão as belezas da carne e do sangue, traduz apenas uma inspiração do espírito maligno; suas obras, por mais brilhantes que sejam, não são obras de arte, e este nome é falsamente atribuído a elas. São apenas as infames produções de uma imaginação corrupta.

O artista que mencionamos deixou-se enganar neste caso por um mau exemplo. Em seguida, porém, renunciando a esse estilo pernicioso, dedicou-se à produção de quadros religiosos ou daqueles que pelo menos eram perfeitamente irrepreensíveis. Uma vez realizando a pintura de um grande afresco para um convento dos carmelitas descalços, abateu-se sobre ele uma doença mortal. Sentindo-se prestes a morrer, solicitou ao prior que pudesse ser sepultado na igreja do mosteiro, legando àquela comunidade os seus ganhos, que ascendiam a uma soma considerável em dinheiro, exortando-lhes que fossem rezadas muitas missas para o repouso de sua alma. 

Morreu sob piedosos sentimentos e, após alguns dias, um religioso que havia permanecido no coro depois das Matinas, o viu aparecer em meio a chamas e suspirando de maneira lastimável: 'Como? - disse o religioso - 'como pode você estar padecendo tantas dores, depois de levar uma vida tão justa e morrer uma morte tão santa?' 'Ai!' - respondeu ele - 'tudo isso é por causa do quadro imodesto que pintei anos atrás. Quando compareci perante o tribunal do Juiz Soberano, uma multidão de acusadores veio depor contra mim. Eles declararam que tinham sido estimulados a pensamentos impróprios e maus desejos pela imagem que foi obra da minha mão. Por causa desses maus pensamentos, alguns estavam no Purgatório e outros no Inferno. Estes clamavam por vingança dizendo que, tendo sido esta a causa de sua perdição eterna, eu merecia, pelo menos, o mesmo castigo. Então a Santíssima Virgem e os santos que eu havia glorificado com meus quadros me defenderam. Eles representaram ao Juiz que aquela pintura infeliz tinha sido obra da minha juventude e da qual havia me arrependido; que eu a havia reparado depois com objetos religiosos que haviam sido fonte de edificação para as almas. Em consideração a essas e outras razões, o Juiz Soberano declarou que, por causa do meu arrependimento e das minhas boas obras, eu deveria estar isento de condenação; mas, ao mesmo tempo, Ele me condenou a essas chamas até que aquele quadro fosse queimado, para que não pudesse mais escandalizar ninguém'.

Então a aparição implorou aos religiosos do convento que tomassem as providências para que aquela pintura fosse destruída. 'Eu imploro' - acrescentou - 'procure em meu nome tal pessoa, proprietária do quadro; diga-lhe em que condições estou por ter cedido às suas insistências em pintá-lo e exorte-o a desfazer-se dele de pronto e ai dele se o recusar! Para provar que isso não é uma fantasia e para puni-lo pela sua própria culpa, diga-lhe que em breve perderá os seus dois filhos e, se ainda recusar a obedecer Àquele que nos criou, ele pagará por isso com uma morte prematura'.

O religioso não tardou em fazer o que a pobre alma havia pedido e foi ter com o dono do quadro. Este, ao ouvir essas coisas, pegou a pintura e a lançou no fogo. No entanto, como designado pelas palavras do falecido, ele perdeu os seus dois filhos em menos de um mês e passou o resto dos seus dias fazendo penitência, por ter encomendado e mantido por tanto tempo aquela pintura escandalosa em sua casa. Se tais são as consequências de um único quadro, qual será, então, o castigo dos escândalos ainda mais desastrosos induzidos por maus livros, notícias falseadas, ensinamentos perversos e conversas vulgares? Vae mundo a scandalis! Vae homini illi per quem scandalum venit! - 'Ai do mundo por causa dos escândalos! Ai daquele homem por quem vem o escândalo!' (Mt 18, 7).

O escândalo faz grandes estragos nas almas pela sedução da inocência. Ah! esses malditos sedutores! Eles prestarão a Deus uma terrível conta pelo sangue de suas vítimas. Lemos o seguinte na Vida do Pe. Nicolau Zucchi, escrita pelo Pe. Daniel Bartoli, da Companhia de Jesus. O santo e zeloso Pe. Zucchi, falecido em Roma, em 21 de maio de 1670, atraiu para uma vida de perfeição três jovens, que se consagraram a Deus no claustro. A mais nova delas, antes de deixar o mundo, recebera uma proposta de casamento de um jovem nobre. Após a sua entrada no noviciado, este homem, em vez de respeitar a sua santa vocação, continuou a dirigir-lhe cartas a quem desejava chamar de sua noiva, insistindo que ela deixasse - como dizia - o tedioso serviço a Deus para voltar a viver as alegrias da vida. O sacerdote,  encontrando-o um dia na rua, exortou-lhe que abandonasse tal conduta: 'Eu lhe asseguro' - disse ele - 'que em breve você irá comparecer perante o tribunal de Deus e, portanto, já é mais que tempo para se preparar para isso com sincera penitência'.

De fato, quinze dias depois, este jovem morreu de uma morte muito rápida, que lhe deixou pouco tempo para colocar em ordem os assuntos de sua consciência, de modo que havia tudo a temer por sua salvação. Uma noite, enquanto as três noviças estavam envolvidas em uma conversa religiosa, a mais jovem foi chamada a se dirigir até a sala de entrada, onde a esperava um homem encoberto por uma pesado casaco e que andava a passos largos pelo ambiente. 'Sim, senhor - ela disse - 'o senhor queria falar comigo?' O estranho, sem nada responder, aproximou-se dela e abriu o misterioso manto que o envolvia. A religiosa reconheceu de imediato e horrorizada de que se tratava do recém-falecido, que estava totalmente tomado por correntes de fogo que o prendiam pelo pescoço, pulsos, joelhos e tornozelos. 'Reze por mim!' - gritou ele, desaparecendo em seguida. Esta manifestação milagrosa mostrou que Deus teve misericórdia dele no último momento e que não foi condenado, mas que pagou caro por sua tentativa de sedução à jovem noviça com um terrível Purgatório.

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)