terça-feira, 7 de dezembro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (116/118)


116. HISTÓRIA DE UMA PENEIRA

Um jovem abandonou o mundo e foi sepultar-se no deserto. Tinha ânsias de Deus. Para não pensar senão em Deus e viver somente para Nosso Senhor, encerrou-se numa cela solitária. Dali saía apenas uma vez por semana: ia ouvir a prática que um velho monge fazia àqueles solitários. 

Contam que um dia o jovem foi ter com o santo ancião e falou-lhe:
➖ Meu pai, só tenho um amor: o amor de Deus. Só tenho um desejo: o de o amar cada dia mais. Por isso deixei o mundo; por isso vim morar nestes desertos. Sou feliz em minha estreita celazinha. Encantam-me a oração e a meditação. Deixo o silêncio da minha cela somente para ouvi-lo cada semana. Meu pai, eu o ouço mas não sei o que será: parece-me que não tiro fruto de suas pregações. Não seria melhor que eu ficasse em minha cela consagrando o tempo à oração?

Respondeu o velho santo:
➖ Meu filho, não faças isso; assiste a minhas práticas; sempre farão muito bem ao teu espírito, embora pareça que não sirvam para a purificação de tua alma.

O jovem continuava duvidando. O velho monge calou-se. Em seguida, tomando uma peneira, deu-a ao noviço e disse:
➖ Toma, vai à fonte e traze-me a peneira cheia de água.
O jovem, obediente, foi. Passados alguns instantes, voltava com a peneira vazia.
➖ Meu pai - disse - a água se foi pelos buracos.
➖ Anda - insistiu o monge - volta à fonte e traze-me a peneira cheia de água.
Uma segunda vez foi o noviço. Encheu a peneira completamente. Voltou correndo em vão. Não ficou na peneira nem uma gota sequer.
O ancião sorriu. O obediente noviço corria de novo, enchia a peneira, e quando, de volta, chegava à cela do mestre, para dizer:
➖ Meu pai! Nem uma gota, nem uma...

O santo monge deu-lhe então esta maravilhosa lição:
➖ É verdade, filho, não me trouxeste a água, ela se vai pelos buracos, mas me lavaste a peneira...
O noviço compreendeu a lição: 'Vais aos sermões. Parece-te que não tiras proveito nenhum. Continua assistindo e, pouco a pouco, a tua alma estará purificada das vaidades e triunfará em teu coração o amor das coisas divinas'.

117. UM MONGE E A SUA CURIOSIDADE

Vivia um monge no silêncio de seu mosteiro. Era sábio e santo. Permitiu Deus que uma curiosidade perturbasse a paz de sua alma: 'Qual será atualmente no mundo' - perguntava-se - a mais santa das almas? 'E a mais sábia e mais feliz, qual será?' Estava no coro, às primeiras horas da manhã, orava e dirigia a Deus a mesma pergunta: 'Senhor, das almas que vivem agora neste mundo, qual será a mais santa, a mais sábia e a mais feliz?' Ouviu uma voz que lhe dizia: 'Vai ao pórtico da igreja e ali te dirão quais são'.

O monge pôs o capuz na cabeça, meteu as mãos nas largas mangas do hábito e atravessou os claustros silenciosos. Chegou ao pórtico. Um pobre ali estava. Passara a noite estendido num banco de pedra e naquele momento espreguiçava-se e benzia-se.
➖Bom dia, irmão - disse-lhe o monge.
➖Bom dia - respondeu o mendigo com rosto alegre e em tom de entusiasmo.
➖ Irmão - replicou o monge - pelo que vejo estás contente.
➖ Sempre estou contente.
➖ Sempre? Então és um homem feliz?
➖ Muito feliz - respondeu o humilde mendigo.
➖ Feliz? Não creio. Dize-me: Quando tens fome e pedes esmola e não recebes, és feliz?
➖ Sim, padre, sou feliz, porque penso que Deus, meu Pai, quer que eu passe um pouco de fome. Ele também passou. Mas Deus é muito bom para mim; nunca me falta um pedaço de pão.
➖ Dize-me - prosseguiu o monge - quando está nevando no inverno e tu, tremendo de frio, vais de porta em porta, como um passarinho que salta de um galho para outro, és feliz?
➖ Sim, padre, muito feliz, porque penso: é Deus, meu Pai, que quer que passe um pouco de frio, pois também Ele passou frio. Aliás nunca me falta um palheiro, onde passar a noite.

Estava o monge admirado. Contemplando-o de alto a baixo, disse:
➖ Tu me enganas; não és pobre.
Sorriu o mendigo e respondeu:
➖ Não, padre, eu não sou um pobre.
➖ Logo vi. Então, quem és?
➖ Padre - disse o outro - sou um rei que viajo incógnito por este mundo.
➖ Um rei? Um rei? E qual é o teu reino?
➖ Meu reino é o meu coração, onde mando sobre minhas paixões! Tenho, porém, um reino muito maior. Vê o senhor esse céu imenso? Vê o sol, as estrelas, o firmamento? Tudo isso é de Deus, meu Pai. Todos os dias ponho-me de joelhos muitas vezes e digo: 'Pai nosso, que estais no céus, como sois grande, como sois sábio, como sois poderoso! Não vos esqueçais deste pobre filho que anda por este mundo. Creia-me: Quando chegar a morte, despojarei destes andrajos e voarei para o céu, onde verei a Deus, meu Pai, e com Ele reinarei pelos séculos dos séculos...'

O monge não perguntou nada mais. Baixou a cabeça e voltou ao coro, convencido de ter encontrado o homem mais santo, mais sábio e mais feliz neste mundo.

118. FILHA, TEU PAI ESTÁ NO CÉU

Na vida de Santa Margarida Maria Alacoque lê-se um fato muito consolador. Sendo a santa a mestra das noviças, recebeu uma carta em que se comunicava a morte do pai de uma sua noviça e em que se pedia fosse transmitida a dolorosa notícia sem causar-lhe pena. A santa chamou a noviça e, com palavras de muito conforto, anunciou-lhe a morte do pai. Compreende-se a dor daquela filha.

Passado o primeiro instante de amargura, disse à mestra:
➖ Rogo-lhe, Madre, à senhora que é tão devota do Sagrado Coração de Jesus, que reze pela alma do meu querido pai.
A santa  rezou nessa intenção com todo fervor. Em seguida, toda contente, chamou a noviça e lhe disse:
➖ Minha querida filha, tenho boas notícias: teu pai já está no Céu; foi Jesus quem me disse.

A noviça, diante de tão inesperada notícia, exclamou:
➖Como assim? Meu pai, é verdade, era um bom cristão, mas estava longe de ser um santo!
➖ Dentro de três dias, respondeu a santa, a tua mãe virá lhe visitar: pergunte a ela o que fez o teu pai antes de morrer.

A mãe veio realmente em visita. A filha deu-lhe a consoladora notícia de que o pai estava no céu e depois indagou:
➖ Mãe, o que fez meu pai antes de morrer?
➖ Teu pai, minha filha, quando o padre lhe ofereceu o Santo Viático, viu, entre os que o acompanhavam, um homem que várias vezes o ofendera muito. Quando deu com os olhos nele, antes de tomar a santa comunhão, chamou-o para junto de si e o abraçou e beijou e, em presença de todos, perdoou-lhe de coração os graves danos e as ofensas que dele recebera. A seguir, recebeu contente o Santo Viático. Julgo por isso que, se teu pai já está no céu, é justamente porque, por amor de Deus e a exemplo de Jesus Cristo, perdoou a quem tanto o havia ofendido.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

COROA DO ADVENTO


É uma coroa feita de ramos verdes e de flores, normalmente montada sobre um suporte arredondado, em aro de arame ou madeira, sobre a qual são inseridas quatro velas (uma tradição nomeia estas quatro velas como sendo a vela da Profecia, a vela de Belém, a vela dos Pastores e a vela dos Anjos), que significam as quatro semanas de preparação para o Natal, ou seja, o Advento. As velas são acesas à medida que avançam os quatro domingos de Advento. Assim, no início da primeira semana de Advento, acende-se a primeira vela. No segundo domingo, a segunda e assim sucessivamente até que, nas vésperas do Natal e no quarto domingo, todas as velas estão acesas [pode-se colocar uma quinta vela, branca e montada no centro do arranjo, na Noite de Natal: para expressar que a chegada do Natal é ainda mais importante que o próprio Advento; outra alternativa é depositar uma imagem do Menino Jesus dentro da própria coroa de Advento].

É o símbolo cristão por excelência que nos lembra, em meio a tantas manifestações fantasiosas e comerciais, que o Natal é Luz - a Luz do Cristo que vem para tornar novas todas as coisas e dissipar as trevas de um mundo de pecado. A coroa simboliza a dignidade e a realeza de Cristo. A sua forma circular indica a perfeição, plenitude a que devemos aspirar em nossas vidas de cristãos. O círculo não tem princípio, nem fim, sendo sinal do amor de Deus que é eterno, sem princípio e nem fim e também símbolo da aliança do nosso amor a Deus e ao nosso próximo que também não pode ter fim. Os ramos verdes significam o poder de Cristo sobre a vida e a natureza, dons de Deus. Deus nos oferece a sua graça, o seu perdão misericordioso e a glória da vida eterna no final de nossa vida. Verde é a cor da vida e da esperança, simbolismo da aproximação gradual que o Advento nos convida à preparação da vinda de Cristo Jesus, Luz e Vida para todos.

A coroa de Advento pode ser acesa durante as celebrações litúrgicas, durante o canto de entrada, logo no início da celebração após breve introdução, antes do ato penitencial, antes das leituras ou mesmo após a homilia. Em família ou num grupo de catequese, a prática da Coroa do Advento deve ser acompanhada por um simples e piedoso momento de oração. Pode começar por uma estrofe de um canto de Advento, seguida de uma leitura de uma passagem bíblica própria do tempo do Advento, antes ou mesmo depois de se acender a vela. A oração pode ser concluída por alguma meditação complementar, pela oração de um Pai Nosso, Ave-Maria e Glória ou por uma outra estrofe do canto de Advento.

domingo, 5 de dezembro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria!' (Sl 125)


 05/12/2021 - Segundo Domingo do Advento

2. AQUIETAI AS COLINAS


Eis a hora do Precursor, o maior de todos os profetas, aclamado pelo próprio Cristo como 'o maior dentre os nascidos de mulher' (Mt 11,11). E, como precursor do Messias, João se autoproclamou 'a voz que clamava no deserto', símbolo dos terrenos estéreis e calcinados das almas tíbias e vazias dos homens daquele tempo. Era preciso gerar vida, frutos e abundância de graças nos corações dos homens duros e insensatos para receber o Cristo da Redenção, prestes a chegar.

João Batista foi escolhido por Deus para levar a todos os homens um batismo de conversão: 'percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, como está escrito no Livro das palavras do profeta Isaías: Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. E todas as pessoas verão a salvação de Deus' (Lc 3, 3-6).

E o deserto de hoje é ainda mais árido, muitíssimo mais árido do que nos tempos do Profeta João Batista. O deserto tornou-se uma terra de desolação e infortúnio, na qual o pecado é espalhado como adubo e as blasfêmias contra Deus são os arados. Façamos ecoar pelos pântanos e areiais da nova vida costumeira o refrão profético: 'Aquietai as colinas, volvei ao chão toda montanha de ceticismo, de orgulho, de rebeldia maldosa!' Como iconoclastas de nossas própria ruínas, desfaçamos os templos da barbárie, do escândalo, das heresias, das blasfêmias e de tantos pecados cometidos contra a civilização cristã e a glória de Deus!

Somos a Igreja de Cristo que não se pode sustentar sobre as areias do deserto das almas tíbias, nem sobre as argilas frouxas do ateísmo e da indiferença religiosa. João Batista é tão atual quando da época de sua profecia e sua mensagem ressoa pelos séculos para ser ouvida e vivida pelos soldados de Cristo: tornemos o imenso deserto da nossa humanidade pervertida em terreno fértil para semear com abundância as vinhas do Senhor que está para chegar de novo.

sábado, 4 de dezembro de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: MATRIMÔNIO ESPIRITUAL


Por que a palavra matrimônio? Devido à natureza indissolúvel desta união. Porque produz confirmação na graça - pelo menos São João da Cruz diz assim. É um contrato irrevogável, uma fé juramentada pela eternidade. Vós, ó meu Deus, sempre amareis a sua Esposa e sempre será amada por ela. A alma interior entende também assim. Ela tem uma percepção íntima disso, que é inerente a ela, mas que ela não pode atestar por completo porque não o pode provar. 

Por outro lado, apesar dessa segurança muito firme de que tem consciência, sobretudo em certos momentos, a alma não acredita que esteja minimamente dispensada das regras da prudência cristã no ritmo cotidiano de sua vida. Vê, pelo contrário, com a clareza das evidências, como é indispensável submeter-se a estas regras e não se desviar em nada dos caminhos da obediência. Deus a toma para si e ilumina aqueles que a guiam e a orientam em seu nome. E ela está em paz.

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

PRIMEIRO SÁBADO DO MÊS

  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

POR QUE OS PECADORES SOFREM...


Expliquei antes que é a vontade que faz o homem sofrer. Meus servidores não sofrem porque se despojaram da vontade própria e se revestiram da minha. Eles vivem contentes, sentem a minha presença em suas almas. Mesmo que possuíssem o mundo inteiro, não seriam felizes se eu estivesse ausente. As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, e não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não satisfazem; somente eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de mim. E sofrem.

Queres saber como sofrem? Quando alguém perde algo, com o que se identificara, seu apego faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos com os bens materiais. Eles se materializam. Uns identificam-se com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. São perdidas por ocasião de mortes ou de outros acontecimentos por mim dispostos. Diante de tal perda, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara à desordenada afeição a posse.

Se os pecadores usassem os bens materiais enquanto emprestados, sem nenhum sofrimento os perderiam. Angustiam-se, por não mais ter o que amavam. O mundo não dá a felicidade total; não se sentindo inteiramente saciados, os pecadores sofrem. Quanta ilusão produz, por exemplo, o remorso; como se martiriza quem deseja vingar-se! O homem desejoso de vingança se corrói e morre antes mesmo de matar o inimigo. O primeiro morto é ele mesmo. Mata-se com o punhal do ódio. Quantos padecimentos no ganancioso, que multiplica ao extremo suas necessidades. E o invejoso, a morder-se no próprio coração; jamais se alegra com a felicidade alheia, angustia-se por falsos temores em tudo quanto se apega. Todos estes carregam-se com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem diversamente doentes e, se não se corrigirem, vão depois para a morte eterna.

São homens feridos pelos espinhos das contradições, a torturarem-se interna e externamente. E por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem esses males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor. Não possuem a graça e a caridade, são árvores mortas que produzem frutos mortíferos. Vão se afogando na dor pelo rio do pecado; cheios de ódio entram pela porta do diabo; atingem as águas mortas e chegam à condenação!

(O Diálogo – Santa Catarina de Sena)

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS

DEVOÇÃO DAS NOVE PRIMEIRAS SEXTAS - FEIRAS