terça-feira, 19 de outubro de 2021

A LICENCIOSIDADE DE FALAR E ESCREVER


Continuemos agora com essas considerações sobre a liberdade de exprimir pela palavra ou pela imprensa tudo o que se quer. Sem dúvida, se esta liberdade não é temperada pela boa medida, se ela ultrapassa os limites e a medida, uma tal liberdade, evidentemente, não é um direito, pois o direito é uma faculdade moral. E como nós já dissemos e devemos sempre repetir, seria absurdo pensar que essa faculdade pertence naturalmente e sem distinção nem discernimento à verdade e à mentira, ao bem e ao mal.

A verdade, o bem, pode-se propagá-lo no Estado com uma liberdade prudente para que um maior número seja beneficiado; mas as doutrinas falsas, peste mortal para as inteligências, os vícios que corrompem os corações e os costumes, é justo que a autoridade pública os reprima com diligência, para impedir que o mal se estenda e corrompa a sociedade.

E as maldades das mentes licenciosas que redundam em opressão da multidão ignorante não devem ser menos punidas pela autoridade das leis que qualquer atentado da violência cometido contra os fracos. E essa repressão é tanto mais necessária quanto mais indefesa é a grande maioria da população, impossibilitada de se defender contra esses artifícios do estilo ou as subtilezas da dialética, principalmente quando tudo isso excita as paixões.

Deem a todos a licença ilimitada de falar e escrever e nada mais será sagrado e inviolável, nada será poupado, nem mesmo estas verdades primeiras, estes princípios naturais que devemos considerar como um nobre patrimônio comum a toda a humanidade. A verdade é assim invadida pelas trevas e nós assistimos, como tantas vezes, ao fácil estabelecimento e à plena dominação dos erros os mais perniciosos e os mais diversos.

(Excertos da Encíclica Libertas Praestantissimum, do papa Leão XIII,1888)

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

SOBRE O JUÍZO PARTICULAR


Santo Hilarião (+ 371), penitente austeríssimo, próximo da morte tremia todo ao pensar em ter de render contas de todas as suas obras. E para criar coragem dizia à sua alma apavorada: 'Ó minha alma, bem sabes que servi a Deus durante 70 anos num deserto; por que então ainda temes?'

Quando a alma estiver perante Deus, ser-lhe-á feito um rigoroso processo. Este não durará muito tempo: far-se-á num segundo; mas para compreendê-lo devemos considerá-lo de modo sensível. Eis os acusadores:

1. O demônio está ali pronto para apresentar ao pecador todas as suas iniquidades, lembrando-lhe as renúncias e as promessas feitas no batismo: Praesto erit diabolus; ante tribunal Christi recitabit verba professionis nostrae (Santo Agostinho): 'Esse pecador' - dirá o demônio - 'renunciou a mim, e depois cedeu sempre às minhas tentações e deu atenção às minhas sugestões. Eis aqui a fila dos seus pecados...'

2. A consciência dirá com a sua censura: 'Sim, é verdade: de fato cometestes esses pecados. Tua malícia será a tua condenação, e tua rebeldia gritará contra ti'. Tente o pecador dizer: 'Esse mal eu não fiz... Esse, eu não sabia que era pecado... Esse bem eu não pude fazer...'. A consciência gritar-lhe-á: 'Mentiroso! Isto são desculpas vãs! Para o bem porventura faltou tempo? E de certos pecados não sentias remorso? A ignorância?! Tu quiseste a ignorância: podias e devias instruir-te, e essa ignorância culposa te condena'.

3. E que dirá o Anjo da guarda? Ele foi testemunha de tudo... Deu sempre as suas boas sugestões, mas se nunca foi ouvido?! Como poderá servir de advogado de defesa? 'Lê aqui!...' - O Venerável São Beda conta que na Inglaterra um valoroso capitão, próximo da morte, teve essa espantosa visão. Ao pé de sua cama estavam dois homens negros com um grande livro na mão, os quais lhe disseram: ' Lê aqui: verás todas as iniquidades que cometeste em vida'. E enquanto isso os expunham ante seus olhos. Viu depois um Anjo com um livrinho em que era pouca a escrita e o resto era papel em branco. Disse-lhe o Anjo: 'Lê aqui o pouco bem que fizeste'. Fez-se, então, o confronto das partes, e os espíritos negros invocavam justiça; de sorte que o Anjo bom, muito triste, teve de dizer: 'Sim, é vosso!'

Então pedirá o Senhor contas de suas obras ao pecador: Redde rationem villicationis tuae (Lc 16,2). 'Agora me reconheces?' – Um rei da Inglaterra chamado Rocaredo, indo à caça, perdeu-se numa selva. Veio a noite, e ele ficou muito amedrontado. Andou daqui para ali, finalmente topou com uma casa. Bateu à porta e foi recebido por um aldeão. Mas este, não havendo conhecido o rei, o tratou muito mal e lhe deu até pancada. No dia seguinte, o rei retomou o caminho e, de volta à corte, mandou chamar o aldeão que o havia hospedado à noite e lhe disse: 'Agora me reconheces?' Estas palavras apavoraram de tal modo o infeliz, que ele caiu fulminado (Segneri).

'Agora me reconheces?' - dirá também o Juiz indignado ao pecador. Eu sou o Deus que te criou, e que devias amar e servir. Eu te fiz tantos benefícios; e tu, ingrato, começastes a ofender-me desde menino, antes de conhecer-me, e te uniste ao demônio para me fazeres guerra. Presta-me, pois, conta dos pecados que cometeste: de tantos olhares maus; de tantas palavras escandalosas. Presta-me contas de tantas obras más que fizeste ocultamente, dizendo: 'Ninguém me vê'; e no entanto, eu te vi, eu que sou o Juiz e a testemunha: Ego sum judex et testis' (Jer XXIX, 23).

Presta-me contas de tantas desobediências e falta de respeito aos pais e aos mais velhos. Praticaste tais pecados e eu sempre me calei (Sl 49,20). Presta-me contas de tantas festas não santificadas, que passaste em jogos e passeatas com companheiros do pecado. Quando muito ouvias uma missa: porém, mesmo esta ouvias mal, conversando, rindo, perturbando os bons. Não ias ouvir as prédicas, na doutrina. Cometestes esses pecados e eu me calei. Presta contas dos escândalos dados, e das almas que arruinaste tornando-as presa do demônio. Cometestes esses grandes pecados e eu me calei. Presta contas também do bem que podia fazer e não fizestes. Tinhas tempo para jogos, mas não para recitar umas orações; levantavas-te pela manhã e dormias a noite sem nem se lembrar de mim.

Por tua causa instituí os sacramentos, fonte de toda graça; e os recebestes bem raramente! E até recebeste o meu corpo e o meu sangue na Sagrada Comunhão em estado de pecado mortal, cometendo, ainda, enormes sacrilégios! Cometestes esses pecados horríveis e eu sempre me calei. Eis, como numa balança, as tuas iniquidades e o que eu fiz por ti. Vês? 

Por ti desci do Céu à terra; menino, vagi numa cabana; trabalhei até os 30 anos; fui injuriado, flagelado, coroado de espinhos! Por ti derramei o sangue; morri na cruz numa infinidade de espasmos... Podia eu fazer mais? E tu, ó iníquo, acreditavas talvez que eu deveria calar-me sempre? E que eu fosse igual a ti? Eis diante de ti toda a tua iniquidade: Existimasti, inique, quod erro tui similis? Arguam te, et statuam contra faciem tuam (Sl 49, 21).

(Excertos da obra 'La Parole di Dio per la Via d’Esempi', de G. Montarino)

domingo, 17 de outubro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

  

'Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, pois, em vós, nós esperamos!' (Sl 32)

 17/10/2021 - Vigésimo Nono Domingo do Tempo Comum

47. QUEM ESTARÁ À DIREITA OU À ESQUERDA DO SENHOR?


A glória humana alimentava o pedido despropositado de Tiago e João, filhos de Zebedeu, feito a Jesus quando da sua derradeira subida a Jerusalém: 'Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!' (Mc 10, 37). Aqueles dois homens (que representam o conjunto de todos os demais apóstolos, que se 'indignaram' depois pela audácia deles), mais do que moldados pela graça, ainda estavam envoltos pela penumbra das glórias terrenas e, na dimensão dos poderes de um reino fictício no mundo dos homens, pleiteavam os postos mais elevados 'à direita e à esquerda' do Senhor.

Jesus vai prometer a ambos uma glória muito maior que qualquer poder concedido na escala dos homens. Os poderes e as glórias do mundo, por maiores que sejam, são instáveis e passageiros; Jesus tem a oferecer a eles heranças eternas. Na busca dos valores humanos, imperam a cobiça, a ambição, a disputa desenfreada por aplausos e pompas; a eternidade é moldada pelo recolhimento interior, pela oração e despojamento do ser, pela via do sofrimento e da dor: 'Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?' (Mc 10, 38).

Quando ambos afirmam que 'sim', estão sendo apenas suscetíveis à crença de superação de dificuldades passageiras. Não conseguem vislumbrar os eventos tão próximos da Paixão e Morte do Senhor, o drama do Calvário, tantas vezes mencionado e reafirmado por Jesus em outras ocasiões. Jesus vai, num primeiro momento, confirmar este 'sim': 'Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado' (Mc 10, 39). Com efeito, São João, o discípulo amado, acompanhou Jesus até o instante derradeiro da Paixão e Morte na Cruz; São Tiago foi o primeiro apóstolo a colher as palmas do martírio.

Mas, em seguida, Jesus os alerta que as moradas eternas estão destinadas àqueles forjados pela Santa Vontade do Pai: 'não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado' (Mc 10, 40). Na escala dos valores eternos, o maior é o que serve a todos, o posto mais alto será destinado ao que, por amor a Deus, tornar-se o menor entre os seus irmãos. A verdadeira glória passa pelo Calvário, por uma senda de dor e de sofrimento, e quem estará 'à direita ou à esquerda' de Jesus será aquele que viver e morrer, com maior semelhança, a própria vida e morte do Senhor: 'Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos' (Mc 10, 45).

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

A VIDA OCULTA EM DEUS: DEUS, MORADA DA ALMA

Deus, com efeito, reservou uma morada nas profundezas da alma, na qual nem mesmo a própria alma pode entrar sem a sua permissão especial. E é aí precisamente que a alma é então introduzida, não por alguns momentos, mas para sempre. Deus primeiro revelou à alma a existência desta morada e depois despertou nela um desejo ardente de adentrar nela. Esse desejo foi crescendo e, depois de duras provas, foi realizado. A alma finalmente adentrou a casa do Pai com a firme impressão de ser essa a sua morada para sempre. 

Mas há algo mais, porque a casa de Deus é o próprio Deus. É, portanto, nEle mesmo que Ele faz a alma adentrar. A frase de São Paulo torna-se então uma realidade tangível para a alma, poder-se-ia dizer vivida pela alma: 'em Deus vivemos, movemos e existimos'. Viver em Deus é, de agora em diante, a sua herança. Assim, o descanso, o refrigério, o alimento da alma é o próprio Deus. A alma sente que acaba de receber um novo impulso; a vida, e uma vida divina, passa a fluir através dela. Parece-lhe, não sem razão, que Deus a levou até o mais íntimo de si mesma e que a transpassou nesse abismo misterioso onde o finito e o infinito se confundem. Ali, Deus está por inteiro devotado, como a mais terna das mães, a conceder à alma vida, força, paz e alegria. E então, plena de felicidade, a alma exclama: 'o próprio Deus restaura a minha alma'. 

(Excertos da obra 'A Vida Oculta em Deus', de Robert de Langeac; Parte III - A União com Deus; tradução do autor do blog)

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O PÃO NOSSO DA ORAÇÃO

Nosso Senhor não prometeu, em lugar nenhum, tornar-nos infalivelmente felizes neste mundo; Ele nos prometeu - leiamos o Evangelho - nos escutar como um pai que não daria por alimento ao seu filho, ainda que este lhe pedisse, uma pedra, uma serpente ou um escorpião, mas o pão, o peixe, os ovos, que o nutrirão e o farão viver e crescer. Aquilo que Jesus, nosso Salvador, se empenha de nos dar infalivelmente como fruto de nossa oração, não são aqueles favores que os homens pedem muitas vezes por ignorância daquilo que realmente serve para a sua salvação.

O que Ele nos dá é aquele 'bom espírito', aquele pão dos dons sobrenaturais necessários ou úteis para a nossa alma; aquele peixe por ele preparado que, futuro símbolo que Cristo ressurgido deu em alimento aos apóstolos na praia do Lago de Tiberíades; aqueles ovos, alimento da piedade e devoção para os pequenos, que os homens muitas vezes não distinguem das pedras danosíssimas para a saúde espiritual, a eles oferecidas por satanás tentador.

Os homens muitas vezes são como crianças ignaras daquilo que é bom para elas e que lhes convêm pedir e ineptas muitas vezes as orações que dirigem ao Pai Celeste. Mas o Espírito Santo, o qual com a sua graça age em nossas almas e inspira os nossos gemidos, sabe muito bem dar a elas um verdadeiro sentido e um valor real; e o Pai, que lê no fundo dos corações, à luz do sol, vê aquilo que através de nossas orações e de nossos desejos, o seu divino Espírito pede para nós e por nós, e tais pedidos do Espírito, profundamente íntimos em nós, Ele ouve com toda a certeza.

A oração, portanto, quer ser um pedido daquilo que é bom para a alma, um pedido com perseverança, mas também um pedido piedoso. E qual é a oração piedosa? Não é a oração do som de palavras somente, com a mente e o coração vagando, com os olhos desviando para todos os lados; mas é a oração recolhida que diante de Deus se anima de confiança filial, ilumina-se de viva fé, impregna-se de amor para com Ele e para com os irmãos.

É a oração sempre feita na graça de Deus, sempre meritória de vida eterna, sempre humilde em sua própria confiança; é a oração que, quando vos ajoelhais diante do altar ou diante da imagem do Crucifixo ou da Virgem Santíssima em vossa casa, não conhece a arrogância do fariseu, que se vangloria achando-se melhor do que os demais homens; mas, semelhante ao pobre publicano, vos faz sentir no coração que tudo o que recebestes não é senão pura misericórdia de Deus para convosco.

O pão da divina doutrina é verdadeiramente um pão cotidiano, é o pão da oração. Se volvemos um olhar para a história dos séculos passados, Roma, já nos albores da fé, nos parece como uma cidade orante, não nos templos dos falsos deuses do gentilismo, mas ao único verdadeiro Deus, seja nas casas particulares dos primeiros seguidores de Cristo ou mesmo nas catacumbas, em momentos de maior perigo. Com efeito, desde o século terceiro, ao ar livre ou em verdadeiras igrejas como as nossas, a oração foi desde então para ela potentíssima arma de vitória e de triunfo para permanecer firme diante das perseguições, forte diante os tribunais e os suplícios, para morrer mártir de Cristo sob o ferro dos seus algozes. 

A arma de sua defesa e de sua esperança era a oração, baluarte e rocha de fé as suas basílicas e os seus altares de elevação a Deus; as aras dos mártires, santuários e tumbas, onde a piedade chamava, desde distantes regiões e além dos mares também, devotos e coroados príncipes para se inclinarem na oração e escolherem para si, naqueles lugares venerandos, o repouso de seus despojos mortais. 

A oração é um bem, que não humilha e rebaixa, mas exalta e enobrece o homem. Os artistas mais exímios, os mestres da psicologia figurada, não conseguiram criar nada que mais subjugue o ânimo quanto a representação do homem em oração. Nesta atitude orante, ele demonstra a sua mais elevada nobreza, que se reafirma no princípio geral de que 'o homem é verdadeiramente grande quando está de joelhos'.

(Pio XII, excertos de discursos e alocuções)

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (104/106)


104. DEVOÇÃO AOS SANTOS ANJOS

São Paulo da Cruz e São Francisco de Sales nunca começavam os seus sermões sem antes saudar os Anjos da Guarda de seus ouvintes, suplicando-lhes o seu auxílio. O venerável Baltasar Álvares, em suas viagens, ao entrar em um povoado ou em uma cidade, invocava os Anjos tutelares daqueles habitantes e pedia-lhes que o ajudassem a salvar as almas; e o seu apostolado foi sempre coroado de grande êxito.

Santo Afonso, bispo de Santa Águeda, nunca entrava em um quarto estranho sem saudar primeiro os Anjos da Guarda dos donos da casa. São Luís Maria Grignion de Montfort, missionário e grande devoto de Maria, costumava saudar os Santos Anjos das pessoas com quem se encontrava.

105. QUANTO SOFREM AS ALMAS

O verdadeiro e principal tormento é a privação da visão de Deus. Fala-se, porém, do fogo do purgatório como de uma pena semelhante à do inferno, com a diferença de que não é eterna. Num convento dos Estados Unidos duas religiosas, ligadas durante dez anos por uma santa amizade espiritual, procuraram ajudar-se a servir a Deus cada dia com maior perfeição.

Veio a falecer uma delas a quem chamavam a 'santa da casa'. Fizeram-se por ela os sufrágios costumeiros da comunidade e sua companheira não deixou de recomendar por sua alma de modo todo especial. Uma tarde, na mesma semana da morte, enquanto ceavam, sua amiga que pensava nela, creu ter ouvido estas palavras: 'Venho pedir-lhe três missas; crê você que tenha rezado muito por mim e que não estou sofrendo? Para que tenha uma ideia das minhas penas, vou tocá-la apenas com um dedo'.

No mesmo instante a religiosa sentiu-se tão terrivelmente queimada no joelho que lançou um grito agudíssimo. Toda a comunidade reagiu espantada; interrompeu-se a leitura das orações e todas as religiosas voltaram suas atenções para a Irmã. Interrogada, referiu à Superiora o que acabava de passar-se e viram, com efeito, no joelho da Irmã uma profunda queimadura.

Esse fato ocorreu em julho de 1869, e o periódico La Croix acrescentou que, a 9 de novembro de 1889,  a referida religiosa ainda estava viva e apresentava as cicatrizes da queimadura. As missas foram naturalmente celebradas o mais breve possível e a falecida não tornou mais a se manifestar.

106. ÁTILA E SÃO LEÃO

Assim como o Anjo protegeu a São Pedro, o primeiro papa, livrando-o das mãos de Herodes, assim cuidou também que o grande Papa São Leão não caísse nas mãos do mais feroz dos bárbaros: Átila, rei dos hunos. As hordas dos bárbaros avançavam por toda a Europa, arrasando cidades e levando os povos como escravos. Átila, com seus cem mil guerreiros, havia penetrado no norte da Itália e marchava para Roma, arrasando as cidades, arruinando as searas, roubando tudo quanto tinha algum valor e matando a todos os que se lhe opunham.

Parecia que toda a cristandade ia perecer. Deus, porém, pusera à frente de sua Igreja um homem que foi o martelo das heresias e o domador dos bárbaros, São Leão Magno. Era homem de grande ciência, visão clara, decisão pronta e segura, firmeza inquebrantável, constância em seus projetos e grande caridade. Se era notável como homem de seu século, não era o menos por suas virtudes cristãs; sem pretensões pessoais, todas as suas atividades eram consagradas a Deus, à Igreja e ao serviço dos ignorantes, extraviados, pobres e aflitos.

Assim foi que, quando o imperador Valentiniano III lhe manifestou que seus soldados eram incapazes de defender a Itália e Roma dos bárbaros que avançavam vitoriosos, não duvidou em oferecer a sua vida por suas ovelhas. O terror e o pânico que se apoderaram de Roma e de outras cidades da Itália eram indescritíveis. Ninguém senão Deus podia deter a inundação e as destruições dos bárbaros que já assomavam às portas. O Bom Pastor não faltou ao dever de defender as suas ovelhas.

Mandou oferecer orações ao Deus dos exércitos, suplicando-lhe que velasse por seus rebanhos e pelos tantos inocentes que iriam perecer sem defesa. Dirigindo-se à cidade de Mântua, onde entrara o chefe dos bárbaros, resolveu apresentar-se a ele para implorar misericórdia e paz. Ia revestido de suas vestes pontificais, tiara e báculo; e seu rosto, embora suplicante, apresentava a majestade do Vigário de Jesus Cristo. 

Átila não se impressionaria com essa vista, nem com palavras ou lágrimas; mas aconteceu qualquer coisa de sobrenatural. Dizem que, por detrás do Pontífice, apareceu ao bárbaro um Anjo, sem dúvida São Miguel, com rosto severo e celestial que, de espada em punho, ameaçava Átila se não atendesse as súplicas do venerando ancião. E o feroz conquistador, pela primeira vez, sentiu-se vencido e ordenou imediatamente que suas tropas abandonassem o caminho de Roma e tomassem outro rumo.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)