segunda-feira, 6 de setembro de 2021

UM LUGAR MUITO ESPECIAL

Muitos, muitos homens estavam reunidos e sentados em torno da mesa oval e imensa. A luz que os envolvia era de um brilho e de uma transparência insondáveis. Eles estavam mergulhados na luz de Deus. Todos podiam ver, embora de forma imprecisa e algo indefinida, os que ali também se encontravam e, particularmente, e de forma estranhamente bela, o único lugar vazio em torno da mesa. E nada mais, embora fossem capazes de pressentir a presença do Anjo de Deus em algum ponto às suas costas, em algum lugar indefinido em torno da mesa. E cada um podia ouvir a voz do Anjo, tão clara e tão potente, como se fosse soprada em seus próprios ouvidos.

E o Anjo de Deus chamou primeiro o homem que estava à esquerda do único lugar vazio da mesa, e sua voz ressoou como os grandes címbalos de bronze:

'Quem és tu, ó homem mortal, para ousares chamar o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó de meu Senhor e meu Deus?'

O homem, preso à mesa como por enormes correntes de chumbo, assim respondeu (e o que falou veio como um frêmito nascido no mais íntimo de sua alma, sem distorção alguma pelos espasmos instáveis e sombrios das palavras humanas):

'Sou luterano e professo a religião que me foi outorgada pelos ensinamentos e doutrina de Martinho Lutero, um ex-monge da Igreja...'

'A tua igreja nasceu em 1517... como bem o disseste, é a igreja de Lutero, e não é a Igreja de Cristo. Afasta-te, pois, da luz da glória de Deus!'

E o Anjo de Deus baixou a sua espada de luz e criou um segundo lugar vazio à mesa.

E o Anjo de Deus chamou em seguida o homem que estava à esquerda do segundo lugar vazio da mesa, e sua voz ressoou como os grandes címbalos de bronze:

'Quem és tu, ó homem mortal, para ousares chamar o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó de meu Senhor e meu Deus?'

O segundo homem, tal como o primeiro, de forma igual e por igual impulso espiritual, assim respondeu:

'Sou presbiteriano e minha religião foi fundada por John Knox no ano de 1560...'

'A tua igreja nasceu em 1560... é a igreja de um homem e não a Igreja de Cristo. Afasta-te também, pois, da luz da glória de Deus!'

E o Anjo de Deus baixou a sua espada de luz e criou um terceiro lugar vazio à mesa.

Pela terceira vez, o Anjo de Deus chamou o homem que estava à esquerda do terceiro lugar agora vazio da mesa, e sua voz ressoou como os grandes címbalos de bronze:

'Quem és tu, ó homem mortal, para ousares chamar o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó de meu Senhor e meu Deus?'

O homem, impelido pelo sopro da Verdade de Deus, assim respondeu:

'Sou um membro das Testemunhas de Jeová, e professei com fidelidade extrema os princípios expostos e ensinados por Carlos Taze Russel em 1870, e modificados por seu discípulo Rutherforf em 1918...'

'É essa a idade da tua igreja? Viveste imerso entre trevas e anseias buscar nas trevas de tuas crenças a Igreja de Cristo? Afasta-te também, pois, da luz da glória de Deus!'

E o Anjo de Deus baixou a sua espada de luz e criou mais um lugar vazio à mesa.

E o Anjo de Deus chamou todos os homens reunidos, um a um, sempre chamados à esquerda dos lugares que ficavam vazios de uma mesa cada vez mais vazia. E todos responderam ao Anjo, com um uníssono grito da alma, única Verdade que professaram em vida: 'professamos e vivemos uma religião que foi uma farsa criada pelos próprios homens e que nunca foi a Verdadeira Esposa de Cristo'. E, sob o golpe da espada do Anjo de Deus, foram todos expulsos da mesa e da luz da glória de Deus: batista, anglicano, mórmon, espírita, metodista, adventista...

A enorme mesa oval e iluminada pela luz de Deus era agora um ambiente de lugares vazios. O Anjo de Deus a percorreu mais uma vez e, agora, silenciosamente. Não havia ninguém mais para ouvir a sua voz e responder à sua pergunta. Chegou, então, ao primeiro lugar vazio da mesa, aquele que, em dado momento, havia sido o único lugar vazio à mesa. E, ali, como aprisionado por pesadas correntes à mesa, ouviu uma voz humana, nascida do mais íntimo da alma:

'És tu o Anjo do Senhor que Deus me deu como guardião eterno para me conduzir ao lugar da mesa gloriosa do meu Senhor e meu Deus, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó?'

O Anjo do Senhor, volvendo o olhar de Deus no homem que assim falava, perguntou:

'Quem és tu, ó homem mortal, para ousares chamar o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó de meu Senhor e meu Deus?'

'Eu sou católico apostólico romano, nascido nos primórdios da era cristã, entre umas certas bodas de Caná, um Evangelho, um Calvário e a ressurreição de Jesus Cristo, meu Senhor e meu Deus. Eu professei e vivi em plenitude a doutrina da Santa Igreja Católica'.

O Anjo de Deus guardou, enfim, a sua espada de luz e conduziu o último homem ao primeiro lugar vazio da grande mesa que passou a ter, então, as próprias medidas da eternidade de Deus.

(Arcos de Pilares)

Princípio Teológico do Ecumenismo Zero 
ou 
Princípio Geral do Apostolado Católico pela Conversão de Todos os Homens:

Extra Ecclesiam nulla salus - 'Fora da Igreja não há salvação' 
(Concílio de Florença, por exemplo) 

domingo, 5 de setembro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Bendize, ó minha alma, ao Senhor. Bendirei ao Senhor toda a vida!' 
(Sl 145)

 05/09/2021 - Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum

41. EFATÁ!' 


No Evangelho deste domingo, Jesus em pregação encontra-se em terras estrangeiras, em meio aos pagãos, depois de passar pela Sidônia e atravessar 'a região da Decápole' (Mc 7, 31). Mas, mesmo ali, já eram conhecidos o seu poder e as curas milagrosas que realizava. E, assim, alguns daquela região, inclinados a receber com alegria a doutrina do Mestre, trouxeram à sua presença um homem surdo e que balbuciava palavras com grande dificuldade para que Jesus 'lhe impusesse a mão' (Mc 7, 32), gesto que traduzia concretamente o poder de cura de um grande profeta.

Jesus, entretanto, não vai fazer tal gesto, segundo o costume antigo. Afastando-o da multidão que os cercava, Jesus vai manifestar a sua condição humana e divina como médico do corpo físico mas, e principalmente, de almas. Fisicamente, vai usar o tato para acessar o doente: 'colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele' (Mc, 7,33). E, para confirmar que a cura dos males humanos, físicos ou espirituais, procede apenas de Deus, Jesus, em unidade com o Pai 'olhando para o céu' (Mc 7, 34), vai dizer: 'Abre-te!' (Mc 7, 34) e, somente então, o homem curado passa a falar e ouvir sem quaisquer dificuldades. Jesus recomenda a todos para que não se servissem do fato como história a ser contada, para nos advertir que ninguém nunca se ufane pessoalmente pela realização de uma obra ou de uma cura, que nasce e se dá exclusivamente pela graça de Deus.

De forma muito semelhante, Jesus curou o cego de nascença moldando o barro do chão (Jo 9, 1 - 7); Jesus nos cura dos males físicos e espirituais moldando a argila frágil da natureza humana, pelo cinzel da graça e do amor de Deus. Ao se debruçar até o pó, nos dá ciência de que conhece a nossa imensa fragilidade; ao proclamar sua divindade, nos conforta de que somos os herdeiros da divina misericórdia: 'Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é Ele que vem para vos salvar' (Is 35, 4).

O 'Efatá' pronunciado por Jesus junto aos ouvidos e à boca do surdo-mudo, deve ressoar, com amplitude crescente, no coração de cada homem, para que todos se abram às palavras de salvação, para que a nossa voz não se quede silenciosa diante da verdade ultrajada, para que corações e mentes não se cauterizem insensíveis aos apelos da graça! Como sal da terra e luz do mundo, somos destinados a sermos reflexos diretos da Luz de Cristo no mundo para a cura de muitos homens e para honra e glória de Deus.

sábado, 4 de setembro de 2021

AS TRÊS VIAS TORTAS DA VIDA INTERIOR

1. O diletantismo espiritual

A vida interior não é uma fonte de emoções religiosas que se basta em si mesma. Muitos cristãos, ansiosos de perfeição, dão muita importância a tais gozos, como se eles mostrassem o nível ou traduzissem o desenvolvimento de nosso progresso espiritual.

A emoção sensível - segundo eles pensam - em nossas relações com Deus, seria o testemunho, a prova de intimidade, tal como se nas relações humanas o verdadeiro afeto fosse medido pelas efusões sentimentais que pode provocar. Seguindo o paralelo entre o amor humano e o amor divino, tendo por base perspectivas, em geral, falsas, não é raro pensar-se que é impossível que haja obstáculos na procura, na busca de Deus, como se na vida não víssemos surgir a cada passo coisas temíveis e inesperadas no arroubo das paixões mais nobres e mais desinteressadas. 

E já que Deus está presente em todas as partes e que, ininterruptamente, estão em tudo a Beleza infinita e a Bondade ilimitada, nossa sensibilidade deveria sentir sempre a embriaguez dessa presença e a sedução de tantos esplendores. Daí o fato de muitos se afastarem, abandonarem a vida interior, porque não encontraram a exaltação sensível que se haviam prometido, ou que lhes fora prometido. É comum vermos novelistas e até autores de obras espirituais, apresentarem a união com Deus como um perene festim de bodas. A decepção que experimentam transtorna muito àqueles que, confiados, atenderam ao convite. A ascese e a mística falam outro idioma. Sem a renúncia não há vida interior. Digo 'vida interior' porque não é preciso muita renúncia para que nos emocionemos com a simplicidade de Belém ou para que nos alegremos com os cantos e as luzes de uma missa pascal. 

Santo lnácio de Loiola nos dá duas séries de regras para o discernimento do espírito, para adorar o que, na consolação (a expressão já está consagrada) vem de Deus, e o que, pelo contrário, não é mais que ilusão. Ora, nunca se pode exprobrar a Santo Inácio porque, em sua espiritualidade, tenha deixado à parte o esforço pessoal. Santa Teresa de Ávila considera a mortificação como uma condição indispensável da oração. E a renúncia das 'noites' de São João da Cruz alcança proporções aterradoras.

Essa renúncia impõe-se tanto na oração e na sua preparação imediata como no comportamento geral da vida. Renúncia do espírito na atenção, do coração nos afetos, do corpo nos prazeres e comodidades. Não existe vida interior sem uma ascese do coração, da inteligência, dos sentidos. O diletantismo intelectual ou sentimental nada tem a ver com a vida interior. Que as emoções religiosas constituem manifestações acessórias da vida interior, nada mais exato; porém a realidade espiritual excede-os em todos os sentidos.

2. A pontualidade

No polo oposto ao dos diletantes em religião que andam à cata de emoções, e para se preservarem da ilusão das consolações sensíveis, encontram-se outros que colocaram a vida interior na regulamentação dos atos cotidianos. A fidelidade em praticá-los constitui para eles a essência da vida espiritual. Considerar, antes de tudo, a religião como um dever que se tem de cumprir é, sem dúvida, algo de prudente e vantajoso. Este método evita o capricho e insiste sobre as verdades austeras do cristianismo. Mesmo sendo rígida, tal firmeza não está isenta de elevação.

Mas pode-se cumprir a lei com toda fidelidade sem por isso gozar de vida interior. O soldado que obedece ao regulamento cumpre com seu ofício; mas isso não implica necessariamente que a execução de tais ordens enriqueça muito, digamos, nem seu coração, nem sua inteligência. A execução pontual não é a vida interior; mas pode e deve normalmente conduzir a ela. Não é raro encontrar homens abnegados, de um desprendimento fora do comum, mas que não possuem nenhuma vida interior, ao menos conscientemente. Nem por isso deveríamos desprezar ou subestimar seu espírito de sacrifício ou sua santidade. No sentido em que estamos falando, vida interior e santidade não são a mesma coisa.

Nos vales e planícies por onde correm os rios que deságuam no Mediterrâneo, desde a província até as costas litorâneas, encontramos, a miúdo, leitos de rios obstruídos por penhascos e pedras, arrastados até ali pelas torrentes invernais, e que permanecem secos, desnudos e áridos durante quase todo o ano. Ora aqui, ora ali, uma vegetação rasteira ou uma touceira de juncos, ou ainda alguns louros-rosa atestam a presença de vestígios de umidade. Vários metros abaixo do solo, no entanto, correm lençóis de água abundante e fresca. Muitos viajantes, e até os próprios moradores do lugar nunca suspeitaram dessa efervescência interna e das reservas de fertilidade que se escondem sob aquele árido caos; da existência dessas águas que cruzam aquelas terras sem enriquecê-las e que os habitantes deixam perder-se sem aproveitá-las.

O mesmo ocorre com as virtudes de que acabamos de falar. Uma aridez exterior recobre essa riqueza e essa efervescência que passam despercebidas aos íntimos e até aos próprios olhos dos que a possuem. O evangelho não nos mostra o reino de Deus como um conjunto de regras a seguir. Nosso Senhor compara o reino com uma semente, com uma levedura, com uma realidade que se alimenta e cresce, não por justaposição externa, mas por uma assimilação interna. A primeira imagem que apresenta aos que o interrogam sobre a sua doutrina - alguns dos quais até então não a haviam encontrado, como os judeus de Cafarnaum, Nicodemos e a Samaritana - é a da vida. Aos fariseus, aos quais amaldiçoou, jamais Jesus admoestou por suas irregularidades ou infrações ao código religioso. E até aqueles que não haviam sido corrompidos pelo orgulho farisaico, nem sempre estavam ao abrigo da aridez provocada por uma regularidade que havia mecanizado em excesso sua atividade espiritual.

Somos verdadeiramente os filhos da casa. De modo que nos portamos menos como servos, aos quais o Senhor dá as suas ordens, do que como filhos e filhas que se empenham em compreender o pensamento do seu amantíssimo Pai. A vida interior nos leva a viver como filhos de Deus. No cristianismo, trata-se menos de reconstruir um mosaico de acordo com o modelo do que desenvolver, graças a uma tarefa constante e quase sempre dolorosa, o germe que trazemos conosco, e deixar irradiar em nós 'a luz verdadeira que ilumina a todo o homem'. A regularidade pura e simples em si mesma não dá a ideia da riqueza de nossas relações de filhos com 'nosso Pai que está nos céus'.

3. O alheamento à realidade

Outro erro na vida interior seria o alheamento às realidades mundanas. Às vezes considera-se a vida interior como se se tratasse de uma evasão das nossas ocupações e dos nossos afetos. É uma tentação sedutora, não há que negar, a de abandonar esta intrincada trama dos nossos negócios humanos em procura de uma vida angélica, livre de todos os entraves materiais. Porém nós não somos anjos, e nem temos que chegar a sê-lo, Cristo é nosso modelo e Ele não foi anjo e sim um homem. Ele nos redimiu, encarnando-se, tornando-se um de nós e submetendo-se a todas as nossas debilidades, exceto o pecado.

Submergir-se em uma solidão interior ou exterior que afaste por completo dos semelhantes, dos trabalhos, isto só por uma vocação excepcional; não é o caminho normal pelo qual deve dirigir-se o conjunto dos cristãos. Para a grande maioria, a solidão - o retiro fechado, por exemplo - não deve ser mais que um recolhimento passageiro. Se a vida interior exigisse o afastamento de nossas ocupações e afetos, ela seria exclusivamente daqueles que se apartaram das complicações da existência, como os sacerdotes e religiosos.

Cristãos há que, às vezes, pensam dessa maneira; e por isso afastam-se da vida interior como de um terreno reservado e que jamais lhes seria franqueado. A negligência e a humildade mal entendida, produzem este resultado. Nosso medo ante o esforço acalma-se quando pensamos que, ao menos, isso não nos é exigido de vez que nossa própria vocação ou nossa qualidade de simples cristãos é um obstáculo, ou melhor, é incompatível com as exigências da vida interior. Uma humildade mal entendida espantando-se de ver abrir-se ante nós perspectivas até então ignoradas, pode também desviar-nos da vida interior; para os outros, as ambições heroicas; para nós, a modéstia dos caminhos já traçados.

É um erro evidente. Esta situação a que nos leva e que nos fomenta a preguiça não está dentro da linha cristã. E não aproveitar totalmente das riquezas espirituais oferecidas por Deus, porque desdenham-nas os que nos cercam, não é praticar a humildade. A humildade cristã recolhe avidamente as mais altas ambições; chega até a falar a Deus chamando-o de 'Pai nosso'. Ao nos colocar no mundo, Deus tem um plano do qual participamos. Nosso dever não está em evitá-lo, mas em cumpri-lo. Não estamos no mundo para fugir deste plano, mas para santificá-lo. Para o homem e a mulher casados, a família, os filhos, a profissão, não são obstáculos, muito ao contrário, devem constituir o caminho que leva a Cristo. Afastar-se deste caminho - a menos que se trate de um chamado especial - não é o meio adequado para realizar o cristianismo.

Procurar a Deus longe das condições em que Ele nos colocou é correr o risco de perdermo-nos em vãos esforços. As criaturas com as quais lidamos podem chegar a subjugar-nos; mas, por outro lado, afastando-nos delas podemos encontrar apenas o vácuo. O homem que não ama ao seu próximo ou cujo amor não se manifesta em serviços efetivos, bem pode crer que ama a Deus, mas corre o perigo de se deixar levar por quimeras e de esvair-se na sua própria ilusão. Os erros na vida interior são comuns. Naquele recinto recôndito, no qual só Deus pode penetrar com perfeição, não se encontra a solidez tranquilizadora dos quadros exteriores.

E apesar disso, para julgarmos o valor de nossa vida interior, devemos chegar a esse controle das nossas atitudes, servindo-nos das realidades de cada dia. Os grandes místicos nos recomendam que meçamos os mais extraordinários estados da alma de acordo com a maior ou menor fidelidade em cumprir os deveres de cada dia; a disposição de ânimo manifestada no seu comportamento é que indica se é bom o caminho seguido. O cumprimento fiel da vontade de Deus, eis o critério que devemos adotar para discernir o valor real de nosso interior. E este critério já nos ensinava o Mestre: 'Nem todo o que diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus; e sim o que faz a vontade de Meu Pai que está nos céus' (Jo 12,46).

(Excertos da obra 'Cristãos no Mundo', pelo Pe. E. Roche)

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

TESOURO DE EXEMPLOS (94/96)

 

94. NUNCA PISAREI EM MEU DEUS

Nasceu São Dominguinho [São Domingos do Val] em Saragoça (Espanha) no ano de 1240. Quando sua mãe lhe deu o primeiro abraço, descobriu em seu ombro a marca de uma cruz e, sob os cabelos louros, um círculo encarnado, como de uma coroa de espinhos. O brasão da família, descendente de um cruzado francês, ostentava uma grande cruz sobre fundo encarnado com quatro estrelas angulares.

'Isto significa - dizia-lhe o pai - 'que nós estamos sempre dispostos a derramar o sangue por Jesus Cristo e procuramos exercitar-nos nas virtudes'. O menino foi educado no colégio da catedral. Era de se ver a piedade com que servia ao altar e a voz angélica com que entoava os cantos sacros. Os mestres elogiavam nele mormente a aplicação e a docilidade.

Os judeus de Saragoça resolveram assassinar um menino cristão para regar com seu sangue os pães ázimos da ceia pascal. Encarregado pela sinagoga, um deles sequestrou o inocente Dominguinho, quando regressava da catedral e, à noite, levou-o aos judeus.
➖Dominguinho - disse-lhe o grande rabino - não te faremos mal algum, se atirares ao chão esse crucifixo que trazes ao pescoço e se o pisares com os teus pés.
➖Ah! não; nunca pisarei em meu Deus! - respondeu o menino.

Condenaram-no, então, à morte e reproduziram com ele toda a paixão de Jesus Cristo. Açoitaram-no, coroaram-no de espinhos, pregaram-no na parede e, quando expirou, atravessaram-lhe o coração com uma enorme faca. Durante toda essa cena bárbara, Dominguinho rezava e perdoava. Uma vez recolhido o sangue da vítima, para os seus ritos, os judeus cortaram-lhe a cabeça e as mãos, arrojando-as numa cisterna e, depois, enterraram o resto do corpo. 

Eis, porém, que tudo foi descoberto. Luzes miraculosas foram vistas sobre o sítio em que jazia o cadáver. As autoridades foram avisadas. Feitas as devidas pesquisas, encontrou-se o corpinho mutilado e, depois, a cabeça e as mãos do mesmo. Presos os presumíveis culpados, um deles por nome Albaeluz  declarou-se autor do horrível crime. Foi condenado, mas, antes de morrer, converteu-se ao cristianismo e foi batizado. Certamente foi por meio de Dominguinho que ele alcançou essa graça [Sua festa litúrgica era celebrada em 31 de agosto, sendo excluída no novo calendário litúrgico oficial da Igreja].

95. SÃO GERALDO MAJELA

Nasceu este Santo na pequenina cidade de Muro, na Itália, em abril de 1726. Seu pai, que exercia a profissão de alfaiate, faleceu poucos anos depois, em 1738. Geraldo, que precisava ajudar a mãe e as irmãs, teve de abandonar o estudo e dedicar-se à aprendizagem do ofício paterno. 

Conta-se que, um dia, um pobre lhe pediu que, por caridade, lhe fizesse um terno. Entregou-lhe, para esse fim, um tecido absolutamente insuficiente. O santo não hesitou um instante. Começou a cortar o pano, o qual foi crescendo de tal modo entre as suas mãos, que chegou para o terno e ainda sobrou. Admitido na Congregação Redentorista, foi um modelo de todas as virtudes e um insigne taumaturgo. São sem conta os milagres associados a ele.

Um dia, por exemplo, entrando em uma choupana, pediu à dona que ali morava um pedaço de pão, por amor de Deus. Ora, fazia dois dias que não havia pão naquela casa. A pobre mulher tinha apenas um pouco de farinha, que, naquele instante, trouxera para ele. Desculpou-se, pois, dizendo que nada podia dar, porque nada possuía.
➖ Não tens nada? - replicou o santo - e a vossa caixa não está cheia?
➖ Pobre de mim! Ela está muito vazia, isso sim.
➖ Tende confiança em Deus, e levantai a tampa da caixa.
A mulher abriu a caixa e - ó milagre! - encontra-a cheia de pão de excelente qualidade.

Por causa de sua vida austera e penitente, grande poder tinha o santo sobre os espíritos malignos, que lhe moviam guerra sem tréguas. É notável e interessante o fato seguinte: Geraldo estava de viagem para Iliceto. Espesso nevoeiro caía sobre a terra; a noite adiantada, a cheia do rio, os abismos ocultos pelas trevas, tudo concorria para tornar muito difícil a posição de Geraldo, que, de mais a mais, perdera o caminho. De repente, um vulto sinistro avança, barra-lhe a passagem e diz em tom sarcástico: 'Chegou a hora da vingança: tenho todo poder sobre ti!' Compreendendo que aquele não podia ser outro senão o demônio, Geraldo sem perda de tempo, diz: 'Besta vil, em nome da Santíssima Trindade, eu te ordeno que tomes a rédea do meu cavalo e me conduzas direito à cidade sem me causar dano algum. E o demônio, muito constrangido, teve de obedecer.

Achando-se um dia, na praia de Nápoles, viu que um barco cheio de gente ia sendo arrastado para o alto mar e que, dentro em breve, seria engolido pelas ondas. Considerando a iminência do perigo, Geraldo gritou para a embarcação: 'Em nome da Santíssima Trindade, pára!' E o barco permaneceu imóvel. O santo, caminhando sobre as águas, sem o menor esforço, puxou o barco até à praia. '- Milagre! Milagre! É um santo!...' E Geraldo escondeu-se na oficina de um artesão e dali não saiu até que o povo se dispersasse.

A 16 de outubro de 1755, após uma vida breve mas santíssima, fechou os olhos para este mundo. Quando o médico lhe perguntou se desejava viver, respondeu: 'Nem viver e nem morrer: quero só o que Deus quiser'. E, depois, suspirou: 'Sofrer, meu Jesus, sofrer ainda; é pouca coisa, quando se sofre por vós'. Festa litúrgica em 16 de outubro.

96. O NIGROMANTE SANTO

A vida do irmão coadjutor redentorista, que veneramos em nossos altares como Geraldo Majela, está semeada de maravilhas. Regressava, um dia, ao seu convento. Sua batina muito pobre; seu chapéu muito velho. Atravessava uma floresta e, com o pensamento em Deus, murmurava atos de amor. Andava também por ali um sujeito com o péssimo intento de assaltar os viajantes para roubar-lhes o dinheiro que encontrasse. Viu o jovem religioso e ficou admirado. 'Esse homem' - dizia - 'não é um religioso, deve ser um nigromante, um desses homens que têm trato com os espíritos do outro mundo e que possuem a rara virtude de encontrar tesouros nas entranhas da terra'. E sem mais, aproxima-se do Irmão e diz: 'Não negues: li em teus olhos, todo o teu porte me diz que és um nigromante. És um feiticeiro poderoso, possui os segredos da natureza e sabes as entranhas que guardam tesouros'.

O Santo Irmão fitou nele um olhar cheio de surpresa e de bondade. Deus fê-lo compreender imediatamente que era aquele pobrezinho um salteador de estrada que assim falava, e respondeu: 'Não te enganaste. Tenho realmente o segredo de um grande tesouro. Eu lhe poderia ensinar, mas não me atrevo. Para isso seria mister que fôsses homem de muita coragem... mas não sei se o serás...
➖Sou, sim - replicou o salteador - Não tremo diante de crime algum; a mim não me espanta nem mesmo o diabo. Tenho roubado, matado, enfrentando inimigos. Nem o sangue das vítimas, nem o brilho das armas me intimida. Quando quero alguma coisa, eu a consigo, ainda que tenha que passar por cima de cadáveres.

Geraldo, o jovem taumaturgo, não se intimidou: calmo e bondoso, fixou nele os olhos e disse: 'Pois se és tão valente, segue-me. Garanto que encontrarás um grande tesouro'. Puseram-se a caminhar. Adiante ia Geraldo, atrás o sujeito. Geraldo rezava em voz baixa, o sujeito ia já devorando com os olhos da alma o ouro que via em suas mãos. 

Assim chegaram ao meio da selva, longe da estrada. Ali chegados, tirou Geraldo o capote e estendeu-o aberto no chão. O sujeito olhava assombrado. Começava a tremer. Parecia-lhe que de repente apareceria ali o diabo em pessoa. Mordia os lábios e todo o seu corpo se agitava com espantoso tremor. Geraldo olhou para ele com grande majestade e disse:
➖ Agora ajoelha-te sobre esse manto. 
O sujeito ajoelhou-se. Tremia dos pés à cabeça.
➖Agora junta as mãos! 
O sujeito juntou as mãos e cravou os olhos aterrados naquele tremendo nigromante. Naquele solene momento, São Geraldo tirou do peito o Santo Cristo, que sempre tinha consigo, e, pondo-o diante do salteador, disse:
➖ Meu irmão pecador, eu te prometi que encontrarias um tesouro sem igual nem no céu nem na terra... Não vês o Cristo? Não o conheces? É o teu Deus: morreu por ti, por tua salvação, para perdoar teus pecados, para levar-te para o céu. E tu, infeliz, que fizeste?

Naquele momento, lenta e solenemente, lhe ia recordando todos os seus pecados. E o pobre pecador chorava e soluçava... São Geraldo, chegando aquele devoto crucifixo aos lábios do pecador arrependido, disse com voz enternecedora:
➖ Beija-o, chora aos seus pés todas as tuas culpas e acharás a graça, acharás a Deus e com Deus, meu filho, possuirás todos os tesouros.
O sujeito, desfeito em lágrimas, repetia: 'Meu Jesus, perdão e misericórdia!'. Esteve, em seguida, alguns dias em retiro no convento. Fez ali uma confissão geral, encontrou a paz da alma e saiu bendizendo a hora em que se encontrara com aquele santo Irmão.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)


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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

SALMO 42

'Fazei-me justiça, ó Deus, e defendei minha causa contra uma nação ímpia. Livrai-me do homem doloso e perverso.

Pois vós, ó meu Deus, sois a minha fortaleza; por que me repelis? Por que devo andar triste sob a opressão do inimigo? 

Lançai sobre mim a vossa luz e fidelidade; que elas me guiem, e me conduzam ao vosso monte santo, aos vossos tabernáculos. 

E me aproximarei do altar de Deus, do Deus de minha alegria e exultação. E vos louvarei com a cítara, ó Senhor, meu Deus! 

Por que te deprimes, ó minha alma, e te inquietas dentro de mim? Espera em Deus, porque ainda hei de louvá-lo: Ele é a minha salvação e o meu Deus'.