sexta-feira, 1 de março de 2019

SOBRE A REBELIÃO DOS ÍMPIOS E OS MALES ATUAIS

Em verdade, triste e com o coração dolorido, dirigimo-nos a vós, a quem vemos cheios de angústia, ao considerar a crueldade dos tempos que fluem para com a religião que tanto estremeceis. Na verdade, poderíamos dizer que esta é a hora do poder das trevas para joeirar como o trigo, os filhos de escol (Lc 22,53); 'a terra ficou infeccionada pelos seus habitantes, porque transgrediram as leis, mudaram o direito, romperam a aliança eterna' (Is 24,5). 

Referimo-nos, Veneráveis Irmãos, aos fatos que vedes com vossos próprios olhos e todos choramos com as mesmas lágrimas. A maldade rejubila alegre, a ciência se levanta atrevida, a dissolução é infrene. Menospreza-se a santidade das coisas sagradas e o culto divino, que tanta necessidade encerra, não é somente desprezado, mas também vilipendiado e escarnecido. Por esses meios é que se corrompe a santa doutrina e se disseminam, com audácia, erros de todo gênero. Nem as leis divinas, nem os direitos, nem as instituições, nem os mais santos ensinamentos estão ao abrigo dos mestres da impiedade.

Combate-se tenazmente a Sé de Pedro, na qual pôs Cristo o fundamento de sua Igreja; forçam-se e rompem-se, momentaneamente, os vínculos da unidade. Impugna-se a autoridade divina da Igreja e, espezinhados os seus direitos, é submetida a razões terrenas; com suma injúria, fazem-na objeto do ódio dos povos, reduzindo-a a torpe servidão. O clamoroso estrondo de opiniões novas ressoa nas academias e liceus, que contestam abertamente a fé católica, não já ocultamente e por circunlóquios, mas com guerra crua e nefasta e, corrompidos os corações dos jovens pelos ensinamentos e exemplo dos mestres, cresceram desproporcionadamente o prejuízo da religião e a depravação dos costumes. 

...

Estes males, Veneráveis Irmãos, e outros muitos talvez de maior gravidade, seria prolixo enumerá-los pois que vós os conheceis perfeitamente, Nos obrigam a experimentar dor amarga e constante, pois, constituído na Cátedra do Príncipe do Apóstolos, é mister que o zelo pela casa de Deus Nos consuma. E sabedores, em razão de Nosso múnus, de que não é suficiente deplorarem-se tantos males, mas que se faz necessário remediá-los com todas as nossas forças, recorremos à vossa fé e imploramos a vossa solicitude pela grei católica, Veneráveis Irmãos, porque a vós cabe a virtude e a religião, a singular prudência e constância, que Nos encorajam e consolam em meio a tantas desgraças.

A nós toca o dever de levantar a voz e envidar todos os esforços, para que o javali não destrua a vinha e o lobo não destroce o rebanho; devemos dar-lhes pábulo tão salutar, que nem de leve sequer sejam suspeitos. Longe de nós, e mui longe, que os pastores faltem ao seu dever, abandonando covardemente as ovelhas, quando tantos males nos afligem e tantos perigos nos cercam, e que, sem cuidar da grei, se manchem com o ócio e a negligência. Façamos, pois, causa comum, digo melhor, a de Deus e, de espírito uno, porfiemos contra o inimigo comum, com uma só intenção com um só esforço.

Tudo isto cumprireis plenamente, se, segundo vosso dever, cuidardes de vós mesmos e da doutrina, tendo sempre presente que a Igreja universal repele toda novidade (S. Caelest. PP., ep. 21 ad episc. Galliar.) e que, conforme conselho do Pontífice Santo Agatão, nada se deve tirar daquelas coisas que hão sido definidas, nada mudar, nada acrescentar, mas que se devem conservar puras, quanto à palavra e quanto ao sentido (Ep. ad imp. apud Labb. Tomo II, p. 235, Ed. Mansi). Daqui surgirá a firmeza da unidade, que se radica, em seu fundamento, na Cátedra de Pedro, a fim de que todos encontrem baluarte, segurança, porto bonançoso e tesouro de inumeráveis bens, justamente onde as Igrejas possuem a fonte de seus direitos (S. Innocent. Papa, ep. II, apud Constat.). 

Para reprimir, portanto, a audácia dos que ora intentam infringir os direitos desta Sé, somente na qual se apoiam e recebem vigor, preciso é incular um profundo sentimento de fidelidade e veneração para com ela, clamando, a exemplo de São Cipriano, que em vão protesta estar na Igreja o que abandonou a Cátedra de Pedro, sobre a qual está fundada (S. Cypr., De unitate eccles.).

Deveis, pois, trabalhar e vigiar assiduamente, para guardar o depósito da fé, apesar das tentativas dos ímpios, que se esforçam por dissimulá-lo e desvirtuá-lo. Tenham todos presente que o julgar da sã doutrina, que os povos têm de crer, e o regime e o governo da Igreja universal é da alçada do Romano Pontífice,a quem foi dado por Cristo pleno poder, para apascentar, reger e governar a Igreja universal, segundo os ensinamentos legados pelos Padres do Concílio de Florença (Sess. 25, in definit. apud Labb., tom. 18, col. 527. Edit. Venet.). 

Portanto, todo Bispo deve aderir fielmente à Cátedra de Pedro, guardar o depósito da fé santa e apascentar religiosamente o rebanho de Deus que lhe foi confiado. Os presbíteros estejam sujeitos aos Bispos, considerando-os, segundo aconselha São Jerônimo, como pais da alma (Ep. 2 ad Nepot., a. 1, 24); e jamais esqueçam que os cânones mais antigos lhes vedam o desempenho de qualquer ministério, o ensino e a pregação sem licença do Bispo, a cujo cuidado foi confiado o povo e de quem se hão de pedir contas das almas (Ex can., app 33 apud Labb., tomo I, p. 38, edt. Mansi.). 

...

Outra causa que tem acarretado muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria espalhada por toda parte, graças aos enganos dos ímpios, e que ensina poder-se conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que se amolde à norma do reto e honesto. Podeis, com facilidade, patentear à vossa grei esse erro tão execrável, dizendo o Apóstolo que há um só Deus, uma só fé e um só batismo (Ef 4, 5): entendam, portanto, os que pensam poder-se ir de todas as partes ao porto da Salvação que, segundo a sentença do Salvador, eles estão contra Cristo, já que não estão com Cristo (Lc 11,23)

'Os que não colhem com Cristo dispersam miseramente, pelo que perecerão infalivelmente os que não tiverem a fé católica e não a guardarem íntegra e sem mancha (Simbol. Sancti Athanasii); ouçam S. Jerônimo, do qual se diz que quanto alguém tentara atraí-lo para a sua causa, dizia sempre com firmeza: 'O que está unido à Cátedra de Pedro é o meu' (S. Hier., ep. 57). E nem alimentem ilusões porque estão batizados; a isto calha a resposta de Santo Agostinho que diz não perder o sarmento sua forma quando está amputado da vide; porém, de que lhe serve, se não tira sua vida da raiz? (In Ps. contra part. Donat.).

Dessa fonte lodosa do indiferentismo, promana aquela sentença absurda e errônea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estende por toda parte, chegando à imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. 'Não há morte pior  para a alma do que a liberdade do erro' dizia Santo Agostinho (Ep. 166). 

Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Ap 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; em uma palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidade que mais floresceram por sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações.

Devemos tratar também neste lugar da liberdade de imprensa, nunca condenada suficientemente, se por ela se entende o direito de trazer-se à baila toda espécie de escritos, liberdade que é por muitos desejada e promovida. Horroriza-nos, Veneráveis Irmãos, o considerar que doutrinas monstruosas, digo melhor, que um sem-número de erros nos assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumeráveis livros, folhetos e artigos que, se insignificantes pela sua extensão, não o são certamente pela malícia que encerram, e de todos eles provém a maldição que com profundo pesar vemos espalhar-se por toda a terra. 

Há, entretanto, ó que dor, quem leve a ousadia a tal requinte, a ponto de afirmar intrepidamente que esse aluvião de erros que se está espalhando por toda parte é compensada por um ou outro livro que, entre tantos erros, se publica para defender a causa da religião. É por toda forma ilícito e condenado por todo direito fazer um mal certo e maior, com pleno conhecimento, só porque há esperança de um pequeno bem que daí resulte. Porventura dirá alguém que se podem e devem espalhar livremente venenos ativos, vendê-los publicamente e dá-los a tomar, porque pode acontecer que, quem os use, não seja arrebatado pela morte?

...

Com o coração, pois, transido de tristeza, mas confiante inteiramente nAquele que manda aos ventos e acalma as tempestades, escrevemos estas coisas, Veneráveis Irmãos, para que, armados da couraça da fé, combatais galhardamente os combates do Senhor. É dever vosso manter dentro dos limites todo aquele que se levanta contra a ciência do Senhor. Pregai a palavra de Deus, para que tenham pasto saudável os que desejam a justiça; pois fostes eleitos para serdes cultivadores diligentes da vinha do Senhor; trabalhai, todos unidos, com empenho, para arrancar as más raízes do campo que vos foi confiado e para que, reprimido todo germe de vício, ali mesmo floresça copiosa a messe das virtudes. 

Abraçai, de modo especial e com afeto paternal, aos que se dedicam à ciência sagrada e à filosofia, exortando-os e guiando-os a fim de que não aconteça que, estribando-se imprudentemente em suas forças, se afastem do caminho da verdade, para seguir as sendas dos ímpios. Entendam que Deus é Senhor da sabedoria e emendador dos sábios (Sab. 7, 15) e que é impossível compreender a Deus sem Deus (S. Irineu, lib. 14, cap. 10); Deus, que pelo Verbo ensina aos homens a conhecer Deus. É próprio de homens soberbos ou antes néscios querer sujeitar ao critério humano os mistérios da fé, que ultrapassam a capacidade humana, confiando unicamente em nossa razão, que por natureza é débil e fraca.

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E para que todos estes desejos se realizem propícia e felizmente, elevemos nossos olhares e mãos à Santíssima Virgem Maria, a única que destruiu todas as heresias e constitui a nossa maior esperança (S. Bernardo, sem. De nativitate B. M. V., 57). Peça Ela mesma, com sua intercessão poderosa, para que nossos desejos, conselhos e ações sejam coroados do êxito mais feliz, nesta grande necessidade do povo cristão. Peçamos humildemente aos Apóstolos São Pedro e São Paulo o dom de permanecermos firmes e constantes em não permitir e nem querer outro fundamento que aquele sobre o qual estamos cimentados. Apoiado nesta doce esperança, esperamos que o autor e consumador da fé, Cristo Jesus, nos consolará nestas grandes tribulações, e, em penhor do divino auxílio, damo-vos, Veneráveis Irmãos, e às ovelhas que vos foram confiadas, a Benção Apostólica.

(Excertos da Carta Encíclica Mirari Vos, do Papa Gregório XVI, promulgada em 14 de agosto de 1832!)

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi de 1675...

         'Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra'.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

10 MANEIRAS DO CATÓLICO PASSAR O CARNAVAL

1. No silêncio e no anonimato de tua oração fervorosa, aplaque a cólera de Deus contra os homens mergulhados nas desordens e licenciosidades do carnaval.

2. Pratique, de forma anônima e recata, a piedade e a caridade extremadas a muitos de teus próximos, nestes terríveis dias da insensatez humana!

3. Afaste-se completamente de todos os espetáculos, desordens, sensualidades e demais loucuras daqueles que se embriagam dos prazeres do carnaval pela força dos costumes.

4. Reflita, de forma muito especial e reverente, a memória e a paixão do Senhor nestes dias de carnaval.

5. Busque refúgio no escondimento do mundo, com o firme propósito de manifestar a glória de Deus, nestes dias, por meio da tua vida vivida inteiramente na pequenez e na solidão.

6. Visite o Santíssimo Sacramento durante os dias de carnaval e ofereça a tua oferta de desagravo aos pecados cometidos pelos homens ensandecidos de carnaval.

7. Antecipe a tua preparação, com zelo redobrado, de continência e penitência para a Quaresma.

8. Reze, reze muito, reze o tempo inteiro, com a tua oração, o teu silêncio, o teu descanso, o teu trabalho manual, o teu trabalho mental, com as tuas ações pequenas, simples, cotidianas e boas, oferecendo-as a Cristo em reparação às injúrias e loucuras de tantos homens nestes dias de carnaval.

9. Participe de santas missas, de exercícios ou retiros espirituais ou de atos de adoração, e reze particularmente pelos teus irmãos que dissipam a graça de Deus neste tempo de insanidades.

10. 'Abraça a cruz, enterra-a no seu coração... compadeça de mim e participe da minha dor' (Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque).

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

'EM QUEM TE FIAS, Ó INSENSATO HOMEM?'

Que avisos servirão aos concubinários para deixarem seu mau estado e não tornarem a se implicar nele?

Responde-se, primeiramente: importa que a pessoa que anda neste miserabilíssimo cativeiro aprenda e conheça bem o evidente perigo de sua condenação eterna em que vive. Tenha por certo que o demônio lhe tapa os olhos da alma para que não lhe entre algum raio da luz do Céu, com que descubra estas verdades, e assim faça quantas diligências puder por olhar para si e dar lugar à luz da fé e da razão; porque deste conhecimento próprio depende o princípio do seu remédio. 

Que temeridade seria se um homem se pendurasse de um delgado fio, dentro de um poço profundíssimo? Pois diz-me, homem desatinado, que fio pode haver mais quebradiço e fraco que o da vida humana? Ou que poço mais profundo que o do inferno? Tu bem poderás não considerar estas verdades: mas negá-las não podes, ainda que queiras, pois são de fé. É de fé que hoje e agora, logo podes morrer; é de fé que se morres nesse estado, vás a pique ao inferno, e que uma vez caído dentro, não tens remédio enquanto Deus for Deus. 

Pois diz-me: como te atreves a viver no estado em que não te atreves a morrer: Quomodo vivere non times, ubi mori non audes? De quem te fias, néscio? De ti não, porque tu não te podes valer para que vivas mais, ou para que morrendo não te condenes. Do mundo não, porque também te não pode ajudar nem na morte, nem no inferno; e quem pudera, não se lhe dá de ti, nem de ti se lembra. Do demônio a quem serves, também isso não está na sua mão: e ele é o que mais deseja levar-te, e já o teria feito, se Deus lhe desse licença. De Deus, Ele está em grave ódio contigo, porque O ofendes e desprezas, nem te deu palavra de que morrerás só quando estiveres convertido. Pois em quem te fias, ó néscio e insensato?

Olha que este Senhor é de infinita misericórdia e fácil de perdoar e conhece nossa fraqueza. Tudo isto concede, mas que inferes daí? A misericórdia divina é infinita em si, mas não é infinita em todos os seus efeitos; assim como o tesouro de um rei é grande, mas daí não se segue que dá quantas esmolas que cabem na posse desse tesouro. Bem pode a misericórdia de Deus salvar todo o mundo, e contudo é de fé que a maior parte do mundo não se salva: Multi enim sunt vocati, pauci vero electi. 

Pois porventura deixa por isso de ser a misericórdia de Deus infinita ou deixam os maus e obstinados de ir ao inferno? Deus perdoará, se quiser, por sua bondade livre; e não perdoará, se não quiser, por sua vontade justa. Perdoará se te converteres; mas se te não converteres, como esperas que te perdoe? ... Logo, a tua esperança é falsa, pois se funda só na tua apreensão e no desejo dissimulado de que Deus te deixe pecar quanto quiseres e depois te salve, ainda que não queiras... (mas para não) desprezar estas almas, pois ainda podem tornar em si, apontarei aqui as diligências que se hão-de aconselhar a tais desesperados:

1. Cheguem-se muitas vezes ao confessor, ainda que os não absolva.
2. Rezem o Rosário, Coroa ou Terço à Virgem Senhora Nossa todos os dias, ainda que vá mal rezado.
3. Dêem esmolas com afeto de compaixão do pobre e mandem rezar missas por remissão dos seus pecados.
4. Ouçam a palavra de Deus e leiam vidas de santos, ainda que lhes custe repugnância e tormento da consciência.
5. Sirvam na Irmandade do Santíssimo Sacramento, honrando-o, acompanhando-o e despendendo para o seu culto, porque é culto do Senhor.
6. Travem amizade com pessoas que estão em fama de que agradam a Deus e as sirvam e ajudem no que puderem.
7. Olhem devotamente para a Imagem de algum Crucifixo, fazendo por compadecer-se de suas penas, e digam: Misere mihi misero, misericordiosissime Deus: Tende misericórdia deste miserável, ó Deus misericordiosíssimo.

(Excertos da obra 'Armas da Castidade', do Padre Manuel Bernardes)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

OS SEIS PECADOS CONTRA O ESPÍRITO SANTO

1. Desesperar da salvação: quando a pessoa perde as esperanças na salvação, achando que sua vida já está perdida e que ela se encontra condenada antes mesmo do Juízo. Julga que a misericórdia divina é pequena. Não crê no poder e na justiça de Deus.

2. Presunção de salvação: ou seja, a pessoa cultiva em sua alma uma ideia de perfeição que implica num sentimento de orgulho. Ela se considera salva, pelo que já fez. Somente Deus sabe se aquilo que fizemos merece o prêmio da salvação ou não. A nossa salvação pode ser perdida, até o último momento da nossa vida, e Deus é o nosso Juiz Eterno. Devemos crer na misericórdia divina, mas não podemos usurpar o atributo divino inalienável do Juízo.

3. Negar as verdades da Fé: quando a pessoa não aceita as verdades de fé (dogmas de fé), mesmo após exaustiva explicação doutrinária, como acontece no caso dos hereges. Nestes termos, considera o seu entendimento pessoal superior ao da Igreja e ao ensinamento do Espírito Santo que auxilia o sagrado magistério.

4. Inveja da graça que Deus dá aos outros: a inveja é um sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom; é o ato de não querer o bem do semelhante. Se eu invejo a graça que Deus dá a alguém, estou dizendo que aquela pessoa não merece tal graça, me tornando assim o juiz do mundo. Estou me voltando contra a vontade divina imposta no governo do mundo. Estou me voltando contra a Lei do Amor ao próximo. 

5. A obstinação no pecado: vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do Espírito Santo. Não se aceita a ética cristã, mas se cria um próprio critério de julgamento ético ou então simplesmente não se adota ética nenhuma e assim se aparta da vontade de Deus e se rejeita a Salvação.

6. A impenitência final: é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus; o indivíduo persiste no erro até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusa a salvação até o fim. Nem mesmo na hora da morte, tenta se aproximar do Pai, manifestando humildade e compaixão. 

(Do catecismo Maior de São Pio X)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

SUMA TEOLÓGICA EM FORMA DE CATECISMO (XXVI)

XXIII

 PECADOS DE PALAVRA CONTRA A VIRTUDE DA JUSTIÇA — PECADOS DOS ENCARREGADOS DE ADMINISTRAR A JUSTIÇA: POR PARTE DO JUIZ, DO ATO DO JUIZ, DO ACUSADOR, DO ACUSADO, DAS TESTEMUNHAS E DO ADVOGADO 

Além dos pecados de obras, cometem-se também contra o próximo pecados de palavra? 
Sim, Senhor; e dividem-se em duas categorias: uns, em que se incorre no ato de administrar justiça e outros nas ações correntes e ordinárias da vida (LXVII-LXXVI)*. 

Qual é o primeiro pecado na administração da justiça ?
A do Juiz que não julga ou que decide em desacordo com a razão e a equidade natural (LXVII). 

Que qualidades necessita possuir o Juiz para estar à altura do seu cargo? 
Precisa ser uma como uma personificação da Justiça, encarregado pela sociedade de reconhecer e amparar, em seu nome, os direitos daqueles que, achando-se prejudicados, recorrem à sua autoridade (Ibid). 

Logo, a que normas deve ater-se para cumprir dignamente o seu ofício? 
Às seguintes: Não pode conhecer de causas que não sejam de sua jurisdição e incumbência; está obrigado a fundamentar a sentença nos fatos e dados que resultem juridicamente comprovados no processo e tais como as partes os expõem; não deve intervir, se ninguém se queixa, nem reclama justiça; porém, quando interpõe a sua autoridade, deve administrá-la íntegra e imparcial, sem mal entendida compaixão com os delinquentes, quaisquer que sejam as penas que haja de impor-lhes, em conformidade ao direito, quer seja divino quer humano (LXVII, 2,4). 

Qual é o segundo pecado contra a Justiça no ato do Juízo? 
O pecado dos que faltam à obrigação de denunciar, ou acusam injustamente (LXVIII). 

Que entendeis por obrigação de denunciar? 
A que tem todo cidadão que conhece algum ato prejudicial à sociedade de por o autor nas mãos do Juiz, para que aplique a devida sanção. Só a impossibilidade de provar juridicamente o fato o excusa deste dever (LXVIII, 1). 

Quando dizeis que é injusta a acusação? 
Quando maliciosamente se imputa a alguém um crime que não cometeu e também quando não se persegue, como a Justiça requer, o crime, quer entendendo-se fraudulentamente com a parte contrária, quer desistindo, sem motivo, da acusação (LXVIII, 3). 

Qual é o terceiro pecado contra a Justiça, no ato do Juízo? 
O do acusado que não conforma o seu proceder com as normas do direito (LXIX). 

Quais são as normas do direito a que deve ajustar-se o acusado, sob pena de pecar contra a Justiça? 
Tem obrigação de dizer a verdade quando o Juiz, no uso das suas atribuições, lhe perguntar e a de não empregar em sua defesa meios reprováveis (LXIX, 1,2). 

Pode o acusado apelar da sentença condenatória? 
Já que nenhum acusado tem direito de defender-se empregando meios ilícitos, não pode apelar de uma sentença justa com o fim exclusivo de ganhar tempo e retardar a execução; quando, porém, for vítima de uma injustiça manifesta e, sempre dentro dos limites que a lei lhe faculta, pode apelar da sentença condenatória (LXIX, 3). 

Pode um condenado à morte resistir à execução da sentença? 
Se a condenação é injusta, pode resistir, usando, se for preciso, astúcia e violência, contanto que evite o escândalo. Se a sentença é justa, tem o dever de sofrer a execução sem opor resistência. Pode, apesar disso, fugir, se achar ocasião propícia, pois ninguém é obrigado a cooperar para a sua própria morte (LXIX, 4). 

Qual é o quarto pecado que pode cometer-se contra a justiça, no ato do Juízo? 
O das testemunhas que faltam ao seu dever (LXX). 

De quantas maneiras podem faltar as testemunhas à sua obrigação? 
Abstendo-se de declarar, não só quando lhes requer a autoridade judicial a que estão obrigados a obedecer no concernente à administração da justiça, mas também quando seja necessária a sua declaração para evitar dano de terceiro e, com maior razão, quando prestam declarações falsas (LXX, 1.4). 

A declaração judicial falsa é sempre pecado mortal? 
Sim, Senhor; porque ainda que, pela razão da parvidade da matéria, possa ser venial em determinadas ocasiões, é sempre mortal em atenção ao perjúrio e também à injustiça quando atenta contra alguma causa justa (LXX, 4). 

Que outros pecados se cometem contra a Justiça no ato do Juízo? 
Os dos advogados, quando se negam a patrocinar uma causa justa e não é possível recorrer a outro; quando defendem causa injusta, especialmente em assuntos cíveis e quando exigem por seu trabalho retribuição excessiva (LXX, 1, 3, 4). 

XXIV 

PECADOS DE PALAVRA NOS ATOS ORDINÁRIOS DA VIDA: INJÚRIA, DIFAMAÇÃO (MALEDICÊNCIA E CALÚNIA), MURMURAÇÃO, IRRISÃO E MALDIÇÃO 

Quais são as injustiças de palavra que na vida se cometem contra o próximo? 
São as de injúria, difamação, murmuração, irrisão e maldição (LXXII - LXXVI). 

Que entendeis por injúria? 
Entendem-se por injúria, insulto, ultraje e, às vezes, por menosprezo, censura e repreensão, as palavras que se usam para qualificar excessos ou injustiças, o fato de afrontar a alguém por palavra ou obra, agravando-o tanto na honra, como no respeito e consideração que se lhe merece (LXXII, 1). 

A injúria é pecado mortal? 
Quando as palavras ou fatos constituem por sua natureza ultraje grave e existe intenção formal de ofender, sim, Senhor; porém, será venial, apesar do exposto, quando a honra do ofendido não fica seriamente comprometida ou falta no agressor intenção de injuriar (LXXII, 2). 

Têm todos os homens obrigação estrita de justiça de tratar os outros, quaisquer que sejam, com a devida consideração e respeito? 
Sim, Senhor; visto que este respeito mútuo é de grande importância para a boa harmonia nas relações sociais (LXXII, 1-3). 

Em que se funda e qual é a importância desta obrigação? 
Funda-se em ser a honra um dos bens que os homens têm em maior estima, e, por consequência, há obrigação de tratar com as devidas considerações até os mais humildes e pequenos, sempre em harmonia com a sua condição; afrontá-los, deprimi-los, humilhá-los com olhares, gestos e palavras é mortificá-los naquilo que mais amam (Ibid).

Logo, estamos obrigados a evitar em presença de outros, qualquer palavra ou fato que possa mortificá-los, humilhá-los ou entristecê-los? 
Sim, Senhor (Ibid). 

A ninguém é permitido afastar-se desta regra?
A ninguém, exceto aos superiores, com o fim exclusivo de corrigir os seus súbditos, quando realmente o mereçam, ainda que, neste caso, jamais devem fazê-lo alucinados pela paixão, nem com formas e modos arrebatados ou indiscretos (LXXII, 2 ad 2). 

Como devemos portar-nos com os que nos injuriam e ofendem? 
A caridade e a mesma justiça podem exigir que não deixemos impunes os atentados diretos ou indiretos contra a nossa honra ou de outras pessoas que nos estão confiadas. Porém, ao reprimir a audácia do ofensor, devemos guardar a circunspecção precisa e sobretudo o modo de não devolver novo agravo ou injustiça (LXXII, 3). 

Que entendeis por difamação? 
No sentido estrito, consiste em atentar por meio de palavras contra a reputação e bom nome do nosso próximo, ou em fazer-lhe perder, total ou parcialmente, e sem razão nem motivo justificado, a estima e consideração dos outros (LXXIII, 1). 

É a difamação um pecado muito grave? 
Sim, Senhor; porque arrebata ao próximo bens mais estimáveis que a riqueza, objeto do pecado do roubo (LXXIII, 2, 3). 

Quantas classes há de difamação? 
Quatro diretas: imputar ao próximo culpa ou delito que não cometeu; exagerar os seus defeitos, divulgar segredos que lhes sejam desfavoráveis e atribuir-lhe intenções e propósitos torcidos ou. ao menos, suspeitos, nas suas melhores ações (LXXIII, 1. ad 3). 

Existe alguma outra maneira de difamar o próximo? 
Há outra, indireta, que consiste em negar-lhe as suas boas qualidades ou silenciá-las com malícia ou diminuí-las dissimuladamente (Ibid). 

Que entendeis por murmurar ou semear cizânia? 
O pecado do que diretamente se propõe, por meio de frases ambíguas e pérfidas insinuações, introduzir a discórdia entre os que se acham unidos com laços de amizade e mútua confiança (LXXIV, 1). 

É pecado muito grave? 
É o mais grave, odioso e digno de reprovação perante Deus e os homens, de quantos de palavra se cometem contra o próximo (LXXXIV, 2). 

Que entendeis por irrisão? 
A irrisão, zombaria ou chacota injuriosa é um pecado da palavra contra a justiça e consiste em ridicularizar o próximo em sua presença, encontrando nele defeitos e torpezas que lhe façam perder o domínio de si mesmo, nas relações com os outros (LXXV, 1). 

É um pecado grave?
Sim, Senhor; porque envolve desprezo da pessoa e o desestimar e ter em pouco a outrem é ato detestável e digno de reprovação (LXXV, 2). 

Confunde-se a ironia com o pecado de irrisão e tem a mesma gravidade? 
Pode a ironia ser falta venial, quando, com ela, a modo de diversão, se criticam defeitos leves, sem desdenhar, nem ofender as pessoas. Pode acontecer que não seja falta quando não passa de travessura e passatempo inocente e nem haja perigo de mortificar, nem contrariar a quem dela é alvo. De qualquer modo, é um sistema de diversão muito delicado e melindroso e convém usá-lo com extrema prudência (LXXV, 1 ad 1). 

Pode ser a ironia, em alguma ocasião, ato de virtude? 
Manejada com habilidade e delicadeza, é um meio de que pode utilizar-se o superior para admoestar e repreender os súditos e também pode empregar-se entre iguais, a modo de caritativa correção fraterna. 

Que precauções devem tomar-se nestes casos? 
Antes de tudo, deve usar-se com grande tato e discrição, porque, se bem que às vezes pode ser útil abater até limites justos, a vã opinião que de si mesmo têm os propensos à jactância, é preciso também não destruir a segurança e confiança legítima que cada um deve ter em si mesmo, sem a qual se paralisa toda iniciativa e espontaneidade, convertendo a vítima da ironia em um ser tímido e irresoluto, degradado e envilecido aos seus próprios olhos. 

Que relações têm a injúria, a difamação, a murmuração e a irrisão com o hábito vicioso de mal dizer? 
Tem de comum estes vícios o serem pecados de palavra contra o próximo e diferenciam-se em que os quatro primeiros consistem em proposição ou enunciados com que se imputam males ou se negam bens, e a maldição em invocar o mal para que caia sobre os nossos semelhantes. 

É a maldição ou praga ato essencialmente mau? 
Sim, Senhor; porque é desejar o mal pelo mal; por consequência, é sempre por sua natureza, falta grave (LXXVI, 3).

referências aos artigos da obra original

('A Suma Teológica de São Tomás de Aquino em Forma de Catecismo', de R.P. Tomás Pègues, tradução de um sacerdote secular)

domingo, 24 de fevereiro de 2019

'AMAI OS VOSSOS INIMIGOS'

Páginas do Evangelho - Sétimo Domingo do Tempo Comum


Nas santas palavras do Evangelho deste domingo, Jesus enuncia aos homens daquele tempo as máximas da caridade divina, não uma, mas duas vezes: 'amai os vossos inimigos' (Lc 6,27 e Lc 6,35). Sim, amai os vossos inimigos uma primeira vez: desejando-lhes todo bem; e amai os vossos inimigos uma segunda vez: fazendo todo bem a eles. Eis a chave de ouro para aqueles que se pretendem 'filhos do Altíssimo' (Lc 6, 35).

Para cumprir estes mandamentos da caridade, Jesus nos apresenta imediatamente três opções concretas: 'fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam' (Lc 6, 27-28). Se Deus não nos pede o impossível, também não nos pede o que é fácil: amar nossos inimigos implica um dom extremado da graça e, para alcançá-lo, Jesus nos propõe violentarmos a tibieza da alma e apagar o fogo do egoísmo e do orgulho incandescentes com as águas abundantes da mansidão e da misericórdia: 'Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso' (Lc 6, 36).

No Coração de Deus impera o amor por todos os homens. Pelos justos e pelos injustos, pelos bons e também pelos ingratos e maus. A caridade nasce do amor sem medidas e se detém diante da medida imposta: 'com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos' (Lc 6,38). Ao impor tais limites ao nosso amor humano, amando apenas aqueles que nos amam ou fazendo o bem somente àqueles que nos interessam, nos tornamos reféns de igual julgamento e abortamos as graças da prática de uma verdadeira caridade cristã. Deus não nos impõe regras impossíveis ou obstáculos intransponíveis para alcançarmos as eternas recompensas, mas os frutos da graça não se encontram nas Vinhas do Senhor simplesmente espalhados pelo chão.

Mas como amar aqueles que nos desejam o mal? Como entregar a túnica ao que nos arranca o manto? Como oferecer a outra face à bofetada indigna? Amparados pelas reservas humanas, nada disso seria pertinente ou verossímil e, quase sempre, seria a intempestiva resposta dos instintos. Para torná-las possíveis e, sábias mais que possíveis, o instinto deve ser submerso pelo perdão: 'perdoai e sereis perdoados' (Lc 6, 37). Pelo perdão que Jesus extrapola aos limites mais insondáveis da misericórdia infinita de Deus; com o perdão verdadeiro, nascido e pautado como reflexo da misericórdia que não impõe contenção de medidas e marco limite algum.