domingo, 14 de janeiro de 2018

APÓSTOLOS SOB A CÁTEDRA DE PEDRO

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo do Tempo Comum


Estando naquele dia em presença de dois dos seus discípulos mais amados, João Batista vai manifestar, uma vez mais, o testemunho do Messias, aquele de quem dissera pouco antes: 'Eu não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias' (Jo 1, 27). A grandeza do Precursor é enfatizada por Jesus naquele que recebeu privilégios tão extraordinários para ser o profeta da revelação de tão grandes mistérios de Deus à toda a humanidade: Jesus Cristo é o Unigênito do Pai, o Filho de Deus Vivo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. E, desta vez, dá testemunho direto dEle, 'vendo Jesus passar' (Jo 1, 35): 'Eis o Cordeiro de Deus!' (Jo 1, 36).

Ao ouvir estas palavras, André e João, não vacilam um único instante e tomam a firme disposição de seguir Jesus. Seguir Jesus! Eis aí o amoroso convite de Jesus a todos os homens: assumir o jugo suave do Senhor em todos os nossos caminhos, ao longo de toda a nossa vida! Para seguir Jesus, temos que responder a pergunta dos dois discípulos que ecoa pelos tempos: 'Onde moras?' (Jo 1, 38). Onde moras, Jesus? Seguir Jesus é ir onde Jesus está, para que Jesus possa morar em nós. Eis o mistério da graça que cada um deve percorrer nesta vida para a plena busca da Verdade e a contemplação definitiva do Reino de Deus.

Mas os dois discípulos fizeram ainda mais do que isso; o zelo e o fervor pelos novos ensinamentos do Messias fizeram deles os primeiros apóstolos. E a Verdade exaltada, vivida e compartilhada pela pregação humana das primícias do apostolado cristão vai chegar a ninguém menos que Simão Pedro, irmão de André, e que viria a ser a pedra angular da futura Igreja de Cristo. Pedro não vacilou também, não fez concessões e nem imposições, mas acreditou! E imediatamente foi ter com Jesus.

Jesus, que conhecia Pedro desde a eternidade e Pedro, que nascia para a eternidade, estavam juntos pela primeira vez: 'Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas' (Jo 1, 42). Jesus estabelece neste primeiro momento, a vinculação direta entre a ação do apostolado e a pedra (Cefas) fundamental sobre a qual haveria de edificar a sua Igreja, mistério da graça muito além da possível percepção histórica daqueles homens. O apostolado é, pois, missão inerente a toda a cristandade e deve estar indissoluvelmente ligada à pedra fundamental da Igreja, como dizia Santo Ambrósio de Milão: 'Não podem ter a herança de Pedro os que não vivem sob a cátedra de Pedro'. 

sábado, 13 de janeiro de 2018

VIDA DESONESTA, MORTE IMPENITENTE!

Uma certa noite estava Martinho Lutero no terraço de um hotel ao lado de Catarina Bora, sua companheira de pecado. A temperatura era suave, o céu estava lindo e milhares de estrelas brilhavam no firmamento. Catarina, cansada talvez daquela vida de remorso, voltou-se de repente para Lutero e lhe disse:

— 'Olha Martinho, como é lindo o céu!'

Àquelas palavras, Martinho exclamou com um suspiro profundo:

— 'Sim, Catarina, o céu é lindo, mas não é mais para nós!'

O infeliz sentia que ia perder o Paraíso, mas se confessava incapaz de ressurgir e morria pouco depois naquele mesmo hotel, dando mostras do mais terrível desespero. 

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Teodoro Beza, sucessor de Calvino e chefe da reforma protestante, atingido por uma enfermidade mortal, foi visitado por São Francisco de Sales. Este com o seu zelo ardente tentou todos os meios possíveis para induzi-lo a abjurar o erro, voltar para o seio da Igreja Católica, e preparar-se para uma morte cristã. 

'Impossível' repetia, suspirando, o doente de quando em quando 'impossível'. Por fim, como o Santo insistia para saber o porquê daquela palavra 'impossível', Teodoro com esforço, apoiou-se num cotovelo, puxou uma cortina que fechava uma alcova, e, mostrando uma mulher ali escondida: 'Eis aí', exclamou, 'a razão da impossibilidade de me converter e de me salvar'! Preferiu a morte e o inferno, mas não deixou o pecado. 

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Na cidade de Spoleto, vivia uma jovem dissoluta, cuja existência era unicamente dedicada à vaidade e aos bailes. Aconselhada mais de uma vez a corrigir-se desprezava com soberba os avisos e fazia pouco caso deles. Sua própria mãe, orgulhosa da beleza e do brio da filha, sentia imenso prazer em vê-la cortejada por um bom número de amantes, e deixava as coisas correrem na esperança de encontrar um bom partido; de mais a mais acreditava que, passado o ardor da mocidade, ela acabaria sossegando.

Oh, mães cegas e imprudentes, que não só não se preocupam, mas ainda traem suas filhas, quando não são elas próprias que as arrastam à desonra e à ruína! E o que aconteceu? A infeliz moça caiu gravemente enferma. Pessoas sérias e respeitáveis da vizinhança aconselharam-na a chamar o sacerdote, a receber os sacramentos, preparar-se para a morte, enfim. Mas a pobre teimava:

— 'Qual, repetia, é impossível, que eu tão moça e bela, morra; eu não devo, não devo morrer!'

Por fim, veio o sacerdote; este por sua vez suplicava-lhe que tivesse juízo, que rezasse a Maria Santíssima porque a morte poderia surpreendê-la.

— 'Qual morte, qual nada! Eu devo é viver! Eu não posso, não quero morrer!'

Como a insistência aumentasse, por fim, percebendo que as forças começavam a faltar-lhe, com um esforço supremo, exclamou com ira:

— 'Pois bem, se é assim, se é que eu vou mesmo morrer, vem tu, satanás, e toma a minha alma para ti!' E, cobrindo o rosto com o lençol, entregou ao demônio a alma desesperada. 

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Um cavalheiro vivia com uma moça de maus costumes. Aos que o aconselhavam abandoná-la, ele respondia sempre com um desdenhoso 'não posso'. Mas a morte chegou para desuni-los. O infeliz cavalheiro adoeceu gravemente, e, como estava nas últimas, chamaram um sacerdote para prepará-lo para dar o passo terrível. Tão caridoso e paciente foi o padre que o enfermo, humildemente, respondeu:

— 'Com prazer! Apesar de ter levado uma vida má, desejo ter uma boa morte com uma santa confissão'.
— 'O senhor quererá receber também os Sacramentos como um bom cristão?'
— 'É com prazer que os receberei, se vos dignardes de o administrar'.
— 'Mas isto não será possível se o senhor não despedir primeiro aquela moça'.
— 'Ah, isso, padre, eu não posso fazer'.
— 'E por que não pode? Pode e deve fazê-lo, meu caro senhor, se quiser salvar-se'.
— 'Mas eu repito não posso!'
— 'Mas o senhor não vê que, com a morte, tão próxima, será obrigado a deixá-la por força?'
— 'Não posso, padre, não posso!'
— 'Mas assim, eu não o absolvo, não lhe administro os sacramentos e o senhor perderá o paraíso, será precipitado no inferno!'
— 'Não posso!'
— 'Será possível que eu não posso obter do senhor outra palavra? Pense na sua honra, na sua estima se morrer excomungado'.
— 'Não posso', repetiu o infeliz pela última vez. E, agarrando a moça por um braço, puxou-a para si apertando-a com força ao peito, e assim, nos braços daquela mulher indigna, expirou.

(Excertos da obra 'Confessai-vos bem!' do Pe. Luiz Chiavarino)

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Por três razões não se deve manter relações com os hereges. Primeiramente, por causa da excomunhão, pois, sendo excomungados, não se deve ter relações com eles, da mesma maneira que com os outros excomungados. A segunda razão é a heresia: em primeiro lugar, por causa do perigo, e para que as relações com eles não venham a corromper os outros, segundo aquilo da primeira epístola aos Coríntios (15, 33): 'As más conversações corrompem os costumes'. E em segundo lugar para que não pareça se prestar algum assentimento às suas doutrinas perversas. Daí dizer-se na segunda epístola canônica de São João (v. 10): 'Se alguém vier a vós e não trouxer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis, pois o que o saúda, toma parte em suas más obras'. Em terceiro e último lugar, para que nossa familiaridade com eles, não dê aos outros, ocasião de errar'.

 (São Tomás de Aquino, Suma Teológica) 

(Santo Inácio pisando Lutero, Igreja de São Nicolau, República Tcheca)

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

OS TRÊS TIPOS DE CRIATURAS QUE SERVEM A DEUS

Sou teu Deus, o que foi pregado na cruz, verdadeiro Deus e homem em uma pessoa, e que está presente todos os dias nas mãos do sacerdote. Quando me ofereces uma oração, termine-a sempre com o desejo de que se faça minha vontade e não a tua. Quando rezas por alguém que já está condenado não te escuto. 

Algumas vezes não te ouço se desejas algo que possa ir contra tua salvação. É por isso, necessário que submetas tua vontade à minha, porque como Eu sei todas as coisas, não te permito nada mais do que te seja benéfico. Há muitos que não rezam com a intenção correta e é por isso que não merecem ser atendidos. 

Há três tipos de pessoas que me servem neste mundo. Os primeiros são os que creem que sou Deus e o provedor de todas as coisas, que tem poder sobre tudo. Estes me servem com a intenção de conseguir bens e honras temporais, mas as coisas do Céu não lhes importam e estão até dispostos a perdê-las para obter bens presentes. O êxito mundano se ajusta completamente à sua medida, segundo seus desejos. Já que perderam os bens eternos, Eu lhes compenso com consolos temporais por qualquer bom serviço que me façam, pagando-lhes até o último centavo e até o último ponto. 

Os segundos são os que creem que sou Deus onipotente e Juiz severo, mas que me servem por medo do castigo e não por amor à glória celestial. Se não me temessem não me serviriam. Os terceiros são os que creem que sou o Criador de todas as coisas e Deus verdadeiro e que creem que sou justo e misericordioso. Estes não me servem por medo do castigo, mas por amor divino e caridade. Prefeririam suportar qualquer castigo, por duro que fosse, a não me ofender. Estes merecem verdadeiramente ser escutados quando rezam, pois sua vontade coincide com minha vontade. 

O primeiro tipo de servos nunca sairá do castigo nem chegará a ver meu rosto*. O segundo não será tão castigado, mas também não chegará a ver meu rosto*, a não ser que corrija seu temor mediante a penitência.

(Das Revelações de Santa Brígida)

* Ò cristão, tens ainda alguma dúvida de que como é severa a justiça divina, sem a misericórdia? Se mesmo aqueles que servem a Deus de forma indigna não serão salvos, imagine-se o destino daqueles que O negam ou O renegam?

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

BREVIÁRIO DIGITAL - ILUSTRAÇÕES DE NADAL (X)

Curat IESVS decem leprosos

81. Evangelho (Lc 17): A cura dos dez leprosos

Petitio matris filiorum Zebedaei

82. Evangelho (Mt 20, Mc 10): A súplica da mãe dos filhos de Zebedeu

Sanatur unus caecus ante Iericho, & duo post Iericho

83. Evangelho (Lc 18): A cura de alguns cegos em Jericó

Coena apud Simonem Leprosum

84. Evangelho (Mt 26, Mc 14, Jo 12): A ceia na casa de Simão, o leproso

Ducitur asina & pullus ad IESVM

85. Evangelho (Mt 21, Mc 11, Lc 19, Jo 12): Um burro e um jumentinho são levados a Jesus

In conspectum Hierusalem venit IESVS

86. Evangelho (Mt 21, Mc 11, Lc 19, Jo 12): Jesus encontra-se diante de Jerusalém

Ingressus solennis in ciuitatem

87. Evangelho (Mt 21, Mc 11, Lc 19, Jo 12): Jesus entra em Jerusalém

Eijcit iterum IESVS vendentes de templo

88. Evangelho (Mt 21, Mc 11, Lc 19, Jo 12): Jesus expulsa novamente os vendilhões do Templo

Veniunt Gentiles ad IESVM

89. Evangelho (Jo 18): Jesus ensina aos gentios

De Pharisaeo & Publicano

90. Evangelho (Lc 18): A parábola do fariseu e do publicano

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

... E A QUEDA

Os homens poderiam continuar para sempre na bem aventurada e única verdadeira vida dos santos no paraíso. Como a vontade do homem poderia, porém, voltar-se para vários caminhos, Deus assegurou-lhes esta graça que lhes havia concedido condicionando-a desde o início a duas coisas. Se eles guardassem a graça e retivessem o amor de sua inocência original, então a vida do paraíso seria sua, sem tristeza, dor ou cuidados, e após ela haveria a certeza da imortalidade no céu. Mas se eles se desviassem do caminho e se tornassem vis, desprezando seu direito natal à beleza, então viriam a cair sob a lei natural da morte e viveriam não mais no paraíso, mas, morrendo fora dele, continuariam na morte e na corrupção. 

Isto é o que a Sagrada Escritura nos ensina, ao proclamar a ordem de Deus: 'podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente' (Gn 2, 16-17). Certamente havereis de morrer, isto é, não apenas morrereis, mas permanecereis no estado de morte e corrupção.

Estarás talvez a divagar por que motivo estamos discutindo a origem do homem se nos propusemos a falar sobre o Verbo que se fez homem. O primeiro assunto é de importância para o último por este motivo: foi justamente o nosso lamentável estado que fez com que o Verbo se rebaixasse, foi nossa transgressão que tocou o seu amor por nós. Pois Deus havia feito o homem daquela maneira e havia querido que ele permanecesse na incorrupção.

Os homens, porém, tendo voltado da contemplação de Deus para o mal que eles próprios inventaram, caíram inevitavelmente sob a lei da morte. Em vez de permanecerem no estado em que Deus os havia criado, entraram em um processo de uma completa degeneração e a morte os tomou inteiramente sob o seu domínio. Pois a transgressão do mandamento os estava fazendo retornarem ao que eles eram segundo a sua natureza e, assim como no início eles haviam sido trazidos ao ser a partir da não existência, passaram a trilhar, pela degeneração, o caminho de volta para a não existência. 

A presença e o amor do Verbo os havia chamado ao ser; inevitavelmente, então, quando eles perderam o conhecimento de Deus, juntamente com este eles perderam também a sua existência. Pois é somente Deus que existe, o mal é o não-ser, a negação e a antítese do bem. Pela natureza, de fato, o homem é mortal, já que ele foi feito do nada; mas ele traz também consigo a semelhança dAquele Que É, e se ele preservar esta semelhança através da contemplação constante, então sua natureza seria despojada de seu poder e ele permaneceria indegenerescente. De fato, é isto o que vemos escrito no Livro da Sabedoria: 'A observância de suas leis é a garantia da imortalidade' (Sb 6, 18). E, incorrompido, o homem seria como Deus, conforme o diz a própria Escritura, onde afirma: Eu disse: 'Sois deuses, e todos filhos do Altíssimo. Mas vós como homens morrereis, caireis como um príncipe qualquer' (Sl 81, 6).

Esta, portanto, era a condição do homem. Deus não apenas o havia feito do nada, mas também lhe tinha graciosamente concedido a sua própria vida pela graça do Verbo. Os homens, porém, voltando-se das coisas eternas para as coisas corruptíveis, pelo conselho do demônio, tornaram-se a causa de sua própria degeneração para a morte, porque, conforme dissemos antes, embora eles fossem por natureza sujeitos à corrupção, a graça de sua união com o Verbo os tornava capazes de escapar na lei natural, desde que eles retivessem a beleza da inocência com a qual haviam sido criados. Isto é o mesmo que dizer que a presença do Verbo junto a eles lhes fazia de escudo, protegendo-os até mesmo da degeneração natural, conforme também o diz o Livro da Sabedoria: 'Deus criou o homem para a imortalidade e como uma imagem de sua própria eternidade mas, pela inveja do demônio, entrou no mundo a morte' (Sb 2, 23).

Quando isto aconteceu, os homens começaram a morrer e a corrupção correu solta entre eles, tomou poder sobre os mesmos até mais do que seria de se esperar pela natureza, sendo esta a penalidade sobre a qual Deus os havia avisado prevenindo-os acerca da transgressão do mandamento. Na verdade, em seus pecados os homens superaram todos os limites. No início inventaram a maldade; envolvendo-se desta maneira na morte e na corrupção, passaram a caminhar gradualmente de mal a pior, não se detendo em nenhum grau de malícia, mas, como se estivessem dominados por uma insaciável apetite, continuamente inventando novos tipos de pecados. 

Os adultérios e os roubos se espalharam por todos os lugares os assassinatos e as rapinas encheram a terra, a lei foi desrespeitada para dar lugar à corrupção e à injustiça, todos os tipos de iniquidades foram praticados por todos, tanto individualmente como em comum. Cidades fizeram guerra contra cidades, nações se levantaram contra nações, e toda a terra se viu repleta de divisões e lutas, enquanto cada um porfiava em superar o outro em malícia. Até os crimes contrários à natureza não foram desconhecidos, conforme no-lo diz o apóstolo mártir de Cristo: 'suas próprias mulheres mudaram o uso natural em outro uso, que é contra a natureza; e os homens também, deixando o uso natural da mulher, arderam nos seus desejos um para com o outro, cometendo atos vergonhosos com o seu próprio sexo, e recebendo em suas próprias pessoas a recompensa devida pela sua perversidade' (Rm 1, 26-27).

(Excertos da obra 'A criação e a Queda' de Santo Atanásio)

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A CRIAÇÃO...

Em relação à criação do Universo e à criação de todas as coisas, tem havido uma diversidade de opiniões e cada pessoa tem proposto a teoria que bem lhe apraz. Por exemplo, alguns dizem que todas as coisas são auto originadas e, por assim dizer, totalmente ao acaso. Entre estes estão os epicúreos, os quais negam terminantemente que haja alguma inteligência anterior ao universo.

Outros fazem seu o ponto de vista expressado por Platão, aquele gigante entre os gregos. Ele disse que Deus fez todas as coisas da matéria pré-existente e incriada, assim como o carpinteiro faz as suas obras da madeira que já existe. Mas os que sustentam esta opinião não se dão conta que negar que Deus seja Ele próprio a causa da matéria significa atribuir-Lhe uma limitação, assim como é indubitavelmente uma limitação por parte do carpinteiro que ele não possa fazer nada a não ser que lhe esteja disponível a madeira.

Então, finalmente, temos a teoria dos gnósticos, que inventaram para si mesmos um Artífice de todas as coisas, outro que não o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Estes simplesmente fecham os seus olhos para o sentido óbvio das Sagradas Escrituras.

Tais são as noções que os homens têm elaborado. Mas, pelo divino ensinamento da fé cristã, nós sabemos que, pelo fato de haver uma inteligência anterior ao universo, este não se originou a si mesmo; por ser Deus infinito, e não finito, o universo não foi feito de uma matéria pré-existente, mas do nada e da absoluta e total não existência, de onde Deus o trouxe ao ser através do Verbo. Ele diz, neste sentido, no Gênesis: 'No início Deus criou o Céu e a Terra' (Gn 1,1) e novamente, através daquele valiosíssimo livro ao qual chamamos 'O Pastor': 'Crede primeiro e antes de tudo o mais que há apenas um só Deus, o qual criou e ordenou a todas as coisas trazendo-as da não existência ao ser'. Paulo também indica a mesma coisa quando nos diz: 'Pela fé conhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus, de tal modo que as coisas visíveis provieram das coisas invisíveis (Hb 11, 3).

Pois Deus é bom, ou antes, Ele é a fonte de toda a bondade, e é impossível por isso que Ele deva algo a alguém. Não devendo a existência a ninguém, Ele criou a todas as coisas do nada mediante seu próprio Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, e de todas as suas criaturas terrenas ele reservou um cuidado especial para a raça humana. A eles que, como animais, eram essencialmente impermanentes, Deus concedeu uma graça de que as demais criaturas estavam privadas, isto é, a marca de sua própria imagem, uma participação no ser racional do próprio Verbo, de tal modo que, refletindo-o, eles mesmos se tornariam racionais expressando a inteligência de Deus tanto quanto o próprio Verbo, embora em grau limitado.

(Excertos da obra 'A criação e a Queda' de Santo Atanásio)