terça-feira, 11 de agosto de 2015

14 PASSOS PARA SOFRER COMO JESUS

1. Não procurar cruzes propositadamente ou pela própria culpa.

Não procureis cruzes propositadamente ou por vossa culpa; não se deve fazer o mal para que dele resulte um bem; não se deve, sem inspiração especial, fazer as coisas de maneira má, para atrair sobre si mesmo o desprezo dos homens. É antes preciso imitar Jesus Cristo, de quem se disse fez bem todas as coisas, não por amor próprio ou por vaidade, mas para agradar a Deus e conquistar a alma do próximo. E se executardes os vossos trabalhos o melhor que puderdes, não vos hão de faltar contradições, perseguições, nem desprezos, que a Divina Providência vos enviará contra vossa vontade e sem vos consultar.

2. Consultar sobre o bem ao próximo.

Se praticais algum ato indiferente, mas do qual o próximo se escandaliza, ainda que fora de propósito, abstende-vos dele, por caridade, para que cesse o escândalo dos pequenos; o ato heróico de caridade que praticardes nessa ocasião vale infinitamente mais do que aquilo que fazíeis ou pretendíeis fazer.

Se, entretanto, o bem que fazeis é necessário ou útil ao próximo, e escandalizar, sem razão, algum fariseu ou mau espírito, consultai uma pessoa prudente, para saber se o que fazeis é necessário e muito útil ao bem do próximo; e, se ela assim o julgar, continuai e deixai falar, contanto que vos deixem agir, e respondei, em tais ocasiões, o que Nosso Senhor respondeu a alguns de seus discípulos que vieram dizer-lhe que os fariseus se haviam escandalizado com as suas palavras e ações: 'Deixai-os falar; são cegos'.

3. Admirar, sem pretender atingi-la, a sublime virtude dos santos.

Apesar de alguns santos e pessoas importantes terem pedido, procurado e, por meio de ações ridículas, atraído sobre si mesmos, cruzes, desprezos e humilhações, adoremos e admiremos apenas a ação do Espírito Santo sobre suas almas e humilhemo-nos diante de tão sublime virtude, sem ousar voar tão alto, um vez que, comparados a essas rápidas águias e rugidores leões, não passamos de criaturas sem coragem e sem força de vontade. 

4. Pedir a Deus a sabedoria da Cruz.

Podeis, entretanto, e mesmo o deveis, pedir a sabedoria da cruz, que é uma ciência saborosa e experimental da verdade, que nos faz ver, à luz da fé, os mais ocultos mistérios, entre os quais o da cruz; e isto só se obtém mediante grandes trabalhos, profundas humilhações e orações fervorosas. Se precisardes do espírito principal, que nos faz levar corajosamente as mais pesadas cruzes; do espírito bom e manso, que nos faz saborear, na parte superior da alma, as mais repugnantes amarguras; do espírito são e reto, que procura só a Deus; da ciência da cruz, que encerra todas as coisas; numa palavra, do tesouro infinito cujo bom emprego torna a alma participante da amizade de Deus, pedi a sabedoria; pedi-a incessante e fortemente, sem hesitar, sem receio de não a obter, e ela vos será dada, infalivelmente e, em seguida, vereis claramente, por experiência própria, como pode ser possível desejar, procurar e saborear a cruz.

5. Humilhar-se das próprias faltas, sem se perturbar.

Quando, por ignorância ou mesmo por vossa culpa, cometerdes algum erro de que resulte para vós alguma cruz, humilhai-vos imediatamente diante de vós mesmos, sob a mão poderosa de Deus, sem vos perturbar voluntariamente, dizendo: 'Eis, Senhor, uma peça que me pregou meu ofício'! E se houver pecado na falta que cometestes, aceitai a humilhação do vosso orgulho. Algumas vezes, e até muitas vezes, Deus permite que seus maiores servos, os mais elevados em graça, cometam as faltas mais humilhantes, a fim de humilhá-los aos seus próprios olhos e aos olhos dos homens, a fim de lhes tirar a vista e o pensamento orgulhoso das graças que lhes dá e do bem que fazem, a fim de que, segundo a palavra do Espírito Santo, nenhuma carne se glorifique diante de Deus.

6. Deus nos humilha para purificar-nos.

Ficai bem persuadidos de que tudo o que existe em nós está inteiramente corrompido pelo pecado de Adão e pelos pecados atuais; e não apenas os sentidos do corpo, mas todas as potências da alma; e que, logo que o nosso espírito corrompido olha, refletida e complacentemente, algum dom de Deus em nós, esse dom, ação ou graça fica todo poluído e corrompido e Deus dele desvia os seus olhos divinos. Se os olhares e os pensamentos do espírito do homem estragam assim as melhores ações e os mais divinos dons, que diremos dos atos da própria vontade, que são ainda mais corrompidos que os do espírito? 

Não é de espantar, depois disto, que Deus sinta prazer em esconder os seus no segredo de sua face, para que não sejam manchados pelos olhares dos homens e pelos seus próprios conhecimentos. E, para escondê-los assim, o que não faz e não permite este Deus ciumento?! Quantas humilhações lhes proporciona! Em quantas faltas os deixa cair! De que tentações permite sejam atacados, como São Paulo! Em que incertezas, trevas e perplexidade os deixa! Ah! como Deus é admirável nos seus santos e nos caminhos pelos quais os conduz à humildade e à santidade!

7. Evitar nas cruzes, o perigo do orgulho.

Procurai bem, portanto, evitar crer, como os devotos orgulhosos e cheios de si, que vossas cruzes são grandes, que são provas de vossa fidelidade e testemunhas de um singular amor de Deus para convosco. Esta armadilha do orgulho espiritual é muito sutil e delicada, mas cheia de veneno. Deveis crer: 
(i) que vosso orgulho e moleza vos levam a considerar palhas como se fossem traves; picadas como se fossem chagas, um rato como se fosse um elefante; e uma palavrinha no ar - um nada na verdade - como se fosse uma injúria atroz e um cruel abandono; 
(ii) que as cruzes que Deus vos envia são antes castigos amorosos de vossos pecados, - e de fato o são - que sinais de especial benevolência; 
(iii) que, seja qual for a cruz que Ele vos enviar, ainda assim vos poupa infinitamente, em virtude do número e da enormidade dos vossos crimes, que só deveis considerar à luz da santidade de Deus, que nada de impuro tolera e que atacastes; à luz de um Deus moribundo e aniquilado de dor, por causa do vosso pecado, e à luz de um inferno sem fim, que merecestes mil vezes e talvez cem mil; 
(iv) que na paciência com que sofreis há muito mais de humano e natural do que o julgais: provam-no as pequenas mitigações; as procuras secretas de consolação; as aberturas de coração - tão naturais - aos vossos amigos e, talvez, ao vosso diretor; as desculpas tão finas e prontas; as queixas, ou melhor, as maledicências tão bem urdidas e tão caridosamente expressas, contra os que vos fizeram algum mal; as referências e complacências delicadas para com vossos males; a crença de Lúcifer de que sois algo de grande, etc. Nunca terminaria se me fosse necessário descrever as voltas e reviravoltas da natureza, mesmo nos sofrimentos.

8. Tirar maior proveito dos pequenos sofrimentos que dos grandes.

Tirai proveito dos pequenos sofrimentos e mesmo mais que dos grandes. Deus não olha tanto o sofrimento quanto a maneira por que se sofre. Sofrer muito e mal é sofrer como condenado; sofrer muito e corajosamente, mas por uma causa má, é sofrer como mártir do demônio; sofrer pouco ou muito, mas sofrer por Deus, é sofrer como santo.

Se é verdade que se pode escolher as cruzes, isto é mais certo quanto às cruzes pequenas e escondidas quando nos vêm paralelamente às grandes e visíveis. O orgulho da natureza pode pedir, procurar e mesmo escolher e abraçar as cruzes grandes e visíveis; mas escolher e levar bem alegremente as cruzes pequenas e ocultas só pode ser o efeito de uma grande graça e de uma grande fidelidade a Deus. Fazei, pois, como o comerciante com o seu negócio: tirai proveito de tudo, não deixeis perder-se a mínima parcela da verdadeira Cruz, mesmo que seja uma picada de mosca ou de alfinete, a indelicadeza de um vizinho, uma injúria por descuido, a perda de um níquel, uma perturbaçãozinha da alma, um leve cansaço do corpo, uma dorzinha num dos membros, etc. Tirai proveito de tudo, como o merceeiro em sua mercearia, e, assim como ele enriquece em dinheiro, juntando moeda por moeda em seu cofre, breve estareis ricos em Deus. Ao menor contratempo que sobrevier, dizei: 'Deus seja bendito! Meu Deus, eu Vos agradeço', depois escondei na memória de Deus, que é vosso cofre, a cruz que acabais de ganhar, e só vos lembreis dela para dizer: 'Obrigado'! ou 'Misericórdia'!

9. Amar a cruz, não com amor sensível, mas racional e sobrenatural.

Quando vos dizemos para amar a cruz, não falamos em amor sensível, que é impossível à natureza. Distingui bem, portanto, estes três amores: o amor sensível, o amor racional, o amor fiel e supremo; ou, em outras palavras: o amor da parte inferior, que é a carne; o amor da parte superior, que é a razão; e o amor da parte suprema, ou cimo da alma, que é a inteligência esclarecida pela fé.

Deus não vos pede que ameis a cruz com a vontade da carne. Sendo ela inteiramente corrompida e criminosa, tudo o que dela se origina é corrompido e ela não pode, por si mesma, estar sujeita à vontade de Deus e à sua lei crucificadora. Eis por que, ao falar dela no Horto da Oliveiras, Nosso Senhor exclama: 'Meu Pai, seja feita a Vossa vontade e não a minha'! Se a parte inferior do homem em Jesus Cristo, ainda que santa, não pôde amar a cruz sem desfalecimento, com mais forte razão a nossa, que é toda corrompida, há de a repelir. Podemos, é verdade, experimentar, por vezes, até mesmo alegria sensível pelo que sofremos, como aconteceu a vários santos; mas essa alegria não vem da carne, ainda que nela esteja; vem apenas da parte superior, que se acha tão cheia da divina alegria do Espírito Santo, que a faz estender-se até à parte inferior, de tal sorte que em tal ocasião até mesmo a pessoa mais crucificada pode dizer: 'Meu coração e minha carne estremeceram de alegria no Deus vivo'! 

Há outra espécie de amor, que denomino racional, e que se acha na parte superior, que é a razão. Este amor é todo espiritual e, como nasce do conhecimento da felicidade de sofrer por Deus, é perceptível e mesmo percebido pela alma, rejubilando-a interiormente e fortificando-a. Este amor racional e percebido, porém - apesar de bom e de muito bom - nem sempre é necessário para que se sofra alegre e divinamente.

É porque há outro amor, do cimo ou ápice da alma, dizem os mestres da vida espiritual - ou da inteligência, afirmam os filósofos - pelo qual, sem experimentar qualquer alegria dos sentidos, sem perceber nenhum prazer racional na alma, é possível amar e saborear, pela visão da fé pura, a cruz que carregamos, muito embora tudo esteja em guerra e estado de alarme na parte inferior, que geme, se queixa, chora e procura lenitivo, de tal sorte que se possa dizer, como Jesus Cristo: 'Meu Pai, seja feita a Vossa vontade e não a minha'! ou, com a Santíssima Virgem: 'Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a Vossa palavra'! É com um desses dois amores da parte superior que devemos amar e aceitar a cruz.

10. Sofrer toda sorte de cruzes, sem exceção e sem escolha.

Decidi-vos, queridos Amigos da Cruz, a sofrer toda sorte de cruzes, sem exceção e sem escolha: toda pobreza, toda injustiça, toda humilhação, toda contradição, toda calúnia, toda aridez, todo abandono, toda pena interior ou exterior, dizendo sempre: 'Meu coração está preparado, meu Deus, meu coração está preparado'. Preparai-vos, pois, para ser abandonados pelos homens, pelos anjos e pelo próprio Deus; para serdes perseguidos, invejados, traídos, caluniados, desacreditados e abandonados por todos; para sofrer fome, sede, mendicidade, nudez, exílio, prisão, tortura e todos os suplícios, ainda que não os tenhais merecido pelos crimes que vos impuserem. 

Imaginai enfim que, depois de ter perdido vossos bens e vossa honra, de haver sido lançados para fora de vossa casa, como Jó e Santa Isabel, rainha da Hungria, vos joguem na lama, como àquela santa, e vos arrastem por sobre o estrume, como a Jó, todo purulento e coberto de úlceras, sem vos darem ataduras para vossas chagas ou, para comerdes, um pedaço de pão que não recusariam a um cavalo ou a um cão; e que, além desses males extremos, Deus vos deixe à mercê de todas as tentações dos demônios, sem derramar sobre vossa alma a mínima consolação sensível. Crede firmemente que esse é o ponto supremo da glória divina e a felicidade perfeita de um verdadeiro e perfeito Amigo da Cruz.

11. Os quatro estimulantes do bom sofrimento.

Para ajudar-vos a sofrer bem, tomai o santo hábito de olhar quatro coisas:

(i) O olhar de Deus

Primeiramente o olhar de Deus que, como um grande rei, do alto de uma torre, olha complacentemente e louvando-lhe a coragem, o seu soldado que peleja. Que olhará Deus na terra? Os reis e imperadores em seus tronos? Muitas vezes Ele os contempla com desprezo. As grandes vitórias dos exércitos do Estado? As pedras preciosas? Numa palavra: as coisas que são grandes aos olhos dos homens? O que é grande aos olhos dos homens é abominação diante de Deus. Que olhará Ele então com prazer e complacência e de que pedirá notícias aos anjos e aos próprios demônios? Um homem que, por Deus, se bate com a sorte, o mundo, o inferno e ele próprio, um homem que carrega alegremente a sua cruz. 'Não viste na terra uma grande maravilha que todo o céu contempla com admiração'? disse o Senhor a Satanás: 'Não viste meu servo Jó, que sofre por mim'?

(ii) A mão de Deus

Em segundo lugar, considerai a mão deste poderoso Senhor, que permite todo o mal que da natureza nos advém, desde o maior até o menor; a mão que colocou um exército de cem mil homens no campo de batalha e faz cair as folhas das árvores e os cabelos de vossa cabeça; a mão que, havendo rudemente atingido Jó, vos toca docemente pelo pouco sofrimento que vos envia. Com essa mão, Ele formou o dia e a noite, o sol e as trevas, o bem e o mal; permitiu os pecados que se cometem e que vos melindram; não lhes fez a malícia, porém lhes permitiu a ação.

Assim, quando virdes alguém buscar injuriar-vos e apedrejar-vos, como ao rei Davi, dizei a vós mesmos: 'Não nos vinguemos. Deixemo-lo, porque o Senhor lhe ordenou de agir assim. Sei que mereci toda sorte de utrajes e é justo que Deus me castigue. Parai, braços meus: Parai, língua minha. Não ataqueis. Nada digais. Este homem ou esta mulher me injuriam por palavras ou por obras; são embaixadores de Deus, que vêm de sua misericórdia, para exercer vingança amistosa. Não irritemos sua justiça usurpando os direitos de sua vingança; não desprezemos a sua misericórdia resistindo às suas amorosas chicotadas, para que ela não nos reconduza, por vingança, à pura justiça da eternidade'.

Olhai uma das mãos de Deus que, onipotente e infinitamente prudente, vos sustenta, enquanto a outra vos atinge; com uma das mãos Ele mortifica e com a outra vivifica; rebaixa e exalta, e, com seus dois braços, doce e fortemente, alcança, de um polo ao outro, a vossa vida; docemente, não permitindo que sejais tentados e provocados acima de vossas forças; fortemente, secundando-vos com graça poderosa e correspondente à violência e duração da tentação e da aflição; fortemente, ainda uma vez, tornando-se Ele próprio, segundo o diz pelo espírito de sua Santa Igreja, 'vosso apoio à borda do precipício perto do qual vos encontrais, vosso companheiro no caminho onde vos perdeis, vossa sombra no calor que vos caustica, vossa vestimenta na chuva que vos molha e no frio que vos enregela; vossa carruagem na fadiga que vos aniquila, vosso socorro na adversidade que vos visita, vosso bastão nos caminhos escorregadios e vosso porto no meio das tempestades que vos ameaçam de ruína e naufrágio'.

(iii) As chagas e as dores de Jesus Cristo Crucificado

Em terceiro lugar, olhai as chagas e as dores de Jesus Cristo Crucificado. Ele mesmo vo-lo diz: 'Ó vós que passais pelo caminho espinhoso e crucificado por que passei, olhai e vede: olhai com os próprios olhos do vosso corpo e vede, com os olhos de vossa contemplação, se vossa pobreza, vossa nudez, vosso desprezo, vossas dores, vossos abandonos são semelhantes aos meus; olhai-me, a mim que sou inocente, e queixai-vos, vós que sois culpados'!

O Espírito Santo nos ordena, pela boca dos Apóstolos, esta mesma contemplação de Jesus Crucificado; ordena que nos armemos com este pensamento mais penetrante e terrível para todos os nossos inimigos que todas as outras armas. Quando fordes atacados pela pobreza, pela abjeção, pela dor, pela tentação e pelas cruzes, armai-vos com um escudo, uma couraça, um capacete e uma espada de dois gumes, a saber: o pensamento de Jesus Crucificado. Eis a solução de toda dificuldade e a vitória sobre qualquer inimigo.

(iv) Ao alto, o céu; em baixo o inferno.

Em quarto lugar olhai, ao alto, a bela coroa que vos espera no céu, se carregardes bem vossa cruz. Foi esta recompensa que sustentou os patriarcas e os profetas em sua fé e nas perseguições; que animou os Apóstolos e os Mártires em seus trabalhos e tormentos. Preferimos - diziam os Patriarcas, com Moisés - sofrer aflições com o povo de Deus, para ser feliz com Ele eternamente, que gozar de um prazer criminoso por um só momento. Sofremos grandes perseguições por causa da recompensa, diziam os profetas com Davi.

Somos como vítimas destinadas à morte, como espetáculo para o mundo, os anjos e os homens pelos nossos sofrimentos, como a escória e o anátema do mundo, diziam os Apóstolos e os Mártires com São Paulo, por causa do peso imenso da glória eterna que este momento de breve sofrimento produz em nós. Olhemos sobre nossas cabeças os anjos que nos dizem, em alta voz: 'Tende cuidado para não perderdes a coroa marcada pela cruz que vos é dada, se a levardes bem. Se não a carregardes bem, outro o fará e vos arrebatará vossa coroa. Combatei fortemente, sofrendo com paciência', dizem-nos todos os santos, 'e entrareis no reino eterno'. Ouçamos enfim Jesus Cristo, que nos diz: 'Só darei minha recompensa àquele que sofrer e vencer pela paciência'.

Olhamos embaixo o lugar que merecemos e que nos espera no inferno com o mau ladrão e os réprobos se, como eles, sofremos com murmurações, despeito e vingança. Exclamemos com Santo Agostinho: 'Queimai, Senhor, cortai, talhai e retalhai neste mundo para castigar meus pecados, contanto que os perdoeis na eternidade'!

12. Nunca se queixar da criaturas.

Nunca vos queixeis voluntariamente e entre murmurações, das criaturas de que Deus se serve para vos aflingir. Distingui, para tanto, três espécies de queixas nos sofrimentos: (i) a primeira é involuntária e natural: é a do corpo que geme, suspira, se queixa, chora e se lamenta. Quando a alma, como já disse, está resignada com a vontade de Deus, em sua parte superior, não há nenhum pecado; (ii) a segunda é razoável; é quando alguém se queixa e descobre seu mal aos que podem e devem tratá-lo, como um superior ou o médico. Esta queixa pode ser imperfeita, quando for muito insistente; mas não é pecado; (iii) a terceira é criminosa: é quando alguém se queixa do próximo para se isentar do mal que ele nos faz sofrer, ou para se vingar; ou quando alguém se queixa da dor que sofre, consentindo nessa queixa e juntando-se a ela a impaciência e a murmuração.

13. Receber sempre a cruz com reconhecimento.

Nunca recebais nenhuma cruz sem beijá-la humildemente e com reconhecimento; e quando Deus, todo bondade, vos houver favorecido com alguma cruz um pouco considerável, agradecei-lhe de maneira especial e fazei-o agradecer por outros, a exemplo daquela pobre mulher, que, tendo perdido todos os seus bens em virtude de um processo injusto que lhe moveram, fez celebrar imediatamente uma missa, com o dinheiro que lhe restava, a fim de agradecer a Deus a ventura que lhe era concedida.

14. Carregar suas cruzes voluntárias.

Se quereis tornar-vos dignos de receber as cruzes que vos hão de vir sem vossa participação e que são as melhores, carregai outras voluntárias, seguindo os conselhos de um bom diretor. Por exemplo: tendes em casa algum móvel inútil pelo qual tendes afeição? Dai-o aos pobres, dizendo: 'quererias o supérfluo quando Jesus é tão pobre'? Tendes horror a algum alimento? A algum ato de virtude? A algum mau odor? Provai-o, praticai-o, aspirai-o. Vencei-vos.

Amais alguém ou algum objeto um pouco terna e insistentemente demais? Ausentai-vos, privai-vos, afastai-vos do que vos lisonjeia. Tendes uma natureza muito inclinada a ver? A agir? A aparecer? A ir a algum lugar? Parai, calai, escondei-vos, desviai os olhos. Odiais naturalmente algum objeto? Alguma pessoa? Procurai-a frequentemente. Dominai-vos.

Se sois verdadeiramente Amigos da Cruz, o amor, que é sempre industrioso, vos fará assim encontrar mil pequenas cruzes, com que vos enriquecereis insensivelmente, sem temor da vaidade, que se mistura tão frequentemente à paciência com que suportamos as cruzes muito visíveis; e porque fostes assim fieis em pouca coisa, o Senhor vos estabelecerá em muito, como o prometeu; isto é, em muitas cruzes que vos enviará, em muita glória que vos preparará...

(Excertos da obra 'Carta Circular aos Amigos da Cruz', de São Luís Maria Grignion de Montfort)

domingo, 9 de agosto de 2015

'EU SOU O PÃO VIVO DESCIDO DO CÉU'

Páginas do Evangelho - Décimo Nono Domingo do Tempo Comum


'Eu sou o pão vivo descido do céu' (Jo 6, 51). De todas as manifestações e revelações de Jesus aos seus contemporâneos, nenhuma outra causou tanta incredulidade, espanto e incompreensão do que estas palavras de salvação eterna. A divindade exposta em plenitude à humanidade pecadora, a dimensão espiritual assumindo o fluxo de todas as percepções humanas, provocou naquela gente uma reação desmedida de incredulidade: 'Não é este Jesus o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como pode então dizer que desceu do céu?' (Jo 6, 42).

'Eu sou o pão vivo descido do céu' (Jo 6, 51). Jesus pronunciou estas palavras na sinagoga de Cafarnaum, pouco depois do extraordinário milagre da multiplicação dos pães e dos peixes e em seguida à prévia revelação da santa eucaristia à multidão que fôra ao seu encontro para se fartar de pão material (evangelho do domingo passado): 'Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede' (Jo 6, 35). E todo o bem vem e volta para Deus, por meio do Pai e o preço do jugo suave do amor é a vida eterna, a ressurreição do último dia: 'Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia' (Jo 6, 44).

'Eu sou o pão vivo descido do céu' (Jo 6, 51). Pão de vida eterna para a alma e para o corpo, não como o maná dado aos filhos de Israel, mas como alimento espiritual descido do Céu para a salvação do mundo. Não se trata mais de um mero alimento para saciar a fome; é o banquete eucarístico da graça, o próprio Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus, como nossa comida e nossa bebida de vida eterna; 'Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo' (Jo 6, 51).

'Eu sou o pão vivo descido do céu' (Jo 6, 51). Pelo mistério da graça, recebemos a Vida de Cristo na Santa Eucaristia e nos revestimos da semente de eternidade que será revelada em plenitude na ressurreição do último dia. Pela união do humano e do divino, já não somos mais reféns do alimento que hoje sacia e depois se consome; somos agora herdeiros da imortalidade junto de Deus, saciados do pão vivo descido dos Céus e que 'permanece até a vida eterna' (Jo 6, 27).

sábado, 8 de agosto de 2015

DOS PECADOS VENIAIS

Introdução

Entre os hebreus usavam-se duas sortes de pesos e de balanças. Havia o chamado peso do Santuário, que era verdadeiro e justo; e o chamado peso público, que era falso e injusto. Ora, com duas sortes de balanças se pesam também os pecados dos homens. Se se pesam na balança pública do mundo, que é mentirosa e falaz (Prov 11, 1), dir-se-á que o pecado mortal não é coisa de valor, e que o venial, como leve que é, não tem nenhuma importância. Mas esse modo de pensar já o lamentava Santo Antônio de Pádua em seu tempo (Dom. 4 post Trin.).

Os santos, porém, e as almas iluminadas pela fé, pesam o pecado venial com a balança do Santuário, e por isso, o choravam e detestavam de morte. Santa Catarina de Gênova quase morria ao considerar a gravidade do pecado venial; e São Luís Gonzaga [em sua primeira confissão] caiu desfalecido aos pés do confessor, depois de confessar suas levíssimas culpas. São João Crisóstomo chegou a dizer que lhe parecia que se deviam evitar com mais cuidado os pecados veniais que os mortais. E dá a razão: os pecados mortais por sua natureza repelem [a alma justa]; porém, os veniais, por isso mesmo que são leves, não amedrontam, e se cometem facilmente.

Meditemos, pois, sobre o pecado venial, para nos enchermos de um grande temor de o cometer. Dividiremos a meditação em três pontos: I. O que é o pecado venial; II. Os danos que causa à alma; III. Como Deus o castiga. (...) Ah! Meu Deus, meu divino Samaritano, eu, pelos meus pecados veniais, me encontro ferido e despojado dos bens sobrenaturais, e só me encontro com a vida da graça. Tende compaixão de mim, curai a minha alma de tantos pecados veniais. Curai-me com o óleo das Vossas divinas inspirações e, com o vinho do Vosso amor, fortificai a minha vontade para me levantar, e começar a viver uma vida mais fervorosa.

I. O que é o pecado venial

Verdadeiramente sábio é aquele que julga das coisas como elas são. Ora, vejamos à luz da fé e da teologia, o que é o pecado venial. São Tomás diz que o pecado mortal é uma desordem da alma, pela qual volta as costas a Deus, seu último fim, para aderir à criatura. Para adquirir algum bem temporal, perde o princípio da vida espiritual, que é a caridade do amor de Deus e a graça. Pelo pecado venial, a alma adere a algum bem mundano, mas não de modo que renuncie ao seu último fim, e sem perder o princípio vital da graça. Está enferma, mas não está morta.

1. Suposto isto, discorramos. É certo que o pecado venial não despreza a Deus como o mortal; todavia não faz de Deus a devida estima. Não se opõe de todo à Vontade divina, mas opõe-se-lhe ao menos no modo, como diz São Tomás (1-2, q. 88, a. I). Desgosta a Deus, não observando perfeitamente os seus mandamentos. E se é assim, como se pode chamar leve? Quem tal dissesse proferiria uma blasfêmia, segundo afirma São Bernardo.

No pecado venial não se há de considerar tanto a leve transgressão do divino preceito, quanto a infinita majestade de Deus, que só se contenta com a perfeita observância dos seus mandamentos. São Jerônimo, escrevendo a Celância, diz: 'Não sei se podemos chamar leve algum pecado que se comete com desprezo de Deus. E só é prudentíssimo aquele que não considera só o que se manda, mas quem manda; nem quão grande é a ordem, mas a dignidade do que ordena'.

2. Ajuntemos a isto que, se o homem falta ao divino preceito em uma coisa pequena, por isso mesmo comete uma falta indesculpável, porque poderia facilmente evitá-la. Foi maior a culpa de Adão por não obedecer a Deus em coisa tão leve, como era privar-se de comer um fruto, ordem que tão facilmente podia cumprir. Naamã foi censurado também por não cumprir uma lei tão fácil, que lhe impôs o profeta para o curar da lepra, como era banhar-se sete vezes no Jordão. A culpa de Naamã está em que, sendo-lhe imposta condição tão fácil para o curar da lepra, a não quis aceitar por achá-la tão ligeira. Se lhe impusesse o profeta algum remédio violento, certamente que o tomaria. O mesmo motivo tira toda escusa a quem comete um pecado venial; pois, se para evitá-lo tivesse de suportar grande fadiga e vencer uma grande repugnância, poderia haver alguma desculpa se não o evitasse; mas para vencer-se numa coisa tão fácil, que desculpa pode haver?

3. Além disto, devemos considerar o pecado venial em duas relações importantes: em relação à pessoa ofendida, que é Deus; e em relação à pessoa ofensora, que é o pecador. Com relação à majestade da pessoa ofendida: quem não sabe que, tratando-se de um alto personagem, ninguém tem por leve a menor falta de respeito? Com frequência lemos nas histórias como grandes príncipes castigaram, com a pena de morte, as menores faltas de atenção e respeito dos seus vassalos. E será o pecado venial uma coisa tão ligeira, ofendendo e desgostando a infinita majestade de Deus? 'Nunca é leve desprezar a Deus numa coisa pequenina', diz São Bernardo. A Lei de Deus se há de guardar como a menina dos olhos, aos quais basta um argueiro para lhes causar uma grande dor.

Com relação à qualidade da pessoa ofendida, que é Deus sob o título de Pai, que filho haverá tão desleal e ingrato, que diga: 'A meu pai não quero tirar-lhe a vida, nem feri-lo mortalmente. Isso não; mas quero desgostá-lo de manhã até à noite, e magoá-lo nas mais pequenas coisas'. Que filho desnaturado seria este! Pois outro tanto faz o pecador com Deus, seu Pai, pagando-lhe os benefícios com ingratidões, com desacatos, com indelicadezas. É semelhante aos judeus, que não só crucificaram a Cristo, mas O flagelaram, coroaram de espinhos, e insultaram com palavras sarcásticas e afrontosas. E parecerá a alguém coisa leve tanta impiedade?

Com relação ao ofensor, quanto aumenta a malícia do pecado venial o ser cometido por uma alma justa que, pela graça santificante, é amiga de Deus, filha adotiva e esposa do Espírito Santo? Quem não sabe que os desgostos e ofensas que se recebem de um amigo, e muito mais de um filho ou de uma esposa, são sempre muito mais sensíveis, que as ofensas recebidas de um estranho ou de um inimigo?

O patriarca Jacó não acabava de se lamentar de que Ruben, seu primogênito, e a quem amava como a pupila dos seus olhos, tivesse cometido em sua própria casa um delito (Gn 49, 3). E o divino Salvador, na traição de Judas, parece sentir menos a entrega a seus inimigos, que a ingratidão de um discípulo, de uma pessoa, por assim dizer, de sua família, que por tantos títulos lhe estava obrigada. Do que se lamentou por boca do profeta Davi: 'Se meu inimigo me atraiçoasse, eu o suportaria facilmente; mas, tu, meu discípulo e apóstolo?' (Sl 54, 13).

Aqui é o lugar de refletir, como sendo eu tão amado de Deus, de quem estou recebendo continuamente tantos benefícios, ouso desgostá-lo com as minhas infidelidades, com as minhas culpas, ligeiras sim, mas que ferem profundamente o seu amoroso Coração. A estas culpas e ingratidões chama o Senhor, pelo profeta Zacarias, feridas profundíssimas que recebe dos que lhe são mais caros: 'Que querem dizer estas feridas no meio de tuas mãos? - Delas fui traspassado na casa daqueles que me amavam' (Zc 13, 6).

Objeção: Apesar de tudo, o pecado venial não é culpa grave.

Resposta: Primeiramente, o pecado venial é culpa leve em comparação com o mortal, mas não assim considerado em si mesmo. Assim a Terra é um ponto em relação ao Céu, mas em si mesma é uma imensa massa que tem de circunferência vinte e duas mil léguas. Em segundo lugar, o pecado venial, ainda que seja leve no gênero de culpa, não se pode dizer que o seja também no gênero de mal. E é tão grande mal que, para perdoá-lo, foram necessários os méritos de Cristo, como diz São Bernardo. O divino Redentor derramou todo o seu Sangue não só para pagar os pecados mortais, mas também para satisfazer pelos veniais; e nas santas indulgências se aplica o tesouro dos méritos de Cristo para satisfazer à divina Justiça tanto pelos pecados mortais quanto pelos veniais.

E pode chamar-se pequeno mal aquele pelo qual a sabedoria infinita de Deus julgou conveniente derramar o seu Sangue de infinito valor? O pecado venial é tão grande mal que não há, acima dele coisa pior, senão o pecado mortal. Sob qualquer aspecto que se encare, o pecado venial é pior que o inferno, pois, como diz Suárez, sendo o inferno pura pena, poderia escolher-se [de preferência ao pecado]; mas o pecado venial, sendo mal de culpa, não se pode escolher em nenhum caso. [Seria preferível padecer o inferno a cometer um pecado venial.]

É tão grande mal o pecado venial, que não pode cometer-se nem por obter algum grande bem, nem por evitar um grande mal. Se alguém pudesse, com uma leve mentira, salvar todos os condenados do inferno, ou converter todos os infiéis, não deveria, por forma alguma, proferi-la. Finalmente, supondo mesmo, o que não é verdade, que o pecado venial é coisa leve, tanto em razão da culpa quanto em razão do mal, convém refletir no número incalculável destas culpas, que se cometem desde pela manhã até à noite. Donde disse Santo Agostinho: 'Se não temes estes pecados quando os pesas, teme-os quando os contas'.

Se o pecado mortal é como o raio que mata, os pecados veniais são como o granizo que fustiga a vinha da alma. Por isso disse Quintiliano: 'Se não ofendem como raio, prejudicam, ao menos, como saraiva'. Se o pecado mortal é um mar, que faz naufragar o navio, os pecados veniais são outras tantas gotas que, unidas, igualmente o podem afundar. E, no caso de naufragar, pouco importa, diz Santo Agostinho, que isto aconteça por uma furiosa tempestade, ou que a água entre por uma fenda, gota a gota. Não queremos com isto dizer que muitos pecados veniais façam um mortal; mas que muitos pecados veniais dispõem para um pecado mortal [e com disposição próxima.]

II. Danos do pecado venial

Muitos são os danos que o pecado venial acarreta à alma. O primeiro é a mancha que lhe imprime, e a torna abominável aos olhos de Deus. O rei Nabucodonosor ordenou aos seus ministros que lhe escolhessem, para pajens, jovens puros, sem defeito e sem mancha, porque doutra forma não seriam aceitos e gratos a seus olhos (Dn 1, 4). Assim também quis Deus que os justos fossem isentos da menor culpa, porque, de outra maneira, os olharia com desagrado e desdém.

Este é, também, o modo de proceder entre os homens. Um vestido só presta quando estiver isento de qualquer mancha, ainda que não esteja rasgado. Uma rainha, por mais rica e majestosa que seja, se tem no rosto um defeito, perde toda a sua graça e beleza, e deixa de ser admirada e estimada pelos homens. Ora, a alma rica de virtudes e de dons sobrenaturais, ainda que seja verdadeiramente rainha pela graça santificante, pelo pecado venial torna-se disforme aos olhos de Deus, que não mais se compraz nela, e a olha como objeto de repulsão.

Uma dama espanhola, dirigida espiritualmente pelo padre João d'Ávila, teve ardente desejo de ver o estado de sua alma, e pediu ardentemente a Deus que lho mostrasse. Apareceu-lhe um Anjo com uma menina cheia de chagas purulentas, que dava compaixão, e disse-lhe: 'Esta é a tua alma'. Ficou a serva de Deus aterrorizada com esta aparição, e correu a manifestar ao seu diretor espiritual o que tinha visto. 'E essa menina estava viva ou morta?', perguntou-lhe o padre. 'Viva', replicou a serva de Deus. 'Consolai-vos em parte, porque, se a menina estava viva, é sinal de que a vossa alma está na graça santificante', disse o venerável padre.

O segundo dano do pecado venial à alma, é privá-la das graças atuais que o Senhor lhe concederia, se fosse mais pura e isenta de culpas. Estas graças atuais são certas luzes mais vivas na mente para conhecer o bem, certas inspirações mais eficazes para mover o coração e a vontade, certa compunção e doçura espiritual na oração, maior coragem para resistir às tentações, e outras semelhantes. Assim como um pai, desgostado pelas muitas desobediências de um filho, não lhe faz certas finezas, que lhe faria se fosse mais obediente: assim Deus, indignado pela ingratidão do homem que se contenta só com não ofende-lo mortalmente, o priva de muitas graças especiais, que lhe concederia se o visse mais fervoroso em seu serviço.

Quantos se desgostam e maravilham porque não encontram gosto na oração; porque, pedindo de contínuo a Deus e aos santos, não são ouvidos; porque se encontram sempre tão fracos e débeis na tentação! E como podem pretender que Deus os favoreça com graças especiais, se eles se tornam indignos delas, pelos freqentes pecados veniais, com que se tornam desagradáveis aos divinos olhos? Como podem resistir aos assaltos das tentações se, pelos pecados veniais, se veem abandonados dos auxílios celestes?

O terceiro e maior dano que o pecado venial causa à alma, é dispô-la para o pecado mortal. Isto sucede de dois modos, como ensina São Tomás: ou indiretamente, porque, retirando-lhe Deus os mais poderosos auxílios de sua graça, naturalmente enfraquece e cai no pecado mortal; ou diretamente, porque, acostumando-se a cometer muitas vezes culpas leves, pouco a pouco chega, pelo mau hábito, a cair em culpas graves.

E além disto, acrescenta São Tomás, que o pecado venial difere do mortal como uma coisa, imperfeita no seu gênero, difere de outra, perfeita; e como um menino, de um adulto (1-2, q. 88, art. 6, ad 1). Assim como fugimos de ter ao nosso lado um leãozinho, com receio de que se assanhe e nos mate, assim devemos ter longe de nós toda culpa venial, com receio que, de pequena, se torne uma grande fera, e nos estrangule e mate. Assim foi que a curiosidade de Eva degenerou numa grave desobediência; o afeto de Judas ao dinheiro, em deicídio; a política de Pilatos, na condenação de Jesus; e a imprudência de Salomão em casar-se com pagãs, em idolatria.

Por isso, o profeta Isaías se lamenta de que os pecadores preparem, com os seus pecados veniais, a corda com que hão de ser arrastados ao inferno (Is 5, 18). As cordas, retorcendo em si muitos fios, formam os grandes cabos, que suportam grandes pesos e seguram os navios. Assim os pecadores, comenta Santo Agostinho, multiplicando os pecados veniais, se dispõem para os mortais, que os arrastam à perdição.

Entremos dentro de nós mesmos e examinemos os muitos defeitos a que a nossa alma está habituada, para não nos acontecer o que a muitos têm acontecido. Santa Teresa escreve, em sua Vida, que foi levada ao inferno, e lá viu o lugar que haveria de ocupar, se não se emendasse de certos pecados veniais em sua juventude. O piloto, quando vê ao longe uma nuvenzinha no céu azul, prevendo a tempestade, colhe as velas e refugia-se em lugar seguro. Quando o céu da nossa alma se escurecer com alguma nuvem de pecado venial, tomemos precaução, porque pode vir a tempestade da tentação e levar-nos a cair no pecado mortal. Sigamos o conselho dos mestres espirituais, que nos avisam que de pequenos princípios nascem tremendas consequências, e que o demônio procura levar gradualmente as almas das pequenas faltas às grandes, como diz São Doroteu (Sermão 3).

III. Castigos do pecado venial

A pena, como uma sombra, segue a culpa; e, assim como da grandeza da sombra se deduz a grandeza do corpo, assim da gravidade dos castigos com que Deus pune o pecado venial, se pode claramente deduzir a gravidade de sua malícia. Tanto mais que, sendo Deus a infinita justiça, castiga com toda a proporção; sendo a infinita sabedoria, sabe até onde deve ir a proporção do castigo; e, sendo incapaz de paixão humana, não pode castigar mais do que deve, nem por arrebatamento da cólera, nem por falsa apreensão, nem por desordenado sentimento. Posto isto, vejamos como Deus castigou o pecado venial, nesta vida, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

No Antigo Testamento, Moisés, tão favorecido de Deus, caminhando para o Egito a fim de libertar o povo de Israel, saiu-lhe ao encontro um Anjo para o matar (Ex 4, 24). E por qual pecado se viu Moisés nesse perigo? Porque tinha adiado circuncidar seu filho - não porque não o quisesse circuncidar, mas diferia fazê-lo por um terno afeto, que não passava de pecado venial. Mas Séfora, sua consorte, logo circuncidou o menino e com isto se aplacou a ira do Anjo.

Enviou Deus um profeta a Betel, ao rei Geroboão, com ordem de não comer pão pelo caminho, nem beber água (3 Rs 13). Fê-lo assim o profeta, mas, na volta, encontrou-se com outro profeta venerável, que o enganou, dizendo-lhe que entrasse em sua casa, que esta era a Vontade de Deus, e se fortificasse. Assim o fez o crédulo profeta, e comeu pão e bebeu água. Este pecado do profeta foi, certamente, venial. Não obstante, Deus fez sair de uma floresta um leão, que o matou. E para que se entendesse que isto acontecera, não por fome do leão, mas por culpa do profeta, não só o leão não devorou o corpo morto, mas guardou-o até ser sepultado.

Pela curiosidade de ver o incêndio de Sodoma, a mulher de Lot foi convertida em estátua de sal. Por uma vã complacência que teve Davi em olhar para o seu fortíssimo exército, foi castigado com uma peste, que em três dias matou setenta mil pessoas. No Novo Testamento, lemos com que gravíssimas penas Deus tem castigado o pecado venial. São Jerônimo narra de Santo Hilário que, por uma distração não repelida, permitiu Deus que o demônio saltasse sobre ele e o flagelasse. 

Santo Odão, abade, escreve de São Gerardo Conte, que ficou cego por ter olhado fixamente para o rosto de uma menina. Conta Paládio de um santo homem, que vivia em grande austeridade, ao qual Deus por muitos anos mandava, por um anjo, um alvíssimo pão, que lhe bastava para dois dias. Depois de algum tempo começou a pensar, por vaidade, que era melhor do que os outros. Logo Deus o castigou mandando-lhe, em vez de pão branco, pão negro. Um dia Santa Francisca Romana sentiu que lhe davam uma valente bofetada. Voltou-se para ver quem a tinha ferido, e viu um Anjo que lhe disse: 'Esta bofetada te dei, em castigo do ócio com que estavas perdendo o tempo, que é tão precioso'. Mas os maiores castigos do pecado venial são na outra vida.

Primeiramente, é sentença de São Tomás, de São Boaventura e do comum dos teólogos que, se um pecador morre sem a graça de Deus, e leva pra o inferno, juntamente com um pecado mortal, um pecado venial não perdoado, deverá sofrer lá uma dupla pena eterna, por um e por outro. E a razão é clara: porque no inferno não há redenção, e não lhe sendo perdoada a culpa venial, também não lhe será remitida a pena que lhe é devida.

Em segundo lugar, os pecados veniais, pelos quais não fizemos penitência, serão castigados no Purgatório com penas atrocíssimas. Se alguém neste mundo, por uma mentira ligeira, devesse ser lançado numa fogueira ardente, que horror não nos causaria! Mas o seu tormento seria breve, pois logo morreria. Mas as almas do Purgatório sofrem e não morrem; e sofrem não por um momento, mas por muitos anos, e até milhares de anos. E não é qualquer fogo o do Purgatório. Santo Agostinho diz que 'com o mesmo fogo é atormentado o condenado e purificado o eleito'.

Não é, pois, o pecado venial, coisa tão ligeira e insignificante, que não temamos cometê-lo. São Maurício bispo, por se descuidar em batizar um menino, que logo morreu, renunciou ao bispado e se condenou a viver sempre peregrinando. Santo Eusébio, por uma distração voluntária na oração, condenou-se a ter sempre os olhos baixos e a não olhar para objeto terreno. O sacerdote Evágrio, em penitência por uma pequena distração, passou quarenta dias sem se sentar. De São Paulo Eremita, escreve São Jerônimo em seu epitáfio, que chorava os pecados leves como se fossem gravíssimos crimes. E quem terá tão pouco juízo que, podendo neste mundo resgatar a pena devida por seus pecados veniais com menores castigos, deixe para o fogo do Purgatório satisfazer por eles?

(Excertos da obra 'Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola', do Pe. Alexandrino Monteiro, Editora Vozes, 1959)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

PORQUE HOJE É A PRIMEIRA SEXTA-FEIRA DO MÊS


A Grande Revelação do Sagrado Coração de Jesus foi feita a Santa Margarida Maria Alacoque durante a oitava da festa de Corpus Christi  de 1675...

         “Eis o Coração que tanto amou os homens, que nada poupou, até se esgotar e se consumir para lhes testemunhar seu amor. Como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, pelas suas irreverências, sacrilégios, e pela tibieza e desprezo que têm para comigo na Eucaristia. Entretanto, o que Me é mais sensível é que há corações consagrados que agem assim. Por isto te peço que a primeira sexta-feira após a oitava do Santíssimo Sacramento seja dedicada a uma festa particular para  honrar Meu Coração, comungando neste dia, e O reparando pelos insultos que recebeu durante o tempo em que foi exposto sobre os altares ... Prometo-te que Meu Coração se dilatará para derramar os influxos de Seu amor divino sobre aqueles que Lhe prestarem esta honra”.


... e as doze Promessas:
  1. A minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Sagrado Coração.
  2. Eu darei aos devotos do meu Coração todas as graças necessárias a seu estado.
  3. Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  4. Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  5. Serei seu refúgio seguro na vida, e principalmente na hora da morte.
  6. Lançarei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  7. Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdias.
  8. As almas tíbias se tornarão fervorosas pela prática dessa devoção.
  9. As almas fervorosas subirão em pouco tempo a uma alta perfeição.
  10. Darei aos sacerdotes que praticarem especialmente essa devoção o poder de tocar os corações mais empedernidos.
  11. As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.
  12. A todos os que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos, darei a graça da perseverança final e da salvação eterna.

    ATO DE DESAGRAVO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 
    (rezai-o sempre, particularmente nas primeiras sextas-feiras de cada mês)

Dulcíssimo Jesus, cuja infinita caridade para com os homens é deles tão ingratamente correspondida com esquecimentos, friezas e desprezos, eis-nos aqui prostrados, diante do vosso altar, para vos desagravarmos, com especiais homenagens, da insensibilidade tão insensata e das nefandas injúrias com que é de toda parte alvejado o vosso dulcíssimo Coração.

Reconhecendo, porém, com a mais profunda dor, que também nós, mais de uma vez, cometemos as mesmas indignidades, para nós, em primeiro lugar, imploramos a vossa misericórdia, prontos a expiar não só as nossas próprias culpas, senão também as daqueles que, errando longe do caminho da salvação, ou se obstinam na sua infidelidade, não vos querendo como pastor e guia, ou, conspurcando as promessas do batismo, renegam o jugo suave da vossa santa Lei.

De todos estes tão deploráveis crimes, Senhor, queremos nós hoje desagravar-vos, mas particularmente das licenças dos costumes e imodéstias do vestido, de tantos laços de corrupção armados à inocência, da violação dos dias santificados, das execrandas blasfêmias contra vós e vossos santos, dos insultos ao vosso vigário e a todo o vosso clero, do desprezo e das horrendas e sacrílegas profanações do Sacramento do divino Amor, e enfim, dos atentados e rebeldias oficiais das nações contra os direitos e o magistério da vossa Igreja.

Oh, se pudéssemos lavar com o próprio sangue tantas iniquidades! Entretanto, para reparar a honra divina ultrajada, vos oferecemos, juntamente com os merecimentos da Virgem Mãe, de todos os santos e almas piedosas, aquela infinita satisfação que vós oferecestes ao Eterno Pai sobre a cruz, e que não cessais de renovar todos os dias sobre os nossos altares.

Ajudai-nos, Senhor, com o auxílio da vossa graça, para que possamos, como é nosso firme propósito, com a viveza da fé, com a pureza dos costumes, com a fiel observância da lei e caridade evangélicas, reparar todos os pecados cometidos por nós e por nossos próximos, impedir, por todos os meios, novas injúrias à vossa divina Majestade e atrair ao vosso serviço o maior número possível de almas.

Recebei, ó Jesus de Infinito Amor, pelas mãos de Maria Santíssima Reparadora, a espontânea homenagem deste nosso desagravo, e concedei-nos a grande graça de perseverarmos constantes até a morte no fiel cumprimento dos nossos deveres e no vosso santo serviço, para que possamos chegar todos à Pátria bem-aventurada, onde vós, com o Pai e o Espírito Santo, viveis e reinais, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amém.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

ARQUIVOS DO SENDARIUM

(artigo publicado originalmente no blog em 09/10/2013)

Há 70 anos, o bombardeiro B-29 'Enola Gay' decolou da ilha de Tinian para fazer o primeiro ataque nuclear da história da humanidade, sobre a cidade de Hiroshima no Japão. E o céu falou no meio daquele inferno pelo Rosário.