sexta-feira, 29 de maio de 2015

A MÃE DE SÃO BERNARDO


A bem-aventurada Aletha teve sete filhos que foram todos santos. O mais velho de seus filhos se chamava Guido e a este se seguiram Gerardo, Bernardo, André, Bartholomeu, Nivardo e uma filha chamada Umbelina. Os contemporâneos que pessoalmente conheceram esta nobre família são unânimes em prestar grandes tributos de veneração a cada um de seus membros.

Eis o que diz um piedoso cronista do século XII, abade de Saint-Thierry: 'O filho mais velho de Aletha tinha um caráter grave e justo. Amado de Deus e cheio de modéstia, era dotado de uma notável inteligência que brilhava em todos os seus atos como em todas as suas palavras. Gerardo, o segundo filho, gozava da estima geral; tinha costumes simples e castos e uma rara prudência junto a uma não menos rara penetração de espírito. Bernardo, o terceiro, farol e modelo de seus irmãos, tornou-se uma forte coluna da Igreja. André, o quarto, tinha uma alma ingênua e terna, temente a Deus e infensa ao mal. Bartholomeu, na flor da idade, em saber e prudência avantajava os velhos e possuía todas as qualidades de uma vida sem mácula. Nivardo, o mais moço, preferiu os bens do céu às riquezas da terra. Umbelina, nascida em último lugar, soube fugir às atrações da vaidade mundana e chegou a ombrear em virtudes com os seus irmãos'.

A digna mãe dessa grande família de santos pode,  com todo louvor, ser oferecida como um modelo das mães cristãs. É verdade que ela teve a vantagem inapreciável de viver em uma época em que as famílias reproduziam, tanto quanto era possível, a imagem da santa casa de Nazaré. A Igreja, com a sua divina inteligência, regulava a vida privada do mesmo modo que a vida publica, fixava os princípios da educação e intervinha nas relações civis para as nobilitar e consagrar; de sorte que tudo concorria para fomentar a fé, fortalecer a virtude, exaltar os corações e incitar o amor dos grandes cometimentos.

O papel da mulher, nessa obra de civilização cristã, era verdadeiramente belo. A religião determinava todos os seus deveres; e dignificava-os. A mãe não julgava terminada a sua tarefa depois de ter provido a todas as coisas da vida temporal: as suas vistas se erguiam mais alto e a sua ação se estendia mais longe. Mãe cristã, ela iniciava na vida da graça aqueles a quem tinha dado a vida material, e a sua felicidade, como a sua glória, consistia em os ver progredir na virtude, ao mesmo tempo que cresciam em idade. 'A mãe de São Bernardo' — dizia um santo bispo — 'tomava os seus filhos nos braços, logo após o nascimento, para os oferecer a Jesus Cristo; e amava-os desde então com respeito, como si fossem um depósito santo que Deus lhe houvesse confiado. E disto resultou tornarem-se santos os sete filhos que teve'. Felizes os filhos que se desenvolvem sob esta influência cristã e maternal! 

Aletha havia desposado, muito jovem ainda o nobre Teulino, senhor de Fontaines, perto de Dijon. Ela tinha quinze anos apenas e já a sua alma, inspirada pela graça, visava um outro destino. Mas a Providência destinara-a a ser esposa e mãe e propagar em sua numerosa família as bênçãos que a enchiam. O seu mais ardente desejo foi transmitir ao coração de seus filhos a vocação religiosa que ela havia apreciado tanto em seus primeiros anos. Unida profundamente a Jesus Cristo, fonte de todo o amor, ela comunicava aos seus filhos, com o leite maternal, uma virtude toda celeste; formou-os para o céu bem mais do que para a vida deste mundo e ensinou-lhes, desde a mais tenra idade, a discernir o bem e o mal, a preferir o melhor e a amar acima de tudo o Pai das misericórdias e das eternas consolações. 

Esta piedosa mãe era como um anel sagrado que ligava seus filhos a Deus, prendendo-os à Igreja e fixando-os na vida de salvação eterna. Ensinava-lhes a amar, a rezar e a esperar, inspirando-lhes o temor de Deus, a confiança e o reconhecimento, o horror do mal e o desejo da virtude e da santidade. Aletha havia estabelecido no interior da sua casa a ordem perfeita e a disciplina prescrita pelas santas leis da Igreja. 'Eu não posso esquecer', diz o já citado biógrafo, 'quanto se esforçava esta distinta mulher por servir de exemplo e modelo a seus filhos. Dentro ou fora da sua casa, ela imitava de algum modo a vida religiosa pelas suas abstinências, pela simplicidade do seu vestuário e pelo seu afastamento dos prazeres e das vaidades do século. Furtava-se o quanto possível às agitações exteriores, observando os jejuns e as vigílias, perseverando na oração e resgatando por obras de caridade o que podia faltar à perfeição de uma pessoa ligada à sociedade por diferentes laços'.

Compreendem-se as impressões profundas que estes exemplos edificantes deviam ter gravado nas jovens almas que diariamente os testemunhavam. A fidelidade que os pais guardam à autoridade da Igreja é para os filhos o melhor meio de consagrar a fidelidade a todos os outros deveres. Aletha amava os seus com uma ternura desinteressada, sem nada ter desse egoísmo natural que procura nisto a sua própria satisfação e, cultivando as ricas faculdades de seus filhos, evitava provocar-lhes à superfície do espírito certa florescência precoce e brilhante que lisonjeia a vaidade, mas que não produz nenhum fruto. A história refere que ela os habituava a uma prática generosa de renúncia e de sacrifício; que procurava ensinar-lhes a mais útil de todas as ciências, a de sofrer com calma e dignidade; e que se aplicava sobretudo a fazer reinar entre eles, por um constante exercício de caridade fraternal, uma santa harmonia de gostos, de costumes, de ideias e de simpatias.

A austeridade desta educação cristã, temperada por tudo o que há de afetuoso e de suave no coração de uma mãe, desenvolveu as qualidades doces e vigorosas que se admiram em Bernardo e em seus irmãos. Cada um deles manifestou as mais sólidas aptidões e as mais nobres faculdades. Mas, entre as virtudes destes filhos abençoados, a piedade filial reluziu sempre como um diamante no meio das mais ricas pedrarias.

São Bernardo, ainda mais que seus irmãos, prezava sua mãe e se deleitava com a unção religiosa do coração maternal. Bem jovem ainda, ele imitava em segredo as boas obras de sua mãe, apiedava-se dos pobres e dos aflitos, era serviçal para os irmãos e condescendente, obsequioso para todos e, pelos seus progressos de cada dia, na carreira da virtude, preludiava a santidade que mais tarde lhe encheu a vida de celestial magnificência.

Um outro contemporâneo faz ver o quanto a venerável matrona era solícita em acudir a toda a espécie de infortúnios Aletha não se limitou a acolher os pobres com bondade; visitava-os nas choupanas, pois neste ofício de caridade gostava de fazer tudo por si mesma e servia os enfermos nos hospitais, distribuindo a uns e a outros remédios e vestidos e oferecendo a todos os perfumes das consolações evangélicas. 'Se fossemos a narrar tudo o que ela fazia' — acrescenta o biógrafo — 'talvez não acreditassem'.

Progredindo, dia a dia, de virtude em virtude, ela estava completamente preparada à sua última hora. Bernardo tinha vinte anos somente, quando Deus a levou. Foi um golpe terrível para o seu jovem coração, porque, nesta quadra da vida, a piedade filial está como que em plena florescência. O filho, nos seus primeiros anos, ama a sua mãe sem avaliar o preço de uma mãe; ama-a infantilmente, quase que por instinto apenas. Mas, na mocidade, já ele sabe apreciar a mãe e à sua extrema ternura se junta uma estima, uma confiança, um respeito que nenhuma frase poderia exprimir. A morte da venerável Aletha foi rodeada de circunstâncias tão tocantes que as não devemos omitir aqui. Por isso vamos deixar falar um santo monge que assistiu a esta comovente cena e que a conta com toda a singeleza:

'A mãe venerabilíssima do abade de Claraval costumava celebrar todos os anos magnificamente a festa de Santo Ambrósio, padroeiro da igreja de Fontaines, com um banquete solene para o qual todo o clero era convidado. Deus, querendo recompensar a particular devoção desta santa mulher pelo glorioso Ambrósio, fez-lhe conhecer, por meio de uma revelação misteriosa, que ela havia de morrer no mesmo dia da festa. Certamente que não é para espantar que uma tão digna cristã fosse dotada do espírito de profecia. Aletha disse então tranquilamente e com segurança a seu esposo, aos seus filhos e a toda a sua família reunida que o momento da sua morte era próxima.

Todos, estremecendo embora, recusaram crer o sombrio anúncio, mas não tardou que a realização deste dolorosamente os alarmasse. Na véspera de Santo Ambrósio, Aletha foi atacada de uma febre violenta. No dia seguinte, que era o da festa, pediu humildemente que lhe trouxessem o Sagrado Corpo de Jesus Cristo e depois de receber o Santíssimo Viático e a Extrema Unção, sentindo-se confortada, instou para que os eclesiásticos convidados não faltassem ao festim. Quando eles se achavam à mesa, Aletha mandou chamar Guido, seu filho mais velho, e recomendou-lhe que fizesse entrar no quarto, depois do banquete, todos os membros do clero que ali estavam. Guido executou fielmente o que a sua piedosa mãe lhe havia ordenado.

Estávamos todos reunidos em torno do seu leito, quando a serva de Deus nos declarou com ar sereno que era chegado o seu último momento. Ajoelhamo-nos logo todos a rezar a ladainha que Aletha ia também entoando enquanto tinha voz. Mas no instante em que o coro pronunciou esta frase: Per passionem et crucem tuarn, libera eam, Domine, a agonizante, recomendando-se ao Senhor, ergueu a débil mão para fazer o sinal da cruz e, parando nesta atitude, rendeu a sua santa alma que os anjos receberam e levaram para a mansão dos justos. É ai que ela espera, na paz de Deus, o despertar do seu corpo no grande dia da ressurreição, quando o supremo Juiz vier julgar os vivos e os mortos e o século pelo fogo.

Foi assim que esta alma santificada deixou o santo templo do seu corpo; a mão direita permaneceu erguida na mesma posição em que estava quando ela fez o seu último sinal da cruz, o que impressionou muito a todas as pessoas presentes. A feliz transmigração desta mulher cristã foi objeto de júbilo entre os anjos do céu; mas cá na terra este acontecimento mergulhou na desolação os pobres de Jesus Cristo, as viúvas e um grande número de órfãos que ela protegia'. Esta narração singela e tocante indica só por si a perfeita delicadeza do gênio desses séculos de ardente fé.

Sobre a lápide funerária da cripta de São Benigno, onde foram depositados os restos da bem aventurada Aletha. um piedoso escultor gravou o retrato de cada um de seus filhos. Mãe nenhuma teve jamais um epitáfio tão eloquente como este da mãe de São Bernardo. A morte não termina, porém, a missão augusta de uma mãe piedosa. Esta missão se perpetua, debaixo de outra forma, no mundo angélico.

Na vida do grande São Bernardo, nós encontramos irrecusáveis provas das relações que subsistiram além do túmulo, entre a bem aventurada Aletha e os seus filhos. Ela apareceu visivelmente a São Bernardo, segundo o testemunho de um doutor contemporâneo, dizendo-lhe: 'Acaba, meu filho, com coragem, o que começaste a fazer: eu te espero na glória divina'. Uma aparição semelhante a esta determinou a vocação do jovem André, irmão daquele santo. Em um momento em que ele resistia mais obstinadamente as impulsos da graça, exclamou de súbito: Vidi Matrem! 'Vi minha mãe!' E, imediatamente, se lançou comovido aos pés do irmão, consagrando-se desde então para sempre ao serviço de Jesus Cristo. Ó meu divino Salvador, suscita, eu vos conjuro, as mães verdadeiramente cristãs, a fim de que os santos apareçam de novo entre nós e a piedade torne a florescer como nos bons tempos de outrora, para consolação da Vossa Igreja.

(Excertos da obra 'Novo Manual das Mães Cristãs', do Pe. Theodoro Ratisbona, Editora Vozes, 1938).

quinta-feira, 28 de maio de 2015

A MÃE DE SÃO GREGÓRIO NAZIANZENO


Em meados do século IV, venerava-se em Nazianzo uma família, de que todos os membros se inscreveram, cada um por sua vez, no catálogo dos santos. A bem aventurada mãe destes santos se chamava Nonna. Deus lhe havia dado três filhos: São Gregório, São Cesário e Santa Gorgonia. Seu marido, chamado também Gregório e igualmente santo, por seus vastos conhecimentos se tornara ilustre; mas, infelizmente, se havia deixado seduzir pelas seitas heterodoxas que, nesse tempo, viciavam as igrejas do oriente.

A sua admirável esposa é que o fez voltar ao bom caminho, não por meio de contínuas exortações, senão pelas suas ardentes preces e pelos encantos da sua piedade. Ela exercia uma irresistível influência tanto sobre a filha e os dois filhos como sobre o marido. Àqueles, desde os mais ternos anos, inspirou ela o horror ao pecado e o amor à virtude e, ao mesmo tempo que lhes aperfeiçoava a vida moral, desenvolvia-lhes o espírito pela cultura das ciências, das artes e das letras.

O jovem Gregório, todo o tempo que estudava em Atenas, cuja célebre academia era frequentada por um mocidade licenciosa, nutriu na alma, sem se esquecer jamais os princípios que sua mãe lhe havia insinuado. Sempre em guarda contra as tentações desta famosa e corrupta cidade, ele se soube conservar íntegro e firme na sua fé no meio de uma sociedade essencialmente pagã. Felizmente a Providência ai lhe deparou um jovem companheiro e amigo que também se esforçava por seguir à risca os exemplos de uma santa mãe. Este amigo inseparável do nosso santo também veio a ser santo mais tarde: é o ilustre São Basílio Magno, um dos mais brilhantes fachos da fé católica.

Quanto a Gregório, a Igreja o denomina o teólogo por excelência. Ele próprio nos conta a santa intimidade que prendia o seu coração ao coração de Basílio. Morando e trabalhando juntos, tornou-se-lhes comum o que a cada um deles pertencia. Posto que cercados de idólatras e de sofistas, os jovens conservaram ilesa sempre a pureza da doutrina e dos costumes e viviam de tal modo afastados das mundanas agitações que, na grande cidade, não conheciam senão dois caminhos: o que os levava à Igreja e o que os levava à Academia.

Não escreveremos aqui a história deste grande bispo de Constantinopla que se tornou o oráculo de todas as igrejas do Oriente. Diremos apenas que reproduziu em si as nobres virtudes de sua mãe, a quem tomou por modelo, e a sua santidade eminente é como o belo fruto que nos faz conhecer as qualidades da árvore. Gregório fala-nos de sua mãe com fervoroso entusiasmo, tanto em seus discursos, como nas graciosas poesias que compôs e todas as suas fibras pulsam vivamente sempre que se abandona às efusões da piedade filial. Aqui temos algumas provas disto, colhidas em vários trechos esparsos das suas obras.

Minha mãe – escreve ele – era filha de uma raça de santos, mas excedeu em muito a santidade dos seus avós. Era indulgente e modesta, sabendo porém, desenvolver em certas circunstâncias uma força e energia de alma superior à coragem dos homens. Bem que fosse de sangue e estirpe nobre, o maior título de nobreza, a seus olhos, era o seu título de cristã e filha de Deus. Era muito bela, mas desprezava o falso brilho da vaidade e, deixando às atrizes e comediantes os adornos artificiais, para si mesma não procurava mais do que um simples crucifixo ou imagem divina que, aliás, já tinha gravado no coração. Os exercícios de piedade, a que se entregava com fiel vigilância, não a impediam de se ocupar dos serviços da casa e o admirável é que, quando desempenhava os seus deveres domésticos, parecia não cogitar no serviço de Deus, como também quando se absorvia em seus exercícios religiosos, se poderia supor que esquecia todos os encargos do lar; tanto é certo que essas duas ocupações, na aparência opostas, se confundiam sempre em sua consciência calma, serena e vigilante.

A oração era todos os dias o seu primeiro e principal alimento; e com tão vivo sentimento de confiança se entregava às suas preces que parecia estar mais segura do que assim pedia e esperava, do que os outros o estão dos bens em cuja posse se acham. E, ó como era caridosa a minha querida mãe – continua este ditoso filho – Ela era a providência dos órfãos, dos desvalidos e dos aflitos; e tão largo e tão ardente era o seu desejo de os aliviar, de os contentar, de os saciar, que ela teria descido às profundezas do oceano para daí tirar o que fosse necessário a todos os que padeciam sede e fome. Muitas vezes lhe ouvi dizer que, sendo preciso, de bom grado se venderia para não negar nunca uma esmola aos pobres que lhe causavam mais compaixão.

A sua vida, como a de todos os eleitos de Deus, foi bastante atravessada de dores e provações; muitas vezes bebeu ela o cálice amargoso de Jesus Cristo. Nessas dolorosas conjecturas, Nonna evitava que qualquer pessoa de sua casa fosse testemunha das suas penas; dissimulava-as delicadamente, reservando-as só para si, afim de poupar a sensibilidade dos que a amavam. Demais, ela considerava a cruz como a chave do paraíso e como o instrumento da santificação. No meio das piores vicissitudes, não fraquejava nunca; sempre firme e de pé se mantinha, como forte coluna, animando a todos com o seu exemplo, de que se irradiava a esperança e a paz.

Ardia inextinguível no seu coração, o fogo do divino amor, que ela atiçava pela meditação assídua dos textos sagrados, sopro vivificante que a enchia de uma lucidez e de uma dignidade toda celeste. Concebe-se a salutar influência de uma tão perfeita mãe sobre a educação dos filhos. As suas palavras, as suas lições e os seus conselhos, sustentados por constantes exemplos, repousavam sobre os princípios imutáveis dos livros santos, de sorte que seus filhos, obedecendo-lhe, obedeciam ao próprio Deus. Ela se mostrava particularmente zelosa em afastar da sua casa tudo que pudesse alterar a fé ou comprometer a moralidade, compreendendo que um elemento profano ou pagão se aliasse jamais com os hábitos das almas destinadas a serem as companheiras dos anjos. 

Não admira pois que todos os seus filhos se tornassem santos. Também nenhuma bênção faltou a esta família cristã. A bem aventurada mãe e o bem aventurado pai de São Gregório de Nazianzo chegaram à mais avançada idade, pois tinham ambos cerca de cem anos quando deixaram este mundo para irem no outro receber a eterna palma. O real salmista deu um dia à sua harpa sonora este belo tema: Generatio rectorum benedicetur. A geração dos corações retos será bendita!

Não há nada melhor do que verificar o cumprimento desta profecia. Preciosíssima é a herança que os pais fiéis transmitem à sua posteridade. As mais sólidas fortunas da terra se desmantelam, as mais ricas vantagens desaparecem e as mais brilhantes pompas, como os mais vivos prazeres, não duram mais do que um dia; ao passo que a bênção de Deus atravessa as idades e os séculos, semelhante a um largo rio, que espalha longe, bem longe, a fecundidade, a exuberância e a vida.

(Excertos da obra 'Novo Manual das Mães Cristãs', do Pe. Theodoro Ratisbona, Editora Vozes, 1938).

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A MÃE DE SANTO AGOSTINHO


A mãe do grande Santo Agostinho oferece exemplo de perfeição às esposas, às viúvas e às mães cristãs. Seu próprio filho é quem nos ensina a conhecê-la e a apreciá-la. Santa Mônica era de tal modo cheia do seu Deus que ninguém se podia aproximar dela sem se possuir do desejo de ser bom, pois nela brilhavam reunidas todas as qualidades da mulher forte da Escritura. Não soube jamais retribuir o mal nem ter nos lábios uma expressão áspera, senão doces e benévolas palavras que lhe vinham diretamente do coração, tesouro inesgotável de bondade e doçura. Ó como é amável a mulher evangélica, quando a estrela da piedade lhe ilumina o semblante!

É uma providência para milhares de aflitos e o seu simples aspecto infunde veneração e a santa suavidade que lhe banha o rosto cerca-se de uma estranha auréola de graça e de simpatia. As intrigas e as conversações fúteis do mundo não despertam a sua curiosidade nem excitam as suas atenções e as vãs homenagens não a ostentam, nem as injustiças dos outros lhe arrancam murmúrios e queixas, porque ela é sempre igual a si mesma e pelo seu silêncio como pela sua voz, por todos os seus atos e pelos sacrifícios de cada dia e de cada instante, honra a religião, edifica a sociedade e brilha diante dos homens com uma luz serena, pura e ideal, que parece um lampejo de Deus.

Mônica não é propriamente uma dessas almas excepcionais, cuja perfeição espanta a fraqueza humana e que por suas obras heroicas escapam à nossa imitação. Não nos aparece sob as formas de uma severa austeridade, nem a sua vida se assinala por milagres. A sua santidade se manifestou, porém, no circulo dos deveres de uma situação comum: Mônica aperfeiçoou sua alma no meio dessas dificuldades ordinárias em que se encontram a maior parte das mulheres cristãs.

Como esposa, qual foi a sua vida? O seu biógrafo confessa que ela tinha um marido insuportável. Digamos tudo: este marido era pagão. Ai de nós! Que o paganismo ainda existe nos tempos modernos, pois não poucos cristãos se tornam estranhos a Jesus Cristo, adoram a fortuna e incensam ídolos, reduzindo a essa miséria toda a sua religião! Quantos homens, aliás, honrados e instruídos, não conhecem mais o cristianismo e andam arredios deste! Eles tinham aprendido, talvez, nos seus primeiros anos, os rudimentos da religião, mas depois fecharam para sempre o catecismo, imaginando já saberem tudo. Pronunciaram-se então sobre esta vasta doutrina de que nada sabem, considerando-a indigna dos espíritos sérios, muito abaixo dos progressos da ciência e em desacordo com as luzes do século. Que estranha apreciação! 

É como se quisesse julgar das proporções de um homem pelas dimensões de um berço. Disto resulta que, inteiramente absorvidos pelos negócios e coisas da terra, que lhes fazem esquecer tudo que respeita à eternidade, eles repelem a religião como inútil ou embaraçosa para si, tolerando-a apenas para as mulheres e as crianças. Não se lembram de que a doutrina católica cativou os mais eminentes gênios que tenham honrado o mundo, quer pelas suas investigações e descobertas no domínio da ciência, quer pelos seus feitos grandiosos, e consideram talvez como espíritos fracos os Agostinhos, os Jerônimos, os Crisóstomos, os Bernardos e Tomás de Aquino e Inácio de Loyola e Vicente de Paulo e Fenelon e tantos outros luzeiros da ciência divina. E ainda bem, quando esses a que nos referimos não são mais do que simples indiferentes e não se lançam a perseguir com a sua hostilidade ou as suas zombarias as práticas da piedade cristã. Muitas esposas se encontram atualmente nas mesmas condições em que vivia Santa Mônica. Qual deve ser, porém, a regra do proceder delas em tão difíceis circunstâncias?

Seja a mãe cristã, para seu esposo, um catecismo vivo e um compêndio de teologia! Seja, para ele, a exemplo de Santa Mônica, um anjo de edificação e de salvação! Sem dúvida que lhe não compete pregar ou doutrinar, porquanto a sua graça é, ao contrário, a do silêncio; mas este silêncio, só por si, vale uma boa pregação, quando é manso, afável e simpático. Não há eloquência nem lição tão capaz de revelar sob formas atraentes as belezas do cristianismo como a piedade serena e afável da mãe cristã, pois assim a sua vida inteira, opulenta em virtudes, torna-se uma pura manifestação do Evangelho.

Vós chamareis a vós os homens de bem e os salvareis, não por solicitações reiteradas e inoportunas, mas por atos de generosa abnegação, pelas vossas secretas e perseverantes orações, pela vossa dedicação e, sobretudo por um espírito cheio de mansidão evangélica! Ela opera maravilhas que a mais assombrosa magia do mundo não saberia imitar jamais. É um singular talismã que assegura à esposa infalíveis triunfos. 'Bem-aventurados os mansos, porque eles possuirão a terra'. Foi assim que obteve Mônica o seu primeiro triunfo: ela salvou a alma do esposo pela distinção do seu espírito, pela mansidão e brandura da sua piedade. Mas Santo Agostinho, o santo bispo de Hipona, continuando a referir-nos as qualidade eminentes de sua mãe, não quis que ficássemos ignorando o modelo de vida que ela abraçou depois da morte do marido.

Entregando-se toda a Deus, Mônica fechou o coração às seduções de terra, para o não abrir nunca mais senão às inspirações do céu. Segundo os livros sagrados é este, com efeito, o compromisso que a viúva cristã deve firmar. A mulher que passa a sua viuvez em festas e prazeres, diz o grande Apóstolo, parece estar viva, mas de fato está morta; está morta diante de Deus. A verdadeira viúva, segundo a significação da palavra, é a que se sente vazia; vazia de toda a paixão, vazia de toda a afeição desordenada, vazia de todas as recordações importunas e de todos os apegos mundanos, para só se encher, como um vaso de honra, vas honorabile, do bálsamo do amor divino. Ela só pode aspirar às consolações imortais e, por isso, é unicamente para o céu que o seu coração e as suas esperanças se devem voltar. Speret in Domino!

Que a viúva se abstenha, continua São Paulo, de usar mal da sua liberdade, consumindo o seu tempo em ir de casa em casa, a ostentar a sua ociosidade em visitas inúteis e a sacrificar ao luxo as oferendas a que tem direito a caridade. Não tem justificação perante Deus a que perde assim o seu tempo e o faz perder aos outros. É preferível tornar a casar-se a arriscar a alma; mas, casando-se de novo, acrescenta o Apóstolo, ela sofrerá aflições que eu desejaria evitar-lhe. A vida é uma prova rápida e grave em que se prepara o futuro destino. Que loucura é prender-se às ilusões do mundo, em vez de procurar as realidades do supremo e eterno júbilo! A viúva desligada dos laços do mundo está bastante livre e desembaraçada para se consagrar, como as virgens, ao serviço do Senhor, e, quando ela é fiel e zelosa, torna-se digna de uma glória imperecível perante Deus e perante os homens.

Santa Mônica compreendeu as recomendações evangélicas e as executou no meio das circunstâncias difíceis da sua viuvez. Ela tinha um filho de vinte anos; e quando a mãe carrega sozinha com o peso de uma responsabilidade tão grave, precisa possuir mais do que uma virtude ordinária: precisa ser mãe e pai ao mesmo tempo, isto é, juntar uma prudente sagacidade à sua natural ternura e uma firmeza masculina a uma delicada indulgência.

O filho de Mônica, bem que muito jovem ainda, gozava já de grande retórica nomeada pela sua eloquência, arte esta que ele professava com brilho nas mais célebres academias do tempo, aonde o povo afluía de todas as partes, só para o ouvir falar. Tanta glória seria mais que suficiente para fascinar a vaidade do jovem Agostinho e de qualquer mãe menos cristã do que Santa Mônica. Esta, porém, inteiramente desprendida das vãs satisfações do amor próprio e colocada muito acima das ambições vulgares, não somente se manteve inacessível aos ataques da vanglória humana, como também de algum modo serviu sempre de contrapeso às exaltações juvenis de seu filho, sobre cuja soberba e vigorosa inteligência não deixou nunca de conservar um verdadeiro ascendente. Se a não desvaneciam os louros triunfantes do filho, também os desvios deste não conseguiam desanimá-la. As suas constantes preces, as suas piedosas lágrimas e a virtude das suas dores e da sua paciência fizeram surgir na Igreja o grande Santo Agostinho.

Feliz a mãe que, ao sair deste mundo, recebe as últimas consolações da boca de um filho consagrado ao Senhor! Ela abençoou seu filho e o filho abençoou sua mãe! Seus nomes se entrelaçaram no santo altar, inscrevendo-se ambos no livro da vida. As glórias que os homens reciprocamente se conferem, depressa passam e se esvaem; e a mãe que, para seus filhos, tão frágeis e fugitivas glórias ambiciona, nenhuma vantagem colherá perante Deus. Mas vós, ó mães cristãs, que introduzis vossos filhos na senda real da salvação, onde os haveis precedido; vós sim é que os sabeis amar verdadeiramente, pois granjeais para eles uma incorruptível e imarcescível coroa de honra. Desde então recebeis, em paga do vosso amor, o mais profundo, o mais delicioso de todos os sentimentos, o amor filial que não se altera jamais e que jamais se esgota e que não cessará de celebrar, tanto no céu como na terra, a vossa dedicação, os vossos sacrifícios e os vossos piedosos desvelos.

Se Mônica não tivesse ambicionado para Agostinho senão fúteis glórias humanas, nem ela seria Santa Mônica nem seu filho viria a ser o santo que é, o grande Santo Agostinho. Ela preferiu, seguido os conselhos da alta sapiência, os bens imortais do céu a todas as fortunas da terra; e é por isso que a sua memória, juntamente com a de seu filho, será eternamente abençoada.

(Excertos da obra 'Novo Manual das Mães Cristãs', do Pe. Theodoro Ratisbona, Editora Vozes, 1938).

terça-feira, 26 de maio de 2015

SANTINHOS (V)

'Santinhos' são pequenos cartões impressos que retratam santos, cenas ou pinturas religiosas, produzidos desde época remota e comumente em grandes quantidades, para disseminação da cultura religiosa entre os católicos. São especialmente confeccionados e distribuídos nas festas de devoção de um santo, como pagamento de promessas ou como lembrança da realização de datas festivas e/ou eventos religiosos públicos ou particulares (batismo, primeira comunhão, crisma, etc). As fotos abaixo apresentam alguns exemplos destes 'santinhos' dedicados ao Espírito Santo e à Festa de Pentecostes.










segunda-feira, 25 de maio de 2015

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

Há diversidade de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor... A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, por esse mesmo Espírito; a outro, a fé, pelo mesmo Espírito; a outro, a graça de curar as doenças, no mesmo Espírito; a outro, o dom de milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas. Mas um e o mesmo Espírito distribui todos estes dons, repartindo a cada um como lhe apraz. Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo... Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros.

(I Cor 12, 4-5; 8-12; 27)

domingo, 24 de maio de 2015

'RECEBEI O ESPÍRITO SANTO'

Páginas do Evangelho - Domingo da Festa Litúrgica de Pentecostes

 

Emitte Spiritum tuum et creabuntur. Et renovabis faciem terrae

'Enviai, Senhor, o vosso espírito criador e será renovada toda a face da terra'

Originalmente, Pentecostes representava uma das festas judaicas mais tradicionais de 'peregrinação' (nas quais os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo), sempre celebrada 50 dias após à Páscoa e na qual eram oferecidas a Deus as primícias das colheitas do campo. No Novo Pentecostes, a efusão do Espírito Santo torna-se agora o coroamento do mistério pascal de Jesus Cristo, na celebração da Nova Aliança entre Deus e a humanidade redimida.

Eis que os apóstolos encontravam-se reunidos, com Maria e em oração constante, quando 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2, 4), manifestado sob a forma de línguas de fogo, vento impetuoso e ruídos estrondosos, sinais exteriores do poder e da grandeza da efusão do Novo Pentecostes. Luz e calor associados ao fogo restaurador da autêntica fé cristã; ventania que evoca o sopro da Verdade de Deus sobre os homens; reverberação que emana a força da missão confiada aos apóstolos reunidos no cenáculo e proclamada aos apóstolos de todos os tempos.

O Paráclito é derramado numa torrente de graças, distribuindo dons e talentos, porque 'Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito.Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos' (1 Cor 12, 4-6). Na simbologia dos vários membros de um mesmo corpo, somos mensageiros e testemunhas de Cristo no meio dos homens, na identidade comum de Filhos de Deus partícipes e continuadores da missão salvífica de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também Eu vos envio' (Jo 20, 21).

No Espírito Consolador, não somos mais meros expectadores de uma efusão de graças e dons tão diversos, mas apóstolos e testemunhas, iluminados e portadores da Verdade, pela qual será renovada a face da terra e pelo qual será apagada a mancha do pecado no mundo: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23).

ORAÇÃO E DONS DO ESPÍRITO SANTO

ORAÇÃO: 'VINDE, ESPÍRITO SANTO'
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(artigo publicado originalmente no blog em 10/11/2012)

OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
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