sábado, 18 de abril de 2015

GALERIA DE ARTE SACRA (XIX)

AS SETE IMAGENS MAIS ANTIGAS DE JESUS

1. Imagem de Jesus no Véu de Verônica (a primeira e certamente, a mais verdadeira face de Jesus): em posse do Vaticano.
(reprodução em estudos científicos com infravermelho)

(reprodução do véu venerado em Manopello /Itália: o chamado 'Rosto Santo de Manopello')

2. Imagem de Jesus no Sudário de Turim (a segunda e certamente, também verdadeira face de Jesus): em posse do Vaticano.


                              (imagem do sudário)                  (imagem do véu de Verônica)

3. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro com o Menino Jesus (século I): ícone que, segundo a tradição, teria sido pintado pelo evangelista São Lucas, quando Nossa Senhora ainda vivia em Jerusalém.


4. Jesus - o Bom Pastor (século III): pintura encontrada nas catacumbas de São Calisto, em Roma.


5. Jesus curando um paralítico (século III): imagem encontrada na parede do batistério de uma antiga igreja na Síria.


6. Cristo entre os apóstolos Pedro e Paulo (século IV): pintura encontrada em cemitério de uma vila imperial que pertenceu ao imperador Constantino.

7. Pantokrator (século VI): ícone muito antigo conhecido de Cristo, que se encontra no Monastério de Santa Catarina, no Monte Sinai.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

ROSÁRIO DA ALMA SACERDOTAL (IV)


OITAVO MISTÉRIO: DESPREZADOS, ABENÇOAM...

Apenas o Redentor tinha começado o difícil combate com o mundo e com o demônio, e logo recebera uma coroa. Naturalmente, não era a coroa que inspirava inveja. A solenidade da coroação era uma cena de escárnio. Algo de semelhante reproduz-se na vida sacerdotal. A coroa ensanguentada de Jesus Cristo corresponde à coroa dolorosa do sacerdote. 

Para compreendemos a significação mística desse passo da paixão, entremos no in­terior do Pretório. Esquecendo e olvidando o mundo, procuremos sondar esse profundo mistério pormenorizadamente. Eis, pois, revestiram o Salvador com um manto de púrpura; encimaram sua cabeça com uma coroa; puseram-lhe nas mãos uma cana e prestaram-lhe homenagens.

Revestiram o Salvador com um manto de púrpura

A flagelação era passada, essa ação desumana estava feita. Os algozes cobriram a sua vítima com vestidos e nesses panos infiltrou-se o sangue das feridas abertas. A túnica inconsútil de Jesus, totalmente ensanguentada, es­tava apegada na carne viva em todo o corpo: pa­recia o sacerdote revestido da casula vermelha. 

Jesus estava pronto para o sacrifício, pronto para caminhar ao altar no cimo do Gólgota. Os algozes porém, desnaturadas criaturas, ainda não estavam contentes; ajuntaram à dor física a dor moral, o escárnio. Jesus era rei, procura­ram então revesti-lo das insígnias de sua alta dignidade. Arrancaram-lhe cruelmente a vesti­menta da dor, tinta de sangue, e substituíram-na por um manto de púrpura, usado pelos generais dos exércitos daquele tempo.

Era o primeiro sinal da sua elevada po­sição. Um riso satânico então passou pelo pátio. Tinham dado começo à mofa feroz. Cristo ca­lou-se durante toda essa ação; seu silêncio, po­rém, é uma linguagem viva, pois também aqui o discípulo não é maior do que o mestre. Também para o Alter Christus, o mundo tem pre­parado seu manto de escárnio. O ódio à Igreja e a incredulidade, diariamente, hora por hora até, estão trabalhando para descarregar sobre o sacerdócio as suas ironias, para ridicularizá-lo ante os olhos da humanidade.

A imprensa e a língua são as lançadeiras que tecem o manto de escárnio com os fios da mentira e do ódio. Até a vestimenta do sa­cerdote é alvo de ferozes agressões e de palavras injuriosas. A batina preta e o burel do religioso figu­ram em imundas revistas como quadros sensacionais. Eis a sorte do Padre. Mostremos, porém, força e ânimo de heróicos confessores da fé. Alegremo-nos em sofrer opróbrios pelo nome de Jesus e jamais dei­xemos tão facilmente a nossa santa fé.

Encimaram a sua cabeça com uma coroa

A soldadesca com facilidade adquiriu pa­ra Jesus um diadema, pois bem próximo cresciam os arbustos de lotos e os espinhos; os seus galhos flexíveis e seus penetrantes acúleos pa­reciam mais belos que o ouro e o diamante aos malévolos soldados que deles logo se utilizaram fabricando uma coroa, impondo-a sobre a sagrada cabeça de nosso Salvador e, por fim, fazendo-a entrar bem profundamente. Então apareceram os rubis que faltavam, que eram as purpúreas gotas do precioso sangue de Jesus; deslizavam pelos ramos e pendiam nas pontas agu­das dos espinhos como pérolas brilhantes. Uma dor indefinível invadira então o nosso Divino Redentor.

Ó sagrada cabeça de meu Salvador, ul­trajada e escarnecida, cheia de sangue, de feridas, de dor... eu vos venero e reverencio. E vós, meu Jesus, não Vos queixais? E Vosso olhar, embaçado de sangue, meiga­mente dirige-se para a terra ou busca horizontes a nós desconhecidos? A Vossa mão não se levantará para rebater os monstros que Vos ultrajam? Ó santa e heróica paciência!

A tudo que vos rodeava éreis indiferente; a vida interior, porém, a vida celeste, a vida eterna, era para Vós tudo. Assim eu devo levar a minha coroa. Posuisti in capite meo coronam. Vós me destes a tonsura; ela é o símbolo de vossa coroa de dor. Devo, pois, praticar o desprezo de mim mesmo e do mundo, esta é a vossa vontade; satisfazendo-a, é mister sofrer. Esta cruz interior, escondida, que me faz mor­rer a tudo o que é do mundo, apronta-me para um altar, como Vos aprontou para a Cruz. Exsurge gloria mea (Sl 5, 6-9).

Puseram-lhe nas mãos uma cana

O bastão dos soberanos é o símbolo do poder; por isso permanece desde tempo imemoriais o cetro nas mãos dos reis. Que coisa mais natural do que entregar à vítima coroada o sinal de seu poder? Os algozes executaram esse seu intento. Cor­taram uma cana frágil e entregaram-na a Jesus, que lhes parecia tão fraco e débil como a própria cana. A força e onipotência divinas, porém, que residiam nos membros trêmulos do Salvador, escondiam-se aos olhos dos presentes.

E novamente resoaram sobre o pátio do Pretório as risadas e mofas atrozes. Jesus autem tacebat! Se formos prudentes, imitaremos a Jesus. Possuímos e temos um cetro; somos, por assim dizer, reis na paróquia. Nosso braço é for­te: podemos transubstanciar pão e vinho em Jesus Cristo, perdoar pecados, abençoar, man­dar e punir.

Esta nossa posição tem, porém, seus contraditores. Quantos se revoltam e procuram diminuir o nosso prestigio! Cortam então para nós a cana; entretanto nada temamos. Mas pro­curemos sabiamente evitar todo o abuso impru­dente de protestos sacerdotais. A nossa, divisa seja: 'calar, orar, amar'. Se Deus é por nós, quem será contra nós?

Deram-lhe homenagens

Os anjos do céu homenagearam o Divino Redentor. Cobertos de acatamento e respeito estão desde tempos muito remotos, estupefatos e extasiados diante do trono, exclamando: Salas Deo nostro, qui sedet super thronum, et Agno (Ap 7, 10). Caem sobre suas faces e ado­ram a Deus.

Na coroação de espinhos, porém, não se viam anjos: homens satânicos ao contrário, talvez inebriados, apresentaram-se, uns após outros, diante de Jesus. Gemi flectiram, cuspindo-lhe na sagrada face e gritando: Ave, rex Judaeorum! (Mt 27, 29). Seu respeito era uma horrível hipocrisia, seu acatamento, desprezo e sua homenagem, escárnio.

Jesus autem tacebat! Conservemos em nós segundo o seu exemplo, a calma, se semelhantes coisas nos sucedem. Em muitas paróquias tais acontecimentos não lançam raízes, nem semelhantes sofrimentos aparecem; em outras, contudo, se repetem sempre aquelas cenas da co­roação: insultos chistosos, grosseiros ludíbrios, baixas ridicularias, enfim vexação, de toda espécie.

Sim, cospe-se diante dos ministros do altar, cospe-se na passagem do sacerdote. Tais fatos leem-se nas crônicas de corajosos bispos e párocos de grandes metrópoles, de religiosos e missionários. Em suas vidas resplandece a 3.ª dezena dos mistérios dolorosos. Fortaleçamo-nos com o lema dos antigos místicos: sperno sperni. Roguemos a Deus que nos conceda grande paciência e muita caridade. Maledicimur et benedicimus (I Cor 4, 12).


NONO MISTÉRIO: UM OUTRO CONDUZIR-TE-Á!


Jesus Cristo tinha muitos discípulos. Uma verdadeira multidão de homens, ávidos da ver­dade, rodearam a sua pessoa fascinadora: dou­tores versados nas Escrituras, homens de mãos calejadas, jovens de alma em chamas e olhar fascinante.

Presos pela força e pelo calor de suas pa­lavras, muitos perseveraram por longo tempo junto do Redentor. Outros abandonaram-no, quando Ele exigia de sua fé e do seu espírito de sacrifício grandes esforços e atos heroicos. A doutrina da cruz, porém, até para os seus mais íntimos discípulos era uma pedra de escândalo. Enfim, quando a cruz era visível e pesava já nos ombros de Jesus, dispersara-se todo o resto de seus discípulos. Os Apóstolos tre­miam e foi mister bastante tempo para que eles empreendessem levar a cruz e pusessem em prática esta tão sublime doutrina.

A mesma coisa soa acontecer a nós, sacerdotes. Somos certamente os amigos íntimos e privilegiados de Jesus; seguimo-lo voluntariamente até o partir do pão, como diz o grande asceta. Mas, o alius te cinget, et ducet quo tu non vis (Jo 21, 18), encontra também em nós resistência da parte do velho homem. Devemos aprender do nosso Redentor, que por nós levou o pesado lenho da cruz; que o levou apesar dos sofrimentos anteriores, por meio da tumultuosa Jerusalém, por tanto tempo até que caiu debaixo de seu peso.

Apesar dos sofrimentos anteriores, não se ressentiam já os ombros de Jesus debaixo de tantos e tão atrozes sofrimentos? Não pingava o sangue de cada poro? Não era o seu corpo todo coberto de contusões, chagas e feridas profundas e dolorosas? Ó imagem de dor e comiseração! Sim, ó sim, desta sorte foi tratado o mais belo filho do homem. Detém-te, ó mão cruel, detém-te algoz desumano.

Mas a sede de sangue inflamou-se e era impossível retê-la. Trazem a grande e enorme cruz de madeira e Jesus não se queixa. A fraqueza o assalta, quase já não pode mais; não dá ouvido à natureza. Esquece os sofrimentos passados e abraça os novos. Magis pati — dizem e mur­muram os seus olhos a desfalecer.

Isto é heroísmo e este deve habitar, em nossa alma. Não devemos olhar para traz e di­zer: Eis, Senhor, a minha vida sacerdotal foi só trabalho e sofrimento em extremo. E já nova­mente estendeis-me o cálice da amargura? Dez... vinte anos... Vos servi, e não che­gou ainda o fim dos sofrimentos? Não pensemos assim, não. Acostumemos os nossos ombros às car­gas cada vez mais pesadas. Ainda que já tenhamos sustentado e suportado muita coisa, isto nunca será demasiado. Deus bem nos reconhece e sua graça é forte e pode muito, pode tudo. Sufficit tibi gratia mea (II Cor 12, 9).

Por meio da tumultuosa Jerusalém

O nosso Divino Redentor foi considerado réu. Seduz o povo: hunc inveniemus subvertentem gentem nostram (Lc 23, 2), di­ziam os judeus. Por que razão, então, devia-se lhe dar melhor tratamento do que a um escravo condenado à morte? O escravo, para sua con­fusão e vergonha, deve passar, antes de mor­rer, pelo mercado público, até o lugar de sua execução; o mesmo tratamento foi dado ao Homem-Deus. Todos deviam ver e presenciar a sua vergonha e confusão.

Levaram-no pelo meio da velha cidade-baixa, muito frequentada. Da altura do castelo ou palácio Antonia, ia a sua via dolorosa ao Vale de Jerusalém, até à porta Efraim. Conduzia a estrada para baixo e também para baixo espiritualmente, sim para as profundezas da humilhação. Assim iam sempre conduzidas em Jerusalém as pobres vítimas, acompanhadas por soldados, até, ao lugar do sacrifício.

Sigamos silenciosos o Salvador. As blasfêmias e gritos, os vitupérios e zombarias da mul­tidão repercutem nos nossos ouvidos. Os judeus só têm olhares de desprezo para quem leva a cruz. Poucos pensavam de maneira diferente, e estes poucos cresceram depois com o tempo aos milhares. Sempre volta o olhar do crente para as tristes cenas da Sexta-feira Santa.

Ó doce consolação para sacerdotes alquebrados pelos anos, ou doentes, que dolorosamente seguem seu caminho neste vale de lágrimas. O pensamento que eleva e robustece todos aqueles sacerdotes que sofrem e padecem. Estes dão nas paróquias exemplos como Cristo os deu na tumultuosa Jerusalém aos olhos dos poucos que lhe ficaram fieis. Estes exemplos ficarão mais tempo na memória do que as próprias pregações; produzirão o bem até além do túmulo.

Por tanto tempo até que caiu debaixo do peso da cruz

Muitas forças Jesus já tinha perdido, restavam-lhe agora muito poucas. O sangue na maior parte já foi derramado, os seus membros já esta­vam a desfalecer, mas, mesmo assim, prosseguiu com o seu peso. Não pediu nenhum alívio nem jogou longe de si a cruz tão pesada. Silencioso, curvado, mas resignado, Jesus segurou, abra­çando o precioso fardo; contudo os seus ombros pouco a pouco perderam a força. Cederam afi­nal essas forças. Verdadeira é a tradição que nos transmite que o Divino Salvador desfaleceu e caiu por terra debaixo da cruz. Os judeus presenciaram isto e obrigaram então um certo Simão, o Cirineu, a substituir a Jesus, levando-lhe o pesado lenho.

Ó sublime grandeza de nosso Divino Mestre Cum dilexisset suos qui erant in mundo in finem dilexit eos (Jo 13,1); sim, amou-os até o fim de suas forças. Como anões, esta­mos ao lado do gigante com a sua enorme ener­gia e fácil prontidão para tudo sofrer e tudo suportar. Como são mesquinhos os nossos sofrimentos e sem razão as nossas queixas.

É natural que tenhamos cuidado com a nossa saúde, para não interrompermos antes do tempo o exercício das nossas forças físicas. Mas não exageremos esses cuidados. Volunta­riamente queiramos sacrificar toda força da al­ma e do corpo, imolar a última gotinha de sangue pelo nosso bom Deus. Trabalhemos com o suor de nosso rosto, até que Deus seja servido e nos chamar para as eternas glórias, para os eternos gozos, para as eternas alegrias!


DÉCIMO MISTÉRIO: PREGAMOS CRISTO RESSUSCITADO!

A cruz rodeia-nos em toda parte: acena das torres das igrejas, admoesta nos sepulcros dos cemitérios, tem seu trono nas casas de famílias, nos altares, e no paramento do sacerdote quando diz a Santa Missa. E nós... temos na língua a cruz. As pa­lavras não pronunciadas, escritas por gotas do sangue precioso de Jesus, estão gravadas silenciosas no duro lenho da cruz, nós as pronunciamos: 'nós pregamos Cristo crucifi­cado' (I Cor 1, 23) nos autem praedicamus Christum crucifixum

Como nós po­demos isto, se a cruz não se confunde totalmente com o nosso modo de pensar e de existir! Pene­tremos por isso gostosamente nesse sublime mistério que para os pagãos é uma loucura, para os judeus um escândalo, para os cristãos, ao con­trário, a mais alta sabedoria. Cristo porém foi por nós crucificado: por fraqueza; para benefício do universo e para exemplo e doutrina do mundo.

Por fraqueza

Mas como? A cruz ensanguentada do Gólgota será um monumento de fraqueza? Sim, pois o Apóstolo diz: Crucifixus in infirmitate (II Cor 13, 4). Toda a majestade, toda a suprema dignidade do muito louvado e venerado profeta naufragou aos olhos dos romanos e judeus na cruz. Aparentemente fraco e sem auxílio estava Jesus, pen­dente do patíbulo da cruz, exposto às zom­barias. Todos viram aí a realeza perdida e irrevogavelmente condenada à morte. 

Entretanto, o que parecia fraqueza era na realidade força e força infinita, onipotência. No Redentor vivia, apesar de quase todo o sangue se destilar do corpo, uma força divina e que tudo superava. Subjugou a morte e o demônio, sim, todo o poder do infer­no, quando a sua língua se pregou no véu palatino e seus olhos murcharam.

Jesus edificou, por assim dizer, na hora da morte, no momento de expirar, a igreja mundial. Nam etsi crucifixus est ex infirmitater sed vivit ex virtude Dei (II Cor 13, 4). Procuremos realizar na nossa vida, pela prá­tica, esta sublime doutrina de Jesus. Nam et nos infirmi sumus in illo: sed vivemus cum eo ex virtute ei in vobis (II Cor 13, 4). Isto mesmo provou São Paulo por toda a sua vida. Sofrimentos cruciaram e enfraqueceram-no; quem porém sabe medir a sua vontade de ação, quem descreve seus triunfos? Tão grande era a energia que cintilava em seus olhos, que até se gloriou de sua fraqueza. 

Não observamos a mesma coisa, muitas vezes, na vida de alguns sacerdotes, que, apesar de doentes e al­quebrados, dão provas de grande força de alma e de heroísmo sem igual? Sim, há sacerdotes que trabalham com muito fruto, apesar de sua fraqueza e de sua débil constituição, pois o seu espírito parece ser totalmente constituído de energia. A graça apossou-se inteiramente des­ses obreiros da vinha do Senhor e verifica-se então o que diz o Apóstolo: nam virtus in infirmitate perficitur (II Cor 12, 9).

 Para benefício do Universo

Da morte brota a vida; isto nos ensina a na­tureza. O sobrenatural diz a mesma coisa. Não era sempre o sangue dos mártires a semente frutuosa de novos cristãos? O rei de todos os mártires porém é Jesus Cristo. Nada de extraordinário, pois, quando na primeira Sexta-feira Santa, pelas três horas, pas­sou pelo universo um hálito renovador que cha­mava à vida o que estava morto no homem: a vida da alma, a vida da graça. Veio então a pri­mavera; vagarosamente, mas veio. A fonte purpúrea, do sangue de Jesus, que brotara no cimo do Gólgota, percorreu os povos e as nações como um rio de bênçãos.

O Redentor tudo e todos prendeu a si: pa­gãos e judeus. Viu na hora da sua morte cruel o nascimento glorioso da Igreja Universal. Reminiscentur et convertentur ad Dominum universi fines terrae: et adorabunt in conspectu ejus uni­versa familiae gentium (Sl 21, 28). O que foi a cruz na primeira Sexta-Feira da Paixão, o é hoje, pois o crucificado vive e morre no santo sacrifício da Missa. Este tão sublime mistério está depositado na minha mão e na mão de todo sacerdote. Oh, tremendum mysterium!

Eu posso tudo e a todos prender a mim como o Salvador na cruz. Que benção! Instruirei e entusiasmarei o povo para o incruento sacrifício do altar e celebrarei eu mesmo como o Sacerdote-Magno no espírito e na intenção de Jesus Cristo. De­vo estar tão acima da terra, quando fico junto do altar, devo estar alheio a ocupações humanas e longe de negócios terrenos. Então correrá a fonte de bênçãos e de graças, que muda e trans­forma os corações humanos em corações segundo Jesus Cristo; então seguirá à transubstanciação do pão no altar a transformação da alma e de toda a paróquia.

Para exemplo e doutrina do mundo

O Crucifixo substitui uma completa biblioteca sacerdotal; é um Livro, tão universalmente escrito, que qualquer espírito o pode ler e compreender. E, contudo, são os seus pensamentos de uma profundidade tal, que a vida longa e inteira de um sacerdote não basta para esgotar o seu conteúdo. São Paulo reúne num só pensa­mento e numa só frase toda a doutrina da cruz, quando ele escreve aos gálatas: Qui autem sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis (Gl 5, 24).

Com isto o Apóstolo quer dizer: pelo batismo fomos incorporados a Cristo, porém a esta incorporação deve seguir a crucifixão: o velho homem deve morrer. Treze séculos mais tarde, leu-se no crucifixo a mesma doutrina: Ecce in cruce totum constat, et in moriendo totum jacet: et non est alia via ad vitam et ad veram internam pacem, nisi via sanctae crucis, et quotidianae mortificationis (Imit. Christi 2, 12).

Assim, pois, tudo está na cruz, e todo o ponto está em morrer; outro caminho não há para a vida e paz interior verdadeira fora do ca­minho da santa cruz e contínua mortificação. Em que ponto estou eu com o morrer a mim mesmo? Dobram os sinos na torre da minha igreja, representando o toque fúnebre da morte de minha natureza, que morreu totalmente para o mundo.

Ó profunda mística contida na cruz! Tu, ó santo lenho, prendeste espírito e alma de inúmeros santos sacerdotes; horas inteiras retiveste junto de ti os seus corações. Ó profunda mística contida na cruz! Tu fizeste chorar um Paulo, um Thomas, um Boaventura; dirigiste a pena de um Francisco de Sales, um Henrique Suso, um Tauler, um Thomas de Kempis!

Ó profunda mística contida na cruz! Pe­netra bem no meu espírito, ó cruz bendita! Faze-me voltar para o meu interior e tira de mim todo pensar frio e frívolo. Não, assim não posso continuar. Sou muito leviano e volvido para as coisas exteriores; devo ao contrário entrar em mim mesmo, bem no fundo do meu interior, mas isso só é possível, se eu morro em mim mesmo. Deve vir a noite para poder aparecer um belíssimo e quase infinito céu coberto e semeado de estrelas. Imensas e muitas extensas regiões abrem-se aos olhos interiores. Vai-se, então, de clareza em clareza, de claridade em claridade!

(Excertos da obra 'A Pérola Preciosa', do Pe. Wendelin Meyer, trad. de Alberto Kolb) 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

TIPOS DE CRUZES (VI)

76. CRUZ DE MALTA

Cruz conformada por quatro setas que convergem para um ponto central, característica de uma cruz de meditação. Sua origem está associada à Ordem dos Cavaleiros de Malta, tendo sido utilizada desde as primeiras cruzadas. Suas oito pontas expressam as bem aventuranças pronunciadas por Jesus no início do Sermão da Montanha, a perfeição de todas as virtudes ou ainda a regeneração da alma.

77. CRUZ OBTURADA

As quatro setas convergentes da cruz de malta (mas não preenchidas) são truncadas por um círculo central vazado, símbolo da perfeição e da eternidade.


78. CRUZ OBTURADA (VARIANTE)


Variante da cruz obturada, em que as setas apresentam formas triangulares preenchidas e que são truncadas por um círculo central vazado.


79. CRUZ OBTURADA (VARIANTE)


Variante da cruz anterior, em que as setas têm as extremidades externas curvas e são truncadas por um círculo vazado e concêntrico a um círculo central preenchido e menor.


80. CRUZ DE PISA


Cruz ligeiramente divergente, de braços com extremidades biseladas e pontas torneadas por três pequenos círculos ou esferas, inserida num círculo preenchido e mais interno a outro círculo concêntrico, vazado e ligeiramente maior. Símbolo da perfeição e da unidade, que representa Cristo rodeado pelos seus doze apóstolos.


81. CRUZ LUNULAR


Cruz estilizada em que os braços da cruz assumem a forma de meias-luas, conformando um mosaico interno em 'quadrado curvilíneo', que é circunscrito por um círculo vazado. Símbolo esotérico da fecundidade, da reencarnação e da energia do cosmos. 


82. CRUZ LUNULAR (VARIANTE)


Variante da cruz anterior sem a presença do círculo externo vazado (símbolo esotérico).



83. CRUZ ROSÁCEA


Cruz vazada e conformada pela linha perimetral de quatro círculos externos iguais (que representam os quatro evangelistas) tangentes a um círculo central de mesmo diâmetro (que não é desenhado).


84. CRUZ ANELAR


Cruz conformada pelo entrelaçamento de quatro círculos (anéis) iguais (que representam os quatro evangelistas), pintados nas cores vermelho, amarelo, azul e verde.


85. CRUZ DA ALIANÇA


Cruz conformada pelo cruzamento de duas alianças ou dos dois elos do número infinito, simbolizando a união matrimonial.



86. CRUZ BASCA


Cruz em forma de um duplo S superposto, com extremidades externas ('vírgulas') espessadas, que simbolizam as quatro cabeças (da palavra basca 'lauburu'), síntese do conhecimento do universo e das crenças gnósticas, representativas das quatro direções cardeais ou dos quatro elementos essenciais (fogo, terra, água e ar). 


87. CRUZ SUÁSTICA OU GAMADA


Variante da cruz de quatro cabeças ou pontas, definida por segmentos retos e ortogonais, de origem muito antiga e comum a vários povos, e tomada como símbolo da ideologia nazista. Pode ser representada como destrógira (com segmentos dirigidos no sentido horário) ou como sinistrógira (com segmentos dirigidos no sentido anti-horário).


88. CRUZ BATISMAL


Cruz conformada pela superposição de uma cruz grega ou quadrada com uma cruz de Santo André, resultando em 8 braços, número que simboliza a regeneração e a vida eterna para os cristãos, sendo, por isso, adotada como símbolo batismal.


89. CRUZ DA ETERNIDADE


Cruz de meditação cujas oito pontas são unidas por um traço comum e continuado, sem origem e término definidos, simbolizando a eternidade sem princípio e sem fim.


90. CRUZ DA ETERNIDADE (VARIANTE)


Variante da cruz anterior, simbolizando a eternidade sem princípio e sem fim.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

SANGUE E ÁGUA DE CRISTO

Se quisermos entender o poder do sangue de Cristo, devemos voltar à antiga narração da sua prefiguração no Egito. 'Sacrifica um cordeiro sem mancha', ordenou Moisés, 'e asperge tuas portas com o seu sangue'. Se lhe perguntássemos o que ele quis dizer, e como o sangue de um ser irracional poderia possivelmente salvar os homens providos de razão, sua resposta seria que o poder de salvar não reside no sangue em si, mas no fato de que ele é um sinal do sangue do Senhor. 

Naqueles dias, quando o anjo destruidor viu o sangue nas portas, ele não ousou entrar, então quanto menos o demônio se aproximará agora quando ele vê, não o sangue figurativo nas portas, mas o verdadeiro sangue nos lábios dos crentes, as portas do templo de Cristo.

Se desejas mais provas do poder deste sangue, lembra donde veio ele, como verteu da cruz, fluindo do lado do Mestre. O evangelho lembra que, quando Cristo estava morto, mas ainda pendendo da Cruz, um soldado veio e transpassou o seu lado com uma lança e, imediatamente, saíram sangue e água. Então a água foi um símbolo do batismo, e o sangue, da santa Eucaristia. O soldado transpassou o lado do Senhor, rompeu o muro do templo sagrado, e eu encontrei o tesouro e apossei-me dele. O mesmo com o cordeiro: os judeus sacrificaram a vítima e eu fui salvo por ela.

'Saíram do seu lado água e sangue'. Amado, não passes ao largo desse mistério sem refletir; ele tem ainda mais um sentido oculto, que te explicarei. Eu disse que água e sangue simbolizavam o batismo e a santa Eucaristia. Desses dois sacramentos, a Igreja nasceu: do batismo, 'a água purificadora que faz renascer e renovar pelo Espírito Santo', e da santa Eucaristia. Já que os símbolos do batismo e da Eucaristia fluíram do seu lado, foi do seu lado que Cristo formou a Igreja, como formara Eva do lado de Adão. 

Moisés dá uma ideia disso quando conta a história do primeiro homem e fá-lo exclamar: 'Osso dos meus ossos e carne da minha carne!'. Como Deus tomou uma costela do lado de Adão para formar uma mulher, assim Cristo deu-nos sangue e água do seu lado para formar a Igreja. Deus tirou a costela quando Adão estava num sono profundo, e, do mesmo modo, Cristo deu-nos o sangue e a água após a sua própria morte.

Entendes, então, como Cristo uniu sua esposa a si mesmo, e que alimento ele nos dá a todos para comer? Por um e o mesmo alimento nós somos trazidos à existência e nutridos. Como uma mulher nutre seu filho com seu próprio sangue e leite, assim Cristo incessantemente nutre com seu próprio sangue aqueles a quem ele mesmo deu a própria vida.

(Das homilias de São João Crisóstomo)

terça-feira, 14 de abril de 2015

DA VIDA ESPIRITUAL (81)


Quantas almas tocaste hoje com a tua presença e com o teu exemplo? Quantos ouviram de ti uma palavra de incentivo ou de conforto? Quantos encontraram a paz no teu abraço e a alegria no teu sorriso? Quantos acalmaram a angústia, o medo e o ressentimento interiores pela tua presença? No dia de hoje, quantos viram Cristo em ti? Quantos?

segunda-feira, 13 de abril de 2015

ROSÁRIO DA ALMA SACERDOTAL (III)


SEXTO MISTÉRIO: O GETSÊMANI DO PADRE!

O discípulo não é maior que o Mestre; as horas amargas do Jardim das Oliveiras de Nosso Senhor Jesus Cristo estão preparadas também para o Alter Christus. O que as velhas e veneráveis oliveiras viram e ouviram, isto contem­plam — apesar de ser somente um fraco eixo, uma pequenina imagem ou cópia da crudelíssima noite do Jardim das Oliveiras — isto também contemplam e escutam os quartos solitários, o confessionário, os caminhos daqueles sacerdotes que tomam a sério a sua santa e sublime voca­ção!

O que nos anunciam as páginas dos evan­gelistas tão singela e simplesmente, isto mesmo nos deixa lançar um olhar bem profundo na ver­dadeira vida sacerdotal. Na meditação deste mistério veremos o Getsêmani do sacerdote. Contemplaremos e aprofundaremos não só os sofrimentos e a oração do Mestre, mas tam­bém do discípulo. O Mestre sofreu ao ver o pecado, prevendo as suas dores físicas, abandonado, orando e — confortado por um anjo.

Ao ver o pecado

O olhar de Deus vê claramente; nada lhe pode escapar ou fugir. Penetra até ao fundo dos mares e chega até à essência das coisas. Toda a hediondez de um pecado se desdobra diante d’Ele. E esta revoltante fealdade é somente a síntese da ingratidão, das faltas de fidelidade, de consciência e de amor. Quem jamais poderá perscrutar a profundidade desta palavra?

Santo Agostinho disto não foi capaz; ele escreveu simplesmente: Peccatum est mysterium. Para Deus, porém, não há mistério; co­mo Ele é a própria clareza, assim seus olhos perscrutam tudo. E o Filho do Homem viu a profundeza do pecado; medo e pavor O assaltaram: coepit pavere (Mc 14, 33); coepit contristari et moestus esse (Mt 26, 37). Como um fantasma olhou o pecado para Ele, sim, o pecado, este assassino das almas e mortal ini­migo de Deus. Jesus viu todo o mundo tomado e dominado pelo pecado; e então suspirava e sofria, pois Ele havia de carregar e expiar este enorme peso que é a multidão de todos os cri­mes do mundo. Isso pesava sobre Ele como o peso de um alto monte.

Sacerdotes que totalmente vivem segundo o espírito de sua vocação, assemelham-se ao Redentor. Eles penetram muita vez, juntamente com Jesus, até às negras profundezas da alma humana, aplicam seus olhares para entrar até o âmago do pecado. Neles, então, pouco a pouco cresce uma delicadeza juntamente com uma con­sciência puríssima para tudo que diz respeito ao pecado, mesmo o mais leve, tomando pro­porções de tal modo, que eles sofrem e sentem tudo que Jesus sofre e sente. Esta compaixão invade todo seu interior. Cristo, o Cristo vertendo sangue, vive neles e eles n’Ele. Ó como é sublime, como é divina e, ao mesmo tempo, cheia de vigor e força esta vida da alma, esta vida interior!

Prevendo as dores físicas

É uma coisa enternecedora assistir a um espetáculo da Sagrada Paixão. A alma sente profundamente, quando se desenrolam na tribuna as cenas sangrentas, apresentadas com majestosa religiosidade, sentidas intimamente pelo re­presentante sem frivolidade nem hipocrisia. Co­mo, porém, saltaria o coração do espectador, como correria o sangue apressado pelas veias, se ele próprio houvesse assim de findar sua vida, se a representação se tornasse realidade ... Isso já não seria mais espetáculo. Nestas condições se achava Jesus, pois Ele contemplou o primeiro drama da paixão. Cada circunstância lhe saltava aos olhos: a grossura e o comprimento dos pregos, a pesada cruz, a flagelação, os longos espinhos; tudo Ele viu e também a si mesmo no meio do povo. Tudo isso pesava-lhe;  muito tremor e medo O assaltaram.

O sangue então brotava abundante de seus poros. Ó pobre Redentor meu, como tendes padecido! É esta também a minha sorte? Devo-vos imitar também nisso, sou vosso representante também nestes sofrimentos? Sim, também nisso. Por que queres tu fruir de uma vida cômoda, meu filho? Por acaso salvam-se deste modo as almas imortais? A tua vida será sofrimento e dor, pois o amor assim o exige. E este amor te provocará a sacrificares e imolares as tuas forças em meu serviço. In labore et aerumna, in vigiliis multis, in fame et siti, in jejuniis multis, in frigore et nuditate; praeter illa, quae extrinsecus sunt, instantia mea quotidiana (2 Cor 11, 27).

Abandonado 

As dores no homem muitas vezes não suscitam compaixão. Esmolando passa a tristeza pelo mundo, a lágrima estampada nos olhos. Em súplica — ela levanta as mãos, roga e geme até comover o coração, mas muitos têm ouvidos e não ouvem, olhos e não vêem. Houve um dia em que esta mesma tristeza, esta mesma dor pas­sou pelo Jardim das Oliveiras, pelo Getsêmani personificada no Divino Redentor. Ele pro­curou consolo e não o achou, pois encontrou os seus discípulos dormindo. Três vezes fez o mesmo caminho, três vezes voltou desolado e triste; es­tava abandonado. Até o céu parecia fechado. Ser completamente só, o Divino Mestre passou por esta terrível hora.

Cenas deste gênero muitos sacerdotes tam­bém conhecem. O povo vê e presencia a sua vida de sacrifício sem entender nem ligar importância, paga até os seus esforços e trabalhos com ingratidões. Até o caminho para o altar, para a celebração da Santa Missa, o pode deixar árido, seco, sem consolação. Parece nestes momentos que Jesus retém junto de si a chave do tabernáculo para impedir ao sacerdote usufruir seu tão precioso conteúdo. 

Os bons e dedicados amigos também se retiram, os parentes estão longe ou já morreram, e o sa­cerdote está só, sem ninguém. Tudo isso ele sabe suportar, mas apesar disso o sente e sente íntima e profundamente. Isso são cópias do primeiro quadro daquela noite negra que Jesus passou no Jardim de Getsêmani, e tudo isso redunda abundantemente em bem e bênção da Santa Madre Igreja.

Orando

A oração foi para Jesus como um ar refrescante, foi para a sua alma atribulada um verdadeiro bálsamo; a oração lhe concedeu grandes forças. 'Abba, Pai, a vós tudo é possível, afastai de mim este cálice; não seja feita a minha vontade, mas a vossa' (Mc 14, 36). Jesus pediu para ser afastado esse cálice de amargura.

O seu pedido foi um grito íntimo de um coração angustiado e atribulado. Jesus procurou as consolações do céu; a sua filial confiança e seu entretimento com o Pai Celeste lhe orvalhou o seu interior. Isso sabia bem o Homem-Deus; por isso levantou seu espírito a Deus. O mesmo devemos fazer nós. As horas de amargura devemos converter em horas de oração; então o jugo do Sacerdócio far-se-á doce e seu peso leve.

Quem sabe orar, sabe também sofrer, sabe suportar. Passemos nesses transes angustiosos pela nossa memória e pelo nosso espírito os admiráveis salmos e cantos da Paixão. Nestes hinos está tão admiravelmente estampada a vida do sofrimento! O breviário educa o sacerdote para sofrer orando e orar sofrendo.

Confortado por um anjo

O céu teve o néctar confortador: Deus enviou um anjo para consolar a Jesus. Este enviado do céu mostrou a Jesus as torrentes de bênçãos que brotariam dos seus sofrimentos, mostrou-lhe o trabalho dos segadores nas messes fertilíssimas da humanidade, a conversão dos povos e das nações, a origem e o incremento da Igreja de Deus, espalhada em todo o orbe terrestre, as excelências de sua santa humanidade, gloriosa eternamente nos céus. Propter hoc laetatum est cor meum et exultavit lingua mea, insuper et caro mea requiescet in spe (Sl 15, 9).

Sigamos o ensinamento que vem do alto! Nosso olhar deve convergir para os abundantes frutos que amadurecem por entre o fogo do sofrimento, que frutificam na fornalha da amargura da dor. Desvaziemos o âmago do cálice e bebamos o seu conteúdo de um só trago, na lembrança de Jesus Crucificado. A coroa celeste, os diamantes dos nossos méritos, a fileira das almas imortais salvas por nós e nossos trabalhos, luzirão como estrelas fulgurantes ao redor da alma sofredora e amargurada. Exurge gloria mea exurge psalterium et cithara.


SÉTIMO MISTÉRIO: JUNTO À COLUNA


Cristo é o ângulo e a coluna da Igreja que sustenta este grande edifício, que jamais balançará, pois Jesus Cristo está firme, é inabalável; os seus ombros não enfraquecem. Uma vez, porém — era antes da fundação da Igreja — estava esta coluna junto a outra coluna, aí enfraqueceram-se os ombros de Jesus, que todo se enfraqueceu e caiu num mar de sangue e de seu próprio sangue: a imagem da dor! Demoremo-nos diante d’Ele.

Os duros flagelos, as cordas, os açoites e azorragues recordam à nossa alma em tons lúgubres uma triste parte da passio Domini Nostri Jesu Christi. Podemos aprender, pois, que também os sacer­dotes devem, como seu Sumo Sacerdote, Je­sus Cristo, e como os sucessores na cadeira de São Pedro, ser colunas e pedras angulares do mundo cristão. Então não podemos recuar diante à coluna tinta de sangue. Ainda que não possamos seguir a Jesus até esta altura de penitência, podemos ao menos considerar pie­dosamente os sublimes ensinamentos que Ele aí nos fornece. Jesus foi flagelado e cruelmente despido.

Cruelmente

As sagradas páginas dizem-no claramente; o flagelare dos romanos não conhe­cia comiseração. Era comumente uma cruel­dade incrível e geralmente a introdução para a crucifixão. Sem dó nem compaixão caíam os açoites sobre as pobres vítimas. Cordas com chumbo entremeado aumentavam o efeito; para mudar usavam-se então, por algum tempo, as varas, voltando de novo a empregar as primeiras.

Entretanto, nem todos os criminosos sofriam esta crueldade, pois as leis porcia e simpronias excluíam dela os cidadãos romanos. O mais puro cidadão do céu, porém, o Homem-Deus, foi posto no número dos da ínfima classe. O Redentor do mundo experimentou toda a severidade da lei. Horrível martírio! Assim padece o Grão-Sacerdote da humanidade! As suas dores nos dizem: 'Dei-vos o exemplo'.

Sim, não recuemos, examinemos as páginas da história da Igreja, que foram, por assim di­zer, regadas com o sangue de Jesus Cristo. Não achou Cristo numerosos imitadores? Sacerdotes, que entre semelhantes martírios, sofreram e morreram para o mundo? O antigo forum em Roma, o anfiteatro, os cárceres e perseguições nos contam isso. Tradent enim vos in conciliis, et in synagogis suis flagellabunt vos (Mt 10, 17).

São Paulo recebeu três vezes quarenta açoi­tes, menos um; e Deus pôs um estímulo, por longo tempo e profundamente, no fraco corpo deste Apóstolo. O mesmo caminho vemos perambular outros muitos santos sacerdotes. Além disso, os muros e as silenciosas noites escondem muitos sacerdotes penitentes e mortificados; mas saibamos esperar: Dies venit, dies tua in qua reflorent omnia... 

Sucederá a mesma coisa comigo? Esta é a pergunta importante. Não devo, nem posso como sacerdote, tratar meu corpo molemente, não posso cultivar a vida do corpo, à custa da vida da alma, da vida da graça, tão sublime e tão importante. O levantar de madrugada, o silen­cioso suportar do tempo inclemente e tempes­tuoso na igreja e nas visitas aos doentes é a tradução da doutrina que Jesus nos deu na coluna de flagelação. Quero e estou firmemente resolvido a contrariar toda a comodidade e a cortar toda a superfluidade e bem estar.

Despido

Olhos alguns eram tão puros como os olhos de Jesus. O Redentor amava a inocência. Ele era a inocência personificada. As crianças cercavam e rodeavam o bom Mestre. Sobre o es­pelho de sua alma jamais passou um sopro que turvasse o seu casto brilho. E esta pureza em pessoa estava despida e completamente nua diante do Pretório; tudo se lhe tirou. Ele que vem para vestir os nus, que ornava o lírio e a flor do campo, ficou despido diante de crueis sol­dados. Só por isso, mesmo sem a flagelação, Jesus teria sofrido muitíssimo. Quem poderá descrever o que Jesus sofreu quando a baixa soldadesca calcou aos pés a sua inocência? Ó grandiosa castidade do meu Redentor! Ó dor mil vezes bem aventurada! Como deseja­ria, ó meu Jesus, ter-te coberto com os meus próprios vestidos e olhado para o brilho en­cantador de teus inocentes olhos!

Sim, assim mesmo devo pensar. Sacerdócio e inocência devem contrair em mim núpcias. Quero portanto trabalhar em mim, mortificar o meu corpo e concentrar todos os meus sentidos até que eu neste ponto apareça diante do comovente olhar de Deus sem man­cha nem imperfeição. Mas já não sou puro? Não vivo já dia e noite na alvinitente túnica da inocência sacerdotal? Feliz de mim se trago no coração este testemunho íntimo. 

Tememos; pois levo este tesouro num vaso quebradiço. Jesus Cristo vertendo sangue junto da coluna da flagelação sempre me lembrará o enorme preço por que foi adquirida a castidade. Quando as tempestades se levantam e tudo assombram, então abraçarei a Jesus conjuntamente com a coluna ensanguentada e es­tarei salvo. Ninguém me há de roubar a minha co­roa; não, ninguém; ela é tão bela, tão linda, tão formosa: O quam pulchra!

(Excertos da obra 'A Pérola Preciosa', do Pe. Wendelin Meyer, trad. de Alberto Kolb) 

domingo, 12 de abril de 2015

'MEU SENHOR E MEU DEUS!'

Páginas do Evangelho - Segundo Domingo da Páscoa


O segundo domingo do tempo pascal é consagrado como sendo o 'Domingo da Divina Misericórdia', com base no decreto promulgado pelo Papa João Paulo II na Páscoa do ano 2000. No Domingo da Divina Misericórdia daquele ano, o Santo Padre canonizou Santa Maria Faustina Kowalska , instrumento pelo qual Nosso Senhor Jesus Cristo fez conhecer aos homens Seu amor misericordioso: 'Causam-me prazer as almas que recorrem à Minha misericórdia. A estas almas concedo graças que excedem os seus pedidos. Não posso castigar, mesmo o maior dos pecadores, se ele recorre à Minha compaixão, mas justifico-o na Minha insondável e inescrutável misericórdia'.

No Evangelho deste domingo, Jesus já havia se revelado às santas mulheres, a Pedro e aos discípulos de Emaús. Agora, apresenta-Se diante os Apóstolos reunidos em local fechado e, uma vez 'estando fechadas as portas' (Jo 20, 19), manifesta, assim, a glória de Sua ressurreição aos discípulos amados. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 19) foi a saudação inicial do Mestre aos apóstolos mergulhados em tristeza e desamparo profundos. 'A paz esteja convosco' (Jo 20, 21) vai dizer ainda uma segunda vez e, em seguida, infunde sobre eles o dom do Espírito Santo para o perdão dos pecados: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' (Jo 20, 22-23), manifestação preceptora da infusão dos demais dons do Espírito Santo por ocasião de Pentecostes. A paz de Cristo e o Sacramento da Reconciliação são reflexos incomensuráveis do amor e da misericórdia de Deus. 

E eis que se manifesta, então, o apóstolo da incredulidade, Tomé, tomado pela obstinação à graça: 'Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei' (Jo 20, 25). E o Deus de Infinita Misericórdia se submete à presunção do apóstolo incrédulo ao lhe oferecer as chagas e o lado, numa segunda aparição oito dias depois, quando estão todos novamente reunidos, agora com a presença de Tomé, chamado Dídimo. 'Meu Senhor e meu Deus!' (Jo 20, 28) é a confissão extremada de fé do apóstolo arrependido, expressando, nesta curta expressão, todo o tesouro teológico das duas naturezas - humana e divina - imanentes na pessoa do Cristo.

'Bem-aventurados os que creram sem terem visto!' (Jo 20, 29) é a exclamação final de Jesus Ressuscitado pronunciada neste Evangelho. Benditos somos nós, que cremos sem termos vistos, que colocamos toda a nossa vida nas mãos do Pai, que nos consolamos no tesouro de graças da Santa Igreja. E bem aventurados somos nós que podemos chegar ao Cristo Ressuscitado com Maria, espelho da eternidade de Deus na consumação infinita da Misericórdia do Pai.