sexta-feira, 8 de agosto de 2014

DA VIDA ESPIRITUAL (73)



Parece muito pesada a cruz que carregas para seguir a Jesus? Então, jogue fora os teus ressentimentos, tuas críticas, teus julgamentos, tua vaidade, tuas preocupações, teu ego... E verás como é suave a cruz. Não é o peso da cruz que te comprime os ombros, mas é o lastro inútil das vicissitudes humanas que te pesam os pés...

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

VERSUS DA MÚSICA SACRA: SANCTUS X SANTO DOS ANJOS

Na liturgia da Santa Missa, logo no início da Oração Eucarística, a assembleia reunida faz a Aclamação, rezando o Sanctus. Este hino de louvor, em união com os coros celestes, é rezado de forma a proclamar o simbolismo do número 3 conforme as Escrituras o fazem por meio da saudação, contida no livro do profeta Isaías (Is 6, 3): 'Santo, Santo, Santo', ao Senhor Deus dos exércitos (da palavra hebraica Sabaoth, mantida inalterada na tradução latina e que faz referência aos 'exércitos celestiais') ou, como traduzido mais livremente, Senhor Deus do universo.

Sanctus

Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do Universo.
O céu e a terra proclamam a vossa glória. Hosana nas alturas.
Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas.

Sanctus em Latim

Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sunt coeli et terra gloria tua.
Hosanna in excelsis.
Benedictus qui venit in nomine Domini.
Hosanna in excelsis.



Uma variante livre do Sanctus é comumente cantada nas nossas Missas, na qual a louvação 'Santo, Santo, Santo' é substituída por outra 'O Senhor é Santo, O Senhor é Santo, O Senhor é Santo', cantada duas vezes. Por outro lado, a invocação 'hosana' (outra palavra hebraica que também foi mantida na tradução latina), súplica pela salvação eterna, é tomada neste caso como uma aclamação triunfal (também repetida três vezes).

Sanctus Modificado

O Senhor é Santo, o Senhor é Santo, o Senhor é Santo
O Senhor é nosso Deus, o Senhor é nosso Pai
Que seu reino de amor se estenda sobre a terra.
O Senhor é Santo, o Senhor é Santo, o Senhor é Santo
Bendito o que vem em nome do Senhor
Bendito o que vem em nome do Senhor
Hosana, Hosana, Hosana.

Uma variante muito forçada e que deturpa extremamente o sentido litúrgico da oração original é o chamado 'Santo dos Anjos', seja lá o que isso queira realmente expressar. A oração sintética, harmônica e litúrgica do Sanctus é substituída por uma cantoria insossa, repetitiva e melódica (muitas vezes acompanhadas de palmas e, infelizmente, de outras tantas 'performances' coreográficas absurdas e inusitadas, que constituem graves distorções  à natureza litúrgica do momento). A rima pobre (está/passará) é repetida à exaustão, e o não, não, não... parece aumentar indefinidamente em outras variantes do 'hino'. As três repetições simbólicas das Escrituras tornam-se, então, duas (e depois quatro), simplesmente para atender a concepção melódica do canto. A pobreza rítmica e caricatural da música é desconsiderada em detrimento à interpretação desvairada de que cantar assim reforça e enfatiza a participação dos fieis na celebração da Santa Missa. Não existem argumentos lógicos para contestar desvarios.

Santo dos Anjos

Santo, santo, santo, dizem todos os anjos
Santo, santo, santo, é o Senhor Jesus
Santo, santo, santo, é quem os redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de sua glória está
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará
Hosana a Jesus Cristo, filho de Maria
Bendito o que vem em nome do Senhor
Santo, santo, santo, é quem os redime
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está
Porque meu Deus é Santo e a terra cheia de Sua glória está
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Céus e terras passarão, mas Sua Palavra não passará
Não, não, não passará
Não, não, não passará

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

SOBRE O CANTO LITÚRGICO

'O louvor pela voz é necessário para estimular a afeição humana para Deus. Por isso, qualquer coisa que seja útil para isso, é assumido convenientemente no louvor divino. Também é verdade que, segundo as diferenças das melodias, as pessoas são levadas a sentimentos diferentes. A essa conclusão chegaram Aristóteles e Boécio. Por isso, foi salutar a introdução do canto nos louvores divinos para que os espíritos mais fracos fossem mais incentivados à devoção. A respeito, escreve Santo Agostinho: 'Inclino-me a aprovar a prática do canto na Igreja para que, pelo deleite auditivo, as almas fracas se elevem em piedoso afeto'. E diz de si mesmo: 'Chorei ouvindo os teus hinos e cânticos, profundamente emocionado pelas vozes de tua Igreja, que suavemente canta!' (resp.)

'Deve-se dizer que os cantos espirituais [Cl III, 16] poderão significar não somente o que se canta interiormente, como também o que as palavras sonoras dizem externamente: assim a devoção é estimulada por esses cantos' (ad 1).

'Deve-se dizer que São Jerônimo não condena absolutamente o canto, mas repreende aqueles que na Igreja cantam de modo teatral, não para excitar a devoção, antes para se exibirem e se deleitarem. Pelo que Santo Agostinho diz: 'Quando atendo mais à melodia do que ao significado das palavras cantadas, confesso que faço e devo me penitenciar: prefiro então não ouvir o cantar' (ad 2).

'Deve-se dizer que é mais excelente aumentar a devoção das pessoas pelo ensino da doutrina e pela pregação do que pelo canto. Por isso, os diáconos e os bispos, aos quais compete excitar as almas para a devoção a Deus, pelos ensinamentos doutrinários e pela pregação, não devem se dedicar aos cantos, para que por eles não descuidem das tarefas mais importantes (...) São Gregório afirma: 'É muito repreensível o costume dos diáconos de se dedicarem aos cânticos, pois a eles compete ofício da pregação e da distribuição das esmolas aos pobres' (ad 3).

'Deve-se dizer, como ensina Aristóteles: 'Para ensinar não se deve usar flautas nem instrumentos semelhantes, como a cítara e outras, mas tudo que possa contribuir para os ouvintes serem bons', até porque esses instrumentos musicais movem mais a alma para o deleite do que para a formação da boa disposição interior. No Antigo Testamento, usavam-se esses instrumentos, quer porque o povo era mais grosseiro e carnal, e por isso deviam ser estimulados por tais instrumentos, como também pelas promessas terrenas; quer porque, esses instrumentos materiais eram figurativos' (ad 4).

'Deve-se dizer que quando se dá muita atenção ao canto para se deleitar, o espírito deixa de considerar as palavras cantadas. Mas, se a pessoa canta por causa da devoção, mais atentamente perceberá o sentido das palavras, porque demora-se mais nelas, e porque, como diz Santo Agostinho: 'Todos os afetos de nosso espírito, conforme a sua diversidade, descobrem modalidades próprias da voz e do canto com as quais se movem, por uma secreta familiaridade'. O mesmo se aplica aos que ouvem os cânticos, os quais, embora às vezes não entendam o que se canta, todavia, entendem a razão do canto, isto é, o louvor a Deus. E isto é suficiente para despertar a devoção' (ad 5).

(Excertos da obra 'Suma Teológica', II-II, q.91, a.2 de São Tomás de Aquino)

terça-feira, 5 de agosto de 2014

SERMÕES DO CURA D'ARS (III)

SOBRE OS MUNDANOS
Uma parte, e talvez a maior parte das pessoas, está totalmente envolvida com as coisas deste mundo. E, neste largo número, existem aqueles que se julgam felizes por terem suprimido todo e qualquer sentimento de religiosidade, todo e qualquer pensamento sobre a vida eterna, aqueles que  fizeram de tudo que estava em seu poder, para apagar da memória, a terrível recordação do Julgamento, no qual um dia, todos nós teremos que nos apresentar e prestar contas. 

Durante o curso de suas vidas, eles usam de tudo quanto é artimanha, e frequentemente até suas posses, para atraírem para o seu modo de vida, tantos quanto puderem. Eles já não acreditam em mais nada. Aliás, eles até sentem um certo orgulho em se exibirem mais ímpios e incrédulos do que realmente são, para poderem convencer os outros a acreditarem, não em verdades, mas sim em falsidades, que vão fincando raízes nos corações daqueles que são influenciados por eles. 

Durante um jantar que Voltaire deu num certo dia para seus amigos – um bando de ímpios – ele rejubilou-se porque, entre todos os presentes, não havia um sequer que acreditava em religião. Embora no fundo, ele próprio ainda acreditava. Tanto é verdade, que ele demonstrou isso claramente na hora de sua morte. Naquele momento crucial, ele ordenou com grande pressa que um sacerdote fosse levado à sua presença para reconciliar-lhe com Deus. Mas foi tarde demais! 

Deus, contra Quem ele havia lutado e falado mal com tanta fúria, durante toda a sua vida, agiu com ele do mesmo modo como agiu com Antíoco. Deus simplesmente o abandonou à fúria dos demônios. Naquele momento de pavor, Voltaire tinha apenas o desespero e o pensamento da condenação eterna que lhe estava destinada. O Espírito Santo nos diz: 'O tolo diz em seu coração: não existe Deus'. Mas é apenas a corrupção de seu coração que o leva a cometer tais excessos. No fundo, no fundo, ele não acredita nisso. Ou seja, aquelas palavras: 'Deus existe', nunca desaparecerão inteiramente de seu coração. O pior dos pecadores sempre proferirá o nome de Deus, mesmo sem pensar no que está dizendo! 

Mas deixemos esses blasfemos de lado. Felizmente, apesar de vocês não serem tão bons cristãos como deveriam ser, graças a Deus, vocês não estão entre esse tipo de gente. Mas então vocês me perguntarão, afinal quem são essas pessoas que estão parcialmente do lado de Deus e parcialmente do lado do mundo? Bem, meus caros filhos, permita-me descrevê-los. Eu vou compará-los, se me permitirem usar o termo, com cachorros que correm atrás do primeiro que os chamar ou lhes acenar. Vocês podem segui-los do amanhecer até o fim do dia, do início do ano até o final. 

Estas pessoas veem o Domingo, simplesmente como um dia de descanso ou de lazer. Nesse dia, eles ficam mais tempo na cama do que nos dias-de-semana, e ao invés de se entregarem a Deus de todo o seu coração, eles nem sequer pensam no Altíssimo. Alguns deles estarão o tempo todo pensando em como será o seu 'dia de lazer', outros estarão pensando nas pessoas que eles irão encontrar e ainda outros, nas vendas que eles irão fazer, ou no dinheiro que eles esperam gastar ou receber. É com grande dificuldade que essas pessoas fazem o Sinal da Cruz, e quando o fazem, fazem de um modo desleixado. Por outro lado, já que elas irão à Missa mais tarde, elas simplesmente negligenciam as orações que todos os dias deveriam fazer, dizendo como desculpa: – Oh! Eu terei tempo de sobra para fazê-las antes da Missa! 

Essas pessoas sempre têm algo mais importante a fazer antes de se prepararem para ir à Missa e apesar de terem planejado orar um pouco antes de saírem para a Igreja, dificilmente conseguem chegar a tempo para o início da Missa. Se encontram um amigo ao longo do caminho, não tem o menor escrúpulo em voltar para casa com o tal amigo e deixarem a Missa para outra ocasião. Mas porque ainda querem se parecer 'bons cristãos', tais pessoas acabarão por irem à Missa talvez algum tempo mais tarde, embora sempre o fazendo com relutância e achando um infinito aborrecimento. 

Durante a Missa, o único pensamento que lhes ocorre é aquele: 'Ó meu Deus, será que essa Missa não acaba nunca?!' Você pode também observá-los dentro da Igreja, especialmente durante a homilia, olhando sempre de um lado para outro, perguntando à pessoa do lado pelas horas e assim por diante. Uma boa parte delas, fica folheando o Missal como se estivessem procurando por algum erro de impressão. Há outras que podemos ver dormindo e até mesmo roncando como se estivessem confortavelmente deitadas numa cama. Quando acordam assustadas, o primeiro pensamento que lhes vem em mente, não é aquele de terem profanado um local santo, mas sim este: – Oh meu Deus! Esse padre ainda está falando? Será que esse sermão não termina mais? Desse jeito eu não volto mais! 

E finalmente existe também aqueles para quem a Palavra de Deus (que tem convertido tantos pecadores) é verdadeiramente nauseante. Eles não tem vergonha de dizer que são obrigados a sair pelo menos por alguns minutos da Igreja, 'para poderem respirar um pouco', caso contrário eles morreriam! Você sempre os verá desinteressados e tristes durante as Missas. Mas espere pra ver quando a celebração terminar! Frequentemente, mesmo antes do sacerdote deixar o altar, eles já estarão com um pé para fora da porta de entrada. Serão sempre os primeiros a abandonar a assembleia e qualquer um perceberá que toda aquela alegria que haviam perdido durante a Missa, subitamente voltou! 

Geralmente essas pessoas estão sempre tão cansadas, que nunca terão forças para retornarem para qualquer outra atividade durante a noite: Vigílias, Adoração Solene do Santíssimo Sacramento... etc. E se você lhes perguntar, por que elas não compareceram, elas simplesmente responderão: 'Ah! Você também não quer que eu passe o dia inteiro na Igreja, não é? Afinal, tenho outras coisas para fazer!' Para tais pessoas, não existe nada que se aproveite nas homilias, nem no Rosário ou nas Orações Noturnas. Elas vêem essas coisas como simples consequências. Se você lhes perguntar o que foi dito durante a homilia, elas sempre responderão: 'Ah! O Padre não fez outra coisa a não ser gritar muito durante o sermão... foi enjoativo demais... eu não consigo me lembrar de absolutamente nada.... Ah! se ele não tivesse sido tão demorado, eu ainda poderia me lembrar de alguma coisa... tá vendo porque todo o mundo não gosta de ir à Missa? É porque ela é comprida demais!' 

Pelo menos uma coisa esta pessoa disse certo: 'todo o mundo', porque tais pessoas pertencem à classe dos 'mundanos', embora eles próprios não saibam disso. Mas agora vou tentar fazê-los  compreender as coisas um pouquinho melhor, pelo menos se eles quiserem... Mas sendo eles, surdos e cegos como são, é muito difícil fazê-los entender as Palavras de Vida Eterna ou o seu estado tão infeliz. Só pra começar, eles nunca fazem o Sinal da Cruz antes de uma refeição e nem tampouco fazem Ação de Graças depois das mesmas, e muito menos recitam o Ângelus. Se por acaso ainda observarem esses preceitos, devido à força do hábito ou apenas por costume, eles o farão de um modo tão superficial que qualquer um ficaria decepcionado ao vê-los: as mulheres o farão, ao mesmo tempo em que gritam com os demais membros da casa ou chamam as crianças para a mesa, os homens o farão distraidamente enquanto rodam o chapéu de uma mão para outra como se estivessem procurando por algum buraco. O modo como eles pensam em Deus, e o modo como se comportam nos leva facilmente a pensar que eles não tem nenhuma fé e que tudo que fazem, o fazem apenas por brincadeira. 

Tais pessoas não têm o menor escrúpulo em comprar ou vender nos dias santos e domingos, muito embora saibam que quando não se tem um motivo razoável para isso, é sempre um pecado mortal. Tais pessoas vêem todos esses fatos como bobagens. Alguns chegam a frequentar a Igreja nos dias santos apenas para recrutarem trabalhadores e se você disser que o que estão fazendo é errado, elas simplesmente responderão: 'Nós temos que ir é onde as pessoas se reúnem e quando elas podem ser encontradas!' Elas também não se importam nem um pouco em pagar suas contas aos domingos, afinal durante a semana precisarão de todo o tempo disponível para adiantar seus trabalhos. 

Você então me dirá: 'Nenhum de nós se preocupa muito com essas coisas!' E eu lhes digo, vocês não se preocupam, meu caro povo, porque vocês também são todos mundanos. Vocês querem servir a Deus e ao mesmo tempo satisfazerem aos padrões deste mundo. Vocês percebem, meus filhos, quem são esse tipo de gente? São pessoas que ainda não perderam completamente a Fé e que, de alguma maneira, ainda permanecem ligados ao serviço de Deus, são pessoas que ainda não abandonaram de vez todas as práticas religiosas e que chegam inclusive a achar falta naqueles que não frequentam a Igreja de jeito nenhum, mas elas próprias não têm coragem de romper com o mundo para passarem exclusivamente para o lado de Deus. 

Tais pessoas não desejam ir para a condenação eterna, mas também não querem se meter em situações muito inconvenientes. Elas acham que serão salvas sem ter que fazer muita violência contra si próprias. Elas têm uma ideia de que Deus sendo tão bom, não criou ninguém para a perdição e que, no final, apesar de tudo, Ele perdoará a tudo e a todos; que no tempo propício todos se voltarão para Deus, que corrigirão suas faltas e abandonarão seus maus hábitos. No caso de, em algum momento de reflexão, chegarem a dar uma repassada em suas vidas mesquinhas, talvez eles até se lamentem por seus pecados e algumas vezes pode até ser que chorem por causa deles...

Meu filho, quão trágica é a vida daqueles que querem seguir os caminhos do mundo sem, no entanto, deixarem de ser filhos de Deus! Vamos um pouquinho mais adiante e vocês serão capazes de compreender mais claramente e ver com os seus próprios olhos o quão estúpido este estilo de vida pode ser. Num determinado momento você chegará a ouvir tais pessoas rezando ou fazendo um ato de contrição. Pouco depois se alguma coisa acontece, do modo contrário ao que eles esperavam, você poderá ouvi-los fazendo imprecações e até mesmo usando o Santo Nome de Deus em vão. Pela manhã você talvez os encontre na Missa cantando ou louvando a Deus. E no mesmíssimo dia você poderá ouvi-los espalhando aos quatro ventos as conversas mais escandalosas. 

Ao entrar na Igreja, eles molham as suas mãos na água benta pedindo a Deus que os purifique dos seus pecados. Um poucochinho mais adiante estará usando essas mesmas mãos em atos impuros contra eles próprios ou contra o seu próximo. Os mesmos olhos que pela manhã derramavam lágrimas de emoção ao contemplar Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, durante o resto do dia se concentrarão em observar as cenas mais imodestas. Ontem você viu um determinado homem fazendo um ato de caridade ou prestando um serviço ao seu próximo, hoje esse mesmo homem dá o melhor de si para trair seu vizinho, buscando seu próprio lucro. Há poucos momentos atrás, aquela mãe desejava todo o tipo de bênçãos para seus filhos, e agora, só porque eles a aborrecem com suas travessuras, ela roga uma verdadeira chuva de pragas sobre eles: diz que desejaria nunca mais vê-los em sua presença e acaba até os mandando para o Diabo! Num dado momento, ela os envia para a Missa ou para a Confissão, já em outro momento, ela os envia para os bailes, ou pelo menos faz de contas que não sabe que eles se encontram lá, ou até mesmo se chegar a proibir, sempre o fará com um sorriso nos lábios, deixando perceber que mais aprova do que condena. Numa determinada ocasião, essa mesma mãe dirá à sua filha para ser recatada e não se misturar com as más companhias e, dali a pouco, estará permitindo que sua filha passe horas a sós com um rapaz sem dizer uma só palavra. Não preciso dizer mais nada, minha pobre mãe! Vê-se claramente que você está do lado do mundo! Você até acha que está servindo a Deus por causa das práticas exteriores de religiosidade que você pratica. Mas você está enganada; você pertence àquela classe de gente da qual o próprio Jesus Cristo disse: 'Ai do mundo!...' 

Observe bem essas pessoas que pensam estar servindo a Deus, mas que estão vivendo verdadeiramente segundo as máximas do mundo. Elas não têm o menor escrúpulo em tomar as coisas do seu vizinho, quer seja alguns pedaços de lenha ou frutas, ou mesmo milhares de outras coisas. Sempre que forem lisonjeadas ou elogiadas pelo que fazem em termos de religião, sentirão um grande orgulho por suas ações. Tais pessoas são sempre muito entusiasmadas em dar bons conselhos aos outros. Mas deixe que elas sejam submetidas a algum contratempo ou calúnia e vocês verão como elas se comportam por terem sido tratadas de tal modo! Ontem estavam dispostas a fazer todo o bem desse mundo àquele que as ofendeu, hoje mal conseguem tolerar tal pessoa e freqüentemente não conseguem sequer vê-la ou falar com ela.

Pobres mundanos! Quão infelizes vocês são! Sigam em frente com esse modo de vida e vocês não terão nada a ganhar a não ser o inferno! Alguns de vocês até gostariam de frequentar o sacramento da confissão, pelo menos uma vez no ano, mas, para isso, primeiramente teriam que encontrar um confessor daqueles bem condescendentes. Imagine... até gostariam... se isso fosse todo o problema! Suponhamos que encontrem um confessor que perceba que suas intenções não são boas, ou seja, falta-lhes o arrependimento e a contrição, e que, portanto, se recuse a dar-lhes a absolvição! Imediatamente se põem a falar mal do confessor, procurando se justificarem a si próprios pelo fato de terem tentado e falhado em obter o Sacramento. Com certeza, elas falarão muito mal daquele confessor, apesar de terem pleno conhecimento de seu estado pecaminoso e de saberem muito bem porque o confessor recusou a dar-lhes a absolvição. De todo modo, eles sabem bem, que o confessor não pode fazer nada para conceder aquilo que eles querem, ainda assim elas não se dão por satisfeitas em sair espalhando suas mentiras! 

Continuem assim, filhos deste mundo! Continuem nessa rotina; vocês vão ver um dia aquilo que jamais desejariam ver! Eu sei que vocês gostariam de repartir seus corações em dois! Mas não tem jeito, meus amigos: ou é tudo para Deus ou é tudo para o mundo. Vocês querem receber com frequência os sacramentos? Muito bem, pois então, abram mão das danças, dos cabarés e das diversões pecaminosas! Hoje vocês possuem a graça em grau suficiente para virem até aqui, apresentarem-se voluntariamente no Tribunal da Penitência, ajoelhar-se diante da Mesa Sagrada e partilhar do Pão dos Anjos. Daqui há três ou quatro semanas, talvez até menos, vocês já serão vistos passando as noites ao lado dos bêbados, e o que é pior, se entregando aos mais horríveis atos de impureza! Pois continuem assim, filhos deste mundo! Logo, logo, vocês estarão no inferno! Lá eles ensinarão a vocês tudo que deveriam ter feito para conseguir o Céu, que vocês acabaram perdendo inteiramente por sua própria culpa! 

Ai de vocês, filhos deste mundo! Continuem assim; sigam o mestre que vocês tem seguido até agora! Muito cedo vocês perceberão o quão errado vocês foram ao seguir esses caminhos. Mas será que isso os fará mais sábios? Infelizmente não. Se alguém nos trai uma vez, nós logo dizemos: 'Nunca mais voltarei a confiar nele novamente!' E com razão! Mas o mundo nos trai continuamente e mesmo assim continuamos a amá-lo. São João nos adverte em sua Primeira Epístola: 'Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo não está nele o amor do Pai'. Ah! Meus caros filhos, se nós tivéssemos a menor ideia do que é o mundo, passaríamos nossas vidas em dar-lhe adeus.

Quando uma pessoa atinge a idade de quinze anos, ela dá adeus aos tempos de sua infância, ela olha para trás e vê como efêmeras e bobas eram as brincadeiras de crianças, como construir castelinhos de areia. Aos trinta, a pessoa começa a deixar de lado os prazeres consumistas da juventude leviana. Aquilo que dava tanto prazer nos dias de juventude, começa a tornar-se aborrecido. Se formos pensar bem, meus amigos, todos os dias estamos dando adeus a este mundo. Somos como viajantes que desfrutam da beleza da paisagem apenas enquanto estão viajando. Mais cedo do que esperamos, veremos o tempo que deixamos para trás. 

E é exatamente a mesma coisa com os prazeres e bens dos quais nos tornamos tão apegados. Chegará o dia em que a Eternidade jogará todas essas coisas num profundo abismo. E então, meus caros irmãos, o mundo desaparecerá para sempre dos nossos olhos e reconheceremos a nossa loucura em termos sido tão apegados a ele. E a respeito de tudo o que nos foi dito sobre o pecado? Só então veremos que era tudo verdade! Coitado daquele que tiver vivido somente para o mundo! Aquele que não buscou outra coisa senão o mundo em tudo aquilo que fez... De repente todos os prazeres e alegrias do mundo já não mais existem! Tudo estará escapulindo de suas mãos: o mundo, suas alegrias, todos os prazeres que ocupavam seu coração e o que é pior ... também a sua alma! 

domingo, 3 de agosto de 2014

CINCO PÃES E DOIS PEIXES

Páginas do Evangelho - Décimo Oitavo Domingo do Tempo Comum


Depois da morte do Precursor João Batista, Jesus se dirige a um 'lugar deserto e afastado' (Mt 14, 13) para ficar  a sós com os seus Apóstolos. Mas eis que uma grande multidão, uma esplêndida multidão, sai das cidades e vai a pé ao seu encontro. Tomado de amor e compaixão, Jesus abandona o seu intento de recolhimento e passa a atender toda aquela gente até 'ao entardecer' (Mt 14, 15). Famintos de Deus, a multidão agora está faminta de pão. E o Cordeiro de Deus há de saciá-los do pão da existência e prepará-los também para lhes dar alimento de vida eterna, na Santa Eucaristia.

Num primeiro momento, impõe-se a miserável condição humana, pouco afeita aos desafios e aos limites imponderáveis das graças divinas, expressa nas palavras de ansiedade e certa impaciência dos apóstolos: 'Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!' (Mt 14, 15). Neste cenário, pressupõe-se, na estrita percepção humana que, a partir daquele momento, cada um se virasse por conta própria; cada homem, mulher e criança daquela imensa multidão se preocupasse em arrumar o próprio alimento, nas imediações daquele lugar ou mais além.

Deus não nos abandona nunca; Deus não nos cria perspectivas de vida eterna pela insensibilidade de nossas necessidades humanas. Jesus vai dizer em outro momento que 'nem só de pão vive o homem'. Não só de pão, mas também de pão. E, para a incredulidade dos seus discípulos, ordena então: 'Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer! (Mt 14, 16). E, como em tudo o mais, Deus faz uso da graça como fruto da contrapartida humana; Jesus toma o que os homens têm ali a oferecer: cinco pães e dois peixes. Diante de oferta tão singela, vai realizar um dos seus mais portentosos milagres, que vai se configurar no prenúncio da partilha do seu Corpo e Sangue na Sagrada Eucaristia.

'Em seguida, partiu os pães e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões' (Mt 14, 19). E os poucos pães e os poucos peixes se multiplicaram em muitos pães e em muitos peixes, que alimentaram com fartura a multidão, a ponto de serem recolhidos ainda doze cestos cheios (símbolo da partilha universal da graça divina) no final, pois Deus usa sempre da superabundância da graça para pagar o tributo da oferta sincera do homem. Este prodígio extraordinário é o prenúncio de outro milagre ainda maior que subsiste pelos tempos, a cada Santa Missa: na multiplicação das hóstias, o mesmo Deus é entregue aos homens na plenitude da graça, hoje, ontem e até a consumação dos séculos. 

sábado, 2 de agosto de 2014

A BÍBLIA EXPLICADA (XI)

Na iconografia cristã, cada evangelista é representado por um animal, em relação direta às visões de São João no Apocalipse:

'Havia ainda diante do trono um mar límpido como cristal. Diante do trono e ao redor, quatro Animais vivos cheios de olhos na frente e atrás. O primeiro animal vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo'. (Ap 4, 5-6)

A mesma referência encontra-se em uma das visões do Profeta Ezequiel:

'Tive então uma visão: soprava do lado norte um vento impetuoso, uma espessa nuvem com um feixe de fogo resplandecente, e, no centro, saído do meio do fogo, algo que possuía um brilho vermelho. Distinguia-se no centro a imagem de quatro seres que aparentavam possuir forma humana. Cada um tinha quatro faces e quatro asas. (...) Quanto ao aspecto de seus rostos tinham todos eles figura humana, todos os quatro uma face de leão pela direita, todos os quatro uma face de touro pela esquerda, e todos os quatro uma face de águia' (Ez 1, 4 - 6, 10).

Este simbolismo está associado às naturezas e às premissas de Jesus Cristo, o Filho do Deus Vivo: São Marcos, como um leão, para expressar a força e a Verdade da Palavra proferida por Jesus em suas pregações e ensinamentos; São Lucas, como um touro (ou um boi), para simbolizar o sacrifício e a natureza sacerdotal do Cristo ; São Mateus, como um homem (ou um anjo), para enfatizar a humanidade de Jesus e São João, como uma águia, expressão máxima da natureza divina de Jesus (proposições feitas de acordo com os Padres da Igreja). Na passagem de Ezequiel, todas estas naturezas estão simbolizadas por igual nos quatro evangelistas.