terça-feira, 27 de maio de 2014

A ORAÇÃO MAIS ANTIGA EM DEVOÇÃO À NOSSA SENHORA


SUB TUUM PRAESIDIUM (À VOSSA PROTEÇÃO)

'À vossa proteção; recorremos Santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, Ó Virgem gloriosa e bendita!'

A oração Sub tuum praesidium (À vossa proteção) é a mais antiga oração conhecida de devoção à Nossa Senhora. Encontrada num fragmento de papiro, em 1927, no Egito, remonta ao século III, faz menção explícita ao tempo de perseguições dos cristãos ('não recuse os nossos pedidos na necessidade e salva-nos do perigo') e possui uma relevância teológica excepcional por referir-se à Nossa Senhora com a invocação Theotokos (Mãe de Deus). Este título que constitui uma das glórias de Maria, já era aplicado desde o século II, tendo sido objeto de proposição dogmática formal no Concílio de Éfeso, no ano 431. 

O texto original, do qual derivam diversas variações litúrgicas (copta, grega, ambrosiana e romana) pode ser traduzido assim: 'Sob a asa da vossa misericórdia, nós nos refugiamos, Mãe de Deus; não recuse os nossos pedidos na necessidade e salva-nos do perigo, ó somente pura, somente bendita'.

domingo, 25 de maio de 2014

'NÃO VOS DEIXAREI ÓRFÃOS, EU VIREI A VÓS'

Páginas do Evangelho - Sexto Domingo da Páscoa


A liturgia deste Sexto Domingo da Páscoa é centrada na ação santificadora do Espírito Santo, nas almas e na vida da Igreja, como primícias da Festa de Pentecostes que se aproxima. A graça santificante, que nos torna filhos adotivos de Deus, nos é atribuída pela apropriação do Divino Espírito Santo, na chamada 'inabitação trinitária', que procede e se faz na encarnação do próprio Deus, Uno e Trino, em nossas almas.

Estamos inseridos no contexto dos capítulos do Evangelho de São João, que integram o chamado 'testamento espiritual' de Cristo, que reproduzem o longo discurso feito por Jesus aos seus discípulos, logo após o banquete pascal, e no qual o Senhor expõe e revela, de forma abrangente e maravilhosa, a síntese e a essência dos seus ensinamentos e da sua doutrina. Doutrina que se resume no amor sem medidas, no chamado a viver plenamente a presença de Jesus Ressuscitado em nossas vidas, como testemunhas da fé e da fidelidade aos seus mandamentos: 'Se me amais, guardareis os meus mandamentos' (Jo 14, 15). 

Eis aí o legado de Jesus aos seus discípulos: a graça e a salvação são frutos do amor, que é manifestado em plenitude, no despojamento do eu e na estrita submissão à vontade do Pai: 'Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos' (Mt 22, 37-38). A graça nasce, manifesta-se e se alimenta do nosso amor a Deus, pois 'quem me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele ' (Jo 14, 21). Nos mistérios insondáveis de Deus, somos transformados no batismo,  pela infusão do Espírito Santo em nossas almas, em tabernáculos da Santíssima Trindade, moradas provisórias do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como sementes da glória antecipada das moradas eternas na Casa do Pai.  

A presença permanente da Santíssima Trindade em nossas vidas vem por meio da manifestação do Espírito Santo, o Defensor, o Paráclito, conforme as palavras de Jesus: 'Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós' (Jo 14, 18) e ainda 'eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco' (Jo 14, 16). Como templos do Espírito Santo e tabernáculos da Santíssima Trindade, somos moldados como obras de Deus para viver em plenitude o Espírito da Verdade. Sob a ação do Espírito Santo, podemos, então, trilhar livremente o caminho da santificação, até os limites de um despojamento absoluto do próprio ser para a plena manifestação da glória de Deus em nós. 

sábado, 24 de maio de 2014

PADRE PIO E OS SOFRIMENTOS

Uma das principais razões pelas quais o Diabo odiava o Padre Pio tanto é que ele ganhava muitas almas por meio dos seus sofrimentos. Ele comentava frequentemente sobre a magnitude desses sofrimentos espantosos: 'O Pai celeste nunca deixou de permitir que eu compartilhasse os sofrimentos do seu Filho Unigênito, mesmo fisicamente. Estas dores são tão agudas que se tornam absolutamente indescritíveis e inconcebíveis'.

Padre Pio dizia que seus sofrimentos poderiam ser comparados 'aos que os mártires experimentaram quando foram queimados vivos ou brutalmente assassinados por darem o seu testemunho de fé em Jesus Cristo'. Em 25 de novembro 1915, falava que 'Minha condição está se tornando insuportável e eu permaneço vivo apenas por milagre'. Em carta datada de 03 de novembro de 1915, escreveu: 'O Senhor me levou a experimentar as dores que os condenados sofrem nas regiões infernais' e, em 13 de agosto de 1916: '... Eu não estou exagerando quando digo que certamente as almas do Purgatório não padecem de dor maior' e ainda '...Eu estou sofrendo enormemente e sinto que estou morrendo a todo momento'.

Falando a uma pessoa sobre alguns de seus sofrimentos físicos, Padre Pio disse: 'Não é tanto pelos dias. Veja, quando os acontecimentos do dia começam, uma coisa leva a outra, e assim o dia passa. [O pior] São as noites. Se eu me permitir dormir, a dor destes (e ele ergueu as mãos feridas para mostrar os estigmas) é multiplicada muito além da medida'. Respondendo a outra pessoa que lhe perguntou sobre as dores dos estigmas, Padre Pio respondeu: 'Você acha que o Senhor as deu a mim para decoração?'

Outras vezes: 'Basta imaginar a angústia que eu sinto por saber que vou experimentar [as dores] praticamente todos os dias. A ferida no coração sangra abundantemente ... ' E ainda '... Eu estou convicto de que tenho em mim algo que sinto como uma barra de ferro que se estende por baixo do meu coração até o lado inferior direito das minhas costas, que me causa uma dor tão aguda que não me permite qualquer descanso...'

Padre Pio recusava todos os tipos de calor artificial, gás ou aquecedores elétricos, mesmo o calor do carvão vegetal, durante as noites frias de inverno. Uma vez, Padre Pio ficou para 21 dias sem comer. Ele só recebia a Sagrada Comunhão. 'Você tem que se alimentar", dizia o superior. 'Por favor, eu não posso comer'. 'Você deve', insistia o superior e, em poucos minutos, Padre Pio vomitava tudo o que tentava comer. Muitas vezes, Padre Pio tinha falta de apetite, crises de vômito e períodos de transpiração intensa. Ele tinha períodos de febre tão alta que confundia todos os médicos, que não sabiam como tratá-lo. 

Algumas vezes, as temperaturas do Padre Pio eram tão elevadas que o mercúrio extravasava para fora do termômetro. Alguns termômetros comuns quebravam sob as suas axilas. Em uma ocasião, usando um termômetro diferente e que não quebrou, sua temperatura chegou a 127,4 °Farenheit (53°Celsius).

A sua temperatura, às vezes, subia acima de 125°F (mais de 50°C) sem qualquer razão aparente. Fr. Michelangelo, um franciscano que vivia com ele, disse: 'No termômetro comum, não era possível medir a temperatura do Padre Pio ... Eu estava presente uma vez quando o médico quis tirar a sua temperatura e ver se iria mesmo quebrar o termômetro. Padre Pio disse: 'Não, o termômetro vai quebrar!' Em um instante, bang! O mercúrio subiu de súbito e o quebrou imediatamente'

Um médico, que falava a outro médico sobre as altas temperaturas do Padre Pio, disse: 'Quando eu tirei a temperatura dele, [a leitura] saiu fora da escala. Eu tive de usar um termômetro especial, que registrou 125 °F ontem à noite e 120 °F esta manhã. Ele não deveria estar vivo'.

Padre Pio dizia sobre o sofrimento: 'Nenhum sofrimento suportado por amor a Cristo, mesmo mal suportado, ficará sem recompensa na vida eterna. Tem confiança e esperança nos méritos de Jesus e, desta forma, mesmo o barro pobre tornar-se-á o mais fino ouro que vai brilhar no palácio do rei do céu'. Nosso Senhor falou uma vez ao Padre Pio sobre seus sofrimentos, da seguinte maneira: 'Meu filho, eu preciso de vítimas, a fim de apaziguar a ira justificável e divina do meu Pai: renove o seu sacrifício e o faça sem reservas'.

Padre Pio disse também: 'Se as pessoas compreendessem o valor do sofrimento, eles não buscariam o prazer, mas somente sofrer'. Ele já se queixava também com problemas com a cegueira, desde 18 de novembro de 1912. Em 30 de janeiro de 1915, escreveu: '... a minha vista ... tem melhorado ao longo do tempo'. Padre Pio teve um sofrimento adicional por ser convocado para o serviço militar por um período de tempo, apesar do estar em um estado terrível de sua saúde física. 

Outro sofrimento (embora não físico) foi o fato de que Deus muitas vezes revelava a ele o estado das almas de outros, enquanto permanecia no escuro em relação à sua própria alma. Padre Pio dizia: 'Em outras almas, pela graça de Deus, eu vejo claramente; mas na minha própria, não vejo nada além da escuridão'.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

OS MAIS BELOS LIVROS CATÓLICOS DE TODOS OS TEMPOS (2)

3. SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO  AS GLÓRIAS DE MARIA

Um livro clássico das obras de espiritualidade mariana, escrito por Santo Afonso Maria de Ligório, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor (Missionários Redentoristas). A obra foi publicada em Nápoles em 1750, quando o santo tinha, então, 54 anos de idade. Neste verdadeiro tratado de amor e devoção à Mãe de Deus, que inclui várias orações e uma profusão de frases e reflexões de santos e doutores da Igreja sobre Nossa Senhora, Santo Afonso revela e louva as singulares e extraordinárias graças que Deus cumulou Maria como modelo perfeito de vida cristã e medianeira no plano divino da salvação.

Tomado de particular devoção pela Virgem desde a infância, Santo Afonso exalta as glórias de Maria por ela ter sido tão amada por Deus e por ter correspondido este amor em plenitude, e nos conclama a amá-la com especial devoção, para que possamos ser merecedores de partilhar e compartilhar, com ela e por meio dela, graças tão extremadas, como sustento, auxílio, fortaleza e perseverança diante das incertezas e obstáculos da nossa vida.

A obra original era dividida em duas partes, publicadas em tomos distintos: no primeiro, o autor, consciente da aversão que a oração Salve Rainha produzia sobre os hereges da época, explica detalhadamente o texto desta antífona litúrgica ao longo de dez capítulos, ilustrados com diferentes exemplos e orações próprias à Mãe de Deus. O segundo volume comportava o restante do texto: nove discursos sobre as principais festas de Nossa Senhora, sete reflexões sobre as Dores de Maria, dez tópicos contemplando as Virtudes de Maria e dez outros dedicados à Prática de devoções em honra a Nossa Senhora. Nas publicações seguintes, adotou-se o princípio geral de se dividir o texto da obra em suas cinco partes distintas.

Excertos da obra 'Glórias de Maria' têm sido publicados neste blog nos tópicos 'Orações de Maio: por Intercessão de Maria', com traduções do autor. 

4. SANTA TERESA DE LISIEUX  HISTÓRIA DE UMA ALMA

A 'HISTÓRIA DE UMA ALMA' constitui o registro integrado dos manuscritos autobiográficos de Santa Teresa de Lisieux, mundialmente conhecida como ‘Santa Teresinha do Menino Jesus’, freira carmelita que viveu no mais absoluto ostracismo e morreu com apenas 24 anos de idade em 1897. Em três cadernos, escritos no período de 1895 a 1897, a santa registrou a sua busca particular por um caminho de santificação pessoal que ela mesma chamou de 'pequena via", a via de confiança absoluta à vontade de Deus.

Na plena aceitação dos desígnios divinos sobre as almas de cada um de nós, no abandono de nossas vidas nos braços de Jesus Cristo, na entrega total de nossas ações e pensamentos à proteção da Santíssima Virgem: eis aí a pequena via, o caminho da infância espiritual, a gloriosa trilha de santificação para os homens comuns, o espantoso atalho ao Céu, proposto e vivido intensamente pela santa carmelita. Eis a sua pequena via maravilhosa de santificação: basta aceitar a nossa própria pequenez, a imensa fragilidade humana que nos domina, as enormes limitações de viver em plenitude os desígnios de Deus sobre as nossas almas; fazer de tantas imperfeições e fragilidades, não meros obstáculos, mas as próprias pedras do caminho, rejuntadas e consolidadas firmemente num imenso amor e numa confiança sem limites na bondade e misericórdia de Deus. 

A obra original, publicada em 1898, consistia de três partes distintas: Manuscrito A, redigido por Teresa entre janeiro de 1895 e janeiro de 1896, a pedido de sua irmã Paulina, então priora do Carmelo de Lisieux. Trata-se de reminiscências de infância, com o título: História Primaveril de uma Florinha Branca, escrita por ela mesma, e dedicada à Reverenda Madre Inês de Jesus; Manuscrito B, composto por uma carta de 'elevação' da alma a Jesus, escrita a 08 de setembro de 1896 e uma carta escrita à Irmã Maria do Sagrado Coração (sua irmã Maria), redigida entre 13 e 16 de setembro de 1896 e Manuscrito C, caderno dedicado à Madre Maria de Gonzaga, tornada nova priora em 1896, e que foi redigido em junho de 1897, contendo a síntese dos ensinamentos de Teresa, as premissas e os fundamentos do seu caminho da infância espiritual.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

ORAÇÕES DE MAIO: POR INTERCESSÃO DE MARIA (IV)


Ó Maria, minha Mãe querida, em que abismo de males eu não deveria estar agora, se tu tantas vezes não me tivesses preservado com a tua mão compassiva! Há quantos anos eu já não deveria estar no inferno, se tu não me tivesses salvado por meio de tuas orações poderosas! 

Meus graves pecados lá me arrojaram; a justiça divina já tinha me condenado; os demônios já clamavam por executar a sentença; e tu viestes em meu auxílio antes que eu te chamasse ou pedisse. E o que eu posso retribuir, ó minha bendita protetora, por tantos favores e por tal amor?

Tu também vergaste a dureza do meu coração, e me atraíste ao teu amor e à confiança em ti. E em quantos outros males não teria caído se, com a tua mão compassiva, não tiveste me ajudado diante dos perigos em que eu estive a ponto de cair! Continue, ó minha esperança, a me preservar do inferno, e dos pecados que eu ainda possa cair. Nunca me permita tal infortúnio e ser amaldiçoado no inferno. 

Minha Senhora, eu te amo. Poderá tua bondade suportar ver perder um servo que te adora? Conceda-me, então, nunca mais ser ingrato a ti e ao meu Deus que, por teu amor, outorgou-me tantas graças. Ó Maria, diga-me, posso perder-me? Sim, se eu te abandonar. Mas isso é possível? Que eu nunca possa esquecer o amor que nutres por mim. 

Depois de Deus, tu és o amor da minha alma. Eu não sou mais capaz de viver sem te amar. Ó mais bela, mais santa, mais amável, criatura mais doce do mundo, eu me regozijo na tua felicidade. Eu te amo e espero sempre te amar tanto no tempo como na eternidade. Amém.

(Excertos da obra 'Glórias de Maria', de Santo Afonso Maria de Ligório)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

HISTÓRIAS MEDIEVAIS

DO VALOR DO EXEMPLO

Um abade da Ordem Negra (Beneditinos), um bom homem de comprovada experiência, tinha monges muito singulares e relapsos. Alguns deles haviam conseguido certo dia diversas espécies de carne e vinhos finos. Com medo do abade, não se atreveram a consumir tais coisas num dos quartos do mosteiro, mas reuniram-se num grande tonel de vinho, levando para lá suas provisões. 

Isso foi delatado e o abade, profundamente entristecido, chegou correndo, olhou para dentro do tonel e, com a sua chegada, transformou a alegria dos moleques em tristeza. Vendo como estavam assustados, bancou o alegre, entrou junto deles no barril e disse: 

- Ah, irmãos, queríeis comer e beber aí sem mim? Isso não é justo. Na verdade, vou participar.

Lavou as mãos, comeu e bebeu com eles e, pelo exemplo, devolveu-lhes a alegria perdida. No dia seguinte, depois de preparar e instruir o prior, o abade postou-se diante dele no Capítulo, pediu perdão com a maior humildade, fingiu terror e medo, e exclamou:

- Senhor prior, confesso a vós e a todos os meus irmãos presentes que eu, pecador, caí no pecado da gula, e ontem, secretamente, escondido num tonel de vinho, pequei contra a prescrição e a regra do meu santo pai São Bento, saboreando carne. E prostrou-se no chão, preparando-se para a penitência. Quando o prior quis dissuadi-lo, respondeu: 

- Deixai-me sofrer punição e penitência, pois é melhor pagar aqui do que na outra vida. 

Depois da punição e da penitência, voltou ao seu lugar. Mas aqueles monges, com medo de fossem chamados se ocultassem sua culpa, também se ergueram e confessaram seu pecado. O abade mandou dar-lhes severos castigos, conforme combinara antes com o outro monge, censurou-os asperamente e ameaçou-os com duras penas para que não acontecesse mais semelhante coisa. 

Assim, como médico esperto, ele curou, pelo exemplo, o mal que não pudera combater com palavras.


DO PECADO DO ORGULHO

Certa vez, reinava o poderoso Imperador Joviniano; estando ele deitado na sua cama, o coração lhe inchou inacreditavelmente de orgulho, e ele disse para si mesmo: 'Haverá outro Deus além de mim?' Enquanto ainda pensava nisso, o sono o dominou, e quando se ergueu cedo pela manhã, reuniu seus guerreiros, dizendo-lhes:

- Meus caros, será bom comermos alguma coisa. pois hoje tenho vontade de ir à caça. Estavam dispostos a cumprir sua vontade, comeram e partiram para caçar. Contudo, enquanto o imperador cavalgava, assaltou-o um calor intolerável, pareceu-lhe que morreria, se não pudesse banhar-se em água fria. Por isso olhou em torno e viu a distância um grande lago. Falou então aos seus soldados: - Fiquem aqui, até que eu tenha me refrescado.

Depois esporeou seu cavalo e galopou até à água, saltou do cavalo, tirou todas as roupas, entrou na água e ficou ali até estar totalmente refrescado. Mas enquanto estava na água chegou certo homem, que era parecido com ele em rosto e postura, vestiu sua roupa, montou seu cavalo, e dirigiu-se até os guerreiros do imperador. Foi recebido por todos como o imperador em pessoa, e quando a caça terminara, dirigiu-se com eles ao castelo. 

Depois Joviniano saiu depressa da água, não encontrando seu cavalo nem sua roupa. Admirou-se muito com isso, e ficou muito triste; porém estando nu e não vendo ninguém, pensou: 'Que farei agora? Fui miseravelmente logrado'. Por fim voltou a si e disse: 'Aqui perto mora um soldado a quem promovi de posto; irei até ele e arranjarei cavalo e roupas, depois cavalgarei até meu castelo e verei como e por quem fui confundido dessa maneira'. Joviniano andou pois inteiramente nu até à moradia daquele soldado e bateu no portão. O porteiro, porém, perguntou pela razão de estar batendo, e Joviniano disse:

- Abre a porta e verás quem sou. O porteiro abriu a porta e depois de vê-lo, espantou-se e indagou: - Mas quem és? O outro respondeu: - Sou o Imperador Joviniano; vai até teu senhor e diz-lhe que me empreste roupas; pois perdi meu cavalo e minhas vestes. O outro, porém, respondeu:

- Estás mentindo, miserável ladrão, pois, antes de ti, o senhor Imperador Joviniano passou por aqui a caminho do castelo, com seus guerreiros; meu senhor o acompanhou, já voltou e está sentado à mesa. Mas vou anunciar-lhe que te fazes passar pelo imperador. O porteiro apresentou-se logo ao seu senhor e contou-lhe o que o outro dissera. Assim que escutou tudo, o soldado mandou que lhe trouxessem aquele homem; e contemplando-o, o guerreiro não o reconheceu, mas o imperador o reconhecia bem.

Então o guerreiro disse: - Diz-me quem és e como te chamas. O outro respondeu: - Sou o Imperador Joviniano, e há pouco tempo te promovi a um posto superior. O outro retrucou: - Oh, miserável ladrão, com que atrevimento te chamas de imperador? Pois há pouco, o meu senhor, o imperador, cavalgou por aqui em direção do castelo. Eu o segui por algum tempo e estou de volta. Mas não escaparás sem castigo por te haveres denominado imperador. 

E mandou que lhe dessem uma boa surra, e o expulsassem da sua propriedade. Joviniano, surrado e escorraçado, chorou amargamente e disse: 'Ó meu Deus, como é possível que o guerreiro a quem recentemente promovi não me conheça mais e me tenha mandado surrar tão cruelmente?' Nisso lhe ocorreu: 'Aqui perto mora um dos meus conselheiros,um duque; vou até ele, comunicar-lhe minha aflição. Dele receberei roupas e poderei voltar ao meu castelo'.

Quando chegou ao portão da moradia do duque, bateu, e o porteiro, escutando as pancadas, abriu o portão, e vendo um homem despido, admirou-se e disse: - Meu caro, quem és e por que chegaste aqui assim nu? O outro porém respondeu: - Sou o imperador, e por acaso perdi meu cavalo e minhas roupas, por isso venho ver o duque para que ele me ajude na minha aflição; por isso peço que apresentes meu pedido ao teu senhor. 

Quando o porteiro escutou isso admirou-se, voltou à casa do seu senhor e contou-lhe tudo. O duque, porém, disse: - Manda-o entrar! Quando entrou, porém, ninguém o reconheceu, e o duque lhe disse: - Afinal, quem és? O outro respondeu: - Sou o imperador, e fiz com que tivesses fortuna e honrarias, fiz de ti um duque, e meu conselheiro.

O duque, porém, disse: - Miserável demente! Pouco antes da tua chegada, cavalguei com o imperador, meu senhor, até o seu castelo, e acabo de voltar de lá; mas não vai escapar sem castigo por teres querido apoderar-te de tal honra. Mandou que o encerrasse numa prisão, a pão e água, depois tiraram-no de lá, deram-lhe uma boa surra, e expulsaram-no dos domínios do duque. 

Quando estava assim exilado, Joviniano emitiu mais suspiros e lamentações do que se poderia acreditar, e disse de si para si: 'Ai de mim, que farei, agora que me tornei objeto de insulto e vergonha do povo? Será melhor ir ao meu castelo, pois os meus certamente me reconhecerão, e se não for assim, ao menos minha mulher me reconhecerá por certos sinais'.

Depois disso, foi sozinho ao seu palácio, bateu no portão, e quando o porteiro escutou as pancadas abriu. Vendo-o, disse-lhe: - Mas quem és? O outro respondeu: - Admira-me que não me reconheças, pois estás comigo há tanto tempo. O outro, porém, disse: - Estás mentindo! Estou há muito tempo com o Imperador, meu senhor. E o outro retrucou: - Pois eu sou o imperador, e se acreditas nas minhas palavras, peço por amor de Deus que vás procurar a imperatriz e lhe diga que, através desses sinais, ela providencie meus trajes imperiais, pois por acaso perdi todos os meus; os sinais que vou te dar ninguém na terra conhece além de nós dois.

E o porteiro disse: - Não duvido de que estejas louco, pois o meu senhor, o imperador, neste momento está à mesa, e ao lado dele a imperatriz. Mas vou anunciar a ela que disseste que és o imperador, e estou certo que será severamente punido. O porteiro foi pois ter com a imperatriz e lhe disse tudo o que ouvira. Ela ficou muito perturbada, virou-se para o seu marido e disse: - Senhor, sabeis que seguidamente aconteceram entre nós, em segredo, coisas singulares. Agora um sujeito devasso que está no portão manda-me dizer pelo porteiro que é o imperador.

Quando o falso imperador ouviu isso, mandou que o outro entrasse na presença de todos; quando foi introduzido assim nu, um cão que sempre o amara muito saltou para morder seu pescoço. A criadagem impediu o cão de matar o homem, que não sofreu mais nenhum dano. Também havia um falcão num poleiro, que, assim que o avistou, rebentou sua corrente e fugiu voando da sala. Nisso o imperador disse a todos que estavam sentados na sala: - Meus caros, ouçam minhas palavras, que direi a este vagabundo. Quem és, e por que vieste? O outro porém respondeu: - Oh, senhor, que pergunta singular. Eu sou o imperador e dono deste lugar.

Então o imperador disse a todos os que estavam sentados à mesa ou postados ao redor dela: - Dizei-me pelo juramento que me prestastes, quem é vosso imperador e senhor? E eles responderam: - Oh, senhor, pelo juramento que vos prestamos, a resposta é simples: nunca vimos aquele ladrão, mas vós sois o nosso senhor e imperador, a quem conhecemos desde a juventude, por isso vos pedimos unanimemente que aquele ali seja castigado, para que todos tirem um exemplo dele, e nunca mais se tente uma tal insolência.

Diante disso o imperador virou-se para a imperatriz e disse: - Diz-me, minha senhora, pela fidelidade que me dás: conheces aquele homem que se diz imperador e teu senhor? Mas ela respondeu: - Oh, caro senhor, porque me perguntas isso? Não estou contigo há mais de trinta anos, e não te dei três filhos? Uma coisa porém me admira, é como esse patife chegou a saber de fatos secretos entre nós dois. 

E o imperador disse então ao que fora introduzido na sala: - Meu caro, como ousaste fazer-te passar por um imperador? Decretamos que sejas hoje amarrado à cauda de um cavalo, e se tiveres a ousadia de dizeres isso mais uma vez, vou te condenar à morte mais vergonhosa. Depois disso, chamou seus guardas e disse: - Ide e amarrai este homem à cauda dum cavalo, mas não o mateis.

E foi o que aconteceu. Mas depois as entranhas daquele homem se moveram mais do que alguém possa imaginar, e duvidando de si mesmo disse: - Amaldiçoado o dia em que nasci e que meus amigos me abandonaram! Minha mulher e meus filhos não me reconheceram. E enquanto falava assim pensou: 'Aqui perto mora meu confessor, vou dirigir-me a ele: talvez me reconheça, pois muitas vezes ouviu minhas confissões'.

Depois dirigiu-se ao eremita e bateu na janela da sua ermida. O outro indagou: - Quem está aí? E ele respondeu: - Sou eu, o Imperador Joviniano. Abre tua janela para que eu possa falar contigo. Assim que o eremita escutou a voz, abriu a janela mas, vendo o homem, bateu-a com força fechando-a de novo, e disse: - Afasta-te de mim, maldito, pois não és o imperador, e sim o diabo em forma humana! 

Quando o outro escutou isso caiu no chão de tanta dor, arrancando os cabelos da cabeça e da barba, e disse: - Ai de mim, que devo fazer? Dizendo isso lembrou-se de como recentemente, quando jazia na cama, seu coração inchara de orgulho, e que ele dissera: 'Existirá outro Deus além de mim?' - Logo bateu na janela do eremita e disse: - Ouvi, eu vos peço, por amor ao Crucificado, ouvi minha confissão, mesmo de janela fechada. E o outro disse: - Para mim está bem.

Ele então confessou, entre lágrimas, toda a sua vida, especialmente como se colocara acima de Deus e dissera não acreditar em nenhum outro Deus senão ele próprio. Quando a confissão e a absolvição tinham passado, o eremita abriu a janela, reconheceu-o, e disse: - Bendito o Altíssimo, agora te reconheço; tenho aqui umas poucas peças de roupa, veste-as e vai ao teu palácio, e espero que lá te reconheçam.

Depois o imperador partiu, dirigiu-se ao seu palácio, e bateu no portão. O porteiro abriu logo e recebeu-o com o maior respeito. Mas o outro disse: - Então me conheces? E o porteiro retrucou: - Ora, sim, meu senhor, e muito bem. Apenas me admiro porque estive o dia inteiro aqui parado e não vos vi sair de casa. O outro entrou no salão de reuniões, e todos os que o viram baixaram as cabeças. Mas o outro imperador estava com sua mulher.

Porém um guerreiro que saiu do aposento real olhou para ele, voltou para o quarto e disse: - Meu senhor, na sala está um homem diante do qual todos se curvam honrando-o, e é tão parecido em tudo convosco, que realmente não sei qual de vós é o imperador. Quando o falso imperador escutou isso, disse à imperatriz:
- Vai até lá e vê se o conheces. Ela saiu depressa e, quando o viu, admirou-se, voltou ligeiro aos aposentos e falou: - Oh, senhor, anuncio-vos que há outro lá fora, mas não posso absolutamente distinguir qual de vós é o meu senhor. O outro então disse: - Se for assim, quero sair e trazer a verdade à luz do dia.

Quando entrou no salão, pegou o outro pela mão, fê-lo ficar ao seu lado, chamou todos os guerreiros que estavam na sala, e a imperatriz, e disse: - Pelo juramento que me prestastes, dizei-me agora qual de nós é vosso imperador. E a imperatriz respondeu primeiro: - Meu senhor, quero responder em primeiro lugar mas, Deus nas alturas seja minha testemunha: não consigo de modo algum afirmar qual de vós é meu senhor. E assim disseram todos os demais. 

E ele disse: - Meus caros, escutai-me. Este é o vosso imperador e senhor; mas, uma vez que ele se ergueu contra Deus, Deus o puniu; o conhecimento dos homens afastou-se dele, até que ele tivesse compensado ao seu Deus. Eu, porém, sou seu anjo da guarda e guarda da sua alma, administrei seu império enquanto ele estava fazendo penitência; agora, porém, sua penitência está cumprida, ele desagravou seus pecados, por isso obedecei-lhe, e eu vos recomendarei a Deus. Com essas palavras desapareceu diante dos olhos deles; o imperador agradeceu a Deus e viveu toda a sua vida em paz, dedicando-a a Deus e que Ele nos permita fazermos o mesmo.

(Excertos da obra 'Histórias Medievais', de Hermann Hesse)

domingo, 18 de maio de 2014

'EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA'

Páginas do Evangelho - Quinto Domingo da Páscoa


Jesus inicia o Evangelho deste Quinto Domingo da Páscoa manifestando o poder de sua Divindade e da autêntica fé cristã: 'Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tendes fé em mim também' (Jo 14, 1). Sim, a medida do nosso amor é a confiança em Deus e nos desígnios da Providência Divina. Que nada além desta disposição interior, de colocar tudo nas mãos de Deus, seja o nosso conforto e consolação. Deus governa todas as coisas e sabe, muito além de nós mesmos, como nos levar a uma mais perfeita santificação. Ele nos cumula de bênçãos e graças, nos chama a cada nova situação, nos clama pela nossa confiança quando aparentemente nos abandona.

Em seguida, confia aos discípulos que eles são herdeiros do Reino dos Céus, a pátria eterna dos bem aventurados, os que colherão com fatura os frutos das sementes de amor e confiança plantadas no Coração do Pai: 'Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós e, quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver estejais também vós' (o 14, 2-3). Nos mistérios insondáveis de Deus, as moradas são muitas e desiguais, sem que os eleitos padeçam dessa desigualdade pois todos serão igualmente possuidores da Visão Beatífica e serão cumulados plenamente da glória que lhes bastam.

É o próprio Jesus que nos vai abrir as portas do Céu, com a sua Paixão, Morte e Ressurreição. Ao romper as portas celestes, antes seladas pelos pecados dos homens, Jesus torna-se o rei de um reino que não é deste mundo e que tem as dimensões da eternidade. Um reino de muitas moradas, preparadas por Jesus para cada um de nós, filhos da esperança transformados em herdeiros das bem aventuranças celestes. E, assim, por meio de Jesus, chegaremos ao Pai, a habitação eterna: 'Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim' (Jo 14, 11).

Jesus vai ratificar esta premissa essencial da fé cristã com clareza divina: 'Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim' (Jo 14, 6). Não há outro caminho possível, não há opções de rumo, nem atalhos, nem passagens ocultas. Por isso Jesus é tão explícito ao unir, no anúncio pleno de sua divindade, os termos Caminho, Verdade e Vida. Só existe um Caminho de Verdade para a Vida Plena dos herdeiros dos Céus: seguir Jesus com confiança extremada e jubilosos na fé que abraçamos, e que nada nem ninguém nos perturbe o coração nesta caminhada de salvação para as eternas moradas de Deus.