quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A DIREÇÃO DA ALMA E A VIDA PERFEITA

I

Antes de tudo, minha alma, é necessário que do bom Deus faças uma ideia altíssima, piíssima e santíssima. A isto chegarás por meio de fé inabalável, meditação atenta e lúcida intuição repassada de admiração.

1. Altíssima será a ideia que fazes de Deus se fiel, piedosa e claramente crês, admiras e louvas seu poder imenso, que do nada criou tudo e tudo sustenta; sua sabedoria infinita que tudo dispõe e governa; sua justiça ilimitada que tudo julga e recompensa; e se, saindo de ti e voltando de novo e elevando-te acima de ti, com todas as veras cantas com o profeta: 'Regozijaram-se as filhas de Judá pelos teus juízos, Senhor, porque tu és Senhor altíssimo sobre toda a terra, tu és sobremaneira exaltado sobre todos os deuses' (Sl 96, 8-9).

2. A ideia que fazes de Deus será piíssima se admiras, abraças e bendizes a sua imensa misericórdia que se mostrou sumamente benigna em tomar a nossa natureza humana e mortalidade, sumamente terna em suportar a cruz e a morte, sumamente liberal em mandar o Espírito Santo e instituir os Sacramentos, principalmente comunicando-se a si mesmo liberalissimamente no Sacramento do altar, para que de coração possas cantar as palavras do salmo: 'Suave é o Senhor para com todos e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras' (Sl 144, 9).

3. A ideia que fazes de Deus será santíssima se consideras, admiras e louvas a sua inefável santidade e o proclamas, com os bem-aventurados serafins: Santo, santo, santo! Santo quer dizer, em primeiro lugar, que possui Ele a santidade em grau tão elevado e com tanta pureza que Lhe é impossível querer ou aprovar coisa alguma que não seja santa. Santo, em segundo lugar, por Ele amar a santidade nos outros, de forma que Lhe é impossível subtrair os dons da graça ou negar o prêmio da glória aos que na verdade conservam a santidade. Santo, em terceiro lugar, por Ele aborrecer tanto o contrário da santidade que Lhe é impossível não reprovar os pecados ou deixá-los impunes. Se desta forma pensas de Deus, cantarás com Moisés, o legislador da Antiga lei: 'Deus é fiel e sem nenhuma iniquidade, justo e reto' (V Moisés, 32, 4).

II

Depois, dirige o teu olhar sobre a lei de Deus que te manda oferecer ao Altíssimo um coração humilde, ao Piíssimo um coração devoto, ao Santíssimo um coração ilibado.

1. Um coração humilde, digo, deves oferecer ao Altíssimo pela reverência no Espírito, pela obediência nas obras, pela honra nas palavras e nos atos, observando a apostólica regra e doutrina: 'Faze tudo para a glória de Deus' (I Cor 10, 31).

2. Um coração devoto deves oferecer ao Piíssimo, invocando em orações fervorosas, saboreando doçuras espirituais, dando muitas graças para que tua alma sempre mais a Deus 'ascenda pelo deserto como uma varinha de fumo composto de aromas de mirra e de incenso' (Cântico dos Cânticos 3, 6).

3. Um coração ilibado deves oferecer ao Esposo santíssimo de maneira que não reine em ti, nem nos sentidos, nem na vontade, nem no afeto, algum prazer em deleites desordenados, desejo de coisas terrenas, nenhum movimento de maldade interna, e assim, livre de toda a mácula de pecado, possas cantar com o salmista: 'Seja imaculado o meu coração nas tuas justificações para que não seja confundido' (Sl 118, 80).

Reflete, pois, diligentemente e vê se tudo isto observaste desde a juventude. Se a consciência a ti o afirmar, não o atribuas a ti mesmo, mas à mercê de Deus e rende-lhe graças. Se, porém, achares que uma ou mais vezes, num ponto ou em alguns, ou talvez em todos eles, faltaste grave ou levemente, por fraqueza, por ignorância ou com pleno conhecimento, procura reconciliar-te com Deus com 'gemidos inexplicáveis' (Rom 8, 26) e, para Lhe mostrar a emenda, reveste-te do Espírito de penitência, para que possas cantar com o salmista penitente: 'Porque preparado estou para os açoites, e a minha dor está sempre diante de mim' (Sl 37, 18).

III

A dor da alma, porém, deve ter dois companheiros para que a purifiquem e aplaquem a Deus, a saber: o temor do juízo divino e o ardor de interno desejo, afim de que recuperes pelo temor um coração humilde, pelo desejo um coração devoto e pela contrição um coração ilibado.

1. Teme, pois, os juízos divinos que são 'um abismo profundo' (Sl 35, 7). Teme, repito, teme muito para que, embora de algum modo penitente, não desagrades ainda a Deus; teme mais, para que depois não recomeces a ofender a Deus; teme muitíssimo, para que no fim não te afastes de Deus, carecendo sempre de luz, ardendo sempre no fogo, jamais livre do verme. Somente uma vida de verdadeira penitência e uma morte na graça da perseverança pode preservar-te desta infelicidade. Canta, pois, com o profeta: 'Trespassa com o teu temor a minha carne, porque tememos os teus juízos' (Sl 118, 120).

2. Arrepende-te e tem cuidado por causa dos pecados cometidos. Arrepende-te, aconselho, arrepende-te muito, porque por eles aniquilaste todo o bem que de Deus recebeste (trata-se do pecado mortal que destrói todos os dons sobrenaturais); arrepende-te mais porque ofendeste a Cristo que por ti nasceu e foi crucificado; arrepende-te muitíssimo porque desprezaste a Deus, cuja majestade desonraste transgredindo as suas leis, cuja verdade negaste, cuja bondade afrontaste. Pelo pecado desonraste, desfiguraste e transtornaste toda a criação; porque pela rebeldia contra os divinos estatutos, mandamentos e juízos, abusaste de todas as coisas que, segundo a vontade de Deus, te deveriam servir: das criaturas, dos merecimentos alcançados, das misericórdias de Deus, os dons gratuitamente outorgados, e o prêmio prometido. Depois de atentamente considerar tudo isto, toma luto como por teu filho único, chora amargamente (Jer 6, 26); faze correr uma como que corrente de lágrimas de dia e de noite; não te dês descanso algum nem se cale a menina dos teus olhos (Lamentações 2, 18).

3. Deseja, contudo, os dons divinos, elevando-te pela chama do divino amor, até Deus, o qual tão pacientemente te suportou nos teus pecados, tão longanimamente esperou, tão misericordiosamente te reconduziu à penitência, concedendo-te o perdão, infundindo-te a graça, prometendo-te a coroa, enquanto de tua parte Lhe ofertaste - ou antes d'Ele recebeste para Lhe ofertar - o sacrifício de um Espírito atribulado, de um coração contrito e humilhado (Sl 50, 19) por meio de sentida compunção, confissão sincera e satisfação condigna. Deseja, digo, muito a benevolência divina por uma larga comunicação do Espírito Santo, deseja mais a semelhança com Deus por uma imitação exata de Cristo crucificado, deseja muitíssimo a posse de Deus por uma visão clara do Eterno Padre, para que na verdade cantes com o Profeta: 'A minha alma arde em sede por Deus forte e vivo; quando irei e aparecerei diante da face de Deus?' (Sl 41, 3).

IV

Ora, para conservar em ti este espírito de temor, de dor e de desejo, exerce-te externamente numa perfeita modéstia, justiça e piedade, afim de que, segundo escreve o Apóstolo, 'renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivas sóbria, justa e piedosamente neste século' (Tito, 2, 12).

1. Exerce-te numa perfeita modéstia para que, segundo a doutrina do Apóstolo, 'a tua modéstia seja conhecida por todos os homens' (Fp 4, 5). Exerce-te primeiro na modéstia da parcimônia no comer e vestir, no dormir e vigiar, no recreio e no trabalho, não excedendo a medida em coisa alguma. Depois exerce-te na modéstia da disciplina, com moderação no silêncio e no falar, na tristeza e na alegria, na clemência e no rigor, conforme as circunstâncias o exigem e a sã razão o prescreve. Finalmente, exerce-te na modéstia da civilidade, regulando, ordenando e, compondo as ações, os movimentos, os gestos, as vestes, os membros e os sentidos, conforme o requer a educação moral e o costume na ordem, para que merecidamente pertenças ao número daqueles aos quais o Apóstolo diz: 'Faça-se tudo entre vós com decência e ordem' (I Cor 14, 40).

2. Exerce-te também na justiça para que te sejam aplicáveis as palavras do Profeta: 'Reina por meio da verdade, da mansidão e da justiça' (Sl 44, 5). Na justiça, afirmo, integra por zelo pela honra divina, por observância da lei de Deus e por desejo da salvação do próximo. Na justiça regulada pela obediência aos superiores, pela sociabilidade aos iguais, pela punição das faltas dos inferiores. Na justiça perfeita, de forma que aproves toda a verdade, favoreças a bondade, resistas à maldade tanto no Espírito, como nas palavras e obras, não fazendo a ninguém o que não queres que te façam, não negando a ninguém o que dos outros desejas, para que imites com perfeição aqueles a quem foi dito: 'Se a vossa justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus' (Mt 5, 20).

3. Finalmente, exerce-te na piedade, porque, como diz o Apóstolo, 'a piedade é útil para tudo, porque tem a promessa da vida presente e futura' (I Tim 4, 8). Exerce-te na piedade do culto divino recitando as horas canônicas atenta, devota e reverentemente, acusando e chorando as faltas quotidianas, recebendo a seu tempo o Santíssimo Sacramento e ouvindo todos os dias a santa missa. Na piedade, por meio da salvação das almas, auxiliando ora por frequentes orações, ora por instrutivas palavras, ora pelo estímulo do exemplo, para que quem ouve diga: 'Vem!' (Apoc 22, 17). Isto, porém, cumpre fazer com tanta prudência, que a própria alma não sofra prejuízo. 

Na piedade, por meio do alívio das necessidades corporais, suportando com paciência, consolando amigavelmente, ajudando com humildade, alegria e misericórdia, para desta forma: cumprires o mandamento divino enunciado pelo Apóstolo: 'Carregai os fardos uns dos outros, e desta maneira cumprireis a lei de Cristo' (Gal 6, 2). Para praticares tudo isto, o meio melhor, eu o creio, é a lembrança do Crucificado, a fim de que o teu Dileto, como um ramalhete de mirra (Cântico dos Cânticos 1, 12), descanse sempre junto ao teu coração. Isto te queira prestar Aquele que é bendito por todos os séculos dos séculos. Amém.

(Excertos da obra 'A Direção da Alma e a Vida Perfeita', de São Boaventura)

DA VIDA ESPIRITUAL (65)



Que bom que visitastes hoje este doente e o ouvistes com atenção por alguns minutos... Que bom que ele seja alguém completamente desconhecido para você... Que bom que ninguém precisou saber do teu ato de amor e caridade... Que bom que você tenha visto neste homem desconhecido o próprio Jesus... Já aprendestes muito, meu filho, que a santidade é coisa própria dos homens e está tão perto de nós quanto a nossa sombra...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

CARTAS A MEU PAI (II)

Pai:

o que está acontecendo com o tempo dos homens? Aqui e ali, faz um calor escaldante; acolá, chuvas que destroem tudo, com deslizamentos de encostas e inundações. A natureza parece estar estremecida, arfante, movendo-se em estertores com as variações climáticas tão violentas. A terra de tantas bênçãos e graças parece ter chegado a todos os limites possíveis diante da insensatez humana, da inconformidade das criaturas com o Criador, diante o pecado que é vendido livremente como se não fosse pecado. Onde isso tudo vai parar? Qual é o limite da Vossa misericórdia?

L. me aborreceu particularmente hoje. Um homem que não sabe usar as palavras viola a graça dos sentidos. Era uma frase e um palavrão, outra frase, outro palavrão... Seria vão tentar persuadi-lo a se conter, quantas vezes não tentei isso? É fácil constatar o óbvio: quem não consegue dominar suas palavras, não consegue dominar seu coração. E os erros se multiplicam, as ações se deterioram, a sensatez hiberna e a vulgaridade assome a predominância absoluta do ser, fazer, pensar, agir. Será que alguém ainda sabe hoje de vossas santas palavras, que nada, nada mesmo, nem mesmo a palavra mais vã, ficará órfã diante de Vós?

Meu Anjo da Guarda tomou jeito por estes tempos e tem me ouvido mais. Antes, falava sem parar, quase que num monólogo consigo mesmo, pois eu ficava mais mudo que uma pedra. Quanta preocupação, meu Deus! Dirija com cuidado! Não se deixe tomar pela preguiça! Por que já não fez o trabalho da escola de quinta-feira que vem! (e a gente ainda estava na segunda!). Agora, é bem mais silencioso e prestativo. Me ouve mais. E fica apenas assim, presente. Estou quase a fazer monólogos comigo diante dele. E me surpreendo como assim caminho a passos largos ao Vosso encontro!

Será que S. recebeu a minha mensagem? Pelo menos, não me respondeu. De qualquer forma, sua conversão não será fácil. Nada na sua casa favorece uma vida espiritual. Seus caminhos serão difíceis e vou precisar de muita paciência para guiá-lo na direção espiritual. Sinto que sua alma se abre para a verdade da graça, mas os seus instintos (instintos!) o mantém na vidinha comum dos jovens que vivem na monotonia das horas vividas para si mesmos, na dormência hipnótica de que o mundo e as coisas do mundo giram exatamente sobre as suas cabeças. Bom, já pedi ajuda ao meu anjo e ao dele. Que eles se entendam primeiro para que eu possa agir mais eficazmente no meu propósito.  

Por outro lado, G. tem feito avanços memoráveis. Sua devoção à Nossa Senhora me acalenta a ideia que ele vai ser um dínamo de espiritualidade cristã. Como são belos os pés do mensageiro que leva a tanta gente as palavras de Cristo e dos Evangelhos. Quantas graças e bênçãos não nascerão daquelas mãos tão prontas a rezar e a confortar! No meio dos tempos dos homens, do calor sufocante, das chuvas torrenciais, quanta alegria, meu Pai, de ver tantos dos vossos filhos na caminhada segura aos vossos braços. G. terá uma bela história de vida, com certeza, e serão longos os seus dias sobre a terra.

Ah, ia me esquecendo, mas estou firme nas caminhadas do fim de tarde. Meu Anjo da Guarda me deu um sério ultimato. Ou cuido realmente da minha saúde ou... Nem quis saber do ou... Meu triglicérides não andou meio elevado? Agora tudo está sob controle, não se preocupe. Faça sol, ou faça chuva, caminho para a saúde do corpo e da alma. Nos caminhos do mundo, e para o Vosso coração.

E isso é tudo por hoje, na vida de um filho vosso no meio do mundo. Boa tarde, pai. Com a vossa bênção, R.

('Cartas a Meu Pai' são textos de minha autoria e pretendem ser uma coletânea de crônicas que retratam a realidade cotidiana da vida humana entranhada com valores espirituais que, desapercebidos pelas pessoas comuns, são de inteira percepção pelo personagem R. As pessoas e os lugares, livremente designados apenas pelas suas iniciais, são absolutamente fictícios).

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

II SÃO PEDRO, 2

Perseverança, fidelidade, retidão, obediência, pureza de coração. Num mundo cada vez mais dominado pela ação devastadora do demônio e da demência do mal provocada por homens que se fizeram seus escravos, é preciso, contra a onda avassaladora desta loucura diabólica, manter-se de pé e vigilantes na oração. Viver a cada dia, a perseverança nAquele que, pregado na cruz, na cruz cravou a salvação do mundo! Tomai tento, pois, das santas palavras de Pedro contra os filhos da perdição:



1. Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos doutores que introduzirão disfarçadamente seitas perniciosas. Eles, renegando assim o Senhor que os resgatou, atrairão sobre si uma ruína repentina.

2. Muitos os seguirão nas suas desordens e serão deste modo a causa de o caminho da verdade ser caluniado.

3. Movidos por cobiça, eles vos hão de explorar por palavras cheias de astúcia. Há muito tempo a condenação os ameaça, e a sua ruína não dorme.

4. Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os precipitou nos abismos tenebrosos do inferno onde os reserva para o julgamento;

5. se não poupou o mundo antigo, e só preservou oito pessoas, dentre as quais Noé, esse pregador da justiça, quando desencadeou o dilúvio sobre um mundo de ímpios;

6. se condenou à destruição e reduziu à cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra para servir de exemplo para os ímpios do porvir;

7. se, enfim, livrou o justo Lot, revoltado com a vida dissoluta daquela gente perversa

8. (esse justo que habitava no meio deles sentia cada dia atormentada sua alma virtuosa, pelo que via e ouvia dos seus procedimentos infames),

9. é porque o Senhor sabe livrar das provações os homens piedosos e reservar os ímpios para serem castigados no dia do juízo,

10. principalmente aqueles que correm com desejos impuros atrás dos prazeres da carne e desprezam a autoridade. Audaciosos, arrogantes, não temem falar injuriosamente das glórias,

11. embora os anjos, superiores em força e poder, não pronunciem contra elas, aos olhos do Senhor, o julgamento injurioso.

12. Mas estes, quais brutos destinados pela lei natural para a presa e para a perdição, injuriam o que ignoram, e assim da mesma forma perecerão. Este será o salário de sua iniquidade.

13. Encontram as suas delícias em se entregar em pleno dia às suas libertinagens. Homens pervertidos e imundos, sentem prazer em enganar, enquanto se banqueteiam convosco.

14. Têm, os olhos cheios de adultério e são insaciáveis no pecar. Seduzem pelos seus atrativos as almas inconstantes; têm o coração acostumado à cobiça; são filhos da maldição.

15. Deixaram o caminho reto, para se extraviarem no caminho de Balaão, filho de Bosor, que amou o salário da iniquidade.

16. Mas foi repreendido pela sua desobediência: um animal mudo, falando com voz humana, refreou a loucura do profeta.

17. Estes são fontes sem água e nuvens agitadas por turbilhões, destinados à profundeza das trevas.

18. Com palavras tão vãs quanto enganadoras, atraem pelas paixões carnais e pela devassidão aqueles que mal acabam de escapar dos homens que vivem no erro.

19. Prometem-lhes a liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois o homem é feito escravo daquele que o venceu.

20. Com efeito, se aqueles que renunciaram às corrupções do mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador nelas se deixam de novo enredar e vencer, seu último estado torna-se pior do que o primeiro.

21. Melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a lei santa que lhes foi ensinada.

22. Aconteceu-lhes o que diz com razão o provérbio: 'O cão voltou ao seu vômito' e 'a porca lavada volta a revolver-se no lamaçal'.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

CONFIANÇA EM DEUS

Meu Deus, estou tão persuadido de que velais pelos que em Vós confiam, e que nada pode faltar a quem de Vós tudo espera, que determinei viver para o futuro sem preocupação alguma, e descarregar em Vós o peso dos meus cuidados. Eu ao mesmo tempo dormirei em paz, porque Vós, Senhor, me constituístes na esperança (Sl 4, 9-10).

Podem os homens despojar-me dos bens e da honra, podem as doenças privar-me das forças e dos meios para Vos servir, posso até perder a graça, pelo pecado, mas o que nunca perderei é a confiança. Conservá-la-ei até o último alento da minha vida, apesar de todas as potências infernais empregarem então, ainda que debalde, esforços para arrancá-la de mim. Eu ao mesmo tempo dormirei e descansarei em paz.

Senhor, toda a minha confiança é esta mesma confiança. Ela nunca enganou ninguém. Ninguém confiou no Senhor e ficou confundido (Ecl. 2, 11).

Estou, pois, certo de que serei eternamente feliz, porque firmemente espero sê-lo. E é de Vós, ó meu Deus, que o espero. Confiei em Vós, Senhor, e jamais serei iludido (Sl 30, 2).

Eu conheço e demasiado sei como sou frágil e volúvel. Não ignoro o que podem as tentações contra as virtudes mais firmes, pois vi cair os astros do céu e as colunas do firmamento. Mas nada disso me aterroriza. Enquanto eu esperar, ficarei a coberto de todas as desgraças. E estou seguro de esperar sempre, porque espero até esta invariável esperança.

Enfim, estou convencido de que não é demais tudo o que espero de Vós, e que não poderei ter menos do que aquilo que de Vós tiver esperado. Deste modo, confio que freareis as minhas inclinações mais impetuosas, que me defendereis até dos assaltos mais violentos e fareis triunfar a minha fraqueza dos meus mais temíveis inimigos.

Espero que me amareis sempre, e que também Vos hei de amar incessantemente. E para levar de vez a minha confiança tão longe quanto pode ir, de Vós mesmo Vos espero, ó meu Criador, para o tempo e para a eternidade. Amém.

(Bem-aventurado Cláudio de la Colombière)

domingo, 12 de janeiro de 2014

O BATISMO DE JESUS

Páginas do Evangelho - Primeiro Domingo do Tempo Comum 

O Batismo de Cristo - Bartolomé Murillo (1618 - 1682)

No Evangelho do Batismo do Senhor, encerra-se na liturgia o tempo do Natal. João Batista, nas águas do Jordão, realizava um batismo de penitência, de ação meramente simbólica, pois não imprimia ao batizado o caráter sobrenatural e a graça santificante imposta pelo Batismo Sacramental, instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso mesmo vai protestar diante o Senhor: 'Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?' (Mt 3, 14). Mas Jesus vai consolar suas preocupações em nome das palavras dos profetas: 'Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!' (Mt 3, 15).

O Batismo de Jesus constitui, ao contrário, um ato litúrgico por excelência, pois o Senhor se manifesta publicamente em sua missão salvífica. Chega ao fim o tempo dos Profetas: o Messias tão anunciado torna-se realidade diante o Precursor nas águas do Jordão. E o batismo de Jesus é um ato de extrema humildade e de misericórdia de Deus: assumindo plenamente a condição humana, Jesus quis ser batizado por João não para se purificar pois o Cordeiro sem mácula alguma não necessitava do batismo, mas para purificar a humanidade pecadora sob a herança dos pecados de Adão. Ao santificar as águas do Jordão e nelas submergir os nossos pecados, Jesus santificou todas as águas do Batismo Sacramental de todos os homens assim batizados.

Após ter recebido o batismo de João, 'o céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus...' (Mt, 3, 16). Nas margens do Jordão, no mistério insondável do Filho na intimidade com o Pai, manifesta-se pela primeira vez a Santíssima Trindade, ratificada pela pomba e pela voz que vem do Céu: 'Este é o meu Filho amado, no qual eu pus o meu agrado' (Mt 3, 17). No batismo do Jordão, manifesta-se em plenitude a divindade de Cristo. 

Eis a síntese da nossa fé cristã, expressa nas palavras da primeira Carta de João: 'Deus é amor; quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele' (1 Jo 4, 16). No Jordão, o céu se abriu para o Espírito Santo descer sobre a terra. No Jordão, igualmente, manifestou-se por inteiro o perdão e a misericórdia de Deus e a graça da salvação humana por meio do batismo. Com o batismo de Jesus, e a partir do batismo de Jesus, tem início a vida pública do Messias preanunciado por gerações. Esta liturgia marca o início do Tempo Comum, período em que a Igreja acompanha, a cada domingo, a cada semana,  as pregações, ensinamentos e milagres de Jesus sobre a terra, o tempo em que o próprio amor de Deus habitou em nós. 


Páginas do Evangelho - Festa da Epifania do Senhor

Reis Magos, Andrea Mantegna (1431-1506)

Epifania é uma palavra grega que significa 'manifestação'. A festa da Epifania - também denominada pelos gregos de Teofania, significa 'a manifestação de Deus'. É uma das mais antigas comemorações cristãs, tal como a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo - era celebrada no Oriente já antes do século IV e, somente a partir do século V, começou a ser celebrada também no Ocidente. 

Na Anunciação do Anjo, já se manifestara a Encarnação do Verbo, revelada porém, a pouquíssimas pessoas: provavelmente apenas Maria, José, Isabel e Zacarias tiveram pleno conhecimento do nascimento de Deus humanado. O restante da humanidade não se deu conta de tão grande mistério. Assim, enquanto no Natal, Deus Se manifesta como Homem; na Festa da Epifania, esse Homem se revela como Deus. Na pessoa dos Reis Magos, o Menino-Deus  é revelado a todas as nações da terra, a todos os povos futuros; a síntese da Epifania é a revelação universal da Boa Nova à humanidade de todos os tempos.

A Festa da Epifania, ou seja, a manifestação do Verbo Encarnado, está, portanto, visceralmente ligada à Adoração dos Reis Magos do Oriente: 'Ajoelharam-se diante dele e o adoraram' (Mt 2, 11). Deus cumpre integralmente a promessa feita à Abraão: 'em ti serão abençoados todos os povos da terra ' (Gn, 12,3) e as promessas de Cristo são repartidas e compartilhadas entre os judeus e os gentios, como herança comum de toda a humanidade. A tradição oriental incluía ainda na Festa da Epifania, além da Adoração dos Reis, o milagre das Bodas de Caná e o Batismo do Senhor no Jordão, eventos, entretanto, que não são mais celebrados nesta data pelo rito atual.

A viagem e a adoração dos Reis Magos diante o Menino Deus em Belém simbolizam a humanidade em peregrinação à Casa do Pai. Viagem penosa, cansativa, cheia de armadilhas e dificuldades (quantos não serão os nossos encontros com os herodes de nossos tempos?), mas feita de fé, esperança e confiança nas graças de Deus (a luz da fé transfigurada na estrela de Belém). Ao fim da jornada, exaustos e prostrados, os reis magos foram as primeiras testemunhas do nascimento do Salvador da humanidade, acolhido nos braços de Maria:   'Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe' (Mt, 2, 11): o mistério de Deus revelado de que não se vai a Jesus sem Maria. Com Jesus e Maria, guiados também pela divina luz emanada do Espírito Santo, também nós haveremos de chegar definitivamente, um dia, à Casa do Pai, sem ter que voltar atrás 'seguindo outro caminho' (Mt, 2, 12). 

sábado, 11 de janeiro de 2014

AS PALAVRAS DE MARIA



Na Anunciação:

'Como vai acontecer isto, se não conheço nenhum homem?' (Lc 1, 34)

 
'Eis aqui a escrava do senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra' (Lc 1, 38)




Em visita à Isabel: 


'Minha alma proclama a grandeza do Senhor... conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre' (Lc 46-55)





Na perda e reencontro de Jesus no templo: 


'Meu filho, que nos fizeste?! Eis que teu pai e eu andávamos à tua procura, cheios de aflição' (Lc 2, 48).





Nas bodas de Caná: 


'Eles não têm mais vinho!' (Jo 2, 3) 


'Façam o que ele vos mandar!' (Jo 2, 5) 



(Palavras de Nossa Senhora nos textos bíblicos)