segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SALMO 17

Salmo para invocação da proteção de Deus diante das dores e tormentas do mundo, especialmente para os dias da Justiça Divina:

1. Ao mestre de canto. De Davi, servo do Senhor, que dirigiu as palavras deste cântico ao Senhor, no dia em que ficou livre de todos os seus inimigos e das mãos de Saul.

2. Disse: Eu vos amo, Senhor, minha força!

3. O Senhor é o meu rochedo, minha fortaleza e meu libertador. Meu Deus é a minha rocha, onde encontro o meu refúgio, meu escudo, força de minha salvação e minha cidadela.

4. Invoco o Senhor, digno de todo louvor, e fico livre dos meus inimigos.

5. Circundavam-me os vagalhões da morte, torrentes devastadoras me atemorizavam,

6. Enlaçavam-se as cadeias da habitação dos mortos, a própria morte me prendia em suas redes.

7. Na minha angústia, invoquei o Senhor, gritei para meu Deus: do seu templo ele ouviu a minha voz, e o meu clamor em sua presença chegou aos Seus ouvidos.

8. A terra vacilou e tremeu, os fundamentos das montanhas fremiram, abalaram-se, porque Deus se abrasou em cólera:

9. Suas narinas exalavam fumaça; sua boca, fogo devorador, brasas incandescentes.

10. Ele inclinou os céus e desceu, calcando aos pés escuras nuvens.

11. Cavalgou sobre um querubim e voou, planando nas asas do vento.

12. Envolveu-se nas trevas como se fossem véu, fez para si uma tenda das águas tenebrosas, densas nuvens.

13. Do esplendor de sua presença suas nuvens avançaram: saraiva e centelhas de fogo.

14. Dos céus trovejou o Senhor, o Altíssimo fez ressoar a sua voz.

15. Lançou setas e dispersou os inimigos, fulminou relâmpagos e os desbaratou.

16. E apareceu descoberto o leito do mar, ficaram à vista os fundamentos da terra, ante a vossa ameaçadora voz, ó Senhor, ante o furacão de vossa cólera.

17. Do alto estendeu a sua mão e me pegou, e retirou-me das águas profundas,

18. Livrou-me de inimigo poderoso, dos meus adversários mais fortes do que eu.

19. Investiram contra mim no dia do meu infortúnio, mas o Senhor foi o meu arrimo;

20. Pôs-me a salvo e livrou-me, porque me ama.

21. O Senhor me tratou segundo a minha inocência, retribuiu-me segundo a pureza de minhas mãos,

22. Porque guardei os caminhos do Senhor e não pequei separando-me do meu Deus.

23. Tenho diante dos olhos todos os seus preceitos e não me desvio de suas leis.

24. Ando irrepreensivelmente diante dele, guardando-me do meu pecado.

25. O Senhor retribuiu-me segundo a minha justiça, segundo a pureza de minhas mãos diante dos seus olhos.

26. Com quem é bondoso vos mostrais bondoso, com o homem íntegro vos mostrais íntegro;

27. Puro com quem é puro; prudente com quem é astuto.

28. Os humildes salvais, os semblantes soberbos humilhais.

29. Senhor, sois vós que fazeis brilhar o meu farol, sois vós que dissipais as minhas trevas.

30. Convosco afrontarei batalhões, com meu Deus escalarei muralhas.

31. Os caminhos de Deus são perfeitos, a palavra do Senhor é pura. Ele é o escudo de todos os que nele se refugiam.

32. Pois quem é Deus senão o Senhor? Quem é o rochedo, senão o nosso Deus?

33. É Deus quem me cinge de coragem e aplana o meu caminho.

34. Torna os meus pés velozes como os das gazelas e me instala nas alturas.

35. Adestra minhas mãos para o combate e meus braços para o tiro de arco.

36. Vós me dais o escudo que me salva. Vossa destra me sustém, e vossa bondade me engrandece.

37. Alargais o caminho a meus passos, para meus pés não resvalarem.

38. Dou caça aos inimigos e os alcanço, e não volto sem que os tenha aniquilado.

39. De tal sorte os despedaço, que não mais poderão levantar-se: eles ficam caídos a meus pés.

40. Vós me cingis de coragem para a luta e ante mim dobrais os meus adversários.

41. Afugentais da minha presença os meus inimigos e reduzis ao silêncio os que me aborrecem.

42. Gritam por socorro, mas não há quem os salve; clamam ao Senhor, mas não responde...

43. Eu os disperso como o pó que o vento leva, e os esmago como o barro das estradas.

44. Vós me livrais das revoltas do povo e me colocais à frente das nações; povos que eu desconhecia se tornaram meus servos.

45. Gente estranha me serve abnegadamente e me obedece à primeira intimação.

46. Gente estranha desfalece e sai tremendo de seus esconderijos.

47. Viva o Senhor e bendito seja o meu rochedo! Exaltado seja Deus, que me salva!

48. Deus, que me proporciona a vingança e avassala nações a meus pés.

49. Sois vós que me libertais dos meus inimigos, me exaltais acima dos meus adversários e me salvais do homem violento.

50. Por isso vos louvarei, ó Senhor, entre as nações e celebrarei o vosso nome.

51. Ele prepara grandes vitórias a seu rei e faz misericórdia a seu ungido, a Davi e a sua descendência para sempre.

domingo, 22 de setembro de 2013

O ADMINISTRADOR FIEL

Páginas do Evangelho - Vigésimo Quinto Domingo do Tempo Comum 


Eis a parábola que fala da necessidade imperiosa dos Filhos de Deus viverem a sábia prudência que nasce e se alimenta da verdadeira fidelidade. A prudência dissociada da fidelidade é vanglória humana; a santidade pressupõe a adoção conjunta e harmônica destas duas virtudes, na convivência diária e nas relações humanas, no exercício das atividades do mundo, na utilização criteriosa dos recursos materiais à nossa disposição - inclusive o dinheiro, com foco único e centrado na salvação eterna de nossas almas.

Qual o uso que se dá ao que nos foi dado por Deus? O fruto de nossa herança eterna é a forma com que lidamos com os bens materiais e espirituais que a Divina Providência semeou no campo fértil da sua vinha: saúde, bens, poderes, riquezas, talentos, habilidades - tudo nos é dado como dotes mutáveis e transitórios para serem compartilhados com o próximo e produzir frutos perenes de vida eterna em terras alheias. Por que, tal como no cado do administrador infiel da parábola do Evangelho deste domingo, todos seremos igualmente cobrados pelo Senhor da Vinha: 'Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens’ (Lc 16, 2).

No Julgamento Particular de cada um de nós, já não haverá mais tempo para se administrar o bem que não se fez, a partilha não realizada, a herança não distribuída. Assim, Jesus nos alerta sobre a nossa condição de administradores temporários de bens e graças nesta vida, dos quais teremos de prestar conta de tudo. E cita o exemplo da esperteza do administrador infiel, que usou da sagacidade e de uma falsa e interesseira prudência para obter vantagens e benesses para a sus sua subsistência futura, porque, 'os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz' (Lc 16, 8).

Com sábia prudência, os filhos da luz deveriam agir como administradores fieis dos bens e riquezas do mundo, coisas boas em si, desde que adquiridas com trabalho honesto e tratadas como meios para glória de Deus e não como fins para ganância e soberba dos homens: 'Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro' (Lc 16, 13). Eis aí a nossa herança como administradores bons e fieis: a eterna recompensa nas moradas eternas do Senhor da Vida.

CONCEITO DE DOGMA E GRAUS DE CERTEZA TEOLÓGICA

Em sentido estrito, entendemos por dogma uma verdade revelada (formalizada) diretamente por Deus e, assim, proposta pela Igreja como crença geral dos fieis. O Concílio Vaticano [Vaticano I, embora, à época, não tenha sido utilizado o termo 'dogma'] declara  que: 'Fide divina et catholica ea omnia credenda sunt, quae in verbo Dei scripto vel tradito continentur et ab Ecclesia sive solemni iudicio sive ordinario et universali magisterio tanquam divinitus revelata credenda proponuntur' [deve-se crer, com Fé divina e católica, em tudo o que está contido na Palavra de Deus, seja escrita (Sagrada Escritura) ou transmitida oralmente (Tradição Oral), e que é proposto pela Igreja para ser crido como revelado por Deus, seja por definição solene, seja pelo Magistério ordinário e universal]. 

O conceito de dogma compreende, portanto, dois elementos:

(i) a imediata revelação por parte de Deus (revelatio immediate divina o revelatio formalis). A verdade em questão tem de ter sido imediatamente revelada por Deus, podendo ser explícita (explicite) ou implícita (implicite), e deve estar contida, portanto, nas fontes da revelação,  na Sagrada Escritura ou Tradição da Igreja;

(ii) ter sido proposto pelo Magistério da Igreja (propositio Ecclesiae). Esta proposição inclui não somente a notificação de uma doutrina de fé mas, ao mesmo tempo, a obrigação de crença na verdade proposta. Tal proposição pode ser feita pela Igreja, seja de forma extraordiaria por meio de uma solene definição do Papa ou de um concílio geral (iudicium solemne), ou pelo magistério ordinário e universal de toda a Igreja (magisterium ordinarium et universale). 

O dogma no sentido estrito é objeto da fé divina e da fé católica: é o objeto da fé divina por proceder de uma revelação divina; e é objeto da fé católica por ser proposto pelo magistério infalível da Igreja. Quando um batizado nega ou duvida deliberadamente um verdadeiro dogma, cai em pecado de heresia e incorre em excomunhão ipso facto.

Em conformidade com o Magistério da Igreja, que é preservar íntegro o depósito das verdades reveladas e dar-lhes uma interpretação infalível, constituem o primeiro e o principal objeto dos seus ensinamentos as verdades imediatamente por Deus. Por outro lado, a autoridade infalível da Igreja estende-se também a todas as verdades e fatos que são consequentes ou pressupostos das verdades reveladas (objeto secundário). Tais doutrinas e fatos não revelados imediata ou formalmente, mas que estão tão intimamente ligados com as verdades da fé, que a impugnação delas colocaria em perigo as próprias doutrinas reveladas, são designadas com o nome de verdades católicas (veritates catholicae) ou doutrinas da Igreja (doctrinete ecclesiasticae), para distingui-las das verdades divinas ou ensinamentos divinos da revelação (veritates vel doctrinae divinae). Devem ser acaeitas por meio do assentimento da fé que repousa sobre o magistério infalível da Igreja (fides ecclesiasticae).

Os graus de certeza teológica podem ser:

1. O mais alto grau de certeza pertence às verdades imediatamente reveladas. A crença a elas devida é baseada na autoridade de Deus Revelador (fides divina), e se a Igreja, por seu magistério, garante que uma verdade está contida na Revelação, a certeza então se baseia também na Autoridade Magisterial Infalível da Igreja (fides catholica). Quando são propostas por meio de uma solene definição do Papa ou de um concílio universal, tratam-se de verdades de fé definidas (de fide definita). 

2. As verdades católicas ou doutrinas católicas, sobre as quais a Autoridade Magisterial da Igreja definitivamente se pronunciou, devem ser aceitas com a fé que se baseia na autoridade única da Igreja (fides ecclesiastica). A certeza dessas verdades é infalível tanto quanto a dos dogmas propriamente ditos.

3. Um ensinamento próximo da fé (sententia fidei proxima) é uma doutrina quase que universalmente considerada pelos teólogos como uma verdade da Revelação, mas que ainda não foi definitivamente promulgada como tal pela Igreja.

4. Um ensinamento pertencente à fé, ou seja, teologicamente correto (sententia ad fidem pertinens, i.e, theologice certa) é uma doutrina sobre a qual a Autoridade Magisterial da Igreja ainda não se pronunciou definitivamente, mas cuja verdade é garantida por sua intrínseca conexão com a doutrina da Revelação (conclusões teológicas).

5. Um ensinamento comum (sententia communis) é uma doutrina que, em si mesma, pertence ao campo da livre opinião, mas que é geralmente aceita por todos os teólogos. 

6. As opiniões teológicas de menores graus de certeza são chamadas prováveis, mais prováveis ou bem fundamentadas (sententia probabilis, probabilior, bene fundata, sententia pia) e as chamadas opiniões piedosas (sententia pia), por levar em consideração a piedosa crença dos fieis em geral. Possui o menor grau de certeza a chamada opinião tolerada (opinio tolerata), que é apenas fracamente fundamentada, mas que é tolerada pela Igreja. 

Em relação ao ensinamento doutrinal da Igreja, deve ser notado que nem todas as afirmações da Autoridade Magisterial da Igreja em questões de fé e moral são infalíveis e consequentemente irrevogáveis. Somente são infalíveis as que emanam de Concílios Gerais, representando o episcopado inteiro, e as decisões papais tomadas Ex Cathedra (cf. D 1839). A forma ordinária e comum da atividade magisterial do Papa não é infalível. Além disso, as decisões das Congregações Romanas (Santo Ofício, Comissão Bíblica) não são infalíveis.

Apesar disso, normalmente elas devem ser aceitas com um assentimento interno que se baseia na autoridade sobrenatural do Espírito Santo (assensus religiosus). O chamado silentium obsequiosum, ou 'silêncio reverente', geralmente não basta. Excepcionalmente, a obrigação de assentimento interior pode cessar se um especialista competente, após nova investigação científica de todos os fundamentos, chegar à convicção positiva de que a decisão está fundamentada sobre um erro.

Excertos da obra 'Manual de Teologia Dogmática' de Pe. Ludwig Ott (1906-1985), Editorial Herder, 1966, tradução do original alemão 'Grundriss der Katolischen Dogmatik')

sábado, 21 de setembro de 2013

HISTÓRIAS QUE OUVI CONTAR (X)

Pois é, tinha virado mania. Chegar na terrinha, apear na Rodoviária e rumar, de mala e cuia, praquele mundão de história e passado. História é passado. Tem que pisar no chão mordido de tanta história pra saber que história é coisa viva, uma coisa que fica entalada na garganta e que não tem mais fim. Aprender e reaprender num crescendo só; vivenciar outras épocas e culturas. Morder a essência da vida de tanta gente vivida no reviver essencial da vida repetida; por isso, era tão importante pisar, repisar e repisar mil vezes estas ruelas e ladeiras.

A mochila era pro essencial, o dinheiro era pro gasto. Ele vinha sempre assim: mochilento, meio Chaplin, meio dândi. Vinha como um personagem de ficção, vinha como uma figura de priscas eras, de repente tornada à vida nas ruelas e becos dessa Ouro Preto eterna, singular, mágica, extemporânea... Era professor de História, mais que isto, cultor e escultor da História viva.

Vinha quase todo mês, sempre do mesmo jeito, nunca com o mesmo olhar. Olhar era pouco, ele vinha captar alguma coisa que fugia aos homens mortais de todas as cidades comuns e que viviam cabisbaixos sob a linha do tempo. No meio da Praça Tiradentes, ele não era apenas um homem sob o sol. Ele abria os braços e sentia no rosto a brisa de tempos idos, as memórias revoltas de Marílias e de Dirceus e dos anônimos ausentes dos livros, mas irmanados nos espíritos viandantes que somente ele ouvia... Aqui, ele desfrutava dessa estranha e única sensação de viver além do tempo, muito mais que apenas um número incógnito na imensa babel mundana. Ouro Preto era eterna.

Comeu uma porcaria qualquer num boteco da praça e iniciou, mais uma vez, sua viagem ao passado. De repente, os letreiros, o trânsito caótico, a música dos bares, o leva e traz das pessoas, a vida profana, tudo se esvaiu de vez. Como num passe de mágica, só ficaram os sobrados, as ruelas, o museu, o silêncio das horas passadas e os personagens da história... Ele os conhecia tão bem! Cada donzela, cada senhor do comércio, os homens simples das mulas de carga, as vendedoras de doces, as crianças... Era o mesmo belo filme a ser revisto a cada passo, a cada volta...

Pois é ... mas, de repente, desfez-se o foco, a rua viva, a poeira do tempo, a re-história... e veio o que ele aventou ser o limbo. Não podia crer no que os seus olhos não mais viam! Olhou em volta assustado e não percebeu mais vivalma. A praça, a Rua Direita, ninguém. Nem mortos, nem vivos, nem personagens, nem simples mortais, nem albergues, nem bares. Ninguém. Os carros sumiram, as pessoas se foram e só restou o nada: nenhum som, nenhum grito. Ele, apenas ele, no meio da névoa espessa como breu mas esbranquiçada como as miragens dos fantasmas.

A morte seria isso? De repente, o nada no meio de tudo? Como uma lâmpada que se apaga de repente, levando a luz, a vida, a forma das coisas? Mas, não podia ser, não podia ser... A morte era algo tão irreal, tão longínquo, tão... tão despropositado! Ele era um professor, um cultor, um artífice da História e ali, em Ouro Preto eterna, construía a cada vinda a sua passagem para a o futuro... A morte não, a morte tem mesmo um tempo de eternidade e não tem vindas e retornos. A morte é apenas o fim. Fechou e abriu os olhos muitas vezes, mas o foco da vida urbana e passageira refletia-se apenas na memória.

De repente, ele a viu: ele parado na imensidão do mundo que se tornara a Rua Direita e ela subindo em sua direção. No meio da rua. Cheia de vestidos e chapéus, cheia de história. Parecia subir a rua íngreme sem esforço algum. Parecia não... os pés pairavam acima do chão! Vulto sem rosto e sem forma, mãos distendidas, algo como um perfume distante... 

Teve a certeza que gritou e a convicção ainda maior de que não ouvira o próprio grito. Quis correr mas seus pés pesavam como chumbo. O mais que pôde foi fechar os olhos com força e querer acordar de vez daquele pesadelo. Passou um instante... passou um minuto e mais outro... até que se deu conta de que o tempo tinha voltado a ser o tempo dos homens. Abriu os olhos e ouviu o berro do motorista do fusca 'Quer morrer, maluco?'. Meio apalermado, saiu do meio da rua e sentou-se no meio-fio do passeio, entre buzinas, risos e algazarra da vida profana... Não ia dizer nada, é claro, seria motivo de chacota na certa, iriam desconfiar de drogas na mochila e coisas assim. 

Teria sido uma perda momentânea de consciência, um sonho, um aviso? Ele teria visto o anjo da morte? Seria mesmo um anjo? Como e por que passara por uma experiência tão estranha? Qual o sentido daquilo tudo? Ficou sentado ali no meio-fio um tempão, vendo o povo passar, olhando, aturdido e pesaroso sobre a estranha aparição, anestesiado e consciente da sua própria história, refazendo pesos e medidas do viver por viver; definitivamente, um homem não tão comum sob o sol.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

DA VIDA ESPIRITUAL (58)

Reza assim: 'Senhor, não vos peço não ter tentações ou sofrimentos e nem que se cumpra as minhas humanas vontades, mas que o vosso propósito para mim se realize em plenitude em cada dia da minha vida. Queria vos pedir, Senhor, possuir sempre esta serenidade, esta paz interior que vem de Vós, esta perseverança de fé até o último segundo do meu existir, esta alma atribulada e incansável em busca da santificação. Senhor, conceda-me a graça de colocar em prática este imenso amor que tenho pelas vossas coisas e ser um instrumento vivo do vosso infinito amor pelos homens'.

A MISSA: SACRIFÍCIO E SACRAMENTO

A Missa tem três partes importantes: o Ofertório, a Consagração e a Comunhão. Na ordem do amor humano, estes correspondem ao noivado, à cerimônia de casamento e à consumação do casamento. Quando um homem torna-se noivo de uma mulher, ele geralmente traz-lhe o presente como um anel precioso, que não é de lata ou de palha, porque estes não têm nenhum valor. Independentemente do quanto ele pôde pagar pelo anel, ele ainda arranca a etiqueta de preço, a fim de que sua amada nunca possa estabelecer uma correspondência entre o preço do presente e do seu amor. Não importa o quanto ele lhe custou, o presente para ele pareceria inadequado. O anel é redondo, a fim de expressar a eternidade do seu amor, que não tem começo nem fim; é precioso, porque é um símbolo da total disponibilidade em dar a sua personalidade para a amada.

A missa também tem um noivado que corresponde ao Ofertório da Missa, em que os fiéis trazem os dons do pão e do vinho, ou seu equivalente, que simulam pão e vinho. Como o anel é um símbolo do amante oferecendo-se à amada, assim também o pão e o vinho são os símbolos de uma pessoa a oferecer-se para Cristo. Isto é evidente em vários aspectos: primeiro, o pão e o vinho tradicionalmente alimentam o homem e lhe dão vida, trazer a substância de representa a vida, é equivalente a dar a si mesmo. Em segundo lugar, a disposição de sacrificar-se pela amada é revelada no pão e no vinho, não há duas substâncias que têm que ser mais transformadas para se tornarem o que são do que o trigo e a uva. Um passa através do Getsemani de um moinho e o outro através do Calvário da prensa antes que possam ser apresentados ao Amado no altar. No ofertório, portanto, sob a aparência de pão e vinho, os fiéis estão a oferecer-se a Cristo.

Após o noivado, vem a cerimônia de casamento em que o amante se sacrifica pela amada, e a amada se entrega com devoção ao amante. O noivo praticamente diz: 'A minha maior liberdade é ser seu escravo. Eu dou a minha individualidade a fim de servi-la'. A união das mãos na cerimônia de casamento é um símbolo da transferência de si mesmo ao outro: 'Eu sou seu e você é meu. Quero morrer para mim mesmo, para viver em você, minha amada. Eu não posso viver para você, a menos que eu desista de mim mesmo. Então eu digo a você: ‘este é o meu Corpo, este é meu sangue'.

Na Missa, os fiéis já estão presentes no altar sob a aparência de pão e vinho. No momento da Consagração da Missa, quando o sacerdote, como Cristo, pronuncia as palavras 'Este é o Meu Corpo' e 'Este é o Meu Sangue', a substância do pão se transforma na substância do corpo de Cristo, e a substância do vinho torna-se a substância do sangue de Cristo. Naquele momento, os fiéis estão dizendo, em um sentido secundário com o padre: 'Este é o meu corpo, este é o meu sangue. Leve! Não quero mais para mim mesmo. A própria substância do meu ser, meu intelecto e minha vontade – Mude! Transubstancie! Para que o meu ego se perca em Ti, para que meu intelecto seja um com a Tua verdade, e a minha vontade seja uma com Teus desejos! Eu não me importo se as espécies ou aparências da minha vida permanecerem, isto é, meus deveres, minha profissão, meus compromissos no tempo e no espaço. Mas o que eu sou substancialmente, eu dou a Ti'.

Na ordem humana, após o noivado e o casamento, vem a consumação do casamento. Todo o amor anseia por unidade. Correspondência por carta ou pela fala, não pode satisfazer esse anseio instintivo de dois corações a se perderem um no outro. Deve, portanto, vir algum momento de grande êxtase em que o amor torna-se profundo demais para palavras, esta é a comunhão do corpo e do sangue com o corpo e sangue na unidade, que não dura muito tempo, mas é uma antecipação do céu.

O ato conjugal é nada além de uma imagem frágil e sombria da comunhão em que, depois de ter se oferecido a nós mesmos sob a aparência de pão e vinho e ter morrido em nosso eu interior, que agora começa a desfrutar dessa união extática com Cristo na Santa Comunhão – uma unidade que é, na linguagem do Thompson, 'uma paixão sem paixão, uma tranquilidade selvagem'. Este é o momento em que os corações famintos comungam com o Pão da Vida; este é o arrebatamento em que se cumpre 'o amor apenas um pouco aquém de todo o amor' e o êxtase que deixa todas as outras como dores de êxtases.

O Sacrifício da Missa pode ser apresentado sob outra analogia. Imagine uma casa que tinha duas grandes janelas em lados opostos. Uma janela fita um vale e a outra para uma montanha elevada. O proprietário pode contemplar ambos e de alguma forma ver que eles estavam relacionados: o vale é a montanha humilhada, a montanha é o vale exaltado.

O Sacrifício da Missa é algo parecido com isso. Cada igreja, de certa forma, olha para um vale, o vale da morte e da humilhação no qual vemos uma cruz. Mas também olha para uma montanha, uma montanha eterna, a montanha do céu, onde Cristo reina gloriosamente. Como o vale e a montanha estão relacionados, como humilhação e a exaltação, de modo que o Sacrifício da Missa está relacionado ao Calvário no vale e com Cristo no céu e nas colinas eternas.

Todos os três, o Calvário, a Missa, e Cristo glorificado no céu são diferentes níveis do grande ato de amor eterno. O Cristo, que apareceu no céu, como o cordeiro morto desde o começo do mundo, em um determinado momento no tempo, veio a esta terra e ofereceu sua vida em redenção pelos pecados dos homens. Em seguida, subiu ao céu, onde o mesmo ato eterno de amor continua, enquanto Ele intercede pela humanidade, mostrando as cicatrizes de seu amor ao Pai celestial. É verdade, agonia e crucificação são coisas passageiras, mas a obediência e o amor que os inspiraram não são. Aos olhos do Pai, o Filho feito Homem ama sempre até a morte. O patriota, que lamenta por ter apenas uma vida para dar ao seu país, teria gostado de ter feito seu sacrifício eterno. Sendo homem, ele não poderia fazê-lo. Mas Cristo, sendo Deus e homem, podia.

A Missa, portanto, olha para trás e para frente. Porque vivemos no tempo e podemos usar somente símbolos terrestres, vemos sucessivamente que não é senão um movimento de amor eterno. Se um rolo de filme fosse dotado de consciência, ele veria e compreenderia a história do filme de uma vez; mas nós não a compreenderíamos até vê-la desdobrada sobre a tela. Assim acontece com o amor com o qual Cristo preparou para a Sua vinda no Antigo Testamento, ofereceu a Si mesmo no Calvário, e agora reapresenta-o como sacrifício na Missa. A missa, portanto, não é outro sacrifício, mas uma nova apresentação da Vítima eterna e sua aplicação para nós. Assistir a Missa é o mesmo que assistir ao Calvário. Mas há diferenças.

Na Cruz, Nosso Senhor ofereceu-se por toda a humanidade; na Missa fazemos aplicação daquela morte a nós mesmos e o nosso sacrifício se une com o Dele. A desvantagem de não ter vivido na época de Cristo é anulada pela Missa. Na Cruz, Ele potencialmente redimiu toda a humanidade; na Missa nós participamos daquela Redenção. O Calvário aconteceu em um momento definido no tempo e sobre uma colina em particular no espaço. A Missa temporaliza e localiza aquele ato de amor eterno.

O sacrifício do Calvário foi oferecido de forma sangrenta pela separação do seu sangue de seu corpo. Na missa, esta morte é mística e sacramentalmente apresentada de modo incruento, pela consagração separada do pão e vinho. Os dois não são consagrados juntos por palavras tais como 'Este é o meu corpo e meu sangue', mas sim, seguindo as palavras de Nosso Senhor: 'Isto é meu corpo' é dito sobre o pão e, depois, 'Este é o Meu Sangue' é dito sobre o vinho. A consagração separada é uma espécie de espada mística dividindo corpo e sangue, que é a forma que Nosso Senhor morreu no Calvário.

Suponha que houve uma estação de rádio eterna que enviou ondas eternas da sabedoria e da iluminação. As pessoas que viveram em épocas diferentes iriam sintonizar nessa sabedoria, assimilá-la e aplicá-la para si. O ato eterno do amor de Cristo é algo que sintonizamos e que aparecem em sucessivas eras da história através da Missa. A missa, portanto, empresta sua realidade e sua eficácia do Calvário e não tem nenhum significado fora dele. Quem assiste à Missa levanta a Cruz de Cristo do solo do Calvário e a planta no centro do seu próprio coração.

Este é o único ato perfeito de amor, sacrifício, gratidão e obediência que podemos sempre prestar a Deus, ou seja, aquilo que é oferecido pelo Seu Divino Filho encarnado. De e por nós mesmos, não podemos tocar o teto porque não somos altos o suficiente. De e por nós mesmos, não podemos tocar em Deus. Nós precisamos de um mediador, alguém que é Deus e Homem, que é Cristo. Nenhuma oração humana, nenhum ato humano de auto-negação, nenhum sacrifício humano é suficiente para perfurar o céu. É apenas o sacrifício da Cruz que pode fazê-lo, e isso é feito na Missa. Como nós oferecemos, nós nos penduramos, por assim dizer, em suas vestes, que arrastam Seus pés na Ascensão, nos agarramos às Suas mãos perfuradas na oferta de Si mesmo ao Pai Celestial. Estando escondidas nEle, nossas orações e sacrifícios têm seu valor. Na Missa estamos mais uma vez no Calvário, ombro a ombro com Maria Madalena e João, e junto aos carrascos que ainda jogam dados sobre as vestes do Senhor.

O sacerdote que oferece o sacrifício apenas empresta a Cristo a sua voz e seus dedos. É Cristo quem é o Sumo Sacerdote; é Cristo quem é a vítima. Em todos os sacrifícios pagãos e nos sacrifícios judaicos, a vítima estava sempre separada do sacerdote. Poderia ser uma cabra, um cordeiro ou um boi. Mas quando Cristo veio, Ele, o Sacerdote, ofereceu-se como vítima. Na Missa, é Cristo que ainda oferece a Si mesmo e quem é a vítima a quem nos tornamos unidos. O altar, portanto, não está relacionado com a congregação como o palco está relacionado a um público no teatro. A mesa da comunhão não é o mesmo que uma ribalta, que divide o drama do espectador. Todos os membros da Igreja têm uma espécie de sacerdócio, na medida em que eles oferecem-se com o Sumo e Eterno este ato de amor eterno. Os leigos participam na vida e no poder de Cristo, pois 'Tu nos fizeste uma raça real de sacerdotes para servir a Deus' (Apoc 5, 10).

A expressão, por vezes usado pelos católicos como 'ouvir missa' é uma indicação de quão pouco se sabe da sua participação ativa, não só com Cristo, mas também com todos os santos e membros da Igreja até o fim dos tempos. Essa ação social da Igreja é indicada em algumas orações da Missa; por exemplo, imediatamente antes da Consagração, Deus é chamado a receber a oferta que 'nós, vossos servos, com o vosso povo santo' e, depois da Consagração, os fiéis mais uma vez dizem: 'nós oferecemos à vossa augusta Majestade, de vossos dons e dádivas'. Todos participam, mas quanto mais perto estamos do mistério, mais nos tornamos um só com Cristo.

Nenhum homem pode chegar à plenitude real de sua personalidade por reflexão ou contemplação, ele tem que agir para fora. É por isso que, através de todas as idades o homem ofereceu a melhor parte do rebanho a fim de indicar a oferta e entrega de si mesmo. Pela imposição de mãos sobre o animal, ele se identificou com ele. Então ele o consumiu, a fim de ganhar alguma identificação com aquele a quem foi oferecido. Na Missa, todos os antigos prenúncios sombrios do sacrifício supremo são cumpridos. O homem imola-se com Cristo, dizendo-lhe para tomar o seu corpo e o seu sangue. Através desta destruição do ego, há um vazio e um vazio criado, o que torna possível para a Divindade preencher o vácuo e santificar o ofertante. O homem morre ao passado, a fim de que ele possa viver no futuro. Ele escolhe estar unido com o seu Rei Divino em alguma forma de morte, para que ele possa participar da sua ressurreição e glória. Assim morrendo, ele vive; castigado, ele não está morto; triste, ele sempre se alegra; entregando o seu tempo, ele encontra a eternidade. Nada é trocado por tudo. A pobreza se transforma em riqueza, e não tendo nada, ele começa a possuir todas as coisas.

(Excertos de 'A Eucaristia: Sacrifício e Sacramento', do Arcebispo Fulton Sheen)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A BÍBLIA EXPLICADA (VIII)

Breve descrição dos Quatro Evangelhos*

1. Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus

Da vida de São Mateus, anteriormente chamado Levi, sabemos muito pouco. Ele era um republicano, ou seja, um coletor de impostos em Cafarnaum, até que um dia Jesus o chamou para o apostolado, dizendo simplesmente: 'Segue-me', e Levi 'levantou-se e O seguiu' (Mat 9,9 ). Sua vida apostólica se desenvolveu inicialmente na Palestina, junto com os outros apóstolos e, mais tarde, pregou provavelmente na Etiópia (África), onde parece sofreu também o martírio. Seu corpo é venerado na Catedral de Salerno (Itália ) e sua festa é celebrada em 21 de setembro.

São Mateus foi o primeiro a escrever a Boa Nova em forma de livro, entre os anos 40 e 50 anos da era cristã. Ele foi escrito em aramaico ou siríaco, para os judeus da Palestina que usavam esse idioma. Mais tarde, este Evangelho, cujo texto aramaico se perdeu, foi traduzido para o grego. O propósito de São Mateus foi o de demonstrar que Jesus é o Messias prometido, porque nEle se cumpriram as profecias dos profetas. Para os seus leitores imediatos, não havia melhor prova do que esta, que também nós experimentamos ao ler seu Evangelho, tão vigoroso no exercício dessa comprovação.

2. Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos

Marcos, que antes se chamava João, era o filho daquela Maria em cuja casa se reuniam os discípulos do Senhor (Atos 12, 12). É provável que esta mesma casa tenha sido cenário de grandes eventos bíblicos como a Última Ceia e a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Com seu primo Barnabé, e com Marcos, acompanhou São Paulo na sua primeira viagem apostólica até a cidade de Perge, na Panfília (At 13,13). Mais tarde, entre os anos 61 e 63, o encontramos mais uma vez ao lado do Apóstolo dos Gentios, quando este estava preso em Roma.

São Pedro chama de Marcos de 'meu filho' (I Ped 5,13), o que sugere supor que ele foi batizado pelo Príncipe dos Apóstolos. A tradição mais antiga confirma, por unanimidade, que, em Roma, Marcos transmitia ao povo os ensinamentos de seu pai espiritual, escrevendo ali, por volta dos anos 50-60, o seu Evangelho, que é, consequentemente, o de São Pedro. O propósito do segundo Evangelista é mostrar que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que todas as coisas na natureza, e até mesmo os demônios, estão sujeitos a Ele. Por isso, relata principalmente os milagres e a expulsão de espíritos malignos, realizados por Jesus.

O Evangelho de São Marcos é o mais breve dos quatro, apresentando, de forma sintética, muitas passagens dos Sinóticos, embora seja revestido de especial interesse porque narra alguns episódios que lhe são exclusivos únicos e também por fornecer muitas nuances próprias, que permitem compreender melhor os outros Evangelhos. São Marcos morreu em Alexandria do Egito, cuja igreja então governava. Seu corpo é venerado em Veneza, cidade que o tem por patrono.

3. Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas

O autor do terceiro Evangelho, 'Lucas, o médico' (Col 4,14), era um sírio nascido em Antioquia, de família pagã. Ele teve a sorte de ser convertido à fé de Jesus Cristo e encontrar São Paulo, de quem foi companheiro e discípulo fiel durante muitos anos, convivendo com ele até a sua prisão em Roma. De acordo com seu próprio testemunho (Lc 1,3 ) Lucas relatou 'tudo exatamente desde o princípio' e escreveu para deixar a tradição oral registrada (Lc  1,4). 

Não há dúvida de que uma de suas principais fontes de informação foi o próprio Paulo e é muito provável que tenha recebido também informações da Santíssima Mãe de Jesus, especialmente em relação à infância do Senhor, uma vez que Lucas é o único a se referir a ela com algum detalhe. Por seus relatos sobre o menino e sua mãe, foi chamado o 'evangelista da Virgem'. Daí a lenda que atribui a Lucas de ter pintado o primeiro de Maria.

Lucas é chamado também de 'evangelista da misericórdia', por ser o único que nos revela as parábolas do filho pródigo, da dracma perdida, do Bom Samaritano, etc. Este terceiro Evangelho foi escrito em Roma, ao final do primeiro cativeiro de São Paulo, ou seja, entre os anos de 62 e 63. Tem como alvo os cristãos das igrejas fundadas pelo Apóstolo dos Gentios, assim como Mateus dedicou-se mais particularmente a mostrar aos judeus o cumprimento das profecias realizadas em Cristo. Assim, o Evangelho de Lucas contém um relato da vida de Jesus que podemos considerar o mais completo de todos e escrito propositadamente para os que somos cristãos dos gentios.

4. Evangelho de Jesus Cristo segundo São João

São João, natural de Betsaida, na Galileia, era irmão de Tiago Maior, ambos filhos de Zebedeu e Salomé, irmã da Virgem Maria. Por ter sido primeiramente discípulo de São João Batista e buscando de todo o coração o reino de Deus, seguiu depois a Jesus, tornando-se depois o seu discípulo favorito. Da cruz, o Senhor lhe confiou Sua Mãe Santíssima, da qual João, desde então, cuidou como sua própria.

João era aquele discípulo 'a quem Jesus amava' e que, na Última Ceia, 'reclinado ao peito de Jesus' (Jo 13, 23), como um seu amigo coração e testemunha íntima do Seu amor e de Suas dores. Depois da Ressurreição, João  ficou em Jerusalém como uma das 'colunas da Igreja' (Gal 2, 9) e, mais tarde, mudou-se para Éfeso, na Ásia Menor. Banido pelo imperador Domiciano (81-95) para a ilha de Patmos, escreveu ali o Apocalipse. Com a morte do tirano, pôde regressar a Éfeso, sendo ignorados a data e quaisquer detalhes de sua morte (cf. Jo 21,23).

Além do Apocalipse e de três epístolas, compôs, ao final do primeiro século, ou seja, cerca de trinta anos após a Sinópticos e da queda do Templo, este Evangelho que visa fortalecer a fé no messianismo e na divindade de Jesus Cristo, completando, assim, os Evangelhos anteriores, principalmente do ponto de vista espiritual, pelo que tem sido chamado de 'evangelista do amor'. Sua linguagem é a mais culta nos textos sagrados, como evidenciado já no seu prólogo que, pela sublimidade sobrenatural de seu assunto, não tem similar na literatura da humanidade.

(* Excertos da obra 'Santa Bíblia', de Mons. Juan Straubinger, tradução muito famosa da Bíblia em países de língua espanhola)