sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

GLÓRIAS DE MARIA - NOSSA SENHORA DE LOURDES

Em Lourdes, Nossa Senhora apareceu a Bernadette Soubirous, para confirmar o dogma de sua imaculada conceição e para ratificar os valores incomensuráveis da oração, da penitência e da verdadeira vida de devoção a Deus. Nas palavras da própria vidente, eis o relato da primeira de um total de 18 aparições:

'A primeira vez que fui à gruta, era quinta-feira, 11 de fevereiro [quinta-feira anterior à quarta-feira de cinzas]. Após o jantar, saí para recolher galhos secos [a lenha para aquecer a casa simples de sua família havia acabado, durante um período de tempo particularmente frio] com a minha irmã Toinette e uma vizinha chamada Jeanne Abadie. Após procurarmos lenha em outros lugares sem sucesso, nos deparamos com o canal do moinho. Perguntei, então a elas se queriam ver onde a água do canal se encontrava com o Gave [rio Gave]. Elas me responderam que sim. Seguimos o canal do moinho até que nos encontramos diante de uma gruta [gruta de Massabielle], não podendo mais prosseguir.

Jeanne e minha irmã tiraram rapidamente os seus tamancos e atravessaram o fluxo que não era intenso. Após atravessarem o canal, começaram a esfregar os pés, dizendo que a água estava gelada. Isso aumentou a minha preocupação [Bernadette sofria de asma e não podia se expor à friagem]. Chegou a pedir a Jeanne [maior e mais forte que ela] para levá-la nos ombros, no que não foi atendida: 'Se você não consegue vir, fique aí então!' Apanhando galhos secos ali perto, as duas se afastaram e eu as perdi de vista. Tentei ainda buscar uma passagem mais embaixo sem ter que tirar os sapatos, colocando pedras no canal, mas não consegui passar. 

(gruta à época das aparições; em primeiro plano, o canal que Bernadette não conseguiu atravessar)

Então, regressei diante da gruta e comecei a tirar os sapatos, para fazer a travessia como elas fizeram. Tinha acabado de tirar a primeira meia, quando ouvi um barulho como de uma ventania. Então girei a cabeça para um lado e para o outro e não vi nada, nem nenhum movimento das folhas das árvores. Continuei a tirar os sapatos e nisso ouvi, mais uma vez, o mesmo barulho. Olhando em direção à gruta, vi um arbusto - um único arbusto encravado nas aberturas da rocha - balançando fortemente. Quase no mesmo tempo, saiu do interior da gruta uma nuvem de cor dourada e, logo depois, uma senhora, jovem e muito bonita, como eu nunca tinha visto antes, veio e se colocou na entrada da abertura, suspensa sobre uma roseira [mais tarde, instada a descrever a aparição, Bernadette a descreveu assim: 'Ela tinha a aparência de uma jovem de dezesseis ou dezessete anos e estava vestida com uma túnica branca, um véu também branco, uma cinta azul e os pés desnudos e ornados com uma rosa dourada em cada pé, ambos encobertos pelas últimas dobras do seu manto. Ela segurava na mão direita  um rosário de contas brancas com uma corrente de ouro brilhando como as duas rosas em seus pés]. 


Sorrindo para mim, fez um sinal para que eu me aproximasse. Eu pensei estar sendo vítima de uma ilusão. Esfreguei os olhos; porém, ao olhar outra vez, ela continuava ali e, sorrindo, me deu a entender que eu não estava enganada. Tirei o meu terço do bolso e, caindo de joelhos, tentei rezá-lo. Queria fazer o sinal da cruz, mas não conseguia sequer levar a mão à testa. A senhora fez com a cabeça um sinal de aprovação e, tomando o seu próprio terço, começou a oração e, somente então, pude fazer o mesmo. Assim que fiz o sinal da cruz, desapareceu o grande medo que sentia e fiquei tranquila. Deixou-me rezar o terço sozinha, somente acompanhando as contas com os dedos, em silêncio; somente rezando oralmente o Gloria  comigo, ao final de cada dezena. Ao final da recitação do terço, a senhora voltou ao interior da gruta e a nuvem dourada desapareceu com ela.

Assim que a senhora desapareceu, Jeanne e a minha irmã regressaram, encontrando-me de joelhos no mesmo lugar onde tinham me deixado, fazendo troça da minha covardia. Mergulhei os pés no canal e a água estava bem aquecida e elas aparentemente não se importaram com isso. Perguntei às duas se não haviam visto algo na gruta: 'Não'. Me disseram, então: 'Por que nos pergunta isso?' 'Ó, por nada, por nada', respondi tentando mostrar indiferença. Pensava sem parar em tudo o que tinha acabado de ver. No retorno à casa, diante da grande insistência delas, contei-lhes tudo o que acontecera, pedindo que não dissessem nada a ninguém.


À noite, em casa, durante a oração familiar, fiquei tão perturbada que comecei a chorar. Minha mãe me perguntou qual era o problema. Minha irmã começou a responder por mim e eu fui obrigada a contar os acontecimentos daquele dia. 'São ilusões' - respondeu minha mãe - 'tire essas coisas da cabeça e não volte mais à Massabielle'. Fui dormir, mas eu não conseguia tirar da memória o rosto e o sorriso doce da senhora. Era impossível acreditar que eu podia estar enganada'.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

GALERIA DE ARTE SACRA (XXXI)

 A Virgem com um Peixe (Rafael Sanzio)

'A Virgem com um Peixe' é uma das mais famosas pinturas de Rafael Sanzio (nascido em Urbino em 1483 e falecido em Roma, em 1520), da sua série com pinturas da Virgem Maria e o Menino Jesus. Sentada em um trono, a Virgem segura o Menino Jesus no colo. À esquerda, encontra-se o Arcanjo Rafael que apresenta à Virgem o jovem Tobias, ao qual guiara previamente até o Rio Tigre e que segura o peixe com cujo fel haverá de curar a cegueira do seu pai (Tb 11, 13). À direita, São Jerônimo, vestido de cardeal, tem a Vulgata (Bíblia que traduziu para o latim) aberta nas mãos, aparentemente na passagem do Livro de Tobias. 

O Livro de Tobias é um dos livros deuterocanônicos do Antigo Testamento, possuindo 14 capítulos e 297 versículos, e foi considerado canônico pelo Concílio de Cartago em 397 e reconfirmado por todos os demais concílios. Entre os principais ensinamentos do livro, destacam-se a descoberta da providência divina na vida cotidiana, a fidelidade à vontade de Deus, a prática da esmola, o amor aos pais, a oração e o jejum, a integridade do matrimônio e o respeito pelos mortos. A ênfase é dada ao fato de que o homem justo não vive sozinho: mas está sempre acompanhado pela graça de Deus.

A Verdade das primícias da fé é sempre a mesma, unindo o Antigo (Tobias) e o Novo Testamento (São Jerônimo e a tradução da Bíblia), perpassando por Cristo (que nos redimiu pelo batismo - símbolo do peixe - e nos legou o primado de 'pescadores de homens') e a sua Mãe, medianeira de todas as graças. O Anjo do Senhor revelou-se a Tobias e este foi agraciado com as bênçãos dos Céus depois de muito sofrimento; Jesus se revela por Maria como caminho, verdade e vida para todos os homens, com as mesmas promessas: chega-se ao Céu por meio da superação das vicissitudes, sofrimentos e realidades tremendas dessa vida.

A pintura (215cm x 158cm) data de 1513-1514 e foi encomendada por Geronimo del Doce para a capela de Santa Rosa de Lima no Mosteiro de San Domenico em Nápoles e, mais de cem anos depois, transferida pelo vice-rei espanhol de Nápoles para a Espanha, encontrando-se atualmente no Museu Nacional do Prado, em Madri. São conhecidos dois desenhos prévios da obra, disponíveis atualmente em Florença na Itália e em Edimburgh, na Escócia.

(Esboço da obra - giz vermelho sobre papel branco - Florença / Itália)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

08 DE FEVEREIRO - SANTA JOSEFINA BAKHITA


A primeira santa africana nasceu numa aldeia próxima a Dardur, no Sudão, por volta de 1869 – ela mesma não sabia a data precisa. Raptada por traficantes de escravos aos nove anos de idade, foi trancada inicialmente em um quarto escuro e miserável, depois espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, padecendo todo tipo de humilhação e selvageria nas mãos dos seus senhores. Este martírio atroz desde tenra idade roubou-lhe o próprio nome; o nome Bakhita - 'afortunada' em árabe -  foi-lhe dado pelos próprios traficantes.

Mas o pior dos tormentos ainda estava por vir. Comprada por um general turco, foi submetida a sofrimentos inimagináveis a serviço da mãe e da esposa deste homem, que incluíram dezenas de tatuagens no seu corpo abertas por navalha e que lhe legaram 144 cicatrizes e um leve defeito ao caminhar. A descrição destes tormentos foi assim exposta nas palavras da santa:

'Uma mulher habilidosa nesta arte cruel [tatuagem] veio à casa principal... nossa patroa colocou-se atrás de nós, com o chicote nas mãos. A mulher trazia uma vasilha com farinha branca, uma vasilha com sal e uma navalha. Quando terminou de desenhar com a farinha, a mulher pegou da navalha e começou a fazer cortes seguindo o padrão desenhado. O sal foi aplicado em cada ferida... Meu rosto foi poupado, mas 6 desenhos foram feitos em meus seios, e mais 60 em minha barriga e braços. Pensei que fosse morrer, principalmente quando o sal era aplicado nas feridas... foi por milagre de Deus que não morri. Ele havia me destinado para coisas melhores'.

Em 1882, com o retorno do general à Turquia, Bakhita foi comprada pelo cônsul italiano Calixto Legnani que a tratou como serviçal e não como escrava, sem humilhações e castigos. Diante de uma revolução nacionalista no Sudão, o cônsul retornou à itália levando Bakhita consigo, que foi cedida então a amigos do cônsul, o casal Michieli, em cuja casa começou a morar na região do Veneto, tendo por encargo especial os cuidados da filha do casal, a pequena Mimina. Foi nesta família católica que Bakhita conheceu a revelação de Jesus Cristo, sua flagelação e sua morte de cruz. O caminho de Bakhita estava traçado: da conversão à santidade pela via da caridade e do perdão. 

Em 9 de janeiro de 1890, foi batizada e crismada com o nome de Josefina e recebeu a Sagrada Comunhão das mãos do Patriarca de Veneza. Pouco depois, solicitou seu ingresso no Instituto das Filhas da Caridade, fundado por Santa Madalena de Canossa. Em 8 de dezembro de 1896, em Verona, pronunciou os votos finais de religiosa da congregação. A partir de então, por mais de 50 anos, sua vida foi um ato constante de amor a Deus e à caridade para com todos. Além de operosa nos serviços simples como na sacristia e na portaria do convento, realizou várias viagens através da Itália para difundir a sua missão: a libertação dada a ela pelo encontro com Cristo deveria ser compartilhada com o maior número possível de pessoas; a redenção que experimentara não podia ser guardada como posse, mas levada como sinal de esperança para todos.


Em 8 de fevereiro de 1947, após muito sofrimento de doenças como bronquites e pneumonias, a Irmã Josefina faleceu no convento canossiano de Schio, com a idade de 78 anos. Na hora da sua morte, seu semblante pareceu iluminar-se e exclamou com alegria suas últimas palavras 'Como estou contente! Nossa Senhora, Nossa Senhora!' A Irmã Moretta - a Irmã Morena - como era carinhosamente conhecida entregava serenamente a sua alma ao Senhor, rodeada pela comunidade em pranto e em oração. Seu corpo foi enterrado originalmente na capela de uma família de Schio, para um sepultamento definitivo posterior no Templo da Sagrada Família. Quando isso foi finalmente preparado, verificou-se que o corpo de Bakhita estava incorrupto, sendo o mesmo sepultado então sob o altar da igreja do mesmo convento. Em 17 de maio de 1992 foi beatificada e, em 1º de outubro de 2000, foi elevada à honra dos altares e declarada santa pelo Papa João Paulo II.

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

TESOURO DE EXEMPLOS (128/130)


128. OLHAI PARA O ALTO

Santo Afonso, um dos homens mais santos e sábios, gostava de recordar o seguinte fato. Caminhavam por montes e vales uns homens ricos e amigos dos prazeres. Eram caçadores? Não sabemos; o certo é que se internaram pela floresta adentro e, no meio dela, entre as árvores frondosas, encontraram uma choupana. Aproximaram-se e dentro dela viram um anacoreta, cujo rosto era o retrato de uma alma que gozava de paz.
➖ Irmão - perguntaram aqueles senhores - o que fazes aqui?
➖ Irmãos - respondeu o ermitão - vim procurar a felicidade.
➖ A felicidade? Nós gozamos da abundância das riquezas; corremos de diversão em diversão e, contudo, não pudemos achar a felicidade; e tu a procuraste aqui?
➖ Aqui a procurei e aqui a encontrei.
➖ Encontraste mesmo a felicidade?
➖ Sim; olhai por esta janelinha da minha choupana. Por aí se vê a minha felicidade.

Os caçadores precipitaram-se para a janelinha e olharam ansiosos. Em seguida, mal-humorados, disseram:
➖ Irmão, enganaste-nos como um velhaco.
➖ Nunca, nunca - replicou o santo solitário; é porque não olhastes bem; tornai a olhar. Garanto que por aí se vê a minha felicidade.

Pela segunda vez chegaram-se os homens à janelinha, olharam por todos os lados e, agastados, disseram:
➖ Irmão, pela segunda vez nos enganaste. És um impostor.
E o solitário, com aquele ar de paz que nunca o abandonava, responde:
➖ Irmãos, não olhais bem. Asseguro-vos que não vos engano: olhai melhor, pois garanto que daí se vê a minha felicidade.

Os homens, desejosos de descobrir a felicidade, olharam, tornaram a olhar para baixo, para cima, para os lados e, por fim, disseram:
➖ Irmão, não nos enganes mais. Por aqui não se vê nada; apenas um pedacinho do céu...
➖ Isso, isso - exclamou radiante da alegria o ermitão - isso, isso. Aí está a minha felicidade. Quando tenho algum sofrimento, quando a dor me atormenta, contemplo esse pedacinho de céu e digo a mim mesmo: tudo passa; dentro em pouco estarei no céu e a alegria enche a minha alma.

Esse solitário era Santo Antão. Havia ido para o deserto em busca da felicidade. Passou os longos anos de sua vida em orações e penitências. Olhava para o alto e via um pedacinho do céu! Teve lutas terríveis com o espírito do mal; não via o fim daquela guerra; mas olhava para o alto, e via um pedacinho do céu!

Sofreu fome, calor, sede; a carne pedia comodidade, o cilício atormentava-o, molestava-o a pobreza do hábito. Olhava para o alto e via um pedacinho do céu! Passaram-se os dias e passaram-se os anos. Olhava sempre para o alto, e o pedacinho do céu parecia-lhe cada vez mais próximo, cada vez maior. Afinal, um dia não viu mais a terra, não viu mais o deserto. Ante seus olhos surgia uma cidade fantástica. Aquilo era a terra da promissão, era a pátria de Deus, era o que tantas vezes vira de longe: o céu! o céu! E a alma de Santo Antão, que vivera para Deus, para a oração, para a penitência, para a santidade, para o céu, entrava gloriosa no paraíso...

129. A MENINA QUE REZAVA PELOS AVIADORES

Do alto do púlpito, um dos mais famosos oradores contemporâneos da Espanha dirigia a sua palavra eloquente a um seleto auditório. Era na festa de Nossa Senhora de Loreto e ele falava aos aviadores que a haviam escolhido por padroeira. Falou-lhes assim:

'Aviadores de minha pátria, ainda vos lembrais? Era nos primeiros dias do nosso movimento contra o comunismo. Vós, todas as manhãs, em vossos aviões de bombardeio, em formação impecável, voáveis sobre as terras de Castela e, ousados e destemidos, internando-vos nas zonas montanhosas de Biscaia, íeis romper com vossas bombas o cinturão de ferro de Bilbao.

O que, porém, não sabeis é que ali, nas margens do Ebro, todos os dias, guardando o seu rebanho, estava uma menina que não passaria dos onze anos. Ao ver-vos ficava emocionada: ajoelhava-se, e com as mãos postas, rezava a Nossa Senhora por vós para que triunfásseis sobre os inimigos de Deus e da Espanha, e para que não sofrêsseis nenhuma desgraça. E quando em vossos aviões desaparecíeis ao longe, a menina, sempre de joelhos, levava os dedos da mão direita à boca, imprimia neles um beijo e o mandava a vós, heróis da pátria e soldados da fé.

Os aviões tinham já desaparecido e a menina continuava ainda de joelhos rezando por vós. Graças a Deus estais com vida. Não deveis - quem sabe? - a vossa vida às orações daquele anjo de onze anos que guardava seu rebanho de ovelhas em terras de Castela?'

E aqueles frios aviadores, acostumados a desafiar a morte e a permanecer tranquilos e calmos no meio dos tremendos perigos dos ares, choravam como crianças.

130. CALVÁRIO DE UMA MÃE

Quereis um exemplo de paciência e resignação de uma mãe sublime e heroica? Foi sempre boa aquela senhora. Nascera na pobreza e, nos trabalhos dos campos, passara os anos da juventude. Quando estava para completar vinte e cinco anos, casou-se com um moço bom como ela, e, como ela, lavrador de pobres campos, que eram toda a sua fazenda.

Tiveram cinco filhos: três meninos e duas meninas. Estavam todos ainda na infância, quando lhes morreu o pai. A pobre viúva pôs a sua confiança naquele Senhor que nos livros sagrados se chama a si mesmo 'consolo e amparo das viúvas'. E não esperou em vão. Trabalhou muito a pobre mãe; mas afinal teve a consolação de ver que seus filhos cresciam fortes e bons. Naquela casa não faltava o pão ganho com o trabalho honesto e comido em paz e na graça de Deus.

O mais velho dos filhos disse um dia à mãe: 'Mãe, vou a N. para ver se ganho algum dinheiro para nós'. Foi a N. e, poucos dias depois de lá chegar, morreu. Disse o segundo filho: 'Mãe eu não vou a N.; vou à capital à procura de uma colocação para que não tenhas de trabalhar tanto'. E foi à capital; mas apenas lá chegou, pereceu num incêndio.

O terceiro filho disse um dia à mãe: 'Mãe, eu não vou nem a N. e nem à capital; ficarei em casa cultivando nossos pobres campos. Deus jamais nos negará um pedaço de pão'. E um dia subiu a um morro em companhia de um amigo; e este, ao experimentar uma arma, sem querer desfechou-lhe um tiro e o matou; e o pobre ali ficou no meio do caminho estendido e banhado no próprio sangue.

A filha mais velha, derramando lágrimas sobre os finados irmãos, disse à mãe: 'Mãe, que pecado teremos cometido para que Deus nos prove tanto? Vou para o convento'. E para o convento foi e, oito dias, depois a levavam ao cemitério.

Por fim, a última filha, que contaria uns dezesseis anos, disse à mãe: 'Mãe, não chores; enquanto eu viver, não te faltará um pedaço de pão. Vou para a cidade aprender costura e corte'. E foi para a cidade; mas, no primeiro motim comunista, uma bala perdida atingiu a sua cabeça e ela caiu morta.

A mãe não tinha mais lágrimas nos olhos. Inclinava a cabeça, chorava e rezava. Por fim, ficou doente, teve de meter-se na cama, onde, durante anos, dores horríveis não lhe deram descanso. Contudo, a Providência divina não a desamparou: nunca faltaram almas boas que cuidassem dela. Um missionário, que por ali pregava, foi um dia visitá-la. Sentou-se à cabeceira do carte e ela contou-lhe a sua trágica história. Quando terminou, chorava e soluçava.
➖ Filha - disse-lhe o Padre Missionário - estás agora conformada com a vontade de Deus?
➖ Padre - respondeu - já sou velha; já completei oitenta e quatro anos. Oitenta e quatro anos, Padre, dizendo muitas vezes ao dia: 'Faça-se a vossa vontade, assim na terra como no céu'. Virou a cabeça e fixou o crucifixo pendurado à parede. Era Ele a sua única esperança.

Aí tendes uma mulher simples, uma mulher camponesa, que aprendeu, na sua fé e no seu amor a Deus, a lição dificílima da paciência e da conformidade com as penas e as dores desta vida.

(Excertos da obra 'Tesouro de Exemplos', do Pe. Francisco Alves, 1958; com adaptações)

domingo, 6 de fevereiro de 2022

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Vou cantar-Vos ante os anjos, ó Senhor, e ante Vosso templo vou prostrar-me' (Sl 137)

 06/02/2022 - Quinto Domingo do Tempo Comum

11. 'AVANÇA PARA ÁGUAS MAIS PROFUNDAS!' 


'Avança para águas mais profundas' (Lc 5,4). A orientação imperativa de Jesus aos pescadores, às margens do Lago de Genesaré, é um clamor que reverbera a todos os homens de todos os tempos. Que os filhos de Deus manifestem, além dos horizontes estreitos de sua religiosidade comum, a vocação de autênticos apóstolos, movidos na plenitude do amor e da generosidade de corações verdadeiramente cristãos. Não nos basta sermos artífices da graça de Deus em nós; neste quinto domingo do Tempo Comum, Jesus nos convoca a sermos missionários das graças de Deus para a salvação de muitos.

Após uma noite de duro trabalho totalmente infrutífero, os pescadores exaustos sabiam e tinham razões mais do que suficientes para julgar que o pedido de Jesus seria inútil. Com toda a experiência acumulada de anos de pesca naquelas águas, da pescaria mais adequada sob a luz noturna, voltar às águas à luz da manhã parecia um despropósito completo. Pedro, no entanto, abre mão do seu conhecimento especializado e do seu juízo dos fatos, em obediência e em generosa confiança às palavras do Mestre: 'Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes' (Lc 5, 5). Naquele pescador de lida bruta, Jesus divisou a alma do verdadeiro apóstolo! E o milagre dos peixes antecipou o milagre da salvação dos homens.

Quanto trabalho e esforço em vão dispensaram tantos pescadores naquela noite sem resultados... E, certamente, eles eram os mais preparados e os mais qualificados para a tarefa. Não são assim as práticas daqueles que se vêem em suas obras? Que partilham com os outros sua diligência e disponibilidade como senhores dos seus dons? E, por mais que julguemos tais obras meritórias do ponto de vista das concepções humanas, são apenas trabalho e esforço vão de pescadores qualificados e disponíveis. Porque foi o próprio Cristo quem nos alertou: 'Sem mim, nada podeis fazer' (Jo, 15,5). E nada é nada mesmo. Sem a reparação infinita por Jesus Cristo, qualquer atitude nossa, por maior que seja sua relevância e excepcionalidade, torna-se meramente figurativa e essencialmente insignificante, porque moldada na superficialidade dos valores humanos.

Eis porque se impõe o avanço confiante às águas mais profundas, para ir ao encontro de tantos que estão perdidos no submundo das drogas, do aborto e do hedonismo, nas trevas do pecado, submersos no emaranhado de tantas consciências afastadas de Deus, na miséria do ateísmo e da indiferença religiosa. Em águas profundas, com Cristo, por Cristo e em Cristo, um nosso ato de generosidade confiante é capaz de produzir prodígios, um nosso ato de amor tem o poder de operar milagres! E, feitos apóstolos dos nossos dias, como Pedro e os homens à beira do Lago de Genesaré, poderemos ser também pescadores de homens! E, como eles, seremos aqueles outros que 'levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus' (Lc 5,11).

sábado, 5 de fevereiro de 2022

COMO A IGREJA CANONIZA OS SANTOS

Ninguém, por santo que seja, mesmo fazendo milagres, pode ser canonizado durante a vida, porque, sujeitos às fraquezas humanas, aqueles que hoje estão de pé, podem cair amanhã. São Paulo avisa-nos com muita razão que aquele que julgar estar de pé, tome cuidado para não cair (I Cor 10, 12).

É preciso, pois, morrer antes... porém, não é a morte que traz a santidade, mas sim a vida que deve dá-la. É durante a vida que o homem deve praticar as virtudes que fazem os santos. Morrendo uma pessoa, com reputação de virtude extraordinária, a Igreja, com uma prudência consumada, não permite que seja logo considerada, nem invocada como santa.

Ela exige que o santo demonstre, ele mesmo, do alto do Céu, a virtude da sua vida, fazendo milagres ou melhor, a Igreja espera que Deus manifeste a santidade de uma pessoa, comunicando-lhe o dom de milagres. 

E fazendo milagres, uma pessoa é canonizada, santa? Nada! É apenas a entrada, é o primeiro passo. Fora os casos excepcionais, nenhum santo é canonizado antes de 50 anos depois de morto; a Igreja quer provas, provas palpáveis e irrefutáveis.

E aqui começa o processo de canonização, processo longo, minucioso, rigoroso. Primeiro, a Igreja ordena ao bispo do lugar que organize um Tribunal Diocesano. Este tribunal recolhe todos os documentos deixados pelo finado, interroga os sobreviventes, examina os escritos, verifica os fatos e os milagres, examina a heroicidade das virtudes praticadas, e, após anos de indagações e de investigações, recolhe todos os documentos pró e contra, e remete-os a Roma.

Uma comissão de cardeais e teólogos é nomeada pelo Soberano Pontífice para examinar os escritos, as virtudes e os milagres do servo de Deus. Passam-se meses e anos. Tudo é examinado e discutido. Havendo fatos sólidos e virtudes extraordinárias, a comissão nomeia o advogado ou defensor da causa e o seu contraditor.

Ambos fazem um estudo sobre os três pontos em questão: Doutrina, Virtudes e Milagres; porém, fazem-no num sentido oposto. O Defensor procura provar a ortodoxia da doutrina do servo de Deus, as suas virtudes e o valor dos milagres feitos por ele, depois da morte. O Contraditor, sempre apoiado sobre os documentos, procura rebater as asserções do primeiro e mostrar o lado fraco da doutrina, das virtudes e dos milagres aduzidos.

Após várias reuniões, em presença de teólogos e outros sábios, a questão é resolvida favorável ou desfavoravelmente. Averiguando-se a absoluta ortodoxia da doutrina, a heroicidade das virtudes praticadas, o servo de Deus sai vencedor no primeiro exame.

Averiguando-se a certeza absoluta de um milagre, provado, autêntico, a Igreja proclama o servo de Deus como Venerável. Depois disso, espera-se mais uns anos. Havendo outros milagres, ficam submetidos ao exame e às discussões da comissão, e averiguado mais outro milagre, provado, autêntico, o venerável recebe o título de Bem Aventurado ou Beato.

Novamente demora-se alguns anos. Se o bem aventurado continuar a fazer milagres, a comissão examina-os de novo, com o mais extremo rigor, e sendo o terceiro milagre provado autenticamente, o Soberano Pontífice lavra o decreto definitivo de canonização.

Usando de seu privilégio de infalibilidade, pela assistência do Espírito Santo, ele proclama a absoluta retidão de doutrina, a heroicidade das virtudes e a autenticidade pelo menos de três milagres, dando ao bem aventurado o título glorioso de SANTO. Eis como a Igreja canoniza os santos*.

* não tem seguido esse rito rigoroso alguns processos de canonização feitos pela Igreja em períodos mais recentes.  

(Pe. Júlio Maria de Lombaerde na obra 'O Cristo, o Papa e a Igreja', de 1940)