domingo, 14 de agosto de 2016

FOGO SOBRE A TERRA

Páginas do Evangelho - Vigésimo Domingo do Tempo Comum


'Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso!' (Lc 12, 49). Com palavras tão incisivas, Jesus proclama as bem aventuranças da graça. Jesus vem à Terra como um incêndio de amor e purificação, para calcinar o pecado e tornar novas todas as coisas. É um fogo não de expiação, mas de santidade, de caridade, de libertação. No mistério da Redenção de Cristo, não somos apenas mais homens, mas nos tornamos co-herdeiros da própria divindade do Pai.

Mistério dos mistérios: por meio dos méritos infinitos da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a natureza humana se funde à divina em uma só Pessoa numa efusão de amor absoluto que tem as dimensões de um fogo abrasador. E para que esse fogo seja aceso e possa se propagar pelo mundo inteiro, é preciso que o Senhor passe por um batismo de dor e sofrimento inimagináveis; é preciso que o sacrifício do Filho de Deus feito homem se manifeste no Calvário para que seja acesa a pira do incêndio de amor divino derramado sobre a humanidade pecadora.

Esse fogo de amor exige restauração e não cumplicidade com a tolerância ao pecado: 'Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão' (Lc 12, 51). A paz desejada e incensada pelo mundo se atém às primícias do convívio harmônico subjugado pelo respeito humano e por etiquetas sociais. A tolerância do mundo, a convivência do mundo, a paz do mundo, estão assentes em valores puramente humanos e sociais. O fogo divino calcina todos estes valores e impõe uma nova atitude e um novo dogma: a paz verdadeira nasce e se alimenta da Verdade que é Cristo!

E se esse fogo do amor divino não é aceso, o homem submerge no pecado e a graça se esvai sem produzir nenhum fruto, por maior que seja a utópica felicidade humana dos que a vivem. O mal toma posse de tudo e a partilha da graça é então substituída pela miséria dos instintos: 'daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra (Lc 12, 52 - 53). Que os cristãos não se escondam sob estes escombros, mas que estejam sempre de pé e confiantes diante da Luz que emana de Cristo. E que os nossos corações sejam fornalhas ardentes para acolher e propagar o fogo purificador de Cristo sobre a face da Terra.

sábado, 13 de agosto de 2016

O QUE É A VERDADE?

1. 'Que é a Verdade?' (Jo 18, 38): assim Pilatos questionou Jesus antes de entregá-lo à sanha dos seus assassinos.

2. Pilatos, na verdade, não queria uma resposta de Jesus: 'Falando isso, saiu de novo, foi ter com os judeus...' (Jo 18, 39). Ele sentia apenas desprezo naquele momento e sua pergunta apenas refletia as trevas dos seus sentimentos mundanos. Não havia sido propriamente uma pergunta, mas uma declaração de desprezo. Nunca nenhum homem chegou tão perto da Verdade e nunca foi tão infame em desprezá-la. 

3. Jesus, entretanto, havia respondido a questão antes mesmo que fosse pronunciada: 'Todo o que é da verdade ouve a minha voz... Mas o meu Reino não é deste mundo' (Jo 18, 37, 36). A Verdade é Cristo e a sua Igreja e têm os seus frutos na eternidade. 'A doutrina da fé revelada por Deus não foi proposta ao espírito humano como doutrina filosófica que o homem tivesse de aperfeiçoar, mas foi confiada à Esposa de Cristo como depósito divino que Ela deve conservar fielmente e apresentar sem erro algum' (Denzineor, Enehiridion, 1800).

4. Por não ser o reino de Cristo desse mundo, o mundo será sempre hostil à Verdade, conforme a própria profecia de Simeão no Templo: 'Eis que este menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições...' (Lc 2, 34 - 35). E assim também a Igreja, em nome da Verdade que possui por primazia e privilégio absolutos, será sempre um sinal de contradição e de escândalo para o mundo por pregar uma doutrina e uma moralidade que o mundo há de sempre rejeitar.

5. O mundo prega valores do mundo: a tolerância do mundo, a convivência do mundo, a paz do mundo. Valores falsos, porque impõem o falso conceito de que é preciso abrir mão da verdade, que passa a ser entendida e analisada como um parâmetro relativo, ao sabor da interpretação subjetiva de cada um e de todos. A verdade do mundo, subjugada pelo relativismo e pelos modismos dos tempos, é tão somente uma aberração comum, que tem por frutos o ceticismo, o indiferentismo religioso, o embotamento espiritual, a tolerância covarde, o bem viver com todos, a felicidade ecumênica. Mas, se este fosse o ideal humano, porque Cristo nos recomendaria o contrário tão enfaticamente: 'Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação' (Lc 12, 51). 

6. Quando a Igreja abraça o mundo, ela vai de encontro à Verdade. Não há conciliação possível entre um mundo que quer a paz dos homens e a Igreja que prega a Verdade que é Cristo, pois também ela, por herança, é sinal de contradição e separação deste mesmo mundo. A Verdade não estabelece ideais, conselhos, regrinhas de convivência ecumênica. A Verdade estabelece convicções, dogmas, mandamentos. A Verdade não faz concessões, não se molda por casuísmos e favores, não comporta meias-verdades, não se divide em partes e nem se refaz nos tempos, porque é sempre o mesmo todo, indissolúvel e eterna.

7. A Verdade é tudo o que procede de Cristo e da Igreja com Cristo, derramada sobre aqueles que, sendo cristãos no mundo, esperam o reino que não é deste mundo. O mais é apenas a miserabilidade quase infinita dos homens que se iludem na utopia de viver as suas próprias verdades.

(Arcos de Pilares)




AS OITO BEM AVENTURANÇAS DAS INDULGÊNCIAS

Em primeiro lugar, por terem relação com o pecado, com a Justiça de Deus e com a pena temporal devida ao pecado, as indulgências conservam em nós certos pensamentos que pertencem à fase da purificação, o que para nós é salutar, embora desejemos com impaciência ir adiante e livrar-nos deles.

Em segundo lugar, produzirão em nós a feliz disposição de nos afastar deste mundo: conduzem-nos a um mundo invisível; cercam-nos de imagens sobrenaturais; infundem em nosso espírito uma ordem de idéias que nos desapega das coisas mundanas e exprobra os prazeres terrestres. 

Em terceiro lugar, guardam continuamente diante de nós a doutrina do Purgatório, e assim nos obrigam ao constante exercício da fé e ao mesmo tempo nos sugerem motivos de um santo temor. 

Em quarto lugar, fazem-nos praticar para com os fiéis falecidos o exercício da caridade, que facilmente chegará ao heroísmo, estando assim ao alcance dos que não podem fazer outras esmolas, e produz deste modo em nossa alma os efeitos que acompanham as obras de misericórdia.

Em quinto lugar, a glória de Deus tem muito interesse nas indulgências, por uma dupla razão: porque libertam as almas do Purgatório, apressando a sua entrada na corte celestial, e porque patenteiam especialmente algumas das perfeições divinas, tais como a sua infinita pureza, seu ódio ao pecado ainda mesmo ínfimo, e o rigor da sua justiça, aliada à mais engenhosa misericórdia. 

Em sexto lugar, elas prestam homenagem às satisfações que Jesus ofereceu por nós. São para estas satisfações o que para os seus méritos é a doutrina de que todo pecado não é perdoado senão devido a Ele. Portanto podemos dizer que, aproveitando d’Ele e dos seus méritos o mais possível, as indulgências realçam a copiosidade da Redenção. Honram também as satisfações da Virgem Maria e dos santos, de modo a honrar mais ainda a Jesus.

Em sétimo lugar, elas nos dão uma ideia mais séria do pecado e aumentam o horror que lhe temos. Com efeito, as indulgências lembram-nos constantemente a verdade de que o castigo é devido mesmo ao pecado perdoado, que este castigo é terrível ainda mesmo que seja apenas por algum tempo, e que só é possível livrar-nos dele pelas satisfações de Jesus.

Em oitavo lugar, elas nos mantêm em harmonia com o espírito da Igreja, o que é de suma importância para os que se esforçam por levar uma vida devota e caminham entre as dificuldades do ascetismo e da santidade interior. 

Depreciar as indulgências é um sinal de heresia, e o ódio que esta lhes vota é um indício de que o demônio as detesta, e isto mostra o valor do poder delas diante de Deus e da sua aceitação por parte d’Ele. Elas estão envolvidas em tantas particularidades da Igreja, desde a jurisdição da Santa Sé até à crença no Purgatório, nas boas obras, nos santos e na satisfação [das penas devidas ao pecado], que são, de certo modo, o sinal inconfundível da nossa ortodoxia [isto é, da nossa catolicidade]. A infeliz história dos erros que a Igreja sofreu a respeito da vida espiritual nos mostra que, para sermos verdadeiramente santos, devemos ser verdadeiramente católicos e católicos romanos, pois fora de Roma não pode haver nem catolicismo, nem santidade alguma.

Além do que, as devoções indulgenciadas oferecem em si a seguinte vantagem: temos certeza de que são mais que aprovadas pela Igreja. Sabemos que no mundo numerosas almas piedosas as empregam todos os dias, e unindo-nos a elas participamos mais inteiramente da Comunhão dos Santos e da vida da Igreja, que constitui sua unidade. Por todas as razões que enunciei, o emprego das indulgências espiritualiza cada vez mais a nossa alma a aviva a nossa fé. 

Elas nos levam a rezar como quer a Igreja e sobre assuntos por ela indicados, e assim podemos alcançar muitos fins ao mesmo tempo. Pois pelo mesmo ato não somente rezamos, como fazemos ato de veneração às chaves da Igreja, honramos a Jesus, Sua Mãe e os Santos, evitamos o castigo temporal que nos é devido, ou, o que é ainda melhor, libertamos os mortos [do Purgatório] e assim glorificamos a Deus. Podemos ainda verificar que, ao percorrermos as devoções indulgenciadas, transferimos para o nosso espírito muita doutrina tocante, que serve de alimento à oração mental e a um amor cheio de reverência.

(Excertos da obra 'O Progresso na Vida Espiritual', do Pe. Frederick Faber)

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

AS CINCO VIAS DA PENITÊNCIA


Indicamos cinco vias de penitência: primeira, reprovação dos pecados; a segunda, o perdão das faltas do próximo; terceira, a oração; quarta, a esmo­la; quinta, a humildade.

É a seguinte a primeira via da penitência: a reprovação dos pecados: 'Sê tu o primeiro a dizer teus pecados para seres justificado' (Is 43, 25-26). O Profeta tam­bém dizia: 'Disse, confessarei contra mim mesmo minha injustiça ao Senhor, e tu perdoaste a impie­dade de meu coração' (Sl 31, 5). Reprova também tu aquilo em que pecaste; basta isto ao Senhor para desculpar­-te. Quem reprova aquilo em que pecou, custará mais a recair. Excita o acusador interno, tua cons­ciência, não venhas a ter acusador lá diante do tri­bunal do Senhor.

Esta primeira é ótima via de penitência. A seguinte não lhe é nada inferior: não guardemos lembrança das injúrias recebidas dos inimigos, dominemos a cólera, perdoemos as faltas dos companheiros. Com isso, aquilo que se cometeu contra o Senhor será perdoado. Eis outra expiação dos pecados. 'Se perdoardes aos vossos devedores, também vos perdoará vosso Pai celeste' (Mt 16, 6).

Queres saber a terceira via de penitência? Oração ardente e bem feita, que brote do fundo do coração. Se ainda uma quarta desejas conhecer, chamá-la-ei de esmola; possui muita e poderosa força. E ser modesto no agir e humilde, isto, não menos que tudo o mais, destrói os pecados. Testemunha é o publicano que não podia citar nada de feito com retidão, mas em lugar disto ofereceu a humildade e depôs pesada carga de pecados.

(Das Homilias de São João Crisóstomo)

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

BREVIÁRIO DIGITAL - ANNE DE BRETAGNE (II)

LIVRO DE ORAÇÕES DE ANNE DE BRETAGNE* (1477 - 1514) - PARTE II

* esposa de dois reis sucessivos da França, Charles VII e Luís XII


AUTORIA DAS ILUMINURAS: JEAN POYER 



I.6 - O Apóstolo João e o Profeta Zacarias: o apóstolo é representado em trajes coloridos, com um cálice de ouro na mão, símbolo que faz referência ao fato de ter permanecido ileso depois de ter sido forçado a beber um cálice de veneno mortal. O profeta Zacarias, a exemplo de todos os demais profetas expostos nas iluminuras, segura  na mão direita um rolo de pergaminho.



I.7 - O Apóstolo Tomé e o Profeta Oséias: o apóstolo, representado empunhando uma lança, símbolo do seu martírio, conversa amistosamente com o profeta, que tem a seguinte inscrição no seu rolo de pergaminho: O mors ero mors tua morsus  — Ó morte, eu serei a tua morte.


I.8 - O Apóstolo Filipe e o Profeta Amós: o apóstolo, segurando firmemente uma cruz em forma de Tau (símbolo do seu martírio por apedrejamento após ser preso a uma cruz desta forma), conversa com o profeta, que segura um rolo de pergaminho e que é representado com a cabeça envolta por um turbante.


I.9 - O Apóstolo Bartolomeu e o Profeta Malaquias: o apóstolo parece estar lendo as palavras que estão inscritas no rolo de pergaminho que foi desenrolado pelo profeta, enquanto segura nas mãos um Livro do Novo Testamento e um alfange (adaga curva), símbolo do seu martírio por esfolamento.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

CARTA DO ASSASSINO DE SANTA MARIA GORETTI


Tenho agora quase 80 anos. Estou perto do fim dos meus dias. Olhando para o meu passado, reconheço que na minha juventude eu segui um mau caminho, um caminho que levou à minha ruína.

Através das revistas, dos espetáculos imorais e dos maus exemplos na imprensa, eu vi a maioria dos jovens da minha idade seguir o caminho do mal sem pensar duas vezes. Despreocupado, eu fiz a mesma coisa. Havia fiéis e cristãos verdadeiramente praticantes à minha volta, mas eu não lhes dava importância. Eu estava cego por um impulso bruto que me empurrava para uma forma errada de vida.

Com a idade de 20 anos, eu cometi um crime passional, cuja memória ainda hoje me horroriza. Maria Goretti, hoje uma santa, foi o bom anjo que Deus colocou no meu caminho para me salvar. As palavras dela, tanto de repreensão como de perdão, ainda hoje estão impressas no meu coração. Ela rezou por mim, intercedeu pelo seu assassino. Quase 30 anos de prisão se seguiram. Se eu não fosse menor de idade, pela lei italiana, eu teria sido condenado à prisão perpétua. No entanto, eu aceitei a pena como algo que eu merecia.

Resignado, eu expiei pelo meu pecado. A pequena Maria foi verdadeiramente a minha luz, a minha proteção. Com a ajuda dela, eu cumpri bem esses 27 anos na prisão. Quando a sociedade me aceitou de volta entre os seus membros, eu procurei viver de forma honesta. Com caridade angélica, os filhos de São Francisco, os frades capuchinhos menores, receberam-me entre eles, não como servo, mas como irmão. Tenho vivido com eles há 24 anos. Agora eu olho serenamente para o dia em que serei admitido à visão de Deus, para abraçar os meus entes queridos mais uma vez, e para ficar próximo do meu anjo da guarda, Maria Goretti, e a sua querida mãe, Assunta.

Que todos os que vierem a ler esta carta desejem seguir o santo ensinamento de fazer o bem e evitar o mal. Que todos possam acreditar, com a fé dos pequeninos, que a religião e os seus preceitos, não são algo que se possa prescindir. Pelo contrário, é o verdadeiro conforto e a única via segura em todas as circunstâncias da vida, mesmo nas mais dolorosas.

Paz e bem.


Alessandro Serenelli
Macerata, Itália - 5 de Maio de 1961

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

DA VIDA ESPIRITUAL (91)

Com os rins cingidos! Eis a expressão algo incomum que os textos bíblicos, na sua essência grandiosa, nos revela o imperativo de estarmos sempre prontos! Com os rins cingidos pelo cinto afivelado, etapa que complementa o ato da vestimenta. Sim, estamos vestidos, estamos liberados, estamos prontos! A que horas chegará o Senhor da vinha? Pela manhã, à meia noite ou de madrugada? Não importa; estamos prontos, com os rins cingidos. Como órfãos da Luz, mas incensados pela fé, estaremos sempre prontos para receber o Senhor Que Vem.