quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

'EU SOU O TEU DEUS'


Nada temas, porque estou contigo, não lances olhares desesperados, pois eu sou teu Deus; eu te fortaleço e venho em teu socorro, eu te amparo com minha destra vitoriosa.


Vão ficar envergonhados e confusos todos aqueles que se revoltaram contra ti; serão aniquilados destruídos aqueles que te contradizem;


em vão os procurarás, não mais encontrarás aqueles que lutam contra ti; serão destruídos e reduzidos a nada aqueles que te combatem.


Pois eu, o Senhor, teu Deus, eu te seguro pela mão e te digo: 'Nada temas, eu venho em teu auxílio'.

(Is 41, 10-13)

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

O DOGMA DO PURGATÓRIO (XXI)

Capítulo XXI

Diversidade das Dores - Blasio Ressuscitado dos Mortos por São Bernardino - Venerável Francisca de Pamplona e as Penas do Fogo - São Corpreus e o Rei Malaquias 

O célebre Blasio Massei, ressuscitado dos mortos por São Bernardino de Sena, viu que havia uma grande diversidade nas penas do Purgatório. O relato desse milagre é transcrito detalhadamente na Acta Sanctorum. Pouco tempo depois da canonização de São Bernardino de Sena, morreu em Cássia, no reino de Nápoles, uma criança de onze anos, chamada Blasio Massei. Seus pais o inspiraram com a mesma devoção que eles próprios tinham para com este novo santo, e este não tardou em recompensá-los. 

No dia seguinte à sua morte, quando o corpo estava sendo levado para a sepultura, Blasio acordou como de um sono profundo e disse que São Bernardino o restaurou à vida, para relatar as maravilhas que o santo lhe havia mostrado no outro mundo. Podemos compreender facilmente a curiosidade que este evento produziu. Durante um mês inteiro, o jovem Blasio não fez outra coisa senão falar do que viu e responder às perguntas que lhe faziam os visitantes. Ele falava com a simplicidade de uma criança, mas ao mesmo tempo com uma precisão de expressão e um conhecimento das coisas da outra vida muito acima de sua idade.

No momento de sua morte, disse ele, São Bernardino apareceu-lhe e, tomando-o pela mão, lhe disse: 'Não tenha medo, mas preste muita atenção ao que vou lhe mostrar, para que se lembre, e depois seja capaz de relatá-lo'. Assim o santo conduziu o seu jovem protegido sucessivamente para as regiões do Inferno, do Purgatório e do Limbo e, finalmente, permitiu que ele pudesse ver também o Paraíso.

No Inferno, Blasio viu horrores indescritíveis e as diversas torturas pelas quais os orgulhosos, os avarentos, os impuros e outros pecadores são atormentados. Entre eles reconheceu vários que tinha conhecido em vida, e chegou a testemunhar a chegada ali de dois recém-falecidos, Buccerelli e Frascha. Este último foi condenado por ter mantido bens ilícitos em sua posse. O filho de Frascha, atingido por esta revelação como por um raio, e conhecendo bem a verdade destes fatos, apressou-se a fazer a restituição completa das posses e, não contente com este ato de justiça, para não se expor um dia a vir compartilhar a triste sorte do seu pai, distribuiu o resto de sua fortuna aos pobres e abraçou a vida monástica.

Conduzido então ao Purgatório, Blasio viu ali os mais terríveis tormentos, variados de acordo com os pecados dos que eram punidos. Ele reconheceu um grande número de almas, e várias imploraram-lhe para informar os seus pais e parentes sobre a sua condição de sofrimento, indicando inclusive os sufrágios e boas obras de que necessitavam. Quando interrogado sobre o estado de uma alma que partira, ele respondeu sem hesitação e deu os detalhes mais precisos. 'Seu pai' -  disse ele a um de seus visitantes - 'está no Purgatório desde aquele dia e ele cobrou de você que pagasse tal quantia em esmolas, que você se esqueceu de fazê-lo'. 'Seu irmão' - disse ele a outro 'pediu que você mandasse celebrar tantas missas como você havia concordado em fazer mas não cumpriu o seu compromisso; e tantas missas ainda precisam ser feitas nesta intenção'.

Blasio também falava do Paraíso, último lugar para onde fora levado; mas falava quase como São Paulo que, tendo sido arrebatado ao terceiro céu, se com o seu corpo ou sem o seu corpo que ele não reconhecia, ouviu palavras misteriosas que nenhuma língua mortal poderia repetir. O que mais chamou a atenção do menino foi a imensa multidão de anjos que rodeava o trono de Deus e a beleza incomparável da Bem Aventurada Virgem Maria, elevada acima de todos os coros de anjos.

A vida da Venerável Madre Francisca do Santíssimo Sacramento, religiosa de Pamplona (La Vie par le F. Joachim; cf. Merv., 26), apresenta vários fatos que mostram como as penas do Purgatório são inerentes às faltas a serem expiadas. Esta venerada serva de Deus tinha a comunicação mais íntima com as almas do Purgatório, de modo que estas vinham em grande número e tomavam a sua cela, esperando humildemente cada uma, por sua vez, para serem assistidas pelas suas orações. Frequentemente, para mais facilmente excitar a sua compaixão, elas apareciam ornadas com os instrumentos dos seus pecados, agora tornados instrumentos de sua tortura. Um dia ela viu um religioso rodeado por móveis muito caros, como quadros, poltronas, etc., envoltos em chamas. Ela havia recolhido essas coisas em sua cela, contrariando o voto de pobreza religiosa e, depois de sua morte, tornaram-se o seu tormento.

Um notário apareceu a ela um dia com todas as insígnias de sua profissão. Estando amontoadas ao seu redor, as chamas que saíam de lá causaram-lhe o mais intenso sofrimento. 'Usei esta caneta, esta tinta, este papel' - disse ele - 'para elaborar escrituras ilegais. Também tinha paixão pelo jogo e essas cartas que sou forçado a ter continuamente em minhas mãos constituem agora o meu castigo. Esta bolsa flamejante contém os meus ganhos ilegais e agora tenho de expiá-los'. De tudo isso devemos tirar grande e salutar instrução. As criaturas são dadas ao homem como um meio de servir a Deus; eles devem ser os instrumentos da virtude e das boas obras. Se ele abusar delas e torná-los instrumentos do pecado, é justo que se voltem contra elas e se tornem os instrumentos do seu castigo.

A Vida de São Corpreus, um bispo irlandês, que encontramos nos Bolandistas [Acta Sanctorum, publicada por esta comunidade de jesuítas desde 1643] em 6 de março, nos fornece outro exemplo do mesmo tipo. Um dia, enquanto este santo prelado estava em oração após o Ofício, ele viu aparecer diante dele um espectro horrível com semblante lívido, uma coleira de fogo em volta do pescoço e, sobre os ombros, um manto miserável todo em farrapos. 

'Quem é você?' - perguntou o santo, nem um pouco perturbado. 'Eu sou uma alma da outra vida'. 'E o que o trouxe à triste condição em que o vejo?' “Minhas faltas resultaram estes castigos sobre mim. Apesar da miséria a que agora me vejo reduzido, sou Malaquias, ex-rei da Irlanda. Nessa posição elevada, eu poderia ter feito muito bem e era meu dever fazê-lo. Eu negligenciei isso e, portanto, sou punido'. 'Você não fez penitência por suas faltas?' 'Não fiz penitência suficiente, e isso se deve à fraqueza culposa do meu confessor, a quem submeti aos meus caprichos, oferecendo-lhe um anel de ouro. É por isso que agora uso uma coleira de fogo em volta do pescoço'.  'Eu gostaria de saber' -  continuou o bispo, 'por que você está coberto com esses trapos?' 'É outro castigo. Eu não vesti o nu. Não ajudei os pobres com a caridade, o respeito e a liberalidade que se tornaram minha dignidade de rei e meu título de cristão. É por isso que você me vê vestido como pobre e coberto com estes andrajos'. A biografia acrescenta que São Corpreus, unido na sua comunidade em oração, ao cabo de seis meses obteve a mitigação do sofrimento e, um pouco mais tarde, a libertação total do rei Malaquias. 

Tradução da obra: 'Le Dogme du Purgatoire illustré par des Faits et des Révélations Particulières', do teólogo francês François-Xavier Schouppe, sj (1823-1904), 342 p., tradução pelo autor do blog)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

PALAVRAS DE SALVAÇÃO

'Filho, não te aflijas se alguém fizer de ti mau conceito ou disser coisas que não gostas de ouvir. Pior ainda deves julgar de ti mesmo, e avaliar-te o mais imperfeito de todos. Se praticares a vida interior, pouco te importarás de palavras que voam. É grande prudência calar-se nas horas da tribulação, volver-se interiormente a mim, e não se perturbar com os juízos humanos. Não faças depender a tua paz da boca dos homens; porque, quer julguem bem, quer mal de ti, não serás por isso homem diferente. Onde está a verdadeira paz e a glória verdadeira? Porventura não está em mim? Quem não procura agradar aos homens, nem teme desagradar-lhes, esse gozará grande paz. É do amor desordenado e do vão temor que nascem o desassossego do coração e a distração dos sentidos'.

(Da Imitação de Cristo)

domingo, 12 de dezembro de 2021

EVANGELHO DO DOMINGO

 

'Exultai cantando alegres, habitantes de Sião, porque é grande em vosso meio o Deus Santo de Israel!' (Is 12, 2-6)

 12/12/2021 - Terceiro Domingo do Advento

3.  'QUE DEVEMOS FAZER?' 


Neste domingo, Terceiro Domingo do Advento, mais uma vez, a mensagem profética que ressoa pelos tempos vem da boca de João Batista. Em Betânia, além do Jordão, diante da expectativa da chegada do Messias e da interrogação dos sacerdotes e dos levitas sobre a sua identidade, João Batista foi sucinto e categórico em suas respostas: 'Eu não sou o Cristo'. 'Eu não sou Elias'. 'Eu não sou o Profeta'. E sintetiza tudo: 'Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias' (Lc 3, 16). Eis o primado de João: Jesus vem, a sua Vinda é iminente: alegrai-vos todos porque o céu vai tocar a terra e fazer novas todas as coisas.

Eis o Advento do Senhor: depois da vigilância e da conversão, vivenciados nos domingos anteriores, segue agora o ressoar das trombetas da legítima alegria cristã neste terceiro domingo. Sim, alegria cristã, alegria plena do amor de Cristo, proclamada nas palavras do Profeta Sofonias: 'alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém!' (Sf 3, 14) e também na Carta de São Paulo aos Filipenses: 'Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos' (Fl 4, 4). Neste deleite da graça, esparge-se a luz do entendimento da fé e amolda-se suavemente a paz divina ao coração humano que palpita inquieto enquanto não repousar definitivamente em Deus.

Eis, então, a pergunta das multidões ansiosas, confiantes, vigilantes, convertidas - a João Batista: 'Que devemos fazer?' (Lc 3, 10). Assim perguntaram os levitas e os sacerdotes, assim perguntaram os soldados, assim perguntaram os cobradores de impostos. E, assim, perguntamos nós e os homens de todos os tempos, no sentido de experimentarmos verdadeiramente a alegria do Senhor, a paz definitiva, a fé que move montanhas e inquieta os corações humanos.

A resposta de Jesus é essa: 'Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei' (Jo 15,12). Eis aí a alegria cristã em plenitude, porta que nunca se abre para dentro, à espera que o bem se realize e a luz de fora inunde o nosso interior de graças e bênçãos; não, esta travessia de santidade impõe abrir o nosso coração ao outro, amor de doação que se nutre do bem que se faz e não do bem que se usufrui. Conhecedores desta verdade, poderemos efetivamente compreender, nos umbrais da verdadeira alegria cristã no Senhor, as palavras testamentais de Paulo: 'não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim' (Gl 2,20).

sábado, 11 de dezembro de 2021

A CAMINHADA DO ADVENTO


1. É o tempo da preparação para o aniversário da vinda do Salvador, causa de novas graças.

2. O Advento é o tempo de preparação para a segunda vinda de Jesus Cristo.

3. No 1º Domingo do Advento, a Igreja se prepara para a vinda do Senhor que ainda tarda - a antífona das primeiras vésperas é: Nomen Domini venit de longínquo.

4. No 2° Domingo, a Igreja espera a vinda do Senhor com ansiedade e quase impaciência - Jerusalem, cito veniet salus tua, quare mcerore consumeris.

5. No 3° Domingo Gaudete, a Igreja celebra com alegria a vinda do Senhor já próxima - Gaudete, Dominus enim propeest

6. No 4.° Domingo, exalta o Salvador: Rorate caeli, desuper, et nubes pluant justum: aperiatur terra, et germinet Salvatorem - Derramai, ó céus, o vosso orvalho do alto e que as nuvens chovam o Justo!

7. O tempo do Advento é marcado por dois elementos distintos: penitência e alegria.

8. Os sinais de penitência são: no ofício não se canta Te Deum; Missa sem o canto do Glória e com paramentos roxos, sem músicas ou órgão, ornatos simples do altar. 

9. Os sinais de alegria são o canto de Aleluia; o vivo desejo da vinda do Redentor nas antífonas ad laudes nos domingos, as Antífonas do Ó cantadas nas vésperas, o Domingo Gaudete, em que os paramentos podem ser cor de rosa e se permitem músicas e órgão.

10. O Advento deve ser vivido em plenitude junto com a Sagrada Família. Caminhemos com Maria e José de Nazaré a Belém e que eles nos abram os corações para os imensos tesouros que Deus reservou para nós neste tempo do Advento.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

OS GRANDES DOCUMENTOS DA IGREJA (I)

Constituição Dogmática PASTOR AETERNUS [18 de julho de 1870]

Concílio Vaticano I (1869 - 1870) - Papa Pio IX (1846 - 1878)

Sobre o primado e a infalibilidade do papa quando se pronuncia ex-cathedra em assuntos de fé e de moral


O eterno pastor e bispo das nossas almas [1 Pd 2,25], querendo perpetuar a salutífera obra da redenção, resolveu fundar a Santa Igreja, na qual, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos, pelo vínculo da mesma fé e do mesmo amor. Por isso, antes de ser glorificado, rogou ao Pai não só pelos Apóstolos, mas também por aqueles que haviam de crer nele através das palavras deles, para que todos fossem um, assim como o Filho e o Pai são um [Jo 17,20-]. Por isso, assim como enviou os Apóstolos que tinha escolhido do mundo, conforme tinha sido ele mesmo enviado pelo Pai [Jo 20,21], da mesma forma quis que até a consumação dos séculos [Mt 28,20], houvesse na sua Igreja pastores e doutores. 

Mas, para que o próprio episcopado fosse uno e indiviso, e pela coesão e união íntima dos sacerdotes toda a multidão dos crentes se conservasse na unidade da mesma fé e comunhão, antepondo São Pedro aos demais Apóstolos, pôs nele o princípio perpétuo e o fundamento visível desta dupla unidade, sobre cuja solidez se construísse o templo eterno e se levantasse sobre a firmeza desta fé a sublimidade da Igreja, que deve elevar-se até ao céu. E como as portas do inferno se insurgem de todas as partes de dia para dia com crescente ódio contra a Igreja divinamente estabelecida, a fim de fazê-la ruir, se pudessem, nós julgamos necessário para a guarda, para a incolumidade e para o aumento da grei católica, após a aprovação do Concílio, propor a crença dos fiéis a doutrina sobre a instituição, a perpetuidade e a natureza do santo primado Apostólico, no qual reside a força e a solidez de toda a Igreja, segundo a fé antiga e constante da Igreja universal, proscrevendo e condenando os erros contrários, tão perniciosos à grei do Senhor.

Cap. I - A Instituição do Primado Apostólico em São Pedro

Ensinamos, pois, e declaramos, segundo o testemunho do Evangelho, que Jesus Cristo prometeu e conferiu imediata e diretamente o primado de jurisdição sobre toda a Igreja ao Apóstolo São Pedro. Com efeito, só a Simão Pedro, a quem antes dissera: Chamar-te-ás Cefas [Jo 1,42], depois de ter ele feito a sua profissão com as palavras: 'Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo', foi que o Senhor se dirigiu com estas solenes palavras: 'Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque nem a carne nem o sangue to revelaram, mas sim meu Pai que está nos céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E dar-te-ei as chaves do reino dos céus. E tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus; e tudo o que desligares sobre a terra será desligado também nos céus' [Mt 16, 16-]. 

E somente a Simão Pedro conferiu Jesus, após a sua ressurreição, a jurisdição de pastor e chefe supremo de todo o seu rebanho, dizendo: 'Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas' [Jo 21, 15-]. A esta doutrina tão clara das Sagradas Escrituras, tal como sempre foi entendida pela Igreja Católica, opõe-se abertamente as sentenças perversas daqueles que, desnaturando a forma de governo estabelecida na Igreja por Cristo Nosso Senhor, negam que só Pedro foi agraciado com o verdadeiro e próprio primado de jurisdição, com exclusão dos demais Apóstolos, quer tomados singularmente, quer em conjunto. Igualmente se opõem a esta doutrina os que afirmam que o mesmo primado não foi imediata e diretamente confiado a São Pedro mesmo, mas à Igreja, e por meio desta a ele, como ministro dela.

[Cânon] Se, pois, alguém disser que o Apóstolo São Pedro não foi constituído por Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja militante; ou disser que ele não recebeu direta e imediatamente do mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo o primado de verdadeira e própria jurisdição, mas apenas o primado de honra, seja excomungado.

Cap. II -  A Perpetuidade do Primado de São Pedro nos Romanos Pontífices

Porém o que Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o príncipe dos pastores e o grande pastor das ovelhas, instituiu no Apóstolo São Pedro para a salvação eterna e o bem perene da Igreja, deve constantemente subsistir pela autoridade do mesmo Cristo na Igreja, que, fundada sobre o rochedo, permanecerá inabalável até ao fim dos séculos. 'Ninguém certamente duvida, pois é um fato notório em todos os séculos, que São Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, as chaves do reino; o qual (S. Pedro) vive, governa e julga através dos seus sucessores'.

[Cânon] Se, portanto, alguém negar ser de direito divino e por instituição do próprio Cristo que São Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice é o sucessor de São Pedro no mesmo primado, seja excomungado

Cap. III - A Natureza e o Caráter do Primado do Pontífice Romano

Por isso, apoiados no testemunho manifesto da Sagrada Escritura, e concordes com os decretos formais e evidentes, tanto dos Romanos Pontífices, nossos predecessores, como dos Concílios gerais, renovamos a definição do Concílio Ecumênico de Florença, que obriga todos os fiéis cristãos a crerem que a Santa Sé Apostólica e o Pontífice Romano têm o primado sobre todo o mundo, e que o mesmo Pontífice Romano é o sucessor de São Pedro, o príncipe dos Apóstolos, é o verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja e o pai e doutor de todos os cristãos; e que a ele entregou Nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal, conforme também se lê nas atas dos Concílios Ecumênicos e nos sagrados cânones.

Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja Romana, por disposição divina, tem o primado do poder ordinário sobre as outras Igrejas, e que este poder de jurisdição do Romano Pontífice, poder verdadeiramente episcopal, é imediato. E a ela devem-se sujeitar, por dever de subordinação hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao regime da Igreja, espalhada por todo o mundo, de tal forma que, guardada a unidade de comunhão e de fé com o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só redil com um só pastor. Esta é a doutrina católica, da qual ninguém pode se desviar, sob pena de perder a fé e a salvação.

Estamos, porém, longe de afirmar que este poder do Sumo Pontífice acaba com aquele poder ordinário e imediato de jurisdição episcopal, em virtude do qual os bispos, constituídos pelo Espírito Santo [cf. At 20,28] e sucessores dos Apóstolos, apascentam e regem, como verdadeiros pastores, os seus respectivos rebanhos; pelo contrário, este poder é firmado, corroborado e reivindicado pelo pastor supremo e universal, segundo o dizer de São Gregório Magno: 'A minha honra é o vigor dos meus irmãos. Sinto-me verdadeiramente honrado, quando a cada qual se tributa a honra que lhe é devida'.

Além disso, do supremo poder do Romano Pontífice de governar toda a Igreja resulta o direito de, no exercício deste seu ministério, comunicar-se livremente com os pastores e fiéis de toda a Igreja, para que estes possam ser por ele instruídos e dirigidos no caminho da salvação. Pelo que condenamos e reprovamos as máximas daqueles que dizem poder-se impedir licitamente esta comunicação do chefe supremo com os pastores e os fiéis, ou a subordinam ao poder secular, a ponto de afirmarem que o que é determinado pela Sé Apostólica, em virtude da sua autoridade para o governo da Igreja, não tem força nem valor, a não ser depois de confirmado pelo beneplácito do poder secular.

E como o Pontífice Romano governa a Igreja Universal em virtude do direito divino do primado apostólico, também ensinamos e declaramos que ele é o juiz supremo de todos os fiéis, podendo-se, em todas as coisas pertencentes ao foro eclesiástico, recorrer ao seu juízo; [declaramos] também que a ninguém é lícito emitir juízo acerca do julgamento desta Santa Sé, nem tocar neste julgamento, visto que não há autoridade acima da mesma Santa Sé. Por isso, estão fora do reto caminho da verdade os que afirmam ser lícito apelar da sentença do Pontífices Romanos para o Concílio Ecumênico, como sendo uma autoridade acima do Romano Pontífice.

[Cânon] Se, pois, alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspeção ou direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja, espalhada por todo o mundo ou disser que ele só goza da parte principal deste supremo poder, e não de toda a sua plenitude; ou disser que este seu poder não é ordinário e imediato, quer sobre todas e cada uma das igrejas quer sobre todos e cada um dos pastores e fiéis, seja excomungado.

Cap. IV - O Magistério Infalível do Romano Pontífice

Esta Santa Sé sempre tem crido que no próprio primado Apostólico que o Romano Pontífice tem sobre toda a Igreja, está também incluído o supremo poder do magistério. O mesmo é confirmado também pelo uso constante da Igreja e pelos Concílios Ecumênicos, principalmente aqueles em que os Orientais se reuniam com os Ocidentais na união da fé e da caridade.

Assim, os Padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo o exemplo dos antepassados, fizeram esta solene profissão da fé: 'A salvação consiste antes de tudo em guardar a regra da fé verdadeira... E como a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja' [Mt 16,18] não pode ser vã, os fatos a têm confirmado, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e santa a doutrina. Por isso, não desejando absolutamente separar-nos desta fé e desta doutrina, ... esperamos merecer perseverar na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a religião cristã'.

E os gregos, com a aprovação do II Concílio de Lião, professaram 'que a Santa Igreja Romana goza do supremo e pleno primado e principado sobre toda a Igreja Católica, primado que com verdade ela reconhece humildemente ter recebido, com a plenitude do poder, do próprio Jesus Cristo, na pessoa de São Pedro, príncipe dos Apóstolos, de quem o Romano Pontífice é sucessor; e assim com a Igreja Romana, mais do que as outras, deve defender a verdadeira fé assim também, quando surgirem questões acerca da fé, cabe a ela o defini-las'. E finalmente o Concílio de Florença definiu 'que o Romano Pontífice é o verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja, o pai e o doutor de todos os cristãos; e que a ele conferiu Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa de São Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja'.

Com o fim de satisfazer a este múnus pastoral, os nossos predecessores empregaram sempre todos os esforços para propagar a salutar doutrina de Cristo entre todos os povos da Terra, vigiando com igual solicitude que, onde fosse recebida, se guardasse pura e sem alteração. Pelo que os bispos de todo o mundo, quer em particular, quer reunidos em sínodos, seguindo o velho costume e a antiga regra da Igreja, têm referido a esta Sé Apostólica os perigos que surgiam, principalmente em assuntos de fé, a fim de que os danos da fé se ressarcissem aí, onde a fé não pode sofrer quebra. E os Pontífices Romanos, conforme lhes aconselhavam a condição dos tempos e as circunstâncias, ora convocando Concílios Ecumênicos, ora auscultando a opinião de toda a Igreja dispersa pelo mundo, ora por sínodos particulares ou empregando outros meios, que a Divina Providência lhes proporcionava, têm definido como verdade de fé aquilo que, com o auxílio de Deus, reconheceram ser conforme com a Sagrada Escritura e as tradições apostólicas. 

Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos Apóstolos. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que esta cátedra de São Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: 'Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos' [Lc 22, 32].

Foi, portanto, este dom da verdade e da fé, que nunca falece, concedido divinamente a Pedro e aos seus sucessores nesta cátedra, a fim de que cumprissem seu sublime encargo para a salvação de todos, para que assim todo o rebanho de Cristo, afastado por eles do venenoso engodo do erro, fosse nutrido com o pábulo da doutrina celeste, para que assim, removida toda ocasião de cisma, e apoiada no seu fundamento, se conservasse unida a Igreja Universal, firme e inexpugnável contra as portas do inferno. Mas, como nestes nossos tempos, em que mais do que nunca se precisa da salutífera eficácia do ministério apostólico, muitos há que combatem esta autoridade, julgamos absolutamente necessário afirmar solenemente esta prerrogativa que o Filho Unigênito de Deus dignou-se ajuntar ao supremo ofício pastoral.

Por isso nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.

[Cânon]: Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita, seja excomungado.